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Marília Magalhães
Marcela Santos
A identidade é pensada a partir de um nome próprio, direito de cada sujeito, com base
no que Lacan se refere no Seminário 9 sobre a Identificação, dando importância a letra,
tornando-se anos depois como litoral entre o real e o simbólico. O prenome inclusive é uma
forma de individualizar o sujeito dentro do âmbito familiar, diferenciando do nome-do-pai.
Através do traço unário, a escrita deixa de ser figurativa e torna a representar um significante,
no que se encontra sozinho, o Um. É essa a diferença introduzida no real, feita um a um, um
único traço. Portanto, a primeira coisa a se fazer para assegurar o ser de sua existência é fazer
com que ele exista, dando um nome.
Que, assim como nos dedicamos a elaborar a função da unidade como função da
diferença radical na determinação desse centro ideal do sujeito, que se chama de
Ideal do Eu, assim também na sequência, e por uma boa razão, é que o
identificaremos àquilo que até agora introduzimos em nossa conotação pessoal como
[ilegível], isto é, a função imaginária do falo. (LACAN, 1961-62, p. 111-112)
Para que vocês se localizam aí posso dizer-lhes que é sondando que encontraremos o
justo peso, a justa inclinação dessa balança onde coloco, diante de vocês, a relação do
neurótico com o objeto fálico, quando lhes digo, para agarrar essa relação, é
necessário dizer: “ele não é sem tê-lo.” (LACAN, 1961-62, p. 135)
Lacan ainda continua: “não quer dizer que ele o tem”, ou seja, ainda se situa o objeto
fálico enquanto imaginário. O que nos detém aqui é a relação do sujeito com o significante, e
é isso que o obsessivo tem relação com ungeschehen machen (desfazer), “fazer com que isso
não tenha acontecido (p. 135)”, como forma de apagar. “Se o signo representa algo para
alguém, o significante é articulado de outra forma, representa o sujeito para um outro
significante'' (p. 136).
(...) É possível que o seio seja também falo que Melanie Klein o faz aparecer
imediatamente tão rápido como o seio, desde o início, dizendo-nos que, afinal, é um
pequeno seio mais cômodo, mais portátil, mais delicado. Vocês vêem bem que
colocar essas distinções estruturais pode nos levar a algum lugar, na medida em que o
seio recalcado reemerge, se sobressai no sintoma, ou simplesmente num lance que
não qualificamos de outra forma: a função sobre a escala perversa, a produzir essa
outra coisa que é a evocação do objeto falo. (LACAN, 1961-62, p. 144)
Com isso, podemos pensar no seio enquanto um significante fálico, e assim um objeto
que serve de uma erotização oral, que em muitos casos é possível identificar uma fixação,
como a compulsão por comida, o alcoolismo e o entorpecimento de outras drogas. Então
Lacan inscreve assim:
O a é situado como uma bola de pingue pongue servindo de suporte no jogo do fort-
da, ou seja o a é nada. Portanto, se trata da passagem do falo de a+ a a- que podemos ver na
relação de identificação na frustração do sujeito.
Aqui, podemos pensar na identificação do sujeito com o objeto do desejo, que antes
de se tornar desejo é significante da falta, é com isso que o sujeito irá se identificar, com sua
falta. A questão é a presença e a ausência do pequeno a que vai se instaurar no sujeito. Ao
passo de que o objeto a é um objeto de pura falta, é preciso compreender que quando há uma
ausência desse objeto, ou seja, a ausência da falta é o que vai dar lugar para a angústia,
enquanto que a presença do objeto a é que vai fundar o desejo, pois só se deseja o que falta,
por isso é preciso que o sujeito se identifique com sua falta, fazendo algo com isso,
instaurando o desejo. Lacan já vem anunciando em torno do pequeno a, deixando para o
seminário 10, justamente sobre a angústia para dar lugar a esse objeto.
O que faz o homem dos ratos, ao levantar à noite, como Teodoro? Ele se arrasta em
pantufas, em direção ao corredor, para abrir a porta ao fantasma de seu pai morto,
para lhe mostrar o quê? Que ele está tendo uma ereção. Não estará aí a revelação de
uma conduta fundamental? O neurótico quer que, por falta de poder, já que está
assegurado que o Outro nada pode, que ao menos ele saiba. (LACAN, 1961-62, p.
215)
“(...) Há algum meio e, para melhor dizer, algum instrumento para essa incrível
transmutação do objeto do desejo na existência do sujeito, e que é justamente o falo” (p. 216).
O desejo para o sujeito é algo que ele vai constituir através da demanda, com isso, há duas
dimensões para pensar a topologia do toro:
Por um lado, é a distância que junta o centro do vazio central com esse ponto que
ocorre ser, que pode definir-se como uma espécie de tangência, graças ao que um
plano que corta o toro vai nos permitir destacar, da maneira mais simples, esse
círculo privilegiado. É isso que nos dará a definição, a medida do pequeno a
enquanto objeto do desejo. (LACAN, 1961-62, pp.223-224)
Por fim, o sujeito constrói uma cadeia de identificações que perpassam o falo de
maneira operatória, como na castração, se identificando com a sua falta, com a demanda, com
o desejo, com o Outro, com o amor, representando o significante fálico para o sujeito. Há
algo em que gostaria de retomar como forma de direcionar em torno disso que Lacan
desdobra sobre o falo a partir da identificação.
Quando ele fala sobre continuar os princípios de papai, visto que é do pai que o
sujeito descende, e que inclusive anuncia logo de início sobre o ideal-do-eu, que carrega algo
do pai, seja sua ausência, seu nome, ou o que. Me ocorreu de abordar o pai de uma outra
perspectiva, enquanto pátria, enquanto nacionalismo, pensando que atravessa o sujeito
culturalmente, e não deixa de ser um pai, uma pátria.
Nesta linha, certos projetos filosóficos são capazes de sustentar uma inigualável
crítica a desigualdade humana pensada universalmente, ao mesmo tempo em que
produzem uma justificação conceitual e política ao colonialismo europeu e à
desigualdade entre raças; ou ainda, certas filosofias são capazes de fornecer as bases
conceituais para a promoção de uma educação fomentadora de autonomia e orientada
para a liberdade, ao mesmo tempo advogando a superioridade de certa elite letrada
européia sobre outros povos; e mesmo são capazes de produzir um viés de crítica ao
Estado ou ao capitalismo, ao mesmo tempo justificando filosoficamente e
politicamente o nacionalismo (BRANCO, 2020, p. 14).
O autor ainda fala que “cada ser humano deve nutrir amor por seu território
particular.” (p. 23). Isso me faz pensar no que a Cida Bento traz no livro O pacto da
branquitude:
Assim, falar sobre a herança escravocrata que vem sendo transmitida através do
tempo, mas silenciada, pode auxiliar as novas gerações a reconhecer o que herdaram
naquilo que vivem na atualidade, debater e resolver o que ficou do passado, para
então construir uma outra história e avançar para outros pactos civilizatórios.
(BENTO, 20222, p. 25).
Contudo, quis trazer esses recortes para poder pensar o que o sujeito descende do pai,
colocando esse pai enquanto pátria, uma identidade nacionalista, e que esse pai articulando
com o caso do homem dos ratos, é um pai fálico, podendo representar o homem branco,
burguês, colonizador, ou para outros, imbroxável. Gostaria de finalizar com a letra de uma
música de Gabriel o pensador - Pátria que me pariu.
Referências
BENTO, Cida. O pacto da branquitude. 1ª ed. São Paulo-SP: Companhia das letras,
2022.
BRANCO, Felipe Castelo. Filosofia dos nacionalismos. Nacionalismos da filosofia.
Apeku: Rio de Janeiro-RJ, 2020.
LACAN, Jacques. (1961-1962). Seminário 9 - A identificação. Tradução: Ivan Corrêa e
Marcos Bagno. Recife: Centro de Estudos Freudianos de Recife. Edições Bagaço, 2003.