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Na psicose, a entrada na linguagem se inscreve de modo distinto, o sujeito não chega à castração,
que o excluiria da posição de objeto em relação ao outro. Há a foraclusão do Nome-do-Pai. É por via da
linguagem que o sujeito se inscreve como tal, e este se inscreverá pelo Outro, representado inicialmente
pela mãe, contudo o pai simbólico será primordial nesse processo de constituição.
Lebrun observa, sobre a função do pai na constituição do sujeito, que: “ Ser pai, contrariamente a
ser genitor, supõe o acesso à dimensão simbólica, à linguagem. Mais, ainda, pensar o ser pai tem
diretamente a ver com a instalação da realidade psíquica do sujeito”(2004, p.26). O pai simbólico,
portanto, nem sempre é o pai genitor, posto que este último pode não conseguir realizar a função de
introduzir o sujeito na dimensão simbólica, instituindo a castração simbólica, o Nome-do-Pai.
O termo Nome-do-Pai é introduzido posteriormente à noção de metáfora paterna. Tal termo fora
conceituado em meados da década de 50. O autor toma emprestado o termo dos escritos bíblicos, onde o
nome do pai seria o nome de Deus. Quando se comenta sobre o Nome-do-pai, põe-se em questão a função
do Pai e qual pai seria esse.
O pai simbólico, na perspectiva lacaniana, é aquele que age na relação entre os significantes da
cadeia. Para ele, o pai simbólico é “uma necessidade da construção simbólica, que só podemos situar num
mais-além, diria quase que numa transcendência, pelo menos como um termo que, como lhes indiquei de
passagem, só é alcançado por uma construção mítica” (1956, p.225).
O Nome-do-Pai é considerado uma construção mítica por ser originado das inscrições bíblicas
sobre a entidade divina. Além disso, para adquirir tal título, é necessário que haja um reconhecimento dele
como tal, uma construção simbólica, que faça dele um efeito de significante, um Nome-do-Pai, assim
como na religião. Esse reconhecimento, geralmente, é realizado pela mãe, que o coloca na posição de pai
simbólico e dá voz àquele considerado portador da lei.
O Nome-do-Pai age, portanto, como um proibidor, um interdito, responsável por instaurar a lei
paterna no sujeito, um nomeador. Desse modo, a partir da lei paterna configurar-se-ão as instâncias de
constituição do real , simbólico e imaginário e “é no nome do pai que se deve reconhecer o suporte da
função simbólica que, desde o limiar dos tempos históricos, identifica sua pessoa com a imagem da
lei”(1953:279).
Na psicose, a articulação do Nome-do-Pai se configura de modo distinto, posto que o significante
que funcionaria como suporte e apresentaria uma função simbólica, ao invés de se encontrar na instância
simbólica, retorna no real; tal processo é denominado por foraclusão. Porge observa então: “O que este
traço designa como retorno do Nome-do-Pai no real, enquanto precisamente o Nome-do-Pai está
verworfen, foracluído, recusado, a título disto ele designa, se esta foraclusão sobre a qual eu disse que ela
é o princípio da loucura...” (1998, p.149).
Assim, o Nome-do-pai será imprescindível à constituição de um sujeito, se ele falta, falta também
o sujeito, como acontece na psicose. O Nome-do-pai vem, portanto, organizar a cadeia significante, de
modo que ela funcione articuladamente. Lebrun aponta que:
“podemos articular a falta da função paterna simbólica com a psicose; com efeito,
sucintamente, podemos identificar que é a armação linguageira ou significante que é
constitutiva do mundo de um sujeito e que, na psicose, podemos hipotetizar uma lesão
dessa armação que consiste em que um significante capital falte; esse significante é o
Nome-do-Pai” (LEBRUN, p.41).
Há, segundo Lebrun, uma lesão na armação linguageira, justificando precariedade de articulação
da linguagem psicótica. Tal peculiaridade é ocasionada pela relação entre os significantes, os quais se
organizam de modo particular a partir da entrada na linguagem. Lacan, em seu seminário destinado ao
estudo das psicoses, especifica a entrada na estrutura de linguagem psicótica: “Não se trata da relação do
sujeito com um vínculo significado no interior das estruturas significantes existentes, mas de seu encontro,
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em condições eletivas, com o significante como tal, encontro que marca a entrada na psicose” (1953,
p.359).
A constituição do psiquismo na psicose se articula de modo distinto, posto que há um significante
primordial (S1) que não se associa ao significante outro (s2), por isso não se produz a barra entre eles, e,
conseqüentemente, não há sujeito barrado na psicose. O Nome-do-Pai é a instância que funciona como
instauradora do ponto de basta na cadeia significante por meio de um significante mestre (S1). O fracasso
da função paterna emanará, certamente, uma relação desarticulada entre os significantes da cadeia, o que
resultará em uma cadeia de ordenamento precário, sem lei, como acontece na psicose.
Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome-do-Pai, verworfen, foracluído, isto é,
jamais advindo no lugar do Outro, seja ali invocado em oposição simbólica ao sujeito. Sendo assim, de
acordo com Lacan “É a falta do Nome-do-Pai nesse lugar que, pelo furo que abre no significado, dá início
à cascata de remanejamentos do significante de onde provém o desastre crescente do imaginário, até que
seja alcançado o nível em que significante e significado se estabilizam na metáfora delirante.” (1955 ,
p.584).
O delírio, ou a metáfora delirante, consistirá em conter o deslizamento da cadeia significante, uma
tentativa de ater-se não só à realidade, mas também à articulação da linguagem. Por isso o delírio é
importante e essencial à psicose, pois ele tenta executar uma função fracassada ao tentar instaurar-se o
Nome-do-Pai. Os delírios surgem a partir de uma “diversidade sintomatológica”, termo designado por
Borges para inferir que “ é sempre uma figura sem falta que se apresenta. Isto testemunha o estatuto de
objeto a e aponta para a função do delírio na psicose” (2007, p. 04).
Deste modo, na neurose há uma fuga da realidade que é adiada e tamponada pela fantasia, já na
psicose a relação com a realidade cria certa angústia no sujeito; não há como se defender da invasão
angustiante da pulsão. Assim, essa realidade é remodelada por uma outra realidade criada pelo falante: o
delírio. Lacan aponta que na psicose “ há uma relação profundamente pervertida com a realidade” (1956,
p.55), o que confirma a reflexão freudiana a respeito de uma recriação de outra realidade própria do
psicótico chamada delírio. Trata-se da criação de uma realidade que vem tamponar o buraco deixado pelo
real.
Borges, ao realizar uma releitura precisa sobre a lógica do delírio, explicada por Maleval, afirma:
“ há uma lógica fantasmática original no princípio do desenvolvimento de cada delírio” (p. 03 ). A lógica
fantasmática do delírio nos coloca frente a um enigma: compreender seu funcionamento na linguagem.
Os delírios e alucinações são produzidos como efeito da foraclusão, pois não há como identificá-la, apenas
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seus efeitos. Por isso, não há atos falhos ou lapsos na psicose, no lugar deles estão os delírios. O delírio é,
portanto, uma tentativa de produção de um ponto de basta, para que o deslizamento se cesse.
O delírio será a principal característica de indicação de uma psicose, e Lacan nos assegura que “ a
análise do delírio nos revela a relação fundamental do sujeito no registro no qual se organizam e se
desenvolvem todas as manifestações do inconsciente” (1956, p.141). Sendo assim, é pelo delírio que
podemos compreender, mesmo que precariamente, os mecanismos que engendram tal estrutura de
linguagem .
O delírio pode ser desenvolvido a partir de uma certeza persistente presente no sujeito quanto ao
que é dito, pois de acordo com Lacan, no Seminário 3, “Quanto aos paranóicos, quanto aos delirantes,
quanto aos psicóticos, eles amam o delírio deles como amam a si mesmos. (...) O psicótico está unido ao
delírio, como a algo que é ele próprio”(op. cit, p.246). O delírio é algo do sujeito e se apresenta a ele como
uma parte constituinte de sua estrutura, sendo assim, torna-se elementar em sua estrutura, principalmente,
por ser uma tentativa de cura.
Contudo, a linguagem delirante, mesmo sendo fundamental ao sujeito, causa certa estranheza a
quem ouve. Sendo assim, o sujeito estruturado na psicose torna-se um incômodo à sociedade, que o rejeita
e o coloca à margem do convívio: “ no seio da sociedade, ele é um absurdo, como se diz, e mesmo muito
incômodo” (LACAN, op. cit., p.141). Existe uma certa resistência ao delírio, também por haver uma
concepção da psiquiatria clássica em combatê-lo a qualquer preço, o que faz com que o psicótico fique
em condições lastimáveis sem ele.
Dessa forma, o delírio será uma das formas de sustentação do sujeito à realidade. Assim como
observa Quinet, há dois momentos de relação com a realidade na psicose:
As bengalas imaginárias serão modos de sustentação antes de um surto. O surto pode nunca
chegar a acontecer, posto que as bengalas imaginárias funcionam como eficientes elementos de
sustentação. Estas podem ser a igreja, uma relação amorosa, um emprego, ou qualquer outro ponto que
funcionaria como uma castração simbólica, prendendo o sujeito na psicose à realidade.
Contudo, se tais bengalas não se fazem suficientes, há , então, o surto. A partir do surto, o delírio
será o principal elemento de apoio ao sujeito em sua relação com a realidade, será uma tentativa
desesperadora de cura. Tal procedimento justifica o título atribuído por Lacan em seu Seminário 3 em um
de seus capítulos, a “Dissolução imaginária”. Quando o imaginário se desfacela, o delírio é eleito como a
principal ligação entre sujeito e realidade, o real impera, portanto, sobre o psicótico.
Uma importante questão é levantada por Quinet com relação ao delírio; apoiando-se nas
proposições de Lacan, o qual observa que o delírio está presente em qualquer estrutura de linguagem,
tanto na neurose e na psicose. Entretanto, é importante observar as disparidades existentes no delírio de
cada estrutura, considerando a seguinte postulação freudiana: “... a questão que vem a ser colocada não é
apenas a da perda da realidade, mas também a de um substituto da realidade”(Apud QUINET, 2006: 57).
O substituto da realidade na neurose é a fantasia, o sujeito na neurose parece ter suas limitações em seus
delírios, já na psicose há uma monstruosa movimentação de gozo, uma invasão que não permite que o
sujeito possa viver sem esse delírio, pois ele cessa essa invasão de gozo.
O delírio é uma boa forma de suportar o real que o invade o tempo todo por meio do gozo. Assim
coloca Quinet: “ O delírio é a formação imaginária que dá forma à realidade de cada sujeito a partir da
costura simbólica do real, constituindo assim um modo de defesa do sujeito contra o impossível a
suportar- o que do real está foracluído do simbólico”(op. cit., p.57). Podemos afirmar, portanto, que o
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delírio não é algo a ser destruído, como se supõe comumente, pois ele será a bengala de sustentação para o
sujeito suportar o desnodamento dos registros e a invasão do gozo.
Mesmo sendo estranho a quem ouve e a quem convive com o sujeito delirante, o delírio faz parte
da estrutura psicótica e é nada mais que uma tentativa de cura. O delírio é medonho e causa imenso
desconforto por conter um emaranhado de discursos e idéias vindas de um inconsciente a céu aberto, uma
repleta desorganização da estrutura de linguagem e se denuncia pelos absurdos pronunciados pelo sujeito.
No entanto, o delírio é uma alternativa oferecida pela linguagem como a cura para o sujeito que se vê
mergulhado em um universo particular construído por si mesmo, é a tentativa desesperadora de se prender
e se sustentar à realidade, tentando escapar das fissuras deixadas pelo real. Assim, o delírio é nada mais
que o ponto de sustentação da loucura, pois segundo Foucault : “Assim é a loucura: esse remorso, essa
crença, essa alucinação, esses discursos. Em suma, todo o conjunto de convicções e imagens que
constituem um delírio( 1972, p.235).”A linguagem delirante, para ser considerada boa ou ruim, depende
do modo pelo qual é percebida.
REFERÊNCIAS