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FUNÇÃO DO ANALISTA
AULA 2
TEMA 1 – A ALIENAÇÃO
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satisfação das necessidades básicas, mas sua própria existência. Logo, ele
entenderá que precisa agradar esse Outro, ser desejado por ele, amado por
ele, para garantir um lugar nesse mundo em que foi concebido. O Outro,
escrevemos assim com maiúscula, posto que não é o pai ou a mãe, mas aquilo
que neles fala; esse Outro então lhe oferecerá significantes, aos quais ele
deverá aderir para que seja reconhecido como merecedor de Seu desejo. Ser
“um bom menino”, ser “obediente”, “a menininha do papai” ou o “homenzinho
da mamãe”, “aquele que não chora”, são todos significantes que a criança vai
sendo convidada a aderir para que lhe seja reconhecida consideração, pelo
desejo dos pais.
Ao aderir um significante, sempre vindo do campo do Outro, palavras
que lhe são estrangeiras, a criança o faz cedendo parte de si, algo que de si
fica de fora, de modo que vai se constituindo uma alienação de seu desejo ao
desejo do Outro. Essa operação, portanto, implica em uma perda no campo do
ser, na medida em que esses significantes lhe são estranhos, não são sequer
de sua própria autoria.
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Os exemplos que ele utiliza para ilustrar essa operação, no Seminário –
livro 11, Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise, de 1964, são, por
exemplo, a frase A bolsa ou a vida!: “A bolsa ou a vida! Se escolho a bolsa,
perco as duas. Se escolho a vida, tenho a vida sem a bolsa, isto é, uma vida
decepada. Vejo que me fiz suficientemente compreender” (Lacan, 1985, p.
207); ou ainda o exemplo tirado de Hegel, sobre a entrada humana no regime
de escravidão: “A liberdade ou a vida! Se ele escolhe a liberdade, pronto, ele
perde as duas imediatamente – se ele escolhe a vida, tem a vida amputada da
liberdade” (Ibid.).
De modo análogo, a criança não tem como escolher pelo campo do ser,
sem perder o campo do sentido e o reconhecimento do Outro no mundo da
linguagem, de quem ela demanda segurança e consistência existencial. Ao
escolher então o campo do sentido para que lhe seja reconhecida uma
consistência simbólica por esse Outro, o sujeito aliena-se de si próprio, de seu
desejo, que passa então a estar atrelado ao desejo desse Outro.
Essa perda de ser, fruto da identificação do indivíduo com o campo
simbólico do Outro, é a própria negatividade que Lacan identifica como sendo o
sujeito da questão, do inconsciente. Na sua fundação, oriunda da relação que
se estabelece com a ordem do significante, o sujeito aparece, parcialmente, no
campo do simbólico, representado por um significante (S1) para outro
significante (S2), ao mesmo tempo que desaparece, (S), como afânise, ou seja
castrado, sujeito barrado e resistente à significação.
TEMA 2 – S1 E S2
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com o qual o sujeito se identifica, ou melhor, os primeiros significantes com os
quais o sujeito se engaja na tentativa de dar mais consistência ao seu ser.
S1 S2
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Se o significante vai representar um sujeito para outro significante, este
outro o fará em relação a outro e assim sucessivamente, de modo que, como
os números inteiros, 1, 2, 3, 4, 5, 6... a cadeia não se fecha, não há significante
que por si só dê conta de significá-lo, daí a divisão do sujeito. Logo, S2
representa todo o conjunto da cadeia significante, que é faltante.
TEMA 3 – O OUTRO
Acontece que esse Outro, ele mesmo, sendo o lugar dos significantes,
ou seja, onde vamos buscar as palavras para nos expressar e as palavras que
nos constituem, nossos rótulos, nossos ideais simbólicos, é, ele mesmo,
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furado, no sentido de que em si próprio ele não se encerra, é um campo aberto,
em que se pode sempre inserir um novo significante.
Àquela pergunta que se faz para as crianças, sobre o que querem ser
quando crescer, o sujeito vai se engajar em respondê-la para si mesmo,
sempre com significantes que lhe foram transmitidos, às vezes impostos mais
incisivamente, e com os quais ele se identifica ou, termos lacanianos, se aliena.
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Os significantes que irão nos representar para o mundo e determinar nossa
história, a começar pelo nosso nome próprio, que não nos é dado escolher, nos
serão oferecidos desde esse lugar, o campo do Outro, a princípio pelos pais ou
avós, depois pela família, depois pela escola, pela cultura, pela mídia, pelos
discursos que circulam na sociedade e que ouvimos, e que atravessam
também essas pessoas da família. Significantes que se insinuam e seduzem o
sujeito com uma promessa de identidade e reconhecimento, de consistência.
Ao designar o inconsciente como o discurso do Outro, Lacan vai
especificar seu lugar na relação analítica, supostamente dialógica, isto é, entre
duas pessoas, introduzindo aí o terceiro termo desta relação. Entre analisando
e o analista existe o Outro, o inconsciente, que os atravessa aos dois,
permeando a relação. Assim, o Outro tal como especificado por Lacan não é o
pequeno outro, o semelhante, imaginário, mas um lugar simbólico. No entanto,
“apesar do que Freud acrescentou a essa advertência através de sua teoria da
miragem narcísica, o psicanalista continua a se embrenhar cada vez mais na
relação dual [...]” (Lacan [1956], 1998, p. 466). Pressupor um diálogo, entre
dois termos ou, neste caso, dois sujeitos, é um erro contra o qual o psicanalista
não pode deixar de estar advertido.
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Freud, deu prioridade ao inconsciente em relação ao ego. (Fink,
2018, p. 47-48)
TEMA 5 – A SEPARAÇÃO
NA PRÁTICA
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A análise se desenvolveu de uma maneira sinuosa, que não poderemos
detalhar nesse espaço, mas, para efeitos de ilustração, Fernando se alienara
aos significantes de alta performance, e não foi sem uma boa dose de angústia
e ansiedade que ele pôde perceber que esse foi sempre o ritmo de seu desejo,
que lhe foi oferecido para ser o seu e que acabou sendo, mesmo quando já
não funcionava mais. Ele estava muito acelerado desde que nascera, e
começava a querer tirar o pé, desejar de modo diferente, e é depois disso que
ele amadurece e ensaia outras vias, para além daqueles ideais tão
aparentemente completos e inatingíveis.
FINALIZANDO
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REFERÊNCIAS
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