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Empatia psicanalítica:
possibilidades e dificuldades
Psychoanalytic empathy:
possibilities and difficulties
Francisco de Assis Duque
Resumo
Este trabalho tem por objetivo refletir sobre o conceito de empatia nas obras de Freud e Fe-
renczi e sua conexão com autores implicados com esse conceito a partir dos anos 1950. Salien-
ta-se a origem do termo, a adoção do estado empático pelo analista e os cuidados anunciados
por Freud, bem como a forma como esse conceito foi gradativamente introduzido no atendi-
mento clínico. Abordam-se as contribuições de Ferenczi sobre a capacidade do analista para
usar a sensibilidade e compreensão diante dos conflitos psíquicos do paciente. O texto destaca
a importância da técnica psicanalítica e o uso apropriado da empatia como uma qualidade
particular do analista além disso, aponta aspectos que diferenciam empatia, identificação e
contratransferência no cotidiano da clínica psicanalítica.
Conceito de extrema importância para a palavra tem origem (empatheia, estar dentro,
clínica psicanalítica, seja para adotá-lo, seja estar presente, viver com e como o outro o
para descartá-lo, a empatia, ainda como um seu páthos, paixão, sofrimento e doença). Por
tema controvertido, sempre esteve presente um lado, revela a possibilidade de projetar de
no debate psicanalítico. Penso que a empatia modo imaginativo sua consciência e apreender
– guardados os devidos riscos da possibilida- o objeto contemplado; por outro, revela a
de de instituir o outro, por projeção, introje- capacidade de compreender os sentimentos
ção ou ainda por processos de fusão afetiva e os pensamentos de um outro, colocando-
− é, como queria Ferenczi, um guia válido, se em seu lugar (Coelho Junior, 2004).
mas não infalível para nos aproximarmos do Embora a empatia tenha múltiplas inser-
que o analisando sente, para compreender- ções na filosofia, na literatura e na história
mos e compartilharmos o sofrimento alheio. dos estudos estéticos e psicológicos, foi atra-
E, como considerou Etchegoyen, um fator vés do romantismo alemão que a palavra
necessário do trabalho analítico, já que sem Einfühlung [empatia] teve ampliada sua di-
a empatia nunca poderíamos entrar no com- fusão por Theodor Lipps, que a empregou
passo do analisando, embora não a considere para esclarecer a experiência do “sentir com”.
suficiente para a tarefa analítica, uma vez que Freud, influenciado por esse autor, deu
a empatia depende de muitos fatores. ao vocábulo um uso psicanalítico diferente
Para situar o conceito de empatia de seu emprego em outras áreas. Sabe-se, se-
[Einfühlung] nas obras de Freud, não se pode gundo o trabalho de Pigman, Freud e a histó-
fazê-lo sem antes considerar que ele teve amplo ria da empatia (Pigman, 1995 apud Bolog-
conhecimento da filosofia grega, na qual a nini, 2008), da importância dada por Freud
Estudos de Psicanálise | Belo Horizonte-MG | n. 49 | p. 97–104 | julho/2018 97
Empatia psicanalítica: possibilidades e dificuldades
a nós’, mas ‘as partes internas de outras pes- clínica para que, usando dessa sensibilidade,
soas que são estrangeiras, estranhas e ignora- possa compreender os conflitos psíquicos do
das por seu próprio ego’. paciente. Isso Ferenczi faz com propriedade
Dessa forma, a empatia permitiria aos observando cuidadosamente as recomenda-
analistas compreender a parte das pessoas ções de Freud.
que é desconhecida delas mesmas (Pigman, No trabalho já citado de 1928, há um mis-
1995 apud Bolognini, 2008). to de inovações e ao mesmo tempo o cuida-
Se, por um lado, implicitamente, Freud dá do com as recomendações de Freud. Antes
muita importância à empatia, por outro, de- de Freud propor a regra fundamental de que
monstra preocupação. todo analista precisa ser analisado, havia a
Segundo Bolognini (2008), na carta de ideia errônea de que a análise eficaz depen-
Freud a Ferenczi, por ocasião da apresenta- deria mais de condições específicas de cada
ção do trabalho A elasticidade da técnica psi- analista do que da aplicação da técnica em
canalítica, de Ferenczi ([1928] 2011), Freud si. Se assim fosse, todo esforço para ensinar
confirma que a empatia diz respeito a quase aos outros alguma coisa da técnica estaria de
todas as coisas que um analista “deveria fazer antemão condenado ao fracasso.
no sentido positivo”. Ferenczi ressalta que não é nada dis-
Contudo, preocupa-se que um analista so. Afirma que, depois que Freud publicou
possa, em nome de agir com empatia, suge- seus Conselhos sobre a técnica psicanalítica,
rido por Ferenczi, justificar arbitrariedades, possuímos os primeiros elementos de uma
excessos de subjetividade e assim por diante. investigação metódica sobre o psiquismo.
É assim que, ao comentar um artigo que Confirma a segunda regra fundamental da
Ferenczi acaba de lhe enviar, Freud reco- psicanálise, ou seja, quem quer analisar os
nhece que suas recomendações técnicas dos outros deve, em primeiro lugar, ser ele pró-
textos de 1911 e 1915 eram essencialmente prio analisado. Essa premissa é condição
negativas. Freud considera que o mais im- fundamental para o sucesso da técnica.
portante era não demonstrar as tentações Segundo Ferenczi, toda pessoa que foi
que trabalham contra a análise. Ele explica analisada a fundo, que aprendeu a conhecer
que os obedientes discípulos não se deram completamente e a controlar suas inevitáveis
conta da elasticidade dessas discussões sobre fraquezas e particularidades de caráter che-
o tema e se submeteram a elas como se fos- gará necessariamente ao objetivo da análise.
sem tabus. Acredita que, após a adoção dessa regra, a
Segundo Etchegoyen (2004), é sabido, no importância da nota pessoal do analista dis-
campo psicanalítico, que muitos analistas se sipou-se cada vez mais, enaltecendo a téc-
ocuparam da empatia, mas nenhum com a nica. É sob a observação da análise pessoal
profundidade com que o fez Ferenczi. Seu adequada que Ferenczi sugere o uso da em-
trabalho de 1928, Elasticidade da técnica psi- patia.
canalítica, é o mais original e o mais comple- Na abordagem que Ferenczi faz da em-
to sobre o tema. Ao ler a obra de Ferenczi, patia − o “sentir com”−, ele enfatiza no tra-
não é difícil notar sua fidelidade sem igual a tamento o fator subjetivo, que chama de
Freud no que se refere às recomendações do intuição, mas coloca como fator decisivo a
mestre à clínica psicanalítica. apreciação consciente da situação dinâmica.
Entretanto, isso não o impediu de inovar Seu procedimento é colocar-se no diapasão
na técnica da clínica. Ao sintetizar, numa do doente, sentir com ele todos os seus ca-
definição simples, a empatia como a capa- prichos, todos os seus humores, mas ater-se
cidade de se colocar no lugar de um outro, com firmeza, até o fim, à posição ditada pela
Ferenczi amplia a capacidade do analista na experiência analítica. É evidente que em um
analista bem analisado os processos de “sen- sem a renúncia e sem a sublimação, não pode
tir com” e de avaliação exigidos por Ferenczi haver uma verdadeira empatia.
não se desenrolarão no inconsciente, mas no Conforme Bolognini (2008), esse processo
nível pré-consciente. O outro ponto enfati- foi retomado, aprofundado e valorizado por
zado é que uma análise de caráter suficien- Di Chiara (1982, p. 60), que considera que
temente profundo deve desembaraçar-se de
toda espécie de superego. [...] para que o analista possa exercer melhor
É notório, na literatura psicanalítica, que sua função, ele deve ser capaz de alcançar o
a empatia segue os mesmos percalços da maior grau possível de proximidade e de se-
contratransferência, descoberta por Freud parabilidade. Deve ser capaz de uma intensa
em 1912. A contratransferência surgiu como intimidade interna, juntamente com reserva,
obstáculo no processo psicanalítico, assim abandono afetuoso e cuidadosa discrição.
permanecendo até 1950, sem que algo de
substancialmente novo fosse encontrado. Roy Schafer (1959 apud Bolognini,
Isso começa a mudar a partir dos trabalhos 2008) se ocupa da empatia psicanalítica
de Paula Heimann (1950) e Heinrich Racker como o processo introjetivo que permite
(1953) quando, por um novo paradigma, co- ao analista constituir uma imagem interna
locam-na também na condição de um ins- do paciente e com ela se relacionar. Schafer
trumento da psicanálise para a clínica. vem desenvolver a “empatia generativa”. Ele
Já sobre a empatia, por ser um conceito a define como a experiência de compartilhar
que durante o mesmo período foi entendido e compreender a condição psicológica mo-
pela maioria dos psicanalistas como parte do mentânea de outra pessoa. Tal experiência
processo de identificação, como imbricado é baseada em um interjogo de mecanismos
na contratransferência e visto como um risco introjetivos e projetivos, que é sutil e relati-
para o psicanalista, pouco estudo se desen- vamente livre de conflitos, e que se dá nos
volveu. níveis consciente e pré-consciente.
Segundo Bolognini (2008), o conceito de Bolognini ressalta que Schafer, em um
empatia é redescoberto na segunda metade trabalho intitulado Aspectos da internali-
do século XX, por um grupo de psicanalistas zação (1968), retoma Freud para enfatizar
americanos dos quais ele indica cinco como a natureza prevalentemente inconsciente da
os autores mais originais e criativos sobre o identificação. Observa que, quando uma pes-
assunto. soa se identifica com outra, não se dá conta
Christine Olden (1958 apud Bolognini disso, permanece identificada por um longo
2008) desenvolve a concepção da empatia período de tempo, e uma grande parte de seu
materna como fruto da progressiva renún- self é substituída pela do outro. O autor res-
cia à fusão sensual com a criança. O aspecto salta que não é o mesmo que a ressonância
mais original de sua contribuição é a impor- empática, que é consciente e pré-consciente,
tância da sublimação dos impulsos sexuais transitória e não substitutiva.
maternos para o desenvolvimento da empa- Ralph Greenson (1960 apud Bolognini,
tia. Assim, o exemplo da dupla mãe-criança 2008) fala sobre a localização tópica dos fe-
pode ser transposto para a dupla analista-pa- nômenos empáticos e a clara distinção entre
ciente. eles e o processo de identificação. Define a
Segundo Olden, a empatia é uma fértil empatia como um “conhecimento emocio-
sintonia com a pessoa em desenvolvimento, nal, o compartilhar e experimentar os senti-
para que melhor se compreendam suas ne- mentos de um outro”. Para ele, esse compar-
cessidades evolutivas, o que só é possível à tilhar é temporário e se refere à qualidade e
custa da elaboração de uma perda. Para ela, ao grau dos sentimentos vivenciados.
Greenson (1960 apud Bolognini, 2008, peitar, tanto quanto possível, a transferência
p. 63) descreve o processo de entrar em em- primitiva e a suportá-la com empatia e con-
patia com o paciente da seguinte forma: fiança.
Conforme Etchegoyen (2004), desde seu
[...] devo deixar que uma parte de mim entre trabalho inaugural de 1959, Kohut afirma ca-
no paciente e percorra suas experiências como tegoricamente que o fato psicológico só é al-
se eu fosse ele, para ver o que acontece dentro cançado por introspecção ou empatia, a qual
de mim enquanto vivencio essas experiências. seria uma forma vicariante de introspecção.
Kohut privilegia e limita a psicanálise ao
Para ele, a empatia é um fenômeno essen- que acontece na sessão. O que provier de ou-
cialmente pré-consciente, claramente distin- tros campos de observação poderá nos ser
ta da identificação, diferentemente do que útil, mas nunca pertencerá à psicanálise. Para
pensa Schafer. ele, a empatia deve ser considerada como um
Bolognini (2008) seleciona algumas con- componente essencial do método psicanalí-
siderações formuladas por Greenson: tico. Kohut acredita que, graças à empatia, o
• A empatia requer a capacidade de re- analista capta genuinamente a percepção que
gressões controladas e reversíveis; o paciente tem de sua realidade psíquica e a
• A empatia não pode ser ensinada; aceita como válida.
• A empatia e o conhecimento teórico Já Etchegoyen (2004) assinala que a em-
completam-se mutuamente; patia pode ser considerada, segundo Ferenc-
• Para que a empatia possa dar frutos, é zi, como um guia válido, mas não infalível
necessário que o analista possua rica baga- para nos aproximarmos do que o analisan-
gem de experiências pessoais às quais possa do (e em geral o próximo) sente, para com-
recorrer para facilitar a compreensão do pa- preender e compartilhar o sofrimento alheio,
ciente; para atenuá-lo na medida do possível, embo-
• A empatia é uma maneira de reestabele- ra não esteja em nossas mãos evitá-lo.
cer contato com um objeto de amor perdido Bolognini (2008) ressalta que Ping-Nie
− a parte incompreendida do paciente; Pao descreve a rede de conexões e de comu-
• O analista deve ter uma profunda fa- nicação como fundamental para entrar em
miliaridade com seus próprios processos empatia com pacientes severamente pertur-
inconscientes para poder aceitar com humil- bados.
dade a ideia de que provavelmente a mesma Pao afirma que a capacidade empática está
patologia do paciente esteve ou está presente, potencialmente presente no ser humano, e de-
em alguma medida, também nele próprio. pois naturalmente facilitada ou inibida pelas
Os novos horizontes são abertos por interações iniciais mãe-bebê. Segundo ele, “a
Heinz Kohut (1971, 1977, 1984 apud Bo- empatia não é” devida a ações de uma só pes-
lognini, 2008), englobando as funções do soa. As duas pessoas que participam da expe-
self-objeto e o mare magnun das vicissitudes riência, uma que deseja compreender, outra
narcisistas. que deseja ser compreendida, devem, ambas,
Segundo Bolognini (2008), Kohut credita em alguma medida, participar ativamente.
a falha empática primária dos pais na pri- Segundo Pao, ao estabelecer uma rede
meira infância como responsável pela falta empática de comunicações durante o trata-
precoce de coesão do self. mento dos neuróticos, o analista tende a uti-
Kohut sustenta que o analista herda o pa- lizar principalmente as trocas verbais. Com
pel parental nas vicissitudes das necessida- psicóticos, as trocas não verbais podem tor-
des constitutivas do self. E ensina, em certo nar-se extremamente significativas. Para o
sentido, a “deixar a análise acontecer”, a res- autor, apesar de a capacidade empática ser
inata em algumas pessoas, o uso desse po- 1950, a empatia se amplia para novos hori-
tencial pode ser aprendido, mas não pode ser zontes. É importante observar que Freud não
ensinado. escreveu nenhum artigo específico sobre es-
Diante de tão variadas interpretações a ses três temas − empatia, contratransferência
respeito da empatia e considerando a imbri- e identificação −, talvez porque se encontrem
cação entre empatia, contratransferência e imbricados um no outro. A verdade é que os
identificação, o que podemos salientar para três, de certa forma, acabaram sendo margi-
distingui-las? Antes de estabelecer diferen- nalizados na teoria e na clínica psicanalítica.
ciações, é preciso situá-las na história da Conhecedor dos profundos e complexos
psicanálise e dizer como se desenvolveram, processos psicológicos da metapsicologia
para então chegar à conclusão da importân- que criou, Freud empregou o termo empa-
cia desses conceitos na psicanálise. tia (einfunhlung) no sentido de expressar
A noção de contratransferência surge a compreensão entre dois seres humanos.
secundariamente à descoberta da transfe- Considerou ainda a implicação com a iden-
rência. A contratransferência é identificada tificação, o que poderia levar o analista à
por Freud como uma reação inconsciente à contratransferência na clínica, razão de suas
transferência e anunciada em 1912 como um preocupações. Mas, a partir da década de
obstáculo à análise, cujas fontes provêm dos 1950, a contratransferência adquire um novo
conflitos inconscientes do analista. Tais con- sentido na teoria e na clínica psicanalítica.
flitos são reativados pelos conflitos infantis Com essa mudança, surgem novas perspec-
do paciente. Assim permaneceu, e poucos tivas para o uso da empatia.
estudos se desenvolveram durante os qua- Os que pensam como Racker e como
renta anos subsequentes. Freud entendem que todo pensamento tem
A partir dos anos 1950, a contratransfe- sua raiz no sistema inconsciente e, por con-
rência adquire novo paradigma com Paula seguinte, a empatia também. Com essa ideia,
Heimann e Heinrich Racker, deixando de ser os produtos da empatia, por mais elevados
apenas obstáculo para se tornar instrumento que sejam, poderão remetê-la aos processos
na clínica psicanalítica. primários da vida psíquica. Os que sepa-
Segundo Etchegoyen (2008), Racker clas- ram a empatia da contratransferência, como
sifica a contratransferência em vários tipos. Greenson, por exemplo, a consideram como
Em primeiro lugar, distinguiu duas classes de um fenômeno pré-consciente que permite ao
contratransferência pela forma de identifica- analista compreender o analisando e com-
ção, a concordante e a complementar. Além partilhar seus sentimentos.
disso, considera a empatia como uma forma
especial de contratransferência. Muitos ana- Considerações finais
listas pensam da mesma forma que Racker. Posto isso, conclui-se que esses três elemen-
Outros analistas, ao contrário, separam a tos, querendo ou não o analista ignorá-los,
empatia da contratransferência, atribuindo- fazem parte da condição analítica. Podem
lhe um lugar próprio e distinto. auxiliá-lo no processo de análise quando
A empatia recebeu grande atenção de bem utilizados, seja de acordo com a primei-
Freud em Os chistes e sua relação com o in- ra corrente de pensamento, seja de acordo
consciente (1905). O termo “empatia” é usa- com a segunda.
do por Freud para descrever o processo de Além disso, eles podem atrapalhar o pro-
colocar-se no lugar do outro. Em Psicologia cesso quando mal utilizados, sem o conhe-
de grupo e a análise do ego (1921), Freud liga cimento adequado por parte do analista dos
a empatia ao processo identificatório. Assim cuidados recomendados pelos diversos auto-
como a contratransferência, a partir dos anos res mencionados.
Sobre o autor
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