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PSICOEMPATIA FUNDAMENTAL

                                                          Trabalho para Mesa Redonda

         Claudio E. M. Waks

Neste trabalho gostaria de apresentar algumas idéias a respeito  do lugar do analista, a questão

do setting, o que se passa com o analista durante uma sessão – o que poderíamos chamar de

“metapsicologia do analista em sessão”.  O que prevalece é idéia de que o analista não é apenas um

lugar de escuta.

A investigação psicopatológica atual defronta-se com novas fronteiras e novos desafios. Isto nos

remete aos limites, ao desconhecido, ao novo, ao enigmático que se apresenta em nossa clínica

contemporânea na forma de um sujeito que requer a elaboração de novas e mais ricas metáforas na

tentativa de lidar com as manifestações psicopatológicas da pós-modernidade.

Os desafios técnicos – essencialmente de cunho transferencial – que surgiram da minha

prática clínica de orientação psicanalítica no tratamento de pacientes cuja demanda de análise

girava em torno de sua toxicomania, lançaram-me numa pesquisa sobre organizações psíquicas

emergentes que descobri serem amplamente consideradas como “casos difíceis” ou “in-

analisáveis”. Segundo os cânones da psicanálise clássica, estes fenômenos psicopatológicos

encontrar-se-iam aquém da sua eficácia terapêutica constituindo, assim, uma espécie de refugo

clínico, já que raros são os psicanalistas que aceitam trabalhar com tais

pacientes: psicanaliticamente incorretos.

Quase um século depois de Freud ter ficado preocupado com as reações

contratransferências dos analistas — propondo frialdade, inacessibilidade e indiferença no

vínculo com os pacientes — hoje podemos estar menos assustados com este ‘ponto cego’,

permitindo-nos sentir mais próxima e empaticamente aquilo que nossos pacientes suscitam

emocionalmente em nos. Empregar a psicoempatia fundamental como recurso técnico na busca

de uma terapêutica mais eficaz para certas manifestações psicopatológicas presentes na

contemporaneidade não implica, de maneira alguma, o abandono dos cânones de rigor e

disciplina associados à prática da psicanálise como foi concebida por Freud. Trata-se de uma
tentativa de expandir os limites psicoterapêuticos da psicanálise sem, necessariamente,

abandoná-la.

    Acredito que com o intuito de expandir os limites da analisabilidade e melhor

compreender formas emergentes de psiquismo, cabe-nos resgatar a dimensão originária da

psicanálise; aquela de ser, primordialmente, pesquisa permanente. Para tanto, tento situar-me à

margem dos limites apresentados pelos impasses teóricos e técnicos, para assim enfrentar os

desafios metapsicológicos e metodológicos que minha prática clínica possa apresentar. Trata-se

de tentar expandir os limites psicoterapêuticos da psicanálise sem necessariamente abandoná-la.

A escolha deste termo resulta de minha identificação com a posição adotada pela

Psicopatologia Fundamental diante do sofrimento psíquico dos seres humanos. Esta, como

sabemos, propõe que aquilo que fundamenta o sujeito (self) é seu pathos, seu modo particular de

ser e estar no mundo ante o sofrimento psíquico inerente à condição humana. A subjetividade

humana é páthica por natureza e fundamenta-se nesta característica. Logo, como psicopatólogo

fundamental, procuro instrumentos técnicos que possam aproximar-me deste pathos da maneira

mais imparcial possível para, a partir desta posição, intentar operar terapeuticamente.

A psicoempatia fundamental pode definir-se, então, como um recurso técnico que

considera a empatia — em pathos — com o psiquismo de outrem como o instrumento que

fundamenta sua terapêutica. Ou seja, proponho que a psicoempatia fundamental seja

considerada como um dos operadores psicoterapêuticos da psicopatologia fundamental,

particularmente útil em casos clínicos nos quais não se trata de tornar consciente o inconsciente

recalcado ou de colocar o ego onde o id estava. A psicoempatia fundamental pode revelar sua

particular valia como recurso técnico e agente terapêutico em casos nos quais a psicopatologia

manifesta-se através de diversos distúrbios profundos do narcisismo.  Na tentativa de definir a

psicoempatia, poderíamos dizer que se trata de um processo que possibilita a capacidade de

pensar e sentir dentro do mundo interno de outra pessoa sem perder a capacidade de avaliar os

estados mentais deste.

A psicoempatia fundamental que proponho é um método de escuta que não se limita ao discurso

textual do paciente, mas inclui também a entonação e harmonia com o modo que este experimenta

aquilo que está dizendo. É um processo intersubjetivo através do qual o analista tenta experimentar
da maneira mais próxima possível à experiência mental do paciente, incluindo, simultaneamente, a

experiência que este está tendo do analista. A terapêutica da psicoempatia fundamental não é

meramente a capacidade de resposta emocional por parte do analista, mas um método de investigação

psicopatológica. A profunda resposta humana suscitada no analista pelos pensamentos e emoções de

outro ser humano não deveria se confundir com sentimentalismo ou mero companheirismo.

Para mim – psicopatólogo fundamental – a importância da empatia reside na nossa

capacidade de estar com o pathos de outrem, de deixar-se afetar emocionalmente para a partir

daí, conjuntamente com o outro, tentar constituir uma base a partir da qual surja um ser (self,

eu) menos traumatizado e, possivelmente, com maior capacidade de desenvolvimento e

estruturação.

A Psicopatologia Fundamental propõe que a subjetividade humana fundamenta-se na

manifestação do pathos em cada indivíduo. Esta experiência páthica, subjetiva e fundante

estaria aquém da possibilidade de registro pelo outro? A resposta a este questionamento é de

crucial importância, pois, na minha opinião, constitui o cerne de qualquer forma de psicoterapia.

Em outras palavras, seria possível “sentir com” um outro o que este sente?  Acredito que o

fenômeno humano de “sentir com” seja a forma de comunicação essencial de todo processo

terapêutico,  particularmente do trabalho com os chamados “distúrbios profundos do

narcisismo”. As características emocionais dos pacientes com quem trabalho despertaram em

mim o ímpeto de pesquisar este fenômeno, que me aproximou  do conceito de empatia e a


investigar o terreno para incursões pelo plano da técnica e da ética psicanalíticas.  

A experiência do "sentir com" (tradução literal do alemão Einfühlung) já aparecia

designada pelos gregos em seu vocábulo empatheia, origem de nossa expressão 'empatia',

indicando a enigmática possibilidade de estar dentro, estar presente, viver com e como o outro o

seu pathos, paixão, sofrimento e doença. Indicando ora a possibilidade de projetar de modo

imaginativo sua consciência e, assim, apreender o objeto contemplado, ora a capacidade de

compreender os sentimentos e os pensamentos de um outro, colocando-se 'em seu lugar', a

empatia possui múltiplas inserções na filosofia, na literatura e na história dos estudos estéticos e

psicológicos.
Interessante elaborar uma brevíssima síntese histórica do pouco conhecido

desenvolvimento do conceito de empatia.A maioria dos analistas não percebe que a empatia foi

um conceito importante para Freud, principalmente por duas razoes. Em primeiro lugar, oito das

vinte ocorrências de Einfühlung acontecem em Chistes e sua relação com o inconsciente (1905),

trabalho raramente estudado por aqueles cujo maior interesse gira em torno de questões técnico-

clínicas. Em segundo, a Edição Standard traduz somente três das doze outras ocorrências como

"empatia" e nunca traduz einfhülen (que ocorre oito vezes) como "empatizar". Uma terceira

razão, menos importante, é aquela bastante conhecida por estudiosos dos textos de psicanálise

que não sejam no original em Alemão: a tradução de Strachey – que não é de maneira alguma

impecável – nem sempre traduzia Einfühlung por empatia

Os leitores da Edição Standard Brasileira poderíam, facilmente ter a impressão de que

Freud reservou a palavra para discussões teóricas que dizem respeito à estética ou à psicologia,

pois nem uma única vezEinfühlung está traduzida como "empatia" no contexto clínico. Embora

tenha passado despercebido para a maioria dos leitores, Freud fez em seus textos um uso

significativo do vocábulo empatia (Einfühlung). Desde o livro sobre os chistes (1905),

encontramos no texto freudiano as marcas de sua familiaridade com a Einfühlung. No texto de

1913, Sobre o início do tratamento, Freud considera central a experiência daEinfühlung para o

trabalho terapêutico. Sugere que o estabelecimento dos processos transferenciais está

condicionado à capacidade do analista em adotar uma posição empática (na edição espanhola

deste texto, a palavra alemã Einfühlung é traduzida por "atitude... de cariñoso interés y

simpatia" e na tradução inglesa, por "standpoint... of sympathetic understanding"). 5 A passagem

crucial ocorre em Sobre o início do tratamento (1913c) na qual Freud recomenda que o analista

não deve começar a interpretar até que uma relação entre paciente e analista tenha se

estabelecido, até que o paciente esteja vinculado ao tratamento e ao analista. Para conseguir este

objetivo o analista não precisa fazer nada além de empatizar e dar tempo ao paciente. É,

portanto, difícil aceitar que a empatia seja um componente essencial da técnica freudiana, um

pré-requisito para a interpretação, e que esta situação seja acatada sem muito alarde.

Freud demonstra clara percepção de uma dificuldade maior – talvez a maior dificuldade –

que torna confusa a empatia; quando acreditamos que estamos empatizando, podemos estar
projetando nossos próprios sentimentos sobre outra pessoa. As idiossincrasias do Homem dos

lobos e sua procedência estrangeira fizeram com que empatizar com ele fosse mais difícil. Que a

familiaridade reduza a dificuldade de empatizar traz questões interessantes para nossa clínica

contemporânea. Levanta a questão da “especialização”, do tratamento específico de certas

psicopatologias ou do que chamei na minha dissertação de mestrado: “estômago mental” ou a

capacidade de sustentar certos tipos de fenômenos transferenciais.

Pode ser tentador caracterizar a atitude de Freud com relação à empatia como ambivalente,

e talvez o seja. No entanto seria mais exato dizer que ele adota uma atitude intelectual, pois é

ambivalente no que se refere às emoções, desconfiando do seu lugar no analista. Apesar de (ou,

talvez, por isso mesmo) seu insight da resistência e do conflito inconsciente, ele mantém-se

decididamente comprometido com a racionalidade: adorador de "nosso deus Logos”

(1927, p.,54). Para Freud, a importância fundamental da empatia está em "nossa vida

intelectual".

Muito provavelmente esta ambivalência deve-se ao fato de que os primeiros psicanalistas

careciam de uma larga, esmerada e imprescindível experiência de análise pessoal. Não podemos

esquecer também que, complementando isto, temos o ideal positivista do pensamento freudiano:

o da neutralidade na observação. Em linhas gerais, poderíamos dizer que Freud era propenso a

estimular certos elementos da vida interna do analista: lembranças, vínculos, imagens, palavras;

privilegiando sempre os elementos de tipo representacional em detrimento daqueles do tipo

emocional, como se deixar surpreender-se pelos primeiros fosse metodologicamente proveitoso

e pelos segundos, muito perigoso.

Freud, que por volta de 1910 tentara ‘dominar’ a contratransferência, vinte e sete anos

depois, em Análise terminável e interminável[1], mostrou-se muito menos otimista, sinalizando

que no contato com o inconsciente dos pacientes reside o perigo de um influxo patógeno,

tornando recomendável para os analistas a repetição de uma análise pessoal a cada cinco anos,

pelo menos.

Dada sua genial perspicácia e sabedoria advinda de sua vasta experiência clínica, Freud

entendeu ser mais propício para a época à compreensão do material psicanalítico por meio da

associação, decifração e tradução, em oposição às perigosas ressonâncias com os pacientes ou


com seus objetos internos. Seus discípulos e os discípulos de seus discípulos completariam a

tarefa de iluminar o ‘ponto cego’ dos sentimentos do analista, continente negro cheio de

enigmas e perigos ocultos.

Em carta datada de 4 de janeiro de 1928, 6 Freud apresenta a Ferenczi, criticamente, sua

posição quanto à importância da empatia na clínica psicanalítica. Comentando um artigo que

Ferenczi acaba de lhe enviar, Freud reconhece que suas recomendações técnicas (textos de

1911-15) eram essencialmente negativas:

"Eu considerava que o mais importante a ser enfatizado era o que alguém não deveria

fazer, demonstrar as tentações que trabalham contra a análise. Quase todas as coisas

positivas que alguém poderia fazer eu deixava ao 'tato', que foi introduzido por você.

Mas o que eu consegui com isso foi que os obedientes não se deram conta da

elasticidade dessas dissuasões e se submeteram a elas como se fossem tabus. Isso

precisaria ser revisto em algum momento, sem, evidentemente, revogar as obrigações”.

(FREUD & FERENCZI, 2000, p.332).

Nessa mesma carta, Freud apresenta seus receios quanto aos usos para o "tato" e para a

capacidade de empatia (Einfühlung) que deve sustentá-lo:

 "Por mais verdadeiro que seja o que você tem a dizer sobre o 'tato', essa admissão

parece-me ainda mais questionável nessa forma. Todos aqueles que não possuem tato

verão nisso a justificativa de uma arbitrariedade, ou seja, de um fator subjetivo, ou seja,

a influência de seus próprios complexos incontidos" (idem).

Freud conclui suas recomendações e críticas de forma enérgica:

"Regras sobre essas atitudes, evidentemente, não têm como ser feitas; a experiência e a

normalidade do analista serão fatores decisivos. Mas deve-se, então, despojar o tato de

seu caráter místico para os iniciantes" (idem).

As recomendações de Freud não poderiam ser mais claras, revelando, do mesmo modo,

seus mais profundos receios. Como se sabe, as prescrições e reprimendas de Freud não foram
suficientes para inibir as incursões ferenczianas por um dos mais delicados campos da técnica e

da teoria psicanalíticas. Freud claramente reconhece o uso clínico da empatia, mas sem que isso

nos leve a pensar em uma atribuição de sentido de ordem mais afetiva ou emocional para essa

noção. (como o farão outros analistas posteriormente). No conjunto de sua obra a empatia

(Einfühlung) possui um sentido predominantemente cognitivo. A empatia revela, para Freud,

processos que fazem com que possamos compreender um outro ser humano através de uma

capacidade cognitiva de  colocarmos em seu lugar, consciente ou inconscientemente.

            Acompanhando Freud, Ferenczi, defende que o analista domine a contratransferência,

mas, desde então, a porta estará aberta para a investigação do complexo campo das experiências

intersubjetivas na situação analítica, justamente porque Ferenczi explicita que o analista tem

como instrumento fundamental de compreensão da experiência psíquica do paciente uma

"sensibilidade". O texto termina com o seguinteparágrafo:

"A terapêutica analítica cria, portanto, para o médico, exigências que parecem contradizer-se

radicalmente. Pede-lhe que dê livre curso às suas associações e às suas fantasias, que deixe

falar o seu próprio inconsciente; Freud nos ensinou, com efeito, ser essa a única maneira de

aprendermos intuitivamente as manifestações do inconsciente, dissimuladas no conteúdo

manifesto das proposições e dos comportamentos do paciente. Por outro lado, o médico deve

submeter a um exame metódico o material fornecido, tanto pelo paciente, quanto por ele

próprio, e só esse trabalho intelectual deve guiá-lo, em seguida, em suas falas e em suas ações.

Com o tempo, ele aprenderá a interromper esse estado permissivo em face de certos sinais

automáticos, oriundos do pré-consciente, substituindo-o pela atitude crítica. Entretanto, essa

oscilação permanente entre o livre jogo da imaginação e o exame crítico exige do psicanalista o

que não é exigido em nenhum outro domínio da terapêutica: uma liberdade e

uma mobilidade dos investimentos psíquicos, isentos de toda inibição”.(FERENCZI,

1919/1992).

Seria difícil colocar de forma mais elegante o que é exigido do analista em seu trabalho.

Definir o trabalho do analista como uma oscilação permanente entre o livre jogo da imaginação

e o exame crítico, em 1919, é, sem dúvida alguma, um passo à frente não apenas em termos
técnicos, mas também quanto à concepção das formas de comunicação entre os sujeitos que

constituem o campo analítico. Poucos fenomenólogos ou adeptos da contemporânea psicanálise

relacional teriam sido capazes de escrever passagem tão convincente em defesa da experiência

intersubjetiva. De qualquer forma, é preciso destacar aqui a definição que Ferenczi nos dá do

fenômeno transferencial, ou seja, um fator emocional. Recusa o primado da comunicação de ego

a ego, a partir de representações, e afirma o primado de processos identificatórios apoiados em

um fator emocional. Afirma, com todas as letras que convicções – em termos da experiência

analítica – não são conquistas intelectuais, mas  conhecimentos que devem ser atribuídos à

concordância entre uma parte da realidade e a vivência afetiva. Em texto de 1928, "Elasticidade

da técnica psicanalítica", Ferenczi apresenta uma contribuição original que pressupõe uma

disposição interna participativa por parte do analista e propõe uma definição simples e sintética

da empatia: “é a capacidade de colocar-se no lugar do outro”. Poderíamos acrescentar que sua

contribuição realçou a necessidade de manter em funcionamento tanto o sentir como o pensar.

Isso nos aproxima da posterior teorização sobre a rêverie de Bion[2] (1962) que tratar-se-ia

de uma posição receptivo / sonhante e outra investigativa / relacional.  Ferenczi desenvolve seu

argumento a partir do que denomina "a ajuda de nosso saber", que ele diz ser retirado da

investigação de numerosos psiquismos, mas em particular de análises do funcionamento de seu

próprio 'eu'. Assim, durante uma sessão de análise, pode-se trazer à tona as possíveis ou

prováveis associações do paciente – mesmo aquelas que ele ainda não percebe – e também intuir

não só seus pensamentos retidos, mas também as tendências que lhe são inconscientes.

(FERENCZI, 1928/1992, p.27).

Mas o sentir com não deve ser considerado o único instrumento que o analista possui para

levar adiante uma análise. Antecipando muitos dos textos técnicos da psicanálise

contemporânea, Ferenczi propõe que, de fato, quase poderíamos falar de uma oscilação perpétua

entre 'sentir com' (Einfühlung), auto-observação e atividade de julgamento. (FERENCZI,

1928/1992, p.32-33).

 
"a única base confiável para uma boa técnica analítica é a análise terminada do

analista. É evidente que num analista bem analisado, os processos de 'sentir com'

(Eifühlung) e de avaliação, exigidos por mim, não se desenrolarão no

inconsciente, mas no nível pré-consciente” (FERENCZI, 1928/1992, p.36).

Ou seja, antes de valorizar a Eifühlung como a marca do inefável, que teria sua origem nas

profundidades de um insondável inconsciente, Ferenczi criteriosamente situa a possibilidade

empática de um analista (diríamos 'bem analisado') no nível pré-consciente. Entendo que, assim,

Ferenczi acaba por fortalecer uma compreensão dos processos empáticos a partir de relações

entre percepções e afetos que não pertencem nem ao plano das representações conscientes nem

ao plano das representações 'localizadas' no sistema inconsciente, propriamente dito. Postular

que sentimentos e idéias de analista e paciente podem entrelaçar-se e que o outro à minha frente

não é "uma representação de meu ego", mas um ser real com quem posso me identificar,

explicita um reconhecimento do outro em termos éticos, em uma amplitude até então pouco

valorizada nos textos psicanalíticos.

É importante ressaltar que em um artigo pouco conhecido de Helene Deustch (1926)

que leva o sugestivo título “Processos ocultos durante a psicanálise”[3] esta introduz,

contemporaneamente à correspondência Freud-Fliess, o tema da comunicação que pode ser

estabelecida entre o inconsciente do analista e do analisando. Neste artigo a autora enfatiza que

os processos de desenvolvimento foram similares para ambos e, conseqüentemente, os

impulsos, desejos e estruturas de um podem sintonizar-se bem com os do outro, conduzindo a

uma “identificação”. Nesta época, Deustch não possuía ainda os instrumentos para poder se

expressar com uma ampla articulação conceitual em termos do intercâmbio psicanalítico

bidirecional, mas se encontrava em condições para descrever com bastante lucidez o que ocorre

com o analista que faz uso da empatia como ferramenta técnica:

 “O conteúdo psíquico afetivo do paciente, que surge do seu inconsciente,

converte-se em numa experiência interior do analista, passando a ser


reconhecido como pertencendo ao paciente somente no curso de um posterior

trabalho intelectual da parte do analista”[4] .              

                 

          Para sua época, Deustch tinha avançado surpreendentemente no plano da disposição

interna do analista: a renúncia temporária das funções de controle ativo do ego do analista

durante as sessões ia alem da atenção flutuante e conduzia a uma intimidade introjetiva da

experiência do outro. Ela enfatizou, inclusive, que a empatia do analista consistia,

freqüentemente, em uma identificação imparcial — chamada por ela ‘complementaria’ [5] — com

um objeto infantil do paciente: percebendo o que ocorre emotivamente dentro de si mesmo, o

analista estaria em condições de reconstruir o que aconteceu alguma vez com os objetos infantis

históricos e o que continua ocorrendo nas profundezas com os objetos internos do paciente, isto

graças a reatualização transferencial e contratransferencial da relação

analítica.                                                        

    Ainda nesta época de pioneirismo, vale ressaltar o trabalho de Robert Fliess, que no

artigo “A metapsicologia do analista” [6] (1942), introduz a noção do ‘ego de trabalho do

analista’. Este se reestruturaria parcialmente com uma finalidade muito particular e específica:

aliviar-se de uma certa quota de pressões superegóicas para poder desempenhar melhor a

atividade profissional. Isto permitira ao ego de trabalho do analista estar aberto para um campo

de vivências, fantasias e sentimentos (habitualmente recalcados) muito mais amplos do que no

seu estado normal. Para elucidar a dinâmica da empatia, Fliess postula a hipótese de que se

produzem no analista ‘tentativas de identificação’ (trial identifications). Sua descrição da

dinâmica da empatia é descrita da seguinte maneira:

“Uma pessoa que empatiza com um objeto o introjeta transitoriamente e projeta

novamente sobre este aquilo que foi introjetado. É só assim que se atingem as

condições necessárias para compor uma percepção ‘de fora’ com outra ‘de

dentro’”.[7]

O interesse de alguns analistas em retomar o conceito de contratransferência no legado

dos pioneiros (sucessores de Ferenczi): Pontalis, Fédida, Masud Kahn, Green, foi o de avaliar o
seu estatuto metapsicológico e recuperar o seu potencial crítico instrumental (analítico) para

além do sentido de resposta afetiva (complementar). Mesmo considerando situações em que a

exigência de reações familiares é intensa e expõe o analista a uma angústia contratransferencial

ameaçadora de sua atividade analítica e paralisante  da atenção flutuante.

A literatura psicanalítica manifesta uma quantidade particularmente escassa de contribuições

relacionadas especificamente ao tema da empatia até a segunda metade da década de cinqüenta,

quando se registra um surpreendente florescimento destas. Dentre as possíveis explicações para tal

mudança há aquela que assinala que, com o transcurso das décadas, os analistas começaram a

trabalhar com pacientes diferentes dos neuróticos clássicos – pacientes regredidos que manifestavam

graves distúrbios das funções egóicas. Para poder tratar este ‘novo’ tipo de paciente tornou-se

imprescindível desenvolver novos meios de tratamento e comunicação que fossem mais adequados

ao novo fenômeno psicopatológico.

                Dado o escopo da presente apresentação mencionarei, muito resumidamente,

o  trabalho de alguns autores que considero mais originais e criativos que se ocuparam do tema

durante a segunda metade do século passado. O primeiro destes é o revolucionário artigo de

Paula Heimann (1949) que introduz uma importante mudança conceitual transformando a

contratransferência de um perturbador estorvo em um instrumento a serviço da técnica

psicanalítica. A partir da afirmativa sobre a impossibilidade de separação dos sentimentos

transferenciais dos que são legitimamente referidos a alguém que existe por conta própria e

não enquanto substituto materno ou paterno, a autora enuncia sua tese:

”A resposta emocional do analista ao paciente na situação analítica representa

uma das ferramentas mais importantes para seu trabalho. A contratransferência

constitui um instrumento de pesquisa do inconsciente do paciente”.

Para sustentar essa afirmação, a autora segue no texto explicitando o ponto de vista

segundo o qual na situação analítica acontece numa relação entre duas pessoas. O que diferencia

essa relação de outras reside no fato de o analista subordinar seus sentimentos à tarefa

analítica, não simplesmente descarregá-los como o faz o paciente. Sem tal consulta aos próprios

sentimentos, as interpretações serão pobres demais.


            O interesse pela questão das modalidades da resistência no tratamento sofre um novo

deslocamento a partir de Ferenczi:  “Defrontamo-nos com resistências, não negligenciáveis, não

aquelas  do paciente, mas nossas próprias resistências.”, escreve Ferenczi em 1932.[8] Essa

perspectiva assume uma importância marcante na obra de Balint. O reconhecimento  da

contratransferência oficializa-se, no entanto a partir de Paula Heimann  que na conferência de

1949 no Congresso de Zurique toma-a como uma chave do trabalho analítico. A ênfase  dada

por  Paula Heimann à “resposta emocional” contém o risco de conduzir a prática ao âmbito de

uma experiência referida a um modelo relacional dual. Embora estes autores tenham dedicado

parte do seu trabalho, especificamente, ao tema da empatia, isto não implica, naturalmente, que

durante esses mesmos anos outros analistas não tenham provido elementos de grande valia e

interesse para o tema que nos ocupa.

Considero interessante poder aprofundar neste trabalho, de maneira sucinta, os aportes de

alguns autores mais contemporâneos, escolhendo Heinz Kohut (1971), (1977), (1984) por existir

uma associação, quase infalível, na literatura psicanalítica entre este autor e o tema da empatia.

Segundo este, aquilo que é essencialmente trágico na condição humana é conseqüência de uma

falha empática por parte dos pais na primeira infância, responsável por uma precoce falta de

coesão do self. A característica mais marcante destes indivíduos é a necessidade de reproduzir

uma transferência narcisista especular com objetos que possuam uma função e significação

parental. Caso esta relação especular não se constitua, faltará a instauração de uma imago

parental idealizada, provocando um hiper investimento nos estados primitivos do self corporal

(autoerótico) e nos estados arcaicos do self grandioso, criando uma conseqüente fixação a estes.

O tratamento é uma tentativa de reparar a falha empática recriando, assim, uma forma de

transferência na qual os pacientes possam tentar viver alguma forma de aceitação parental.        

Kohut acredita que o analista herda o papel parental das vicissitudes destas necessidades

constitutivas do self considerando o veículo terapêutico como sendo ‘introspecção vicária’[9],

que é outro nome pelo qual refere-se à empatia. Este autor considera que o desenvolvimento

específico da sensibilidade empática contribui na eleição de se tornar analista e constitui um

instrumento profissional útil enquanto se mantém sob o domínio do eu: o analista não só deve

ter livre acesso à compreensão empática como também deve ser capaz de abandoná-la. Se o
analista não estiver dotado da capacidade empática, não poderá perceber e receber os elementos

necessários à análise, mas, se não souber ir além da empatia, não terá a capacidade de

estabelecer hipóteses e teorias para explicar os dados observados.

Muitas das concepções kleinianas fazem parte da bagagem teórica de todo psicanalista

contemporâneo; basta lembrar do uso diversificado – quase onipresente – do conceito de

‘identificação projetiva’, que é aquele que mais interessa à presente pesquisa. Trata-se de um

conceito absolutamente iniludível no âmbito do tema em questão. De fato, a escola kleiniana

formulou teorias próprias, originais e coerentes a respeito da empatia, embora não as tenha

empregado freqüente ou diretamente.

Como observa Hinshelwood (1989), a empatia é o produto de uma “identificação projetiva

normal”[10], uma forma benigna deste fenômeno mental. A seguir apresento o que considero

ser a mais clara e cabal elucidação daquilo que considero o dispositivo fundamental do

trabalho psicoterapêutico:

“Quando se fala em ‘colocar-se no lugar de outrem’, estamos fazendo uma

descrição da empatia, mas ela é também a descrição de um processo de inserir

uma parte de si próprio, alguma capacidade de autopercepção, na posição de

alguém mais; particularmente, trata-se de uma parte em experiência de si próprio

que é inserida a fim de ganhar-se, em fantasia, a experiência desse outrem... Um

dos aspectos importantes desta intrusão em outrem é que não se dá perda de

realidade, nem confusão de identidade”.[11]

No âmbito da escola kleiniana, é decididamente interessante mencionar a contribuição de

Money-Kyrle[12] (1956) a respeito da “contratransferência normal” através da qual o analista

teria a capacidade de analisar graças à possibilidade de reconhecer no paciente seu

próprio self precoce. Durante as sessões, a identificação pode assumir tanto a forma projetiva

quanto introjetiva, e na empatia encontram-se ambas, na identificação parcial do analista com o

paciente. No desenrolar normal de uma análise, o analista vive uma continua e rápida

alternância entre introjeções e projeções. Vejamos esta dinâmica nas palavras do autor:
    “Enquanto o paciente fala, o analista se identifica projetivamente com ele e, uma

vez que o compreende interiormente, o reprojeta e formula sua interpretação.

Mas acredito que o analista é principalmente consciente da fase projetiva, ou

seja, da fase na qual o paciente representa uma parte imatura ou doentia do

próprio analista incluindo seus objetos internos danificados, que o analista tem

agora condições de compreender e, logo, reparar por meio da interpretação”.[13]

               

                                                                                   

Retomando, neste momento, o conceito de rêverie de Bion[14] (1962) no contexto da

pesquisa a respeito da empatia, percebe-se sua importância como ferramenta de elucidação deste

processo. O fenômeno de rêverie designa a função materna de receber, conter, elaborar,

modificar e restituir de maneira transformada as projeções e identificações projetivas do bebê,

desempenhando um trabalho de transmutação de elementos beta (sensoriais) em elementos alfa

(elaborados), assim contribuindo para a constituição do aparelho mental da criança.

Bion considera que a rêverie é um estado mental que o bebê exige da mãe, um estado de

calma receptividade que possa dar significado aos seus acontecimentos mentais e físicos.

Mediante a introjeção desta mãe receptiva e empática o bebê (paciente) pode começar a

desenvolver sua própria capacidade de reflexão sobre seus conteúdos mentais. Segundo este

autor, o maior obstáculo que um analista enfrenta no seu trabalho clínico é o temor dos seus

próprios sentimentos e emoções associados às correspondentes defesas inconscientes. Isto

poderia perturbar ou inibir totalmente a possibilidade de uma escuta empática.

Para concluir esta breve síntese dos trabalhos de alguns representantes do pensamento

kleiniano e pós-kleiniano a respeito da empatia, apresento um autor contemporâneo norte-

americano. Em um artigo que discorre sobre a relação entre contratransferência e identificação

projetiva, Grotstein[15] (1994) descreve a comunicação empática entre analista e paciente como

um processo no qual o paciente comunica uma identificação projetiva parcial e limitada para o

analista e este a recebe e assume-a em seu próprio interior, através da identificação introjetiva.

Por outro lado, quando a emissão projetiva do paciente é extremamente intensa, o analista perde

sua capacidade receptiva-empática e é obrigado a ocupar-se com a contratransferência.       


Em um livro anterior, Grotstein[16] (1981) afirma categoricamente que — quando

considerada em seu aspecto positivo — a identificação projetiva possibilita a compreensão

daquilo que ocorre ‘com e no outro’; sua forma mais sublimada é a base da empatia. Retomando

Kohut e Bion, o autor insiste que, mediante as interpretações, o analista deve tentar que seu

paciente empatize com as partes cindidas de si mesmo.A idéia de empatizar plenamente

consigo mesmo é o ideal Kohutiano de saúde mental: trata-se de tentar possibilitar que o

paciente integre, através da empatia de si mesmo, os aspectos mais negados e cindidos do seu

self.

Na tentativa de compreender a relação entre estes dois conceitos, começaremos  utilizando

as duas principais diferenças formuladas por Berger[17] (1987) entre empatia e

contratransferência:

1)Empatia: estado emocional vivido pelo analista em contato com o paciente como

sujeito.

Contratransferência: estado emocional vivido pelo analista em contato com o objeto do

mundo interno do paciente.

2)Empatia: origina-se em um setor sem conflito da personalidade do analista.

Contratransferência  origina-se, em contraposição, em um setor conflituoso.

Enquanto o segundo conjunto de diferenciações esta mais vinculado ao âmbito da experiência, o

primeiro surge desde uma ótica de orientação mais propriamente psicanalítica. A partir desta

diferenciação vemos que às vezes chega-se à compreensão do que o paciente relata através da

atividade empática,  onde — após seguir o discurso do paciente durante toda uma sessão — chega-se,

finalmente, a ter a impressão de tê-lo alcançado empaticamente, já que os últimos pensamentos

poderiam ser atingidos por qualquer um dos dois da díade analista-analisando. Em outras situações é

mais vantajoso fazer uso das reações contratransferenciais, pois a identificação projetiva torna-se

uma conseqüência  necessária e automática, dados os limites empáticos do analista.

O analista pode cometer graves erros tentando deixar de lado as próprias reações

contratransferências na expectativa de mitigar as tensões presentes na relação


analítica,  forçando, assim, uma disponibilidade empática não autentica. Este tipo de busca

forçada de comunhão empática com o paciente pode conduzir o analista à negação de uma

realidade não prazerosa e traumática resultando no uso dos mesmos mecanismos que o paciente

procura para amortecer o impacto com a realidade psíquica ou externa.Afinal, não se trata de

endeusar uma capacidade de empatia, que nada produziria sozinha em um trabalho analítico.

Mas tampouco se trata do oposto. Uma compreensão da experiência analítica como algo muito

além do uso de uma técnica para a análise e investigação do psiquismo de um paciente

focalizado como objeto, temos que reconhecer e ter mais sensibilidade à dimensão e os aspectos

intersubjetivos e empáticos presentes em uma análise. A esta dimensão devemos grande parte

das inovações técnicas que permitiram à psicanálise um campo de atuação para além do trabalho

clássico com pacientes reconhecidos como neuróticos.

[1]
 Freud, S. (1937), Sigmund Freud. Obras completas. Buenos Aires: Amorrortu Editores. Vol. XXIII,
1993.
[2]
 Bion, W. (1962) “A theory of thinking”, Int. Journal Psycho-Analysis, 43. 
[3]
  Deustch, H…(1926):”Occult processes occuring during
psychoanalysis”,                                                 in Devereux (dir) (1953) Psychoanalysis and the
occult, New York, International Universities Press.
[4]
  Idem..
[5]
 O conceito de ‘contratransferência complementária’, formalizado e desenvolvido posteriormente por
Racker (1958), encontrou na ‘identificação complementária’ de Helene Deustch sua protoformulação. 
[6]
 Fliess, R (1942). “Metapsychology of the analyst”, Psychoanalytic Quarterly,  VOL II.
[7]
 Idem.
[8]
 “Confusion de langues entre les adultes et les enfants”
[9]
 Kohut, H. (1971): Análisis del self . Buenos Aires: Amorrortu Editores.
[10]
 Hinshelwood, R. Dicionário do pensamento kleiniano. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 
[11]
 Idem.
[12]
 Money-Kyrle, R. (1956), “Normal countertransference and some of its
deviations”. In : Papers       1927-1977. Pertshire: Clunie Press, 1978.
[13]
 Ibid.
[14]
 Vide nota número 12 deste mesmo trabalho.
[15]
 Grotstein, J. (1994) “Projective identification and countertransference. Brief commentary on the
relationship”, Contemp. Psychoanal., VOL. 30.
[16]
 Grotstein, J. (1981) Splitting and projective identification. New York: Jason Aronson.
 
[17]
 Berger, D.M. (1987): La empatia clínica, Roma, Astrolabio.

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