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Introdução a Prática da psicologia clínica contemporânea – psicopatologia do adulto

O curso foi estruturado em cinco módulos. O principal objetivo é iniciar o aluno na


prática da psicologia clínica contemporânea. Neste curso você será levado a refletir
desde a centralidade que a linguagem ocupa como principal meio de obtenção de
material clínico relevante ao processo de investigação psicológica até os desafios do
diagnóstico diferencial frente aos manuais de classificação diagnóstica e o
conhecimento das grandes síndromes psiquiátricas. No final o aluno será apresentado
aos conceitos e técnicas para procedimento de uma entrevista psicológica eficiente.
Para quem é esse curso
Profissionais psi, acadêmicos e/ou terapeutas em formação na área de saúde mental.
Introdução
O curso “Introdução a pratica da psicologia clínica contemporânea” é destinado a você
profissional psicólogo, psicoterapeuta ou estudante dos saberes psi que vê a necessidade de se
municiar do instrumental teórico-metodológico da psicologia e dos processos clínicos para
investigar e compreender as emoções, ideias e valores desde os primeiros contatos com o
cliente/paciente. O curso não requer conhecimento técnico de nenhuma abordagem ou escola
psicoterapêutica específica nem tem a intenção de esmiuçar em um ritmo lento e inócuo as
discussões acerca dos sinais e dos sintomas das principais categorias diagnósticas propostas
pelos atuais manuais de classificação diagnóstica, CID-10 e DSM-5.

Portanto, o estudante engajado deve esperar que ao término do curso ele seja
capaz de aplicar os conhecimentos e habilidades apreendidas afim de conduzir
adequadamente as primeiras entrevistas, proceder o raciocínio analítico e que domine o
manejo clínico das principais síndromes psiquiátricas de modo crítico e contextualizado
à realidade psicossocial concreta da população a que o seu saber deve atender.
Apresentação do curso
Este curso foi organizado de modo a proporcionar um aprendizado progressivo.
Partimos das ideias e conceitos mais gerais dos módulos I e II para depois passarmos
aos mais específicos dos módulos III IV e V. Isso quer dizer que a dificuldade vai
aumentando conforme você avança nos módulos. Gostaria de chamar a sua atenção para
o módulo IV que versa sobre o raciocínio diagnóstico ao mesmo tempo que você é
introduzido às grandes síndromes psiquiátricas. Para quem não tem muta familiaridade
com a linguagem psiquiátrica pode parecer um assunto um tanto denso. Contudo esse
curso é seu e você pode sempre voltar e acessá-lo novamente a qualquer momento.
No módulo I o estudante será levado a refletir sobre os aspectos da linguagem que
importam para o trabalho da psicologia clínica.
No módulo II falaremos sobre os primeiros contatos com o paciente e as implicações
dos conceitos de normal e patológico na pratica clínica em psicóloga.
Já no módulo III você será apresentado aos manuais de classificação diagnóstica.
No módulo IV abordaremos o raciocínio diagnóstico frente às grandes síndromes
psiquiátricas.
E por fim o módulo V que reúne as discursões acerca dos procedimentos para a
investigação psicológica e a produção dos informes psicológicos.
- O lugar da linguagem
Olá, vamos iniciar o nosso primeiro módulo. Onde nós discutiremos o lugar da
linguagem na prática da psicologia clínica. E nós iremos começar tentando responder à
pergunta: afinal, por que começar pela linguagem?
Como você vai acompanhar no decorrer desse curso a linguagem não é apenas uma
forma de transmissão do pensamento, ela é também a condição de realização do
pensamento. As palavras revestem as ideias e sem as ideias não é possível nem
sequer pensar de modo satisfatório. Quanto mais somos capazes de traduzir as
impressões de nossas experiências em palavras, mais claras, mais vivas vão ser as
nossas expressões.
Piera Aulagnier, uma médica psiquiatra e psicanalista que trabalhou com pacientes
psicóticos na França. Autora do livro A violência da Interpretação. Escreveu que O
psiquismo e o mundo se encontram e nascem um com o outro, um através do outro. São
o resultado de um estado de encontro que ela qualifica como coextensivo ao estado
existente.
Com isso eu acabei de evidenciar a relação dialética que existe entre a linguagem e o
pensamento. Que inclusive é o titulo de uma obra do psicólogo bielo-russo lev
Vygotsky muito conhecido no campo da educação e um dos principais expoente da psicologia
socio-históriaca... o Vygotsky evidenciou a importância do uso do método materialista
dialético, das categorias linguagem e pensamento e as noções de significado e sentido.
Categorias muito importantes para nós neste curso.

Então, vocábulo minguado e impróprio, que é incapaz de veicular impressões e


concepções, vai minando o d esenvolvimento mental, o vocábulo minguado atrapalha a
imaginação e a criatividade, limita a nossa capacidade de observar, compreender e até
mesmo de sentir.
Portanto, quanto mais variado e ativo é o vocabulário disponível, muito mais claro,
muito mais profundo e acurado é o processo mental da reflexão. E da mesma forma,
quanto mais escasso e impreciso, tanto mais dependentes estamos dos grunhidos, do
grito, do gesto, etc. que são formas rudimentares de comunicação incapazes de traduzir
a complexidade experiencial da reflexão.
Mas isso não responde à nossa principal questão: qual a importância da linguagem para
clínica em psicologia?
A principal caraterística da linguagem é o seu papel metonímico, de substituição, de
introdução do mal-entendido. A linguagem ideal seria aquela que cada significante
(cada palavra) apontasse apenas uma coisa, correspondesse a uma só ideia, a um só
conceito, que tivesse um só significado (sentido). Como isso não ocorre em nenhuma
língua conhecida, as palavras são, por natureza, enganosas justamente porque são
polissêmicas.
Vamos agora sair em busca das implicações práticas dessas informações? A essa
altura do campeonato você estudante já deve ter se dado conta do porquê existir
distintas abordagens de psicoterapias e da complexa dimensão analítica que
envolve a investigação psicológica e do comportamento humano. Como se não
bastasse a óbvia observação empírica de que as pessoas mentem, mobilizam sistemas
de defesa e intencionalmente omitem informações por N razões; a própria natureza
metonímica da linguagem nos leva às encruzilhadas da interpretação em
psicoterapia.
Por isso agora você precisa compreender qual a dimensão da linguagem que nos
interessa para dar conta desse problema.
Vamos falar sobre o Sentido Referencial e o Sentido afetivo ou como é mais
comum em português: denotação e conotação.
Aqui vai mais uma observação: como o nosso objetivo não é fazer uma
exposição aprofundada dos debates acadêmicos sobre semântica que orbitam o campo
da lógica e da linguística, uma definição geral que seja clara e mais acessível aos nossos
propósitos seria mais adequada.
Quando uma palavra é tomada no seu sentido objetivo, usual, não metafórico,
não figurado. Quando significa a mesma coisa para mim, para você e para todos os
membros da sociedade sociolinguística que fazemos parte, então se diz que essa palavra
tem sentido denotativo ou referencial. São exemplos as palavras: Cadeira, Roupa,
óculos, Livro
Se por outro lado, a significação de uma palavra evoca, por associação,
outra(s) ideia(s) de ordem abstrata, subjetiva, de ordem afetiva ou emocional
estamos diante de um sentido conotativo ou afetivo. E é justamente a existência desta
dimensão da linguagem que nos possibilita falar em operações psicoterapêuticas. É
essa dimensão afetiva presente no discurso que permite que aconteça fenômenos como
rapport ou uma relação transferencial no contexto de uma análise entre
analista/analisando. Como exemplo podemos citar: a ideia dos sentimentos
(indifertença, tristeza, raiva, felicidade etc), o significado de belo, ou uma palavra
inocente do nosso cotidiano como cartão e essa ultima eu coloquei justamente porque
ela pode significar um cartão de aniversário ou um cartão de crédito mas ela pode
também evocar um sentido de uma carta longa.
Esses exemplos podem até parecer um tanto simples ou óbvios mas eu os trouxe para
enfatizar que no contexto da clínica você não deve achar que já entendeu aquilo que o
paciente disse só porque a frase pode fazer algum sentido para você naquele momento.
A subjetividade em questão ali não é a sua e sim do paciente ou cliente. Ele pode dizer
que recebeu um cartão de uma outra pessoa no sentido de ser uma carta longa, com um
textão como se diz no internetês. É preciso fazer uma escuta atenta para identificar essas
nuances do discurso que introduz o mal-entendido... O segredo do sucesso em
psicoterapia se encontra nesses detalhes.
Tomemos como exemplo uma palavra muito cara para nós profissionais psi: a
ideia de cultura. Um dos seus significados referenciais originários é “lavoura”
trabalhar a terra, preparar o arado, mas que no decorrer do tempo a palavra passou a
ser transposta, metaforicamente, em assuntos do espírito tomando uma dimensão
afetiva. De modo que expõe um paradoxo que surge da relação entre a estrutura
material da ideia de cultura ou seja surge da relação do trabalho no campo e a sua
superestrutura espiritual, a cultura como a concebemos na contemporaneidade o homem
culto como aquele que é entendedor das artes, da literatura o poliglota, ou seja,
aquem cultiva a terra não possui tempo para cultivar a si próprio.
Acredito que agora ficou bem esclarecida a centralidade da linguagem para a
prática psicológica. Já que não é possível medir um estado mental da mesma forma que
um geógrafo investiga o solo ou um infectologista que estuda doenças causadas por um
vírus, um fungo ou uma bactéria. A investigação clinica psicológica se utiliza dos
constructos teóricos, e precisa operar estrategicamente no (e a partir do) discurso do
cliente/paciente para produzir algum efeito terapêutico. Eis a importância de um assunto
que nos dedicaremos com mais afinco ao final deste curso: a entrevista psicológica.
Nossa principal fonte estratégica para um exame psíquico eficaz e um processo
psicoterapêutico eficiente. Seja lá qual for a sua abordagem de preferência você
certamente precisa dominar essa prática.
- Desafios do diagnóstico: entre o normal e o patológico
Olá de novo. Até aqui você foi introduzido ao que nós podemos chamar de fundamento
analítico do caráter afetivo da linguagem. Em termos de psicologia nós adentramos nos
domínios da subjetividade.
Quando você recebe um cliente/paciente para uma consulta, um dado muito importante
a ser observado e que deve ser levado em consideração são os que dizem respeito ao
desenvolvimento da personalidade daquele sujeito. Esses dados envolvem, entre outros,
o que a psicologia chama de imagem corporal que nada mais é que o conjunto do Eu
corporal, psíquico e somático ao mesmo tempo. Em outras palavras, você vai precisar
identificar o mais rápido possível a relação daquele indivíduo com o que comumente
denominamos de realidade. Isso envolve consciência do Eu, consciência de unidade do
Eu, Consciência da identidade do Eu no tempo e Consciência da oposição do Eu em
relação ao mundo. Se estivéssemos falando em termos psicanalíticos, por exemplo,
estaríamos nos debruçando nos meandros do diagnóstico estrutural (estrutura neurótica,
psicótica ou perversa). Bom, vamos nos deter aqui porque para gente continuar essa
análise precisaríamos de recorrer às concepções filosófico-antropológicas de alguma
abordagem psicoterápica específica. Pois, os fundamentos epistemológicos da terapia
cognitiva-comportamental diferem e muito tanto da psicanálise quanto da que se
fundamenta na psicologia fenomenológica e existencial, por exemplo. Enfim, como já
foi mencionado não é o nosso objetivo.
Voltemos aos domínios da subjetividade. Eu acabei de fazer essa exposição por um
motivo: de modo geral quando um paciente vai buscar o serviço de psicologia clínica
ele chega para você com uma ideia fixa de identidade. Ele vai te apresentar a sua
própria subjetividade como se fosse um produto, como se fosse um rótulo que em algum
momento que ele não consegue precisar exatamente foi colado à sua personalidade.
Acontece muito com pacientes encaminhados por serviços psiquiátricos:
O sujeito chega para o psicólogo e diz o seguinte: “olha eu vim aqui porque eu sou
ansioso”, “porque o meu filho é autista” “porque o meu marido é esquizofrénico” etc.
Aqui reside a primeira grande armadilha para o psicólogo clinico ou psicoterapeuta que
acolhe esse discurso, porque pode colocar tudo o que vier depois a perder.
A subjetividade ela pode ser vista de duas formas: como produto ou como processo.
Para o psicólogo ou psicoterapeuta o que importa são os processos de subjetivação.
Nosso interesse é buscar o(s) sentido(s) que ela (a pessoa) atribui a subjetividade
apresentada ali como produto, quando diz que “eu sou ansioso” “meu filho é autista”, “o
meu marido é esquizofrênico”, ou seja, nossa primeira tarefa interventiva é fazer com
que fale o sujeito, que ele coloque em movimento toda a dimensão afetiva de seu ser, e
não que imprima um rótulo, que enuncie o sintoma. O que nos interessa é interpretar o
espaço humano como fato histórico, não só no que diz respeito a forma, como aparenta,
mas, no que consiste a sua formação. Isso é o que quer dizer processos de subjetivação.
Naturalmente, as informações sobre a saúde e doença do paciente são extremamente
relevantes para o desenvolvimento do nosso trabalho, mas que tem o seu lugar na
estrutura e organização da nossa clínica, voltaremos a isso quando formos falar das
diferenças entre entrevista e anamnese. O que devemos reter aqui é que essas
informações que nos auxiliam não devem centrifugar a relação com os
clientes/pacientes.
O Normal e o patológico
Os conceitos de normal e patológico, sobretudo em termos de saúde mental, são fontes
de longos debates e de grande controvérsia. Obviamente, quando se trata de casos
extremos, cujas alterações comportamentais e mentais são notórias e de longa duração,
o delineamento das fronteiras entre o normal e o patológico não é tão problemático.
Entretanto, definitivamente, essa não é a realidade do dia a dia de um consultório de
psicologia. Em termos proporcionais você entrará em contato com muito mais casos
limítrofes que os autores dos manuais de psicopatologia gostariam de confessar.
Como eu disse, há um longo debate científico sobre o tema com implicações não só para
a psicopatologia, mas para toda a medicina. Esse problema foi muito bem explicitado
pelo filosofo e médico francês Georges Canguilhem cujo livro “O normal e o
patológico” serviu de inspiração para o nosso tópico. Leitura indispensável para
aprofundamento no tema.
O foco de nossa discussão acerca dos critérios de normalidade e anormalidade se
restringirá ao campo da prática clínica (portanto não abordaremos a interface entre esses
conceitos e a atuação do psicólogo na atenção básica de saúde, políticas públicas em
saúde mental ou psiquiatria forense, por exemplo).
Na prática clínica é muito importante a capacidade do técnico de discriminar, no
processo de avaliação e intervenção clínica, se o fenômeno em questão faz parte de um
momento existencial do indivíduo ou se é algo patológico. Mas não há um único critério
que nós poderíamos seguramente adotar para proceder essa investigação. Como já dizia
Canguilhem “A adoção de um ou outro (normal ou patológico) depende, entre outras
coisas, de opções filosóficas, ideológicas e pragmáticas do profissional”. Em outras
palavras estamos mais uma vez diante de um posicionamento ético atrelado às
concepções filosófico-antropológicas da abordagem psicoterapêutica por nós adotadas.
É por esse motivo que os adeptos do holismo terapêutico encontra uma barreira
intransponível na condução dos seus casos clínicos, pois o mero domínio da técnica
psicoterápica ainda que masterizada pelo terapeuta ainda é insuficiente sem o
conhecimento e adoção dos fundamentos éticos, epistemológicos, concepção de Homem
que englobam a escolha de uma abordagem.
Contudo, isso não quer dizer que não exista alguns critérios de normalidade que possam
ser utilizados na prática clínica pelos adeptos das mais diferentes abordagens de modo
geral. Quero dizer que independentemente de sua associação a uma determinada escola
ou abordagem teórica é bom ter ao alcance de seu julgamento os seguintes critérios de
normalidade em psicopatologia:
 Normalidade estatística. A normalidade estatística identifica norma e
freqüência. Trata-se de um conceito de normalidade que se aplica especialmente
a fenômenos quantitativos, com determinada distribuição estatística na
população geral (como peso, altura, tensão arterial, horas de sono, quantidade de
sintomas ansiosos, etc.). O normal passa a ser aquilo que se observa com mais
frequência.
 Normalidade funcional. Tal conceito baseia-se em aspectos funcionais e não
necessariamente quantitativos. O fenômeno é considerado patológico a partir do
momento em que é disfuncional, produz sofrimento para o próprio indivíduo ou
para o seu grupo social.
 Normalidade como processo. Neste caso, mais que uma visão estática,
consideram-se os aspectos dinâmicos do desenvolvimento psicossocial, das
desestruturações e das reestruturações ao longo do tempo, de crises, de
mudanças próprias a certos períodos etários.
- Apresentação dos manuais de classificação
Antes de discutirmos os conceitos relacionados ao raciocínio diagnóstico frente
às grandes síndromes psiquiátricas e suas implicações para a clínica psicológica, você
será apresentado, neste módulo, aos manuais de classificação diagnóstica: CID-10 e
DSM-5.
Vamos adiantando que independentemente da sua escolha de abordagem teórico-
metodológica ter o domínio e compreensão do alcance e limitações dos manuais de
classificação é fundamental para a clínica contemporânea. Se você trabalhar com planos
de saúde, por exemplo, você vai precisar lidar com documentos médicos que devem
constar o código alfanumérico da CID-10 ou mesmo quando o cliente chega no seu
consultório diagnosticado com algum transtorno, você pode ter certeza que ele já leu na
internet tudo o que foi possível sobre o assunto, se você trabalha com crianças, então,
essa situação é potencializada pela quantidade de canais de informações disponíveis aos
pais. Então, é melhor você estar preparado.
Vamos lá.
A cada edição os manuais de classificação reordenam os transtornos. Novos
transtornos e síndromes são criados, alguns desaparecem, alguns são reagrupados em
novas classificações, necessitando inclusive de um esquema de tradução. Na passagem
do DSM 4 para o 5 por exemplo, os Transtornos Globais do Desenvolvimento, que
incluíam o Autismo, Transtorno Desintegrativo da Infância e as Síndromes de Asperger
e Rett foram absorvidos por um único diagnóstico, Transtornos do Espectro Autista. A
mudança refletiu a visão científica de que aqueles transtornos são na verdade uma
mesma condição com gradações em dois grupos de sintomas.
A transformação temporal e rápida das classificações revela que a psiquiatria
não é uma ciência que descreve os elementos que encontra na natureza – como em uma
versão ingênua de ciência – ela é o próprio território de embates políticos de forças
sociais diversas que buscam imprimir suas marcas nos modelos de classificação. Não há
nada de natural em classificar o mundo.
A sigla CID quer dizer: Classificação Internacional de Doenças e é um manual
produzido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) com o apoio e colaboração de
inúmeros centros de referência e pesquisa. No que diz respeito à saúde mental, houve
permanente contribuição da Associação Mundial de Psiquiatria, da Administração de
Álcool e Abuso de Drogas e Saúde Mental dos Estados Unidos (ADAMHA),
Associação Psiquiátrica Americana (APA) com o DSM-IV, a Federação Mundial de
Neurologia, a União Internacional de Sociedades Psicológicas, os governos-membros da
OMS como Alemanha, Holanda, Espanha, Bélgica e Estados Unidos, entre outros.
A primeira edição que passou a incluir os transtornos mentais foi a CID-6, uma
edição de 1948. De lá pra cá ela foi sendo reordenada a cada nova edição (inclui/exclui).
Em 1978, a OMS entrou em um projeto colaborativo a longo prazo com a
Administração de Saúde Mental e Abuso de Álcool e Drogas (ASMAAD) nos EUA, a
intenção era melhorar a classificação e o diagnóstico de transtornos mentais e problemas
relacionados a álcool e drogas. Nessa época diversos países do mundo enfrentavam
graves problemas relacionados ao uso abusivo e prejudicial de substâncias psicoativas.
Os EUA, por exemplo, já consideravam um problema de saúde pública pela lei nacional
de saúde mental de 1946, e vinha de um histórico desastroso na tentativa de dar uma
resposta a esse problema desde a promulgação da chamada Lei Seca que vigorou nos
anos 1920 era um grande interessado nessas pesquisas. Na Europa dos anos 1980 o uso
de heroína junto com a proliferação da hepatite e do HIV/aids desafiavam os sistemas
de saúde dos governos locais levando-os a orientar suas políticas públicas e de seus
centros de referências para o cuidado com a saúde mental.
Basicamente foi esse o cenário que faz surgir os projetos colaborativos da OMS
que culminaram na publicação da CID-10 no ano de 1992.
A classificação dos transtornos mentais e de comportamento da CID-10 inicia-se
no código alfanumérico F00 até o f99. Veja na tabela:
F00-F09 Transtornos mentais orgânicos (demências, lesões, disfunções
cerebrais)
F10-19 Transtornos mentais e de comportamento decorrentes do uso de
substância psicoativa
F20-29 Esquizofrenia, transtornos esquizotípicos e delirantes
F30-39 Transtornos do humor (afetivos)
F40-49 Transtornos neuróticos, relacionados ao estresse e somatoformes
F50-59 Síndromes comportamentais associadas a perturbações fisiológicas e
fatores físicos
F60-69 Transtornos de personalidade e de comportamentos em adultos
F70-79 Retardo Mental
F80-89 Transtornos do desenvolvimento psicológico
F90-98 Transtornos emocionais e de comportamento com início
usualmente na infância e adolescência
F-99 Transtorno mental não especificado
A diferença nas classificações foi sentida de forma abrupta na passagem entre o
DSM-II (1968) e o DSM-III (1980), que se refletiu na passagem da CID-9 para a CID-
10. Nas décadas de 1950 e 1960 a psiquiatria foi fortemente influenciada pela
psicanálise, constituindo a chamada Psiquiatria Psicodinâmica. Esta aplicava conceitos
psicanalíticos para compreender, teorizar e classificar as doenças mentais. Ao longo dos
anos 1960 com a cultura dos psicotrópicos ganhando cada vez mais espaço e o
fortalecimento da corrente cognitiva/biológica e uso de pesquisas na psiquiatria e na
psicologia, a psicanálise começou a ser amplamente atacada.
Ao longo dos anos 1970 foram travadas várias batalhas políticas
dividindo o campo entre a psiquiatria psicodinâmica e a psiquiatria mais biologizante
e/ou cognitivista com forte inclinação a pesquisas acadêmicas, pesquisas sobre
psicotrópicos e levantamentos estatísticos dos transtornos mentais.
Desde suas origens a psiquiatria era tratada como uma disciplina médica
menor, sem critérios científicos muito sólidos. Ninguém conseguia demonstrar a “causa
material” da doença mental, que foi a grande revolução da medicina moderna com a
descoberta das bactérias e vírus no século XIX.
Manual diagnóstico de saúde Mental - DSM5
A proliferação de pesquisas, revisões bibliográficas e testes de campo
permitiram que, em 1994, a APA lançasse o DSM-IV. A evolução do manual
representava um aumento significativo de dados, com a inclusão de
diversos novos diagnósticos descritos com critérios mais claros e precisos.
Uma revisão dessa edição foi publicada em 2000 como DSM-IV-TR e foi
utilizada até o início de 2013.

O DSM-5 se propõe a servir como um guia prático, funcional e flexível para


organizar informações que podem auxiliar o diagnóstico preciso e o tratamento de
transtornos mentais. Trata-se de uma ferramenta para clínicos, um recurso essencial
para a formação de estudantes e profissionais e uma referência para pesquisadores da
área. O DSM tem sido utilizado por clínicos e pesquisadores de diferentes orientações
(biológica, psicodinâmica, cognitiva, comportamental, interpessoal, familiar/sistêmica)
que buscam uma linguagem comum para comunicar as características essenciais dos
transtornos mentais apresentados por seus pacientes. Tema que nós iremos aprofundar
no próximo módulo quando falarmos dos conceitos que envolvem as grandes síndromes
psiquiátricas.
Vejam a nossa tabela sobre o DSM-5
Transtornos do Neurodesenvolvimento
Espectro da Esquizofrenia e Outros Transtornos Psicóticos
Transtorno Bipolar e Transtornos Relacionados
Transtornos Depressivos
Transtornos de Ansiedade
Transtorno Obsessivo-Compulsivo e Transtornos Relacionados
Transtornos Relacionados a Trauma e Estressores
Transtornos Dissociativos
Transtornos de Sintomas Somáticos e Transtornos Relacionados
Transtornos Alimentares
Transtornos da Eliminação
Transtornos do Sono-Vigília
Disfunções Sexuais
Disforia de Gênero
Transtornos Disruptivos, do Controle de Impulsos e da Conduta
Transtornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos
Transtornos Neurocognitivos
Transtornos da Personalidade
Transtornos Parafílicos
Outros Transtornos Mentais
Outros Transtornos do Movimento Induzidos por Medicamentos e Outros
Efeitos Adversos de Medicamentos
Outras Condições que Podem ser Foco da Atenção Clínica
Com isso chegamos ao fim da apresentação dos Manuais diagnósticos. Eu
gostaria de fazer mais uma daquelas minhas observações: se você se empolgou com
essa apresentação e pretende iniciar um longo caminho de estudos detalhados desses
manuais para se tornar um expert em CID-10 e DMS-5 na esperança de melhorar
qualitativamente seus conhecimentos da prática em psicologia clínica... eu tenho uma
notícia desanimadora para você: depois de tudo que você aprendeu durante este curso, já
deve ter se dado conta que a pratica da psicologia clínica contemporânea não reside na
arte de classificar os sujeitos. A premissa de que as atuais classificações são “a-teóricas”
e estão fundamentadas em um acesso direto à natureza da realidade não resiste a uma
reflexão que visa dar um contorno epistemológico a qualquer processo de construção do
conhecimento, inclusive o conhecimento psiquiátrico ou psicopatológico.
Na mesma medida em que os manuais tentam se fiar em um grau
máximo de objetividade, é necessário compreender o complexo processo histórico que
torna a objetificação um valor na psiquiatria contemporânea. Em outras palavras os
manuais nos ajudam a estabelecer uma rede de significantes comuns aos profissionais
de saúde mental, a nos entender com a burocracia exigida de nós profissionais de saúde
e a tentar encontrar pistas nos discursos de nossos pacientes que estão fixadas nesses
rótulos. Mas nuca, jamais devemos nos esquecer que a essência do trabalho da clínica
psicológica contemporânea reside nos aspectos de dimensão afetiva da linguagem.
- O raciocínio diagnóstico frente às grandes síndromes psiquiátricas
Gostaria de iniciar esse módulo relembrando que o foco dos nossos estudos são os
aspectos práticos da clínica psicológica. Portanto se você vai atuar em um serviço que lida com
casos muito específicos como por exemplo um que só atenda crianças com diagnóstico de
Transtorno do espectro autista, a experiência nos diz que nesses casos os critérios de
normalidade tendem a ser mais operacionais com finalidades pragmáticas explícitas. Que é
quando se define, a priori, o que é normal e o que é patológico e busca-se trabalhar
operacionalmente com esses conceitos, aceitando as consequências de tal definição prévia.
Dando a possibilidade de o profissional trabalhar com um método específico. No caso do nosso
exemplo o cliente/paciente chega dizendo que foi diagnosticado por um médico psiquiatra
com (TEA) transtorno do espectro autista, daí aceita-se essa informação e a partir dela aplica-
se o método de análise do comportamento aplicada para autismo (ABA) Applied Behavior
Analysis em inglês.

Bom, não é por aí que caminha a prática geral da psicologia clínica. Dito isto, vamos ao
que interessa> O raciocínio diagnóstico frente às síndromes psiquiátricas na clínica psi
contemporânea.

Até aqui nós viemos utilizando os termos cliente e paciente sem preocupação com uma
definição conceitual e até como termos sinónimos um do outro. Não há nada de errado com
um ou com o outro. Mas para acompanhar este módulo de forma eficaz você vai precisar
compreender as implicações desses termos para a prática clínica em psicologia.

Como no caso do nosso exemplo, onde o cliente diagnosticado com TEA que chega a
um serviço especializado e sua demanda é prontamente atendida por um método específico
oferecido, é comum que as pessoas ao procurar um psicólogo clinico em seu consultório façam
isso na esperança que ele solucione alguma queixa, algum sintoma, algo que não esteja
funcionando hoje como costumava funcionar antes. A intenção é bem pragmática eles querem
que o psicólogo conserte as coisas para que as coisas voltem a ser como antes. De modo geral
o que o psicólogo oferece, no começo, através do rapport ou de estabelecer uma relação
transferencial é uma satisfação substituta de modo que ele possa trabalhar aquela demanda
no processo psicoterapêutico, se for o caso. Acontece que não é isso o que os pacientes
pedem. Eles querem que você ofereça um remendo, de modo que eles possam restaurar uma
espécie de backup e voltar a se relacionar com os sintomas como eles sempre se relacionaram
antes dos problemas parecerem tomar o controle da situação.
E é por essa razão que a relação estabelecida em um consultório de psicologia, na
maioria das situações, não pode ser considerada como uma relação contratual. Ser “cliente”
sugere que alguém é consumidor, que sabe exatamente o que está pedindo e o que vai
receber, mas se você chegou até aqui neste curso você certamente já se deu conta que
definitivamente essa definição não se aplica a maioria das situações reais do dia a dia de um
consultório de psicologia.

O termo “cliente” pode ser preferível, em alguns aspectos, ao termo “paciente”, que
tende a patologizar ou estigmatizar as pessoas, sobretudo nos primeiros contatos, mas esse
lugar de cliente logo é colocado em xeque quando no decorrer dos trabalhos o psicólogo
contorna as demandas do paciente, frustra-as, e, em última instância, tenta direcioná-lo para
algo que ele nunca pediu. Lembrem-se das discussões do nosso primeiro módulo e da
centralidade da linguagem para o procedimento clínico.

Agora sim estamos no rastro do raciocínio diagnóstico da psicologia clínica.

Há, no processo diagnóstico, uma relação dialética permanente entre o particular, individual
(aquele paciente específico, aquela pessoa em especial), e o geral, universal (categoria
diagnóstica à qual essa pessoa pertence). Portanto, não se deve esquecer: os diagnósticos são
idéias (constructos), fundamentais para o trabalho científico, para o conhecimento do mundo,
mas não objetos reais e concretos. Isso clarifica um pouco mais a discussão que tivemos no
módulo anterior a respeito dos manuais diagnósticos e as razões de suas constantes
reordenações, reagrupamentos e novos esquemas de tradução.

Podemos distinguir três grupos de fenômenos em relação à possibilidade de classificação:

1 - Aspectos e fenômenos encontrados em todos os seres humanos.

2- Aspectos e fenômenos encontrados em algumas pessoas, mas não em todas.

3 - Aspectos e fenômenos encontrados em apenas um ser humano em particular.

Veja que estes 3 grupos de fenômenos estão intimamente relacionados aos critérios de
normalidade em psicopatologia apresentados no segundo módulo, que são: a normalidade
estatística, a normalidade funcional e a normalidade como processo. E como acabamos de
dizer o que há é uma ação de afinidade dialética entre esses fenômenos, e não cada um
funcionando de modo independente, separado em sua caixinha. Guarde essa informação que
ela será útil na prática da entrevista psicológica.

Os testes psicológicos ou neuropsicológicos também auxiliam de forma muito significante o


diagnóstico de um transtorno psiquiátrico, que é quase sempre baseado preponderantemente
em dados clínicos e estatísticos. Mas o essencial do diagnóstico psicopatológico será sempre
uma história bem-colhida e um exame psíquico minucioso, ambos interpretados com
habilidade.

Como já foi colocado inúmeras vezes ao longo desse curso, o diagnóstico psicopatológico não
é, de modo geral, baseado em possíveis mecanismos etiológicos supostos pelo psicólogo (salvo
as exceções de quadros psico-orgânicos), embora essas sejam informações relevantes. mas se
baseia principalmente no perfil de sinais e sintomas apresentados pelo paciente na história da
doença e no momento da entrevista (no próximo módulo iremos explorar melhor essa parte).

Deve-se manter duas linhas paralelas de raciocínio clínico; uma linha diagnóstica, baseada
fundamentalmente na cuidadosa descrição evolutiva e atual dos sintomas que de fato o
paciente apresenta, e uma linha etiológica, que busca, na totalidade de dados biológicos e
psicossociais, uma formulação hipotética plausível sobre os possíveis fatores etiológicos
envolvidos no caso.

Portanto, o diagnóstico psicopatológico repousa sobre a totalidade dos dados clínicos,


momentâneos (o chamado exame psíquico) e evolutivos (anamnese, história dos sintomas e
evolução do transtorno). É essa totalidade clínica que, detectada, avaliada e interpretada com
conhecimento (teórico e científico) e habilidade (clínica e intuitiva), conduz ao diagnóstico
psicopatológico.

O diagnóstico psicopatológico é, em inúmeros casos, apenas possível com a observação do


curso da doença. Dessa forma, o padrão evolutivo de determinado quadro clínico obriga o
psicólogo a repensar e refazer continuamente o seu diagnóstico.

 Sindromes psiquiátricas

Apesar dos manuais (CID e DSM) definirem e descreverem os transtornos mentais


específicos de forma clara, considera-se útil clinicamente a abordagem inicial dos quadros
mentais por meio da perspectiva sindrômica.

As síndromes são conjuntos de sinais e sintomas que se agrupam de forma recorrente e


são observadas na prática clínica diária.

Identificar síndromes é o primeiro passo no sentido de ordenar a observação


psicopatológica dos sinais e dos sintomas dos pacientes. Esse procedimento é
estrategicamente importante no raciocínio clínico. É assim que o raciocínio clínico vai
evoluindo gradativamente ao longo das primeiras avaliações para o conhecimento mais
aprofundado sobre o paciente e o seu sofrimento mental. Uma prática que precisa entrar no
seu escopo de trabalho é acompanhar os estudos epidemiológicos tanto nacionais quanto
internacionais que envolvam aspectos psicossociais relevantes.

Um exemplo recente é a pandemia pelo novo coronavírus que tem afetado


consideravelmente as taxas de desemprego, de transtorno de ansiedade, de fobias e de
transtornos depressivos nas mais diversas faixas etárias. Essa e uma variável de alcance global
e de grande notoriedade midiática que interfere no trabalho dos psicólogos clínicos, mas
outras variáveis podem passar despercebida para um técnico mal informado. Portanto fiquem
ligados e mantenham-se atualizados.

Antes de nos aventurarmos nos procedimentos de identificação sindrômicas vamos


precisar compreender alguns conceitos que dizem respeito a evolução temporal dos
transtornos mentais. Os conceitos de: processo, desenvolvimento, surto, fase, reação, crise e
episódio. Esses conceitos têm grande importância prática para a clínica psicológica, para
compreender um laudo psiquiátrico, por exemplo. Eu vou ser bem didático e menos prolixo
nesse momento, porque a minha intenção é que você possa manejar bem esses conceitos. Por
isso eu vou disponibilizar uma tabela com a definição que você pode até imprimir se achar
necessário e consultar como se fosse um verbete de dicionário ou algo do tipo.

Refere-se a uma transformação lenta e


insidiosa da personalidade, decorrente de
alterações psicologicamente
incompreensíveis, de natureza endógena. O
processo irreversível, supostamente de
Processo natureza corporal (neurobiológica), rompe a
continuidade do sentido normal do
desenvolvimento biográfico de uma pessoa.
Utiliza-se o termo processo, por exemplo,
para caracterizar a natureza de uma
esquizofrenia de evolução insidiosa, que
lenta e radicalmente transforma a
personalidade do sujeito acometido.
Refere-se à evolução psicologicamente
compreensível de uma personalidade. Essa
evolução pode ser normal, configurando os
distintos traços de caráter do indivíduo, ou
anormal, determinando os transtornos da
Desenvolvimento personalidade e as neuroses. Nesse caso, há
uma conexão de sentido, uma trajetória
compreensível ao longo da vida do sujeito.
Fala-se, então, em “desenvolvimento
paranoide”, “desenvolvimento histriônico”,
“desenvolvimento hipocondríaco”, etc.
Caracteriza-se, em geral, por surgimento e
término abruptos, durando segundos ou
minutos, raramente horas. Utilizam-se os
Crise, ou ataque termos crise ou ataque para fenômenos
como: crises epilépticas, crises ou ataques
de pânico, crises histéricas, crises de
agitação psicomotora, etc
O episódio tem geralmente a duração de
dias até semanas. Os termos episódio e crise
Episódio são denominações referentes apenas ao
aspecto temporal do fenômeno. Na prática,
é comum utilizar-se o termo episódio de
forma inespecífica, quando não há condições
de precisar a natureza do fenômeno
mórbido.
Caracteriza-se por ser um fenômeno
psicologicamente compreensível,
desencadeado por eventos vitais
significativos para o indivíduo que os
experimenta. É designada reação anormal
pela intensidade muito marcante e duração
prolongada dos sintomas. Ocorre
geralmente em personalidades vulneráveis,
predispostas a reagir de forma anormal a
Reação vivencial anormal certas ocorrências da vida. Após a morte de
uma pessoa próxima, da perda do emprego
ou do divórcio, o indivíduo reage, por
exemplo, apresentando um conjunto de
sintomas depressivos ou ansiosos, sintomas
fóbicos ou mesmo paranoides. A reação
vivencial pode durar semanas ou meses,
eventualmente alguns anos. Passada a
reação vivencial, o indivíduo retorna ao que
era antes, sua personalidade não sofre
ruptura; pode empobrecer-se ou enriquecer-
se, mas não se modifica radicalmente.
Fase Refere-se particularmente aos períodos de
depressão e de mania dos transtornos
afetivos. Passada a fase, o indivíduo retorna
ao que era antes dela, sem alterações
duradouras na personalidade, ou seja, não
há sequelas na personalidade.
É uma ocorrência aguda, que se instala de
forma repentina, fazendo eclodir uma
Surto doença de base endógena, não
compreensível psicologicamente. Produz
sequelas irreversíveis, danos à personalidade
e/ou à esfera cognitiva do indivíduo. Assim
como, após o primeiro surto de esclerose
múltipla, o paciente “sai” com alguma
seqüela sensitiva ou motora, após o primeiro
surto de esquizofrenia (com alucinações,
delírios, percepção delirante, etc.), que pode
durar de 3 a 4 meses, por exemplo, o
indivíduo “sai diferente”, seu contato com os
amigos torna-se mais distanciado, o afeto
modula menos, e ele tem dificuldades na
vida social, as quais não consegue explicar
ou entender
Estado residual Em geral ocorre após vários anos de doença,
nos quais vários surtos foram se sucedendo
(ou um processo insidioso foi se
implantando de forma lenta), apresentando
apenas sinais e sintomas que são sequelas,
sintomas predominantemente negativos.
Dessa forma, é incorreto falar em surto
maníaco, fase esquizofrênica, crise maníaca;
tal uso revela o desconhecimento da
terminologia e dos conceitos
psicopatológicos básicos.
Personalidade pré-mórbida e os sinais pré- São aqueles elementos identificados em
mórbidos períodos da vida do paciente claramente
anteriores ao surgimento da doença
propriamente dita, em geral na infância.
sinais e sintomas prodrômicos Pertencem ao início do transtorno.
representam de fato a fase precoce, inicial
do adoecimento.

Síndromes neuróticas (fobias, quadros obsessivo-compulsivos, histeria, somatizações)


Identificar um indivíduo como tendo um quadro neurótico permite uma compreensão
adequada para um considerável número de pacientes. O constructo neurose aponta para uma
estruturação da subjetividade expressiva de conflitos intrapsíquicos (recalque, luta interna,
impulsos inaceitáveis perante um julgamento rígido, etc.) e interpessoais (frustração
recorrente nas relações pessoais, insatisfação constante com o que recebe e dá aos outros,
rigidez, etc.). No centro de todas as neuroses, está a angústia. Uma forma particular de relação
do indivíduo com os outros, com a corporeidade própria e a dos outros, com os objetos
(materiais e simbólicos) do mundo. As neuroses elas mais produzem uma perturbação do
equilíbrio interior do sujeito neurótico que uma mudança em seu sistema de realidade. Nos
neuróticos, de modo geral, sobressaem-se as manifestações de uma angústia permanente e de
mecanismos de defesa que, em última análise, fracassam na resolução de conflitos.

Síndromes ansiosas
Ordenadas em 2 grandes grupos: quadros em que a ansiedade é constante e permanente
(ansiedade generalizada, livre e flutuante) e quadros em que há crises de ansiedade abruptas
e mais ou menos intensas.

O quadro de ansiedade generalizada caracteriza-se pela presença de sintomas ansiosos


excessivos, na maior parte dos dias, por pelo menos seis meses. A pessoa vive angustiada,
tensa, preocupada, nervosa ou irritada. Nesses quadros, são frequentes sintomas como
insônia, dificuldade em relaxar, angústia constante, irritabilidade aumentada e dificuldade de
concentração.

Os sintomas físicos mais comuns são: cefaleia, dores musculares, dores ou queimação no
estômago, taquicardia, tontura, formigamento e sudorese fria.

As crises de pânico são crises intensas de ansiedade, ocorrem sintomas como: taquicardia,
suor frio, tremores, desconforto respiratório ou sensação de asfixia, náuseas, formigamentos
em membros e/ou lábios. Nas crises intensas, os pacientes podem experimentar diversos
graus da chamada despersonalização. Sensação de a cabeça ficar leve, de o corpo ficar
estranho, sensação de perda do controle, estranhar-se a si mesmo. Pode ocorrer também a
sensação de que o ambiente, antes familiar, parece estranho, diferente, não-familiar isso se
chama desrealização. Além disso, ocorre com freqüência nas crises de pânico um considerável
medo de ter um ataque do coração, um infarto, de morrer e/ou enlouquecer. As crises são de
início abrupto (chegam ao pico em 5 a 10 minutos) e de curta duração (duram geralmente não
mais que uma hora).

Síndromes depressivas
As síndromes depressivas têm como elementos mais salientes o humor triste e o desânimo.
Também podem estar presentes, em formas graves de depressão, sintomas psicóticos (delírios
e/ou alucinações), marcante alteração psicomotora (geralmente lentificação ou estupor) e
fenômenos biológicos (neuronais ou neuroendócrinos) associados.

É preciso chamar sua atenção aqui nesse ponto. Preste muita atenção, se você estiver
atendendo um paciente com características depressivas graves que tenha apresentado
ideações suicidas e que esteja fazendo uso de psicofármaco antidepressivo você vai precisar
dedicar maior atenção a esse caso, sobretudo nas primeiras semanas que ele entrar com a
medicação. Isso porque o primeiro efeito dos antidepressivos é justamente devolver os
movimentos psicomotores do paciente, e enquanto esse sujeito não estabilizar ele pode
passar da ideação e planejamento para o ato suicida.

Do ponto de vista psicológico, as síndromes depressivas têm uma relação fundamental com as
experiências de perda. As síndromes e as reações depressivas surgem com muita freqüência
após perdas significativas: de pessoa muito querida, emprego, moradia, status
socioeconômico, ou de algo puramente simbólico

Sintomas afetivos

Apatia (indiferença afetiva; “Tanto faz como tanto fez.”) – Sentimento de falta de sentimento
(“É terrível: não consigo sentir mais nada!”) – Sentimento de tédio, de aborrecimento crônico
– Irritabilidade aumentada (a ruídos, pessoas, vozes, etc.) Angústia ou ansiedade – Desespero
– Desesperança. Tristeza, sentimento de melancolia – Choro fácil e/ou freqüente –

ALTERAÇÕES DA ESFERA INSTINTIVA E NEUROVEGETATIVA – Anedonia


(incapacidade de sentir prazer em várias esferas da vida) – Fadiga, cansaço fácil e constante
(sente o corpo pesado) – Desânimo, diminuição da vontade (hipobulia; “Não tenho pique para
mais nada.”) – Insônia ou hipersomnia – Perda ou aumento do apetite – Constipação, palidez,
pele fria com diminuição do turgor – Diminuição da libido (do desejo sexual) – Diminuição da
resposta sexual (disfunção erétil, orgasmo retardado ou anorgasmia)

ALTERAÇÕES IDEATIVAS – Ideação negativa, pessimismo em relação a tudo – Idéias de


arrependimento e de culpa – Ruminações com mágoas antigas – Visão de mundo marcada
pelo tédio (“A vida é vazia, sem sentido; nada vale a pena.”) – Idéias de morte, desejo de
desaparecer, dormir para sempre – Ideação, planos ou atos suicidas

ALTERAÇÕES COGNITIVAS – Déficit de atenção e concentração – Déficit secundário de


memória – Dificuldade de tomar decisões – Pseudodemência depressiva

ALTERAÇÕES DA AUTOVALORAÇÃO – Sentimento de auto-estima diminuída –


Sentimento de insuficiência, de incapacidade – Sentimento de vergonha e autodepreciação

ALTERAÇÕES DA VOLIÇÃO E DA PSICOMOTRICIDADE – Tendência a


permanecer na cama por todo o dia (com o quarto escuro, recusando visitas, etc.) – Aumento
na latência entre as perguntas e as respostas – Lentificação psicomotora até o estupor –
Estupor hipertônico ou hipotônico – Diminuição da fala, redução da voz, fala muito lenta –
Mutismo (negativismo verbal) – Negativismo (recusa à alimentação, à interação pessoal, etc.)

SINTOMAS PSICÓTICOS – Ideias delirantes de conteúdo negativo: • Delírio de ruína ou


miséria • Delírio de culpa • Delírio hipocondríaco e/ou de negação dos órgãos • Delírio de
inexistência (de si e/ ou do mundo) – Alucinações, geralmente auditivas, com conteúdos
depressivos – Ilusões auditivas ou visuais Ideação paranoide e outros sintomas psicóticos
humor-incongruentes.

Falaremos sobre os sintomas psicóticos quanto passarmos ás síndromes psicóticas. Por hora
basta saber que nos casos de depressão grave esses sintomas são acompanhados por
conteúdos depressivos.

Nosso objetivo é que você estudante, consiga identificar os principais sinais e sintomas da
síndrome depressiva. Por isso não iremos seguir no tema até seu esgotamento. Para
abordarmos todos os subtipos de síndromes e transtornos depressivos precisaríamos de um
outro curso.
Síndromes relacionadas a substâncias psicoativas
Uma substância psicoativa é qualquer substância química que, quando ingerida, modifica uma
ou várias funções do SNC, produzindo efeitos psíquicos e comportamentais. São substâncias
psicoativas: álcool, maconha, cocaína, café, chá, diazepam, nicotina, heroína, etc. As
substâncias psicoativas produzem, de modo geral, uma sensação de prazer ou excitação.

Conceitos importantes

Uso recreativo: uso que não interfere nas atividades e responsabilidades cotidianas

Uso abusivo: Prejuízo sem perda do Controle

Uso prejudicial: Uso que prejudica em vários aspectos - Financeiro, Saúde Física, Saúde Mental,
Familiar, Emprego, Escola, Social, Legal etc.

Estimulantes do Sistema Nervoso Central: Anfetaminas, Cocaína, Nicotina, Cafeína

Depressores do Sistema Nervoso Central: Ópio, Morfina, Heroína, Barbitúricos

Perturbadores do Sistema Nervoso Central: Canabis Sativa: Maconha, Haxixe e Alucinógenos:


LSD, Psilocibina (cogumelo), Mescalina (Peyote), Inalantes e solventes (cola, verniz, éter etc)

Característica da dempendência:

uso da substância em dose e/ou tempo acima do pretendido inicialmente;

- fracasso em diversas tentativas de controlar ou reduzir o uso da substância;

- tempo excessivo gasto para a recuperação dos efeitos ou para a aquisição da substancia;

- importante disfunção social, com redução drástica de atividades recreativas e ocupacionais;

- manutenção peremptória do uso da substância mesmo diante do reconhecimento das perdas


sociais, econômicas e afetivas.

Síndromes maníacas
A euforia ou alegria patológica e a elação (ou expansão do Eu) constituem a base da síndrome
maníaca Além disso, é fundamental e está quase sempre presente a aceleração de todas as
funções psíquicas (taquipsiquismo), manifestando-se como agitação psicomotora, exaltação,
loquacidade ou logorréia e pensamento acelerado. A atitude geral do paciente é alegre,
brincalhona ou irritada, arrogante.

Na esfera ideativa verifica-se um pensamento em geral superficial e impreciso; o paciente fala


mais do que pensa.

De modo geral, podem-se observar os seguintes sinais e sintomas nas síndromes maníacas:

- Aumento da auto-estima. O paciente sente-se superior, melhor, mais potente, etc.

– Elação. Sentimento de expansão e engrandecimento do Eu.

– Insônia. Mais precisamente, a diminuição da necessidade de sono.

– Loquacidade. Produção verbal rápida, fluente e persistente.


– Logorréia. Produção verbal muito rápida, fluente, com perda das concatenações lógicas.

– Pressão para falar. Tendência irresistível de falar sem parar.

– Distraibilidade. Atenção voluntária diminuída, e espontânea, aumentada.

– Agitação psicomotora. Pode ser muito intensa até quadro de furor maníaco.

– Irritabilidade. Pode ocorrer em graus variados, desde leve irritabilidade, passando pela
beligerância, até a franca agressividade. – Arrogância. Em alguns pacientes maníacos, é um
sintoma destacável.

– Heteroagressividade. Geralmente desorganizada e sem objetivos precisos.

– Desinibição social e sexual. Leva o indivíduo a comportamentos inadequados em seu meio


sociocultural; comportamentos que o paciente não realizaria fora da fase maníaca.

– Tendência exagerada a comprar objetos ou a dar seus pertences indiscriminadamente.

– Idéias de grandeza, de poder, de importância social. Podem chegar a configurar verdadeiros:


• delírios de grandeza ou de poder • alucinações (geralmente auditivas, com conteúdo de
grandeza).

Transtorno bipolar
Os episódios de mania e depressão ocorrem de modo relativamente delimitado no tempo e,
com frequência, há períodos de remissão, em que o humor do paciente se encontra estável e
as alterações psicopatológicas mais intensas regridem. Tem caráter fásico, episódico,
semelhante ao de outros transtornos mentais e neurológicos.

Síndromes psicóticas (quadros do espectro da esquizofrenia e outras psicoses).


As síndromes psicóticas se caracterizam por sintomas típicos como alucinações e delírios,
pensamento desorganizado e comportamento claramente bizarro, como fala e risos sem
motivos. Pacientes psicóticos tipicamente têm insight prejudicado (precária consciência da
doença) em relação aos seus sintomas e à sua condição clínica geral.

Aqui o comportamento do paciente é oposto ao paciente que apresenta sinais e sintomas


neuróticos. A relação com a realidade é marcada pela perda de contato. Você vai perceber que
a tentativa de buscar um significado comum, compartilhado aos significantes que foram
enunciados pelo paciente psicótico será frustrada.

Síndromes relacionadas ao consumo de alimentos


o comportamento alimentar inclui algumas dimensões complementares:

Dimensão fisiológico-nutritiva.

Dimensão psicodinâmica e afetiva

Dimensão relacional.

Na anorexia nervosa, há uma busca implacável de magreza e o medo intenso e mórbido de


parecer ou ficar gorda(o).

Na bulimia nervosa o paciente toma medidas extremas, como vômitos, purgação, enemas e
diuréticos, a fim de mitigar os efeitos do aumento de peso pela ingestão de alimentos.
Questões relacionadas a obesidade também é frequente nos consultórios. Calcula-se que cerca
de 4 a 8% da verba destinada à saúde é gasta com problemas gerados pela obesidade ou
associados direta ou indiretamente com a obesidade.

Síndromes relacionadas à sexualidade

Infelizmente não poderíamos fazer uma exposição razoavelmente compreensível aqui devido
as peculiaridades que envolvem tratar este assunto do ponto de vista clínico, tanto no campo
da psiquiatria quanto na psicologia. O que nos interessa aqui é saber que a vida sexual é
extremamente vinculada à vida afetiva do sujeito, à personalidade total e aos símbolos
culturais que geram e conformam as fantasias e práticas sexuais mais variadas. A sexualidade
não é uma simples tensão orgânica anônima. Muito pelo contrário, toda a vivência humana
está carregada de intencionalidade, de desejos que buscam a satisfação. A forma específica
pela qual cada um realiza a sua sexualidade é também característica de sua existência no
mundo. Portanto a sexualidade é um daqueles terrenos, um daqueles palcos, onde se lançam e
ganham vida todos os conflitos e as peculiaridades dos seres humanos.

Síndromes relacionadas ao sono


Em termos de freqüência e interesse clínico, os transtornos relacionados ao sono mais
importantes são:

– Insônia (30 a 40% dos adultos)

– Síndrome das pernas inquietas (5 a 15% dos adultos)

– Apnéia do sono (9% em homens de meia-idade e em 4% das mulheres após a menopausa)

– Parassonias (para o conjunto, não há dados estatísticos; a enurese noturna acomete 15 a


25% das crianças e 2% dos adultos)

 Despertar confusional (acordar confuso, desorientado e assustado, comum em


crianças e adolescentes );
 Terror noturno (acordar recorrentemente com pesadelos e muita ansiedade);
 Sonambulismo (agir sem despertar completamente de um sono profundo);
o Distúrbios alimentares noturnos (levantar para comer sem
despertar completamente, uma forma de sonambulismo);
o Distúrbio sexual noturno (fazer sexo enquanto dorme, uma forma
rara de sonambulismo)
 Bruxismo (ranger os dentes);

– Narcolepsia com cataplexia (0,02 a 0,1% da população)

A entrevista psicológica
Agora que você já sabe como o diagnóstico psicopatológico é feito e as principais fontes de
queixas e sofrimento que podem chegar ao seu consultório. Vamos ver como isso é
instrumentalizado na prática clínica em psicologia.

A avaliação do paciente, em psicologia, é feita principalmente por meio da entrevista. Aqui a


entrevista não pode, de forma alguma, ser vista como algo banal, um simples perguntar ao
paciente sobre alguns aspectos de sua vida. O que nos interessa é a busca de objetivos
psicológicos (investigação, diagnóstico, terapia, etc.).
A entrevista pode ser de dois tipos fundamentais: aberta e fechada. Na fechada as perguntas já
estão previstas, assim como a ordem e a maneira de formulá-Ias, e o entrevistador não pode
alterar nenhuma destas disposições. Na entrevista aberta, pelo contrário, o entrevistador tem
ampla liberdade para as perguntas ou para suas intervenções, permitindo-se toda a
flexibilidade necessária em cada caso particular.

a liberdade do entrevistador, no caso da entrevista aberta, reside numa flexibilidade suficiente


para permitir, na medida do possível, que o entrevistado configure o campo da entrevista
segundo sua estrutura psicológica particular, ou – falando de outra forma - que o campo da
entrevista se configure, o máximo possível, pelas variáveis que dependem da personalidade do
entrevistado. Na prática as entrevistas psicológicas são geralmente mistas.

Mas atenção> Se você estiver tratando um paciente com transtorno mental, é preciso lembrar
da possibilidade de doenças físicas. Tais pacientes devem ser examinados do ponto de vista
somático, por meio da semiologia somática adequada (anamnese somática, exame físico,
exames laboratoriais e de imagem). Se necessário não hesite em fazer um encaminhamento.
Uma dica preciosa é você manter a mão um mapeamento das portas de entrada da rede de
atenção aí na sua cidade. (endereço e telefone dos serviços para possíveis encaminhamentos).
E não basta simplesmente fornecer um cartão ou um endereço ao seu paciente na esperança
que ele vá buscar ajuda. Parte considerável do nosso trabalho é fazer um encaminhamento
qualificado, em uma lógica de responsabilização. Se você precisa fazer um encaminhamento,
então você precisa entrar em contato com o profissional, o serviço ou a instituição que você
pretende encaminhar, avaliar a disponibilidade de acolhimento para aquela demanda, etc. Se
você lida com crianças com problemas de aprendizagem, então, certamente, você
ocasionalmente vai precisar visitar algumas escolas aí da sua cidade.

A entrevista não é uma anamnese. Anamnese implica uma compilação de dados


preestabelecidos, de tal amplitude e detalhe, que permita obter uma síntese tanto da situação
presente como da história de um indivíduo, de sua doença e de sua saúde.

Na anamnese a preocupação e a finalidade residem na compilação de dados, e o paciente fica


reduzido a um mediador entre sua enfermidade, sua vida e seus dados por um lado, e o
médico por outro. Agora, o paciente é colocado na posição de mediador do ponto de vista da
técnica da anamnese. Isso de modo algum quer dizer que os médicos ou os profissionais que
estão ali fazendo o procedimento não possam ter empatia pela dor, pelo relato... pelo
sofrimento daquele sujeito. Só quer dizer que se ele pretende fazer uma boa anamnese que
contenha dados satisfatórios no tempo da consulta ele não pode deixar que a atenção do
paciente se desvie daquele propósito.

Diferentemente da anamnese, a entrevista psicológica objetiva o estudo e a utilização do


comportamento total do indivíduo em todo o curso da relação estabelecida com o técnico,
durante o tempo em que essa relação durar.

Você pode usar uma parte da consulta como entrevista e a outra para completar a indagação
ou os dados necessários para a anamnese, porém não existem razões para que ela se
transforme em um "interrogatório".

A regra básica não consiste em obter dados completos da vida de uma pessoa, mas em obter
dados completos de seu comportamento total no decorrer da entrevista. O entrevistador
controla a entrevista, mas quem dirige é o entrevistado. A forma de observar bem é ir
formulando hipóteses enquanto se observa, e durante a entrevista verificar e retificar as
hipóteses no momento mesmo em que ocorrem em função das observações subsequentes,
que por sua vez se enriquecem com as hipóteses prévias. (vejam a importância dos
conhecimentos sindrômicos do módulo anterior) Observar, pensar e imaginar coincidem
totalmente e formam parte de um só e único processo dialético.

Nos casos onde vêm à consulta familiares do paciente identificado, você não tem por que
aceitar o critério da família sobre quem é o doente, mas deve atuar considerando todos os
seus membros como implicados naquele problema.

O papel técnico implica que, em nenhum caso, o entrevistador deve permitir que seja
apresentado como um amigo num encontro casual. Mas deve-se deixar claro que aquela
relação com o paciente é única e não se compara com nenhuma outra relação que o sujeito
tenha vivenciado em sua vida. A curiosidade deve limitar-se ao necessário para o beneficio do
entrevistado. Tudo o que sinta ou viva como reação contratransferencial deve ser considerado
como um dado da entrevista. A petulância ou a atitude arrogante ou agressiva do entrevistado
não devem ser "domadas" nem subjugadas; não se trata nem de triunfar nem de impor-se ao
entrevistado. O que nos compete é averiguar a que se devem, como funcionam e quais os
efeitos que acarretam para o entrevistado.

Quando temos informações sobre o entrevistado fornecidas por outra pessoa, devemos
informá-Io, assim como antecipar ao informante, no começo da entrevista, que esses dados
que se referem a terceiros não serão mantidos em reserva.

Com frequência aquele que fala muito, na realidade, deixa de dizer o mais importante, porque,
como já conversamos, a linguagem não é somente um meio de transmitir informação, mas
também um poderoso meio para evitá-Ia.

Outro aspecto importante é a interpretação. Interpretar é oferecer uma síntese ao paciente.


Passar do modo analítico para o modo sintético é um desafio para qualquer psicólogo mesmo
os mais experientes, principalmente se você não tiver dados suficientes que dificilmente você
obterá em uma primeira consulta de 50 min. e toda interpretação fora de contexto e de timing
é uma agressão, e parte da formação do psicólogo consiste, também, em aprender a calar. Há
uma regra sobre interpretação que você não deve esquecer: quanto maior for a sua agonia (a
do entrevistador) para interpretar maior é a necessidade de se calar.

Na prática da psicologia clínica você vai precisar por diversas vezes produzir (relatório, laudo
psicológico, parecer, etc) documentos que não servem só para o seu uso pessoal ou para
organizar uma devolutiva ao paciente mas que vão parar as vezes em instituições de saúde ou
administração pública, judiciária consultórios médicos, escolas empresas etc. e para fazer isso
direito você precisa gerar dados ao logo das consultas com o seu paciente e esses dados
precisam ser armazenados de uma forma organizada e segura. Afinal estamos falando aqui
nesse módulo justamente da maior fonte geradora de dados clínicos: a entrevista. (na
linguagem técnica essa produção de documentos se chama informe psicológico) e eu decidi
que vou deixar uma sessão extra nesse curso com dicas para quem está iniciando na prática
clínica e que só pensou na ordenação do mobiliário, na papelada com a junta comercial e o
aluguel da sala mas tem coisas que não dá para aprender errando e pode te dar muito mais
dor de cabeça e até te render uns processos se você não souber o que esta fazendo.

Bom, mas retomando ao recolhimento de dados para os informes psicológicos: Lembrando


que não precisa fazer tudo isso logo de uma vez na primeira entrevista. Esses são dados que
você vai precisar ir construindo com o paciente ao logo dos encontros (lembra quem dirige a
entrevista é ele (ou ela). Eu sei que eu não preciso lembrar que você embora possa fazer uma
anotação ou outra de modo pontual durante uma entrevista ou consulta você não deve ficar
transliterando o que o sujeito esta dizendo a fim de produzir ali o seu banco de dados. Você vai
perceber que toda vez que escreve alguma coisa durante o discurso do paciente esse ato
interfere muito forte na entrevista, mobiliza defesas, aumenta a ansiedade a timidez etc. A
dica é reserve uns minutos entre um atendimento e outro para fazer anotações depois que um
cliente deixa o seu consultório.

Algumas informações gerais você vai precisar de todos os clientes

1) Dados pessoais: nome, idade, sexo, estado civil, nacionalidade, domicílio, profissão ou
oficio.

Outros como já foi dito vai depender dos objetivos da entrevista

2) Procedimentos utilizados: entrevistas (número e freqüência, técnica utilizada, "clima", lugar


em que se realizaram). Testes (especificar os utilizados), jogo de desempenho de papéis,
registros objetivos (especificar) etc. Questionários (especificar). Outros procedimentos.

3) Motivos do estudo: por quem foi solicitado e objetivos. Atitude do entrevistado e referência

a suas motivações conscientes.

4) Descrição sintética do grupo familiar e de outros que tiveram ou têm importância na vida do
entrevistado. Relações do grupo familiar com a comunidade: status socioeconômico, outras
relações. Constituição, dinâmica e papéis, comunicação e trocas significativas do grupo
familiar. Saúde, acidentes e doenças do grupo e de seus membros. Mortes, idade e ano em
que tiveram lugar, causas. Atitude da família ante as mudanças, a doença e o doente.
Possibilidade de incluir o grupo em alguma das classificações reconhecidas.

5) Problemática vital: relato sucinto de sua vida e conflitos atuais, de seu


desenvolvimento, aquisições, perdas, mudanças, temores, aspirações, inibições e do
modo como os enfrenta ou suporta. Diferenciar aquilo que é afirmado pelo entrevistado
e por outras pessoas de seu meio daquilo que é inferido pelo psicólogo. Diferenciar o
que se afirma daquilo que se postula como provável. Quando houver algum dado de
valor muito especial, especificar a técnica através da qual se inferiu ou detectou esse
dado. Incluir uma resenha das situações vitais mais significativas (presentes e passadas),
especialmente aquelas que assumem o caráter de situações conflitivas e/ou repetitivas.
6) Descrição de padrões de conduta, diferenciando os predominantes dos acessórios.
Mudanças observadas.
7) Descrição de traços de caráter e de personalidade, incluindo a dinâmica psicológica
(ansiedade, defesas), incluir uma avaliação do grau de maturidade da personalidade.
Constituição (citar a tipologia empregada). Características emocionais e intelectuais,
incluindo: manipulação da linguagem (léxica e sintáxica etc.), nível de conceituação,
emissão de juízos, antecipação e planejamento de situações, canal preferido na
comunicação, nível ou grau de coordenação, diferenças entre comportamento verbal e
motor, capacidade de observação, análise e síntese, grau de atenção e concentração.
Relações entre o desempenho intelectual, social, profissional e emocional e outros itens
significativos em cada caso particular. Considerar as particularidades e alterações do
desenvolvimento psicossexual, mudanças na personalidade e na conduta.
8) No caso de um informe muito detalhado ou muito rigoroso (por exemplo, um informe
pericial), incluir os resultados de cada teste e de cada exame complementar realizado.
9) Conclusão: diagnóstico e caracterização psicológica do indivíduo e do seu grupo.
Responder especificamente aos objetivos do estudo (por exemplo, no caso da seleção de
pessoal, orientação vocacional, informe escolar etc.).
10) Incluir uma possibilidade prognóstica do ponto de vista psicológico, fundamentando
os elementos sobre os quais se baseia.
11) Orientação possível: indicar se são necessários novos exames e de que tipo. Indicar
a forma possível de remediar, aliviar ou orientar o entrevistado, de acordo com o motivo
do estudo ou segundo as necessidades da instituição que solicitou o informe.

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