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Capítulo do livro EMPATIA

PARTE I (Conceitos Sempre Inovadores)

Cap. 3 – Empatia e Psicoterapia

Rogério Christiano Buys 1

1. O termo e o conceito de empatia

Muitas vezes, conversando com pessoas que estão envolvidas com a


psicologia, ou mesmo dando aulas ou palestras, ouvimos comentários com uma
perspectiva superficial que soam quase como depreciativos (para não ignorarmos o
eufemismo que às vezes é de bom tom) sobre a Abordagem Centrada na Pessoa e
a teoria que a embasa. São os ‘psicólogos Paz e Amor’, o ‘grupo que basta sentir’, e
outras definições que provavelmente vocês já completaram mentalmente ao ler
estes dois exemplos.

Infelizmente, muitos destes comentários são resultados de estudos


superficiais dos conceitos que regem práticas utilizadas há muitas décadas em
várias culturas diferentes, com bons resultados, argumento este que ouvimos como
uma das respostas mais curtas às frases citadas.

Este equívoco não é um privilégio exclusivo da Abordagem Centrada na


Pessoa: Quantas vezes não ouvimos dizer que os psicanalistas só pensam em sexo,
ou que os cognitivos-comportamentais adestram humanos, ou ainda que os gestalt-
terapeutas falam com cadeiras vazias... Comentários que podem afastar possíveis
bons terapeutas ou clientes; comentários que podem ser expressão de alguém que
não entendeu o que estudou; comentários que foram ouvidos e repetidos sem uma
análise crítica. Poderíamos, ao depararmos com comentários como este, aprofundar
o assunto e tentar entender melhor o que levou nosso locutor a formular tal
afirmação. Estaríamos desta forma, começando a exercitar nossos músculos
empáticos.

1
Este capítulo reúne 4 textos não publicados, que foram escritos em diferentes momentos e agora
foram unificados e complementados pelos colegas Marcia Tassinari e André Nerys.
Mas quem costuma dar importância à empatia, escrevendo e recorrendo a
este tema, não seriam geralmente aqueles que estudam os pensamentos de Carl
Rogers e seus desdobramentos? Seria portanto esta atitude – a atitude empática –
uma exclusividade dos entusiastas da Abordagem Centrada na Pessoa?

Temos certeza de que a resposta é não, porém é impossível respondê-la de


forma tão simples.

Embora a empatia, enquanto definição de um movimento interno que gera


uma atitude, definição esta amplamente aceita, o conhecimento e construto teórico a
seu respeito desenvolveram-se de forma bem peculiar com Carl Rogers e com
autores de influências fenomenológicas e / ou existenciais. 2

Um dos criadores da Daseinanalyse, Binswanger (1977, pg. 275/6) critica o


termo ‘empatia’ de maneira severa, referindo-se a ele como “termo vaguíssimo”.
Vale a pena comentar esta crítica, pois ele se refere ao termo empatia que, via de
regra, como todo termo da linguagem coloquial, é vago e impreciso. Coerente com
este ponto de partida, Binswanger não procurou, pelo menos não citou, um conceito
científico de ‘empatia’, como o formularia, por exemplo, Rogers. Podemos arriscar
que o autor não se deu conta, nessa oportunidade, da diferença fundamental que
existe entre um termo da linguagem coloquial e um conceito científico, tomado desta
mesma linguagem.

Mas com essa atitude, Binswanger, indiretamente, chama justamente nossa


atenção para a necessidade de definir-se cuidadosamente o conceito de empatia no
âmbito da Abordagem Centrada na Pessoa.

Rogers (1965), desenvolve a ideia de ‘empatia’ vinculando-a à compreensão


empática, consistindo na percepção correta do quadro de referência do outro com as
subjetividades harmônicas e os valores pessoais que se conectam.

Entretanto, é necessário chamar atenção para a abrangência de tal


definição; ela vai muito além do sentido coloquial do termo. Por exemplo, Aurelio (19
90) assim define a empatia: “Tendência para sentir o que se sentiria caso se
estivesse na situação e circunstâncias experimentadas por outra pessoa”. Esta é

2
O capítulo 1 desenvolve melhor esta idéia,
uma definição do sentido vulgar do termo: o aspecto central é a capacidade de uma
pessoa sentir como outra se sente e refere-se à sensibilidade emocional em relação
ao outro, sendo frequentemente entendido como identificação.

Podemos então gerar duas reflexões: a primeira, que o termo ‘empatia’ foi
retirado da linguagem coloquial e tomou significação própria e exclusiva quando foi
definida como um conceito dentro da estrutura teórico-técnica da Abordagem
Centrada na Pessoa, portanto o termo não deve ser confundido com a palavra que
figura nos dicionários comuns sob pena de cometer-se grave engano. Dentro de seu
contexto próprio o termo em apreço é bem preciso, tanto em seu aspecto
intencional, conotativo (que envolve a sensibilidade à experiência do outro), quanto
em seu aspecto denotativo (qualquer forma em que essa experiência se mostre). A
segunda reflexão nos convida a pensar sobre as condições nas quais é possível
sua realização.

Para entender melhor a primeira reflexão, podemos voltar à definição de


Rogers: verificamos que ele se refere “à percepção correta do quadro de referência
do outro” – Rogers não se refere à percepção simplesmente de sentimentos; ele dá
uma definição própria e de acordo com a teoria e a prática da Abordagem Centrada
na Pessoa. Esta não é a definição do senso comum; é uma das definições técnicas
do termo e que encontra sentido pleno em seu âmbito teórico.

Percebemos então que estamos entendendo a empatia com um olhar bem


mais acurado. Distanciando-nos ainda mais do pensamento superficial e buscando
um conhecimento mais embasado, somos conduzidos à prazerosa conclusão de
que, ao referir-se ao ‘quadro de referência’, Rogers fala sobre a maneira como a
pessoa se vê; como ela se percebe enquanto pessoa e não apenas a um
determinado sentimento. Portanto, ‘Empatia’ para Rogers significa a percepção do
funcionamento integral da pessoa.

Podemos ainda ir um pouco mais além: esta percepção do funcionamento


integral da pessoa implica perceber como a pessoa se relaciona com ela mesma
enquanto se relaciona com o mundo.

É sobre isso que se trata a segunda reflexão que verificamos mais acima: é
necessário também situar em que condições objetivas a empatia ocorre – que
também não é uma situação comum, do dia-a-dia. Se se vai ‘estudar’ a vida de
alguém como se estuda um texto, o que se precisa é outra coisa que não empatia.
Esta só pode ocorrer em uma relação viva em que duas pessoas realmente se
encontram. Quando a empatia ocorre em uma situação específica, na relação
psicoterapêutica, este fenômeno e seus desdobramentos merecem ser discutidos.

2. Empatia e Relação Terapêutica

Assim como o termo ‘empatia’ foi definido tecnicamente e não tem o mesmo
significado que tem no dicionário, o termo relação do conceito ‘relação terapêutica’
não tem o sentido usual de ‘relação interpessoal’ como tem na linguagem coloquial,
ou seja, não é uma relação comum, social, pois possui algumas características
próprias, como por exemplo, ter hora marcada, ser paga, etc. A relação
psicoterapêutica é essencialmente diferente de qualquer outro tipo de relação
interpessoal. Rogers (1957) descreveu os seis aspectos fundamentais da relação
terapêutica, o que nos isenta da responsabilidade de discuti-los aqui. Porém,
julgamos necessário ressaltar outros aspectos igualmente importantes.

Na Abordagem Centrada na Pessoa a empatia é uma das “condições


necessárias e suficientes da psicoterapia”, junto com outras cinco. Portanto, ela não
ocorre sozinha: ela só pode ocorrer num contexto em que as demais condições
estejam presentes e somente nele. Seguindo esta lógica, entendemos que caso uma
das condições esteja ausente, as outras condições não se sustentarão, vale dizer,
não haverá relação psicoterapêutica.

Daí se pode vislumbrar o que foi dito antes: a relação terapêutica não é uma
relação social comum: ela está definida, no sentido de descrita, dentro de um
contexto teórico-técnico próprio. As condições que compõem a relação terapêutica,
moldura onde ocorre a empatia terapêutica, estão menos vinculadas ao discurso do
terapeuta do que à sua atitude – a atitude não-diretiva (termo, segundo alguns,
ultrapassado, mas que consideramos usar para realçar o contraste que queremos
ilustrar mais à frente). É importante lembrar que na Abordagem Centrada na Pessoa
não existe, na técnica terapêutica, termos diferentes dos termos da linguagem
comum: durante o contato, pouco ou nenhum diálogo conterá seu termos próprios,
científicos; daí decorre que o terapeuta use, na sua prática, a linguagem comum. A
atitude não-diretiva, que se realiza em uma relação não-diretiva é a característica
fundamental que particulariza a relação terapeuta/cliente na psicoterapia da
Abordagem Centrada na Pessoa, e através desta atitude não-diretiva poderemos
trazer à tona e potencializar os efeitos da empatia terapêutica.

A atitude não-diretiva acaba sendo uma conseqüência natural quando


pensamos na concepção de ser humano que fundamenta esta abordagem. Ao
abdicarmos da pretensão de condução durante a relação terapêutica,
proporcionamos ao cliente o direito da autonomia, e pensar neste conceito de
autonomia3 permite o entendimento mais puro da empatia terapêutica.

3. Empatia e Autonomia

Da concepção moderna de autonomia ressaltam imediatamente dois


aspectos muito importantes: I) autonomia e liberdade são dois conceitos diversos,
enquanto que o segundo aponta à ausência de determinantes, o primeiro designa a
condição humana de opor-se e superar, ultrapassar as leis da natureza (os
determinantes), criando as suas próprias; II) a autonomia implica sociabilidade,
intersubjetividade, enquanto que "liberdade" não tem esta conotação. Autonomia,
pois, é entendida modernamente como um processo através do qual tanto a hu-
manidade como um todo quanto a pessoa individual, busca a superação das
determinações da natureza e das circunstancias, criando seu próprio mundo.

A autonomia não é dada, é conquista permanente; os determinantes - da


natureza, da história, da sociedade, das circunstâncias - existem, como existem
também a condição de o homem dialogar e relacionar-se com eles posicionando-se
de maneira pessoal diante de qualquer deles, aceitando ou não, submetendo-se ou
não, às referidas determinações. A condição de o homem pautar sua vida pelas leis
e regras que escolhe ou cria, de determinar-se, chama-se autonomia.

O conceito de "autonomia" dá o sentido profundo à compreensão empática


terapêutica tal como é posta pela abordagem centrada na pessoa já que a empatia

3
A palavra grega "autonomia" (auto - próprio; nomos - lei) originalmente referia-se às
cidades livres, as que constituíam suas próprias leis que, portanto, não eram dominadas por
outras cidades das quais receberiam suas leis como imposição, e, por extensão, aos cidadãos
livres (não escravos, não bárbaros) dessas cidades.
do senso comum, por sua imprecisão, decorrente de sua ampla denotação4, pode
referir-se a aspectos muito superficiais da experiência humana. É preciso, pois,
distingui-la de maneira nítida da empatia que ocorre em uma relação terapêutica
centrada na pessoa e esta diferença se prende à concepção autônoma do ser
humano enquanto que a empatia do sentido coloquial independe desta concepção.

Inicialmente deve ser posto que só é possível empatizar, como é pensado na


abordagem centrada na pessoa, com um ser autônomo: um ser heterônomo, ou é
explicável ou é empatizável, porém no sentido superficial da empatia do senso
comum, um ser Determinado é conhecido (explicado) pelas injunções que o
determinam, enquanto que um ser autônomo é conhecido (compreendido) por sua
condição de escolher. Tanto um quanto outro são conhecidos por seus
determinantes, só que um é "auto" e o outro "hetero"; o que há de comum são os
determinantes, o que há de diverso é a origem deles - uns são internos à
subjetividade, os outros são externos a ela - ainda que possam ser internos ao
indivíduo.

4. Compreensão Empática

Devemos ter presente, ainda, que a compreensão empática de uma pessoa


(autônoma) será, ela própria, autônoma; uma "compreensão" determinada, visando
relacionar aspectos pressupostos com a finalidade de mostrar ou demonstrar algo
no cliente, por mais que seja um esforço "empático", vale dizer, estejam presentes
no cliente, nunca compreenderá a pessoa em sua autonomia. Compreensão
autônoma foi o que Rogers certamente intuia quando nomeou seu trabalho
inicialmente como "não-diretivo" e posteriormente, "centrado na pessoa".

Talvez por isso vemos o termo empatia comumente acompanhado do verbo


"compreender" e do substantivo "compreensão", o que o caracteriza, por um lado,
como um esforço deliberado e não apenas como fato casual, espontâneo, e por
outro, como fenômeno relacional, já que visa o outro, e não como experiência
contemplativa, solipsística.
4
O "Dicionário ffouaiss da Língua Portuguesa", Ed. Objetiva, Rio, 2001, define "empatia" até como "faculdade de
compreender emocionalmente um objeto (um quadro, p.ex.)
A compreensão empática terapêutica só tem esta qualificação quando é
comunicada àquele que a suscitou (o cliente) e plenamente por ele compreendida,
enquanto que a empatia do senso comum independe de ser compreendida pelo
empatizado; uma pessoa pode sensibilizar profundamente outra sem se dar conta
do fato. A empatia na linguagem coloquial implica relação interpessoal porquanto
estabelece elo entre o que compreende e o que é compreendido - naturalmente se a
empatia ocorre em situação em que as pessoas estejam em presença - pórem é um
elo fraco, enquanto que a empatia terapêutica cria forte ligação entre as pessoas, as
compromete em uma relação na qual há comunicação empática entre ambas; a
compreensão empática do terapeuta pelo cliente é tão ou mais importante que a do
cliente pelo terapeuta. Além disso, a compreensão empática é responsabilidade do
terapeuta, responsabilidade esta que é assegurada por um contrato (acordo) firmado
por terapeuta e cliente no início do trabalho psicoterapêutico e que, obviamente, não
existe fora desta situação específica. Mais: a compreensão empática terapêutica
ocorre em uma relação muito especial – de cliente e terapeuta - este, além da
compreensão empática, deve ter atitude própria, já descrita por Rogers e que
também inexiste fora de uma relação psicoterapêutica.

5. Conclusão

A igualdade entre os seres humanos enquanto humanos e a diversidade


radical entre pessoas enquanto pessoas são dois aspectos essenciais que formam
uma relação sutil, relação esta que, quando devidamente equilibrada, possibilita a
compreensão verdadeira: a empatia profunda. Para haver este equilíbrio, é
fundamental que estas duas condições se mantenham claramente presentes:
primeiro, que o terapeuta, enquanto ser humano, seja absolutamente igual ao seu
cliente; segundo, que o terapeuta, enquanto pessoa, seja outra pessoa que não a do
seu cliente. Qualquer afastamento entre terapeuta e cliente na primeira condição e
qualquer aproximação entre ambos na segunda, descaracteriza a relação
terapêutica centrada na pessoa.

Buscando apresentar esta dicotomia de uma forma mais objetiva, a não


compreensão empática é o afastamento entre o ser humano do terapeuta e do
cliente, e o que vulgarmente se chama "identificação" é a perda da distância que
deve haver entre a diversidade da pessoa do cliente e a do terapeuta. São estas as
dificuldades fundamentais vividas pelos terapeuta centrados na pessoa.

No outro extremo, o equilíbrio entre as duas condições citadas permite a


compreensão da outra pessoa como outra pessoa devida, ao mesmo tempo em que
possibilita a profunda compreensão do humano como iguais – e esta é a
característica última da empatia em sua forma pura.

Pensar que existe uma diversidade radical, insuperável, entre as pessoas, e


que ao mesmo tempo existe igualdade indecomponível entre os seres humanos, em
um primeiro momento pode parecer antagônico, ilógico ou talvez romântico ou
fantasioso demais. O que resolve e impõe beleza a este impasse é a compreensão
íntima e profunda deste paradoxo, compreensão esta que norteia a condição de
possibilidade da relação terapêutica na Abordagem Centrada na Pessoa.
Bibliografia

Binswanger, Ludwig. El caso de Ellen West. Estudo antropologico-clinico. In


R. May, E. Angel & H. Ellenberger (Eds) Existencia. Madri, Espanha: Gredos. 1977

Rogers, Carl R. Tornar-se Pessoa. Lisboa: Moraes Editores 1973.

Rogers, Carl R. The necessary and sufficient conditions of therapeutic


personality change, Journal of consulting Psychology, vol. 21 (2), 1957, p. 95-
103.

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