Você está na página 1de 6

FACULDADE SANTA MARIA

CURSO DE BACHARELADO EM PSICOLOGIA


ABORDAGENS PSICOTERAPÊUTICAS
ANDRÉ DE LUNA COELHO

-Análise de Role Play: Caso Gloria, Carl Rogers.

O Caso Gloria faz parte de uma série de vídeos gravados em 1964 e lançado em 1965
chamado Three Approaches to Psychotherapy (TAP). Uma coletânea de vídeos que apresenta
três terapeutas, cada um em sua pratica clínica, com a cliente denominada “Gloria”, O
primeiro é com Carl Rogers, demonstrando a pratica em Terapia Centrada na Pessoa (ACP),
Fritz Pearls, com a Gestalt Terapia e Albert Ellis, com a Terapia Racional Emotiva. Neste
trabalho teremos como foco a análise do processo terapêutico a luz dos conhecimentos
teóricos definidos por Rogers sobre ACP. (REILLY, JACOBUS; 2009)
A Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) se desenvolve nos Estados Unidos a partir
da década de 40 e surge como reação as práticas e modelos teóricos e terapêuticos que vinha
sendo disseminados, era na época domínio das Terapias Comportamentais e da Psicanálise.
Carl Rogers, porém, propõe para psicoterapia uma nova perspectiva de Homem, que contrasta
com a ideia que a existência do Homem esta fatalmente determinada por fatores, quer sejam
externos (pressões sociais e culturais ou condicionamentos), quer sejam internos (impulsos
inconscientes ou características hereditárias), para Rogers o homem dotado de livre-arbítrio e
inerentemente capaz de fazer escolhas, nessa perspectiva se desenvolve uma nova
psicoterapia que possui uma forma diversa de encarar a pessoa que pede ajuda e a relação
terapeuta/cliente. (BORJA-SANTOS; 2004)
Rogers defende que por mais adversa que seja a situação na qual o Homem se encontra
ele é ainda assim capaz de preservar e desenvolver alguma capacidade de autonomia e
autodeterminação. Claro que sem deixar de subestimar o impacto negativo que essas situações
podem trazer ao bem-estar do indivíduo, mas ainda assim Rogers mantem firme a convicção
de que o Homem mante um certo grau de capacidade para reagir aos acontecimentos e não
deixar ser conduzido por eles. Apesar de tudo o indivíduo ainda assim é um ser capaz de
modificar a realidade que o rodeia. (MOREIRA; 2010)
A ACP possui alguns conceitos que são fundamentais para o entendimento do
processo terapêutico, o primeiro ponto que para Rogers é bastante importante é o Método
Fenomenológico, que consiste em pôr em suspenso suas crenças e juízos de valor a respeito
do outro e focar na importância fundamental da experiencia subjetivo do sujeito, o papel do
terapeuta nesses casos é como Rogers diz: “ver através dos olhos da outra pessoa, perceber o
mundo tal como lhe aparece, aceder, pelo menos parcialmente, ao quadro de referência
interno do outro”. Em síntese quer dizer que o foco é na experiencial global do indivíduo que
constitui o foco da atenção do terapeuta. (BEZERRA; 2012)
O segundo ponto vamos tratar da tendência atualizante, que é a capacidade do ser
humano em dadas circunstancias fazer escolhas por opções positivas e construtivas, a
motivação são uma expressão das tendencias do organismo para atualizar sua capacidade e
potencialidade., sendo assim o ser humano caracteriza-se por possuir um pode de se
autorregular, em função da avaliação da sua experiencia, sendo assim capaz de modificar sua
estrutura interna para atingir seu proposito e desenvolvimento. (TAVEIRA; 2003)
O terceiro ponto é a Não diretividade, os dois pontos anteriores explicitam como o
indivíduo tem o poder de mudar a si mesmo e a capacidade de reorganizar suas experiencias,
ao terapeuta cabe apenas criar as condições necessárias para que as outros dois pontos sejam
atingidos, é de responsabilidade do próprio indivíduo e um processo que potencialize isso
representa em suma um estimulo para a busca da autonomia do sujeito. Sobre a criação das
condições necessários para o processo de mudança no sujeito é necessário o terapeuta possuir
três atitudes que ajudam a potencializar essa relação de mudança construtiva, são elas a
compreensão emocional, o olhar positivo incondicional e a congruência. (BORJA-SANTOS;
2004)
A Compreensão emocional é um processo dinâmico que é dimensionado pela
capacidade que se tem de penetrar no universo do outro, tendo sensibilidade para entender a
mobilidade e significado de suas vivencias. Ajudando a tomar consciência dos sentimentos
que não são claros, mas respeitando o ritmo das suas próprias descobertas, além de manter
uma abertura para o que vier a surgir de novo na suas experiencias de vida. É uma atitude de
procura ativa cada vez mais precisa e completa do cliente por parte do terapeuta, propiciando
ao cliente cada vez mais experiencias que possam ascender a consciência do cliente,
possibilitando revisão e alargamento do autoconceito. (MOREIRA; 2010)
O olhar positivo incondicional do terapeuta em relação ao cliente é condição básica
para mudança, essa atitude vai aos poucos enfraquecendo as condições de valor e aumentando
o olhar próprio incondicional do cliente, transformando as experiencias antes ameaçadoras em
algo que pode ser abertamente conversado, percebido, explorado e integrado no conceito de
si. Por fim temos a congruência que é uma atitude de consistência interna ao estado de
integração psicológica do terapeuta no espaço da relação, diz respeito ao fato de estar flexível
capaz e genuíno no processo terapêutico, um terapeuta incongruente é incapaz de acolher a
dor do outro pois está enfrentando suas próprias dores. (BEZERRA, 2012)
A partir daqui tentaremos relacionar algumas falas do Caso Gloria com o arcabouço
teórico de Rogers, esse vídeo apesar de construído com proposito diferente, nos dias atuais é
uma excelente ferramenta didática para que estudantes de psicologia consigam construir uma
clara linha correlacional entre a pratica e a teoria, facilitando o entendimento do material
teóricos e um pouco da vivencia pratica.
Acho que o primeiro ponto que gostaria de destacar é com relação a posição de não
especialista que Rogers se coloca ao longo da entrevista, sempre usando respostas como “não
sei”, “não tenho certeza”, “eu espero”, ele assim se coloca em evidencia sua própria
inabilidade em ser um especialista sobre Gloria, uma mulher que ele mal conhece, ao fazer
isso ele logo em sequencia utiliza do olhar positivo incondicional para respeitar e reconhecer
a habilidade de Gloria em ser um especialista em si mesma, o que é muito importante é passa
uma verdade muito forte sobre si para ela. (mostrando congruência). Os exemplos desse
posicionamento adotados por Rogers podem ser observados no minuto 10:07 (Rogers: “Não
sei o que podemos fazer, mas espero que possamos fazer algo nesse tempo, gostaria de saber
o que está lhe preocupando”) em 15:20 (Rogers: “Eu penso que gostaria de dizer: Não quero
que fique cozinhando em seus sentimentos, mas por outro lado também sinto que isso é uma
coisa pessoal que eu não poderia responder por você. Mas lhe asseguro que farei de tudo para
ajuda-la a encontra a resposta.”). Nesses dois exemplos podemos observar o que posterior a
Rogers, de acordo com Wickman e Campbell (2003) seria chamado de Nonexpert Language
(prefiro usar o termo em inglês pois não achei a tradução correta), que seria uma forma de se
colocar como alguém que não possui certa habilidade, dando ao outro a oportunidade de
mostrar seus domínios sobre si.
Ao longo da conversar Rogers evita ao máximo fazer qualquer juízo de valor,
julgamento ou emitir opiniões a cerca do que Gloria coloca, porem nas únicas vezes em que
ele se porta de maneira mais avaliativa é para expressar o qual difícil é o processo pelo qual
Gloria está passando. Ele sempre que toca esses assuntos utiliza frases como “muito” e
“tanto” para dar ainda mais ênfase as dificuldades dos processos. Vem a utilizar expressões
como “A vida é arriscada” ¹ e chamar a autoaceitação de “Uma Tarefa difícil” ² fazendo com
que assim transpareça na conversa essa conexão empática que ele tem com a dor de Gloria. É
através dessas atitudes que ele deixa claro o processo de Compreensão Emocional, ao
sensibilizar com a vivencia do outro ele o aproxima e deixando-o assim cada vez mais livre
para expressar-se. Os exemplos citados podem ser encontrados nos minutos 28:18 para a
primeira e 23:15 para a segunda. (TAVEIRA; 2003)
Outro exemplo de como Rogers se utiliza do dialogo para estabelecer um processo de
Compreensão Emocional, está nas repetidas vezes em que ele faz citações dos diálogos
emocionais que muitas vezes Gloria verbaliza. Ao falar frases como a do minuto 24:02
(Rogers: Porem algo em você diz: “Mas não gosto dessa maneira, só quando está realmente
certo.”), essa forma com que Rogers coloca os sentimentos que Gloria traz dentro da própria
discussão permite que ela os desenvolva e os avalie com mais clareza, visto que está posto, tal
estratégia ao longo da conversa aparenta dar tão certo que próximo ao final eles tem uma
conversa onde a discursão central dos sentimentos de Gloria não é posta apenas por Rogers
mas também por ela mesma, o que olhando de fora parece ser um dialogo interno que elas
esta externalizando, peça fundamental para compreensão de seus sentimentos. A conversa se
encontra no minuto 44:58 (Gloria: Quase escrevi-lhe uma carta, outro dia, contando que sou
garçonete... Fique com vontade de feri-lo dizendo: “E agora, você gosta de mim?” ...
Rogers: Você o agride dizendo: “é assim que eu sou veja” ... Gloria: Sim “Você me criou, o
que você acha?”). Esses diálogos dão luz também a forma com que a ACP é trabalhada a
partir do Método fenomenológico, as observações e analises são feitas quase que sempre a
partir da visão da pessoa acerca dos fenômenos e experiencias que a rodeia. (WICKMAN,
CAMPBELL; 2003)
Por fim outro ponto observado e que é utilizado de forma positiva por Rogers é a
recusa em dar conselhos, Gloria ao longo da conversa tenta diversas vezes pedir que ele a
oriente de alguma forma, sempre usando frases como “Sei que não pode me dar uma resposta,
mas...”, tentando arrancar de Rogers alguma declaração positiva ou negativa a seu respeito.
Porem ele maneja essa situação de forma muito esclarecida utilizando elementos que
mencionamos anteriormente como a Nonexpert Language, como no exemplo lá citado, ao
mesmo tempo na fala ele valoriza as capacidades de Gloria em tomar decisões sobre a própria
vida, em uma conversa no minuto 39:18 (Rogers: É por isso que estou tentando ajuda-la a
descobri quais são suas escolhas) nessa fala o que permeia essa conversa ele tenta sempre
colocar Gloria com centro da discussão, ele não esta naquele momento tentando dizer que o
que elas esta fazendo é certo ou errado, mas ajudando ela a explorar as possibilidades que ela
possui e deixa-la então descobrir o que é melhor para ela, tudo através do diálogo, são todas
condições discutidas, externalizadas e analisadas. (MOON; 2007)
A sutileza e naturalidade que Rogers aplica suas bases teóricas na psicoterapia é
bastante interessante pois ao construir esse vídeo nos da um importante objeto de estudo para
entendermos sua teoria na pratica, a analise dessa forma de conduzir o diálogo com seus
clientes é de extrema importância para ACP então possuir tal material para observar é
imprescindível especialmente para aqueles que estão no começo e não entendem direito como
manejar determinadas situações, o dialogo construtivo que Rogers tem com Gloria nos
mostra como a condução de uma psicoterapia na ACP é bem embasada em sua material
teórica podemos ver todos os pontos se unindo desde o Método Fenomenológico, a Não
diretividade e a tendencia atualizante, as atitudes de Compreensão empática, olhar positivo
incondicional e congruência, elas criam uma relação de interdependência em que esses pontos
se exploram e ajudam a conduzir o cliente a uma visão de si, mais clara e compreensiva.
REFERENCIAL TEÓRICO

BEZERRA, Márcia Elena Soares et al. Aspectos humanistas, existenciais e fenomenológicos


presentes na abordagem centrada na pessoa. Revista do NUFEN, v. 4, n. 2, p. 21-36, 2012.

BORJA-SANTOS, Cecília. Abordagem centrada na pessoa-relação terapêutica e processo de


mudança. Psilogos, v. 1, n. 2, p. 18-23, 2004.

MOON, Kathryn A. A client‐centered review of Rogers with Gloria. Journal of Counseling


& Development, v. 85, n. 3, p. 277-285, 2007.

MOREIRA, Virgínia. Revisitando as fases da abordagem centrada na pessoa. Estudos de


Psicologia (Campinas), v. 27, n. 4, p. 537-544, 2010.

REILLY, Joe; JACOBUS, Veronica. Gestalt therapy: Student perceptions of Fritz Perls in
Three approaches to psychotherapy. Journal of Psychologists and Counsellors in Schools,
v. 19, n. 1, p. 14-24, 2009.

TAVEIRA, Leandro. O direcionamento do processo psicoterapêutico na abordagem centrada


na pessoa. 2003.

WICKMAN, Scott A.; CAMPBELL, Cynthia. An analysis of how Carl Rogers enacted client‐
centered conversation with Gloria. Journal of Counseling & Development, v. 81, n. 2, p.
178-184, 2003.

WICKMAN, Scott A.; CAMPBELL, Cynthia. The coconstruction of congruency:


Investigating the conceptual metaphors of Carl Rogers and Gloria. Counselor Education and
Supervision, v. 43, n. 1, p. 15-24, 2003.

Você também pode gostar