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UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ

PRÓ-REITORIA DE GRADUAÇÃO
CURSO DE PSICOLOGIA

RELATÓRIO DO ESTÁGIO CLÍNICO

ORIENTADORA:
Eveline Maria Perdigão Silveira
ALUNO:
Almir Mariano da Silva

Fortaleza, dezembro de 2016.


IDENTIFICAÇÃO DO CAMPO DE ESTAGIO

O estágio clínico ocorreu no Serviço de Psicologia Aplicada (SPA) localizada


na Universidade Estadual do Ceará (UECE). O local oferta serviço de clínica escola para
toda a comunidade que necessita do serviço de psicologia. Os serviços que se
desenvolvem no SPA são triagens, psicoterapia, psicodiagnóstico, plantão psicológico,
terapia de grupo, entre outros. Os alunos estagiários são os que conduzem os serviços de
Psicologia, sob orientação dos professores do curso de Psicologia da Universidade
Estadual do Ceará, de acordo com a abordagem teórica escolhida.

INTRODUÇÃO

O presente relatório faz parte do fechamento do processo de estágio da disciplina


Processos Clínicos e Intervenção em Saúde II do Curso de Psicologia da UECE. As
atividades desenvolvidas durante o estágio fazem parte do semestre letivo de 2016.2. O
estágio foi supervisionado pela Professora Eveline Maria Perdigão Silveira.
As atividades desenvolvidas durante o estágio foram: a psicoterapia, os estudos
e trabalhos dirigidos e o seminário de casos clínicos apresentado durante a II Semana de
Psicologia da UECE. Como a disciplina é uma continuação do estágio clínico, as
atividades realizadas nesse semestre foram continuações dos processos iniciados no
semestre anterior.

REFERENCIAL TEÓRICO/METODOLÓGICO

A teoria que fundamenta a prática clínica é a Gestalt-terapia (GT). Perls (1977,


p.32) afirma que gestalt “É uma função orgânica; uma unidade de experiência
fundamental”. Traduzido para o português como forma, estrutura, a gestalt é o fenômeno
experienciado e como tal, é indivisível. As influencias da GT está na filosofia existencial.
A GT compreende o desenvolvimento humano como um processo permanente e
contínuo de ajustamento criativo mediado pela capacidade inata de auto-regulação
organísmica do indivíduo. Assentada em teorias sistêmico-holísticas (Psicologia da
Gestalt, Teoria Organísmica, Teoria Holística, Teoria do Campo), a GT não compartilha
da visão reducionista e determinista do existir humano.
A visão de totalidade do ser humano orienta a busca pela compreensão do
desenvolvimento na sua multidimensionalidade (bio-psico-ambiental) que são
interdependentes. Seu postulado principal enuncia que pessoa e meio ambiente formam
uma unidade indissociável que mantém entre si uma influência mútua e uma constante
interação dinâmica que propiciam múltiplas possibilidades de experiências,
comportamentos e configurações psicológicas. Para Perls (1981, p.31): “Não há eventos
internos/externos, mas sim uma totalidade, um organismo e um meio que interagem e
mantém uma relação de reciprocidade”.
Considerando-se ainda os pressupostos de seu campo filosófico (Humanismo,
Fenomenologia, Existencialismo), a GT realça a imprevisibilidade e a singularidade das
experiências, a possibilidade do novo, a incerteza do curso da vida frente às diversas
situações do cotidiano e enfatiza a importância da relação como fundamento último da
condição humana. A criança em desenvolvimento, portanto, é fruto das influências
ambientais (sociais, culturais), da aleatoriedade dos acontecimentos e das potencialidades
inatas herdadas.
As noções de contato e consciência embasam o solo teórico-prático da GT.
Contato é o processo psíquico e/ou comportamental pelo qual o indivíduo entra em
relação consigo, com o outro e com o mundo em busca do novo e diferente. Implica em
união/separação, evitação/aproximação, identificação/alienação que representa a
dialética do ritmo da vida.
Ontologicamente, o ser humano um ser-de-relação, ser do contato e para o
contato. Nasce da interação, da comunicação, do encontro com um outro ser. O
desenvolvimento humano entrelaça diversas histórias de vida, sendo resultado de
múltiplas coexistências, onde todo fenômeno psicológico emerge da co-regulação entre
dois ou mais organismos, da troca emocional vivida no campo experiencial entre eu-
outro. O caminho do desenvolvimento do self, portanto, é o caminho dos encontros e
desencontros relacionais com um outro significativo.
O existencialismo trabalha com o princípio da “presentificação” (PERLS, 1977,
p.33) em que o foco está no presente do cliente, uma vez que o passado já se foi e o futuro
não existe. Outro princípio importante na GT é o ajustamento criativo que significa a
capacidade do sujeito em equilibrar-se diante de uma situação que provocou um desajuste
anterior.
Por fim, Polster & Polster (2001) consideram que as pessoas administram sua
energia de modo a obter um bom contato com seu ambiente ou para resistir ao contato.
As direções específicas de sua interação redirecionada irá influenciar o estilo de vida da
pessoa conforme ele estabelece preferências entre os canais abertos para ela.
As principais formas de interação resistentes, segundo Polster & Polster (2001),
a ser trabalhadas são introjeção, projeção, retroflexão e confluência. A introjeção consiste
numa incorporação passiva da energia daquilo que o ambiente proporciona. A projeção é
uma renuncia a aspectos de si mesmo, atribuindo-os ao ambiente. A retroflexão é o
abandono de qualquer tentativa de influenciar seu ambiente, tornando-se uma unidade
separada e autossuficiente. A confluência é redução do gasto de energia por escolha
pessoal; tende a seguir a correnteza, seguindo as determinações do ambiente de forma
mais passiva.

ATIVIDADES DESENVOLVIDAS

No decorrer do processo de estágio, as atividades desenvolvidas foram


apresentação de seminário de casos clínicos na II Semana de Psicologia da UECE e a
psicoterapia com duas clientes e as supervisões com a orientadora. Outro ponto que
enriqueceu o processo de estágio foram as leituras teóricas da Gestalt-terapia, em
especial, as obras de F. Perls.
O seminário de casos ocorreu nos dias 1 e 2 de dezembro de 2016. Nela os alunos
que estão estagiando no SPA apresentaram seus casos, de acordo com a temática
escolhida. O meu caso foi explicando o caso da cliente que está em processo de
psicoterapia em que se destacava o comportamento de violência doméstica,
especialmente com o filho mais velho dela.
As orientações ocorreram ao longo do semestre para se discutir o modo que
estava sendo conduzida a psicoterapia. Aproveitavam-se esses momentos para discutir
procedimentos, tirar dúvidas sobre alguma situação peculiar durante os atendimentos,
além de trazer questões teóricas sobre a Gestalt-terapia. Além disso, havia a entrega das
sínteses dos atendimentos, documentos que registra o que ocorreu em uma sessão. Ainda
estão previstas algumas orientações no intuito de fazer o fechamento do processo
terapêutico, uma vez que não será dado continuidade no semestre seguinte e fechamento
da disciplina.
A psicoterapia é a principal atividade do processo de estágio. Ocorreu durante
todo o semestre, inclusive no período em que a universidade entrou em greve. O processo
até o presente momento se encontra inconcluso, pois a universidade encontra-se em
recesso e pretende haver mais alguns encontros para encerrar o vínculo terapêutico e
encaminhar as pacientes ou indicar a alta, finalizando o processo terapêutico.
Nesse processo terapêutico foram atendidas as mesmas pacientes que
acompanhei desde o semestre anterior. Pode-se notar grande avanço apresentado por
ambas as clientes em relação à suas demandas iniciais e que, durante o vigente semestre,
pode ser trabalhado extensiva e intensivamente suas queixas. Descreverei a seguir o
processo de cada uma delas.
Nesse semestre a cliente L.F.S.Q teve como demanda um forte desentendimento
com o marido, provocado por acesso de ciúmes deste. Outra demanda da cliente era a
respeito da relação com as filhas, que constantemente se desentendiam por conta de
questões familiares.
À luz da Gestalt-terapia, o caso da cliente foi encarado como uma dificuldade de
contato da cliente com o marido e as filhas, dificultando a formação de gestalt completa,
no intuito de resolver os pontos de desentendimentos. Esses pontos tinha a contribuição
de uma awareness comprometida e limitada, que impedia um ajustamento criativo
satisfatório para a cliente. No processo de contato, tanto do marido como das filhas, uma
forte tendência a confluência e projeção.
O primeiro passo da terapia foi trabalhar juntamente à cliente a questão da sua
percepção de si (self). Para isso, durante as sessões foi trabalhando com a técnica dos
papéis, em que consiste em que a cliente definisse o que era que estava acontecendo com
os papéis desempenhados por cada componente da família. A cliente foi percebendo
durante as sessões que desempenhava um contato satisfatório e vívido com os filhos,
enquanto que com as filhas a confluência de característica familiar, como a participação
ativa da cliente na vida das filhas e a participação delas na vida da cliente geravam ponto
de conflito. Esses conflitos tendiam a resultar, segundo o relato da cliente, em discussões
em que as filhas, em especial a mais velha, exigia que a mãe não se intrometesse nas
questões dela.
O ponto de maior avanço nessa demanda foi quando a cliente mostrou indícios
de ajustamento criativo no intuito de promover um contato mais vívido com a filha, com
a redefinição do papel familiar desta, em especial na interferência que esta fazia em
relação ao relacionamento da cliente com o marido. Gradativamente ela diminuiu o
compartilhamento de questões com o marido com as filhas, ao perceber mais claramente
que elas tendiam a ficar ao lado do pai.
Outro ponto importante no processo terapêutico foi o contato da cliente com o
marido. A cliente se queixava que o marido não lhe dava a atenção que ela esperava e que
ele não estava “nem aí” para ela. Como trabalhavam juntos numa empresa de logística,
costumavam discutir frequentemente sobre decisões concernentes ao trabalho, o que fazia
a cliente se sentir desgastada. Nesse caso, a cliente alegava que constantemente recebia
culpa do marido por algum contratempo ocorrido e o mesmo não demonstrava inclinação
a ouvir as sugestões dela.
Para trabalhar essa demanda, foi se desenvolvendo com a cliente a percepção do
que ela gostaria que fosse, seus desejos, expectativas, e aquilo que ela vivenciava. E
somando a isso foi sendo trabalhado aquilo que ela percebia que o marido é e àquilo que
a cliente gostaria que ele fosse. Com o passar das sessões, a cliente foi registrando uma
melhora, uma vez que passou a discutir menos com o marido em várias questões de
trabalho e inclusive familiar. Sem contar que a cliente diminuiu a projeção de frustrações
na pessoa do esposo.
Apesar da notória melhora da qualidade do contato da cliente com o marido um
ocorrido desencadeou numa desorganização psíquica da cliente. O marido passou a
apresentar um grave quadro de ciúmes dela, segundo a cliente, por causa de um
trabalhador que estava realizando uma reforma em sua casa de veraneio. Nisso o
comportamento do marido que estava melhorando, teve um grande retrocesso,
apresentando comportamentos atípicos de ciúmes, fazendo a cliente fazer promessas que
não estava mentindo, fazendo acusações que a incomodava.
Nesse momento da terapia a cliente apresentou certa resistência a atividades de
conscientização de si que até outro momento estava fluindo normalmente. Chorava
bastante e a cada conversa alegava que não entendia o que estava acontecendo. Então o
foco da terapia passou para as conquistas que a mesma realizou ao longo do tratamento,
de como ela tinha conseguido tomar atitudes que ela antes pensava improvável.
Num ocasião de um encontro de casais do movimento religioso que a cliente
participa ela conseguiu resolver a questão da ciumeira do marido. Depois desse evento
ela apresentou melhoras em seu comportamento e melhora na qualidade do
relacionamento do marido, inclusive relatando mudanças positivas de comportamento.
A cliente A.P.C.B teve como principais demandas a relação dela com o ex-
marido, a relação dela com o filho e a questão familiar dela e os irmãos. Esse semestre
teve um desenvolvimento mais minucioso desses fatores. Um fato a ser chamada atenção
foi que em diversos momentos a cliente ficou menos frequente na terapia, coincidindo
essas ausências com momentos delicados, como o acidente envolvendo o filho, mudança
de endereço e acidente com a filha.
Pela perspectiva teórica, pode-se perceber na cliente fortes indícios de
introjeção, na situação com o ex-marido, de projeção com o filho e confluência com os
irmãos. Esses fatores estavam impedindo a formação de gestalt vívida e facilitando
aparecimento de neuroses e visão distorcida de si.
No processo de terapia, o primeiro passo foi trabalhar a percepção de si e do
outro. Percebeu-se que a cliente tinha uma postura mais passiva nas situações cotidiana
com os filhos e com ex-marido, sempre se colocando como vítima das ações negativas
deles. Esse mesmo processo acontecia com os familiares.
Esse processo de contato consigo mesma permitiu que a cliente passasse a
enxergar a si mesma como agente ativa de mudança. Com o passar das sessões ela foi
demonstrando mudanças significativas de comportamento. Ela relatou que passou a viver
longe da família, num bairro mais afastado e também longe do marido.
A partir da mudança de endereço, a cliente registrou mudança na forma de lidar
com os irmãos. Nas sessões, costumava relatar que não conseguia dizer não para os
irmãos que constantemente frequentava sua casa, exigia que ela fizesse comida para eles
e constantemente opinavam na relação dela com o ex-marido, demonstrando
desaprovação pelas atitudes dela.
Em relação ao ex-marido, a cliente relatava que era constantemente ameaçada
por ele. Dizia ter medo do ex-companheiro fazer alguma coisa com ela (matá-la) e sentia
impedida de investir em um novo relacionamento. Por estar desempregada ficava
dependendo da pensão dos filhos para se manter e relatava que ele costumava atrasar o
pagamento ou dar o dinheiro incompleto. Relatou também que o ex-marido usava os
filhos contra ela, principalmente o filho mais velho.
Durante as sessões que se tratava com o ex-marido, a cliente dava indícios que
ainda tinha algum sentimento por ele. Em certos momentos foi indicado a ela que ela
procurasse denunciar o ex-companheiro a polícia, pelas constantes ameaças sofridas, mas
negou-se a denunciá-lo. Em alguns momentos dizia sentir pena dele e dos filhos pela falta
que eles sentiam do pai.
Mais recentemente, a cliente ensaiou uma reconciliação com o ex-marido,
inclusive planejando morar novamente com ele. Contudo ela foi percebendo que não era
o que ela queria e desistiu da reconciliação. Percebeu que o comportamento dos filhos
tinha melhorado com a presença do pai, mas não sentia que ele estava disposto a mudar,
percebendo isso pelas pequenas atitudes cotidianas que ele tinha, segundo seu relato.
Com isso demonstrou estar interessada a romper definitivamente o contato com
o marido, alegando não se sentir mais medo das ameaças dele. Demonstrou interesse em
voltar a atuar como auxiliar de enfermagem, como também investir num relacionamento
amoroso com outra pessoa.
Em relação ao filho, a cliente nas primeiras sessões costumava destacar o que o
garoto aprontava na escola e na vizinhança. Dizia que ele arrumava confusão com os
colegas da mesma idade e constantemente ouvia reclamação da vizinha. Na escola, ouvia
relatos da professora de mau comportamento e confusão com os colegas de classe. Em
casa, relatava que ficava o tempo todo jogando videogame e no celular, escutava músicas
imorais. Chegou a relatar outros problemas envolvendo o filho, como as mentiras
constantes, pegar dinheiro escondido do pai e indício de homofobia. Nas sessões era
comum a cliente associar o comportamento do filho com o comportamento do ex-marido.
Chegou a confessar ter medo de a criança ter herdado a “loucura” do pai.
O trabalho com a cliente foi requalificar a visão que ela tinha do filho. Na
perspectiva da relação eu-tu, eu-isso, foi-se trabalhando as projeções dela no filho e
procurando destacar o lado positivo dele. Com o decorrer das sessões, a cliente
demonstrou as primeiras conquistas com a diminuição dos castigos físicos, passou a
observar e demonstras os pontos positivos da criança e deixou de relacionar
constantemente o filho com o pai. Registrou nas ultimas sessões uma melhora qualitativa
no comportamento da criança.

CONSIDERAÇÕES FINAIS E AUTO-AVALIAÇÃO

Durante o processo de estágio foi notório a mudança no comportamento das


clientes. Essa mudança foi qualitativamente positiva, em que no momento mais recente,
percebeu um comportamento diferenciado e um discurso mais equilibrado. A mudança
inclusive pode ser percebida na qualidade das sessões que em muitos momentos fluía de
forma espontânea e leve.
Desse contato constante com as clientes pude perceber uma mudança em mim
mesmo como terapeuta. Pude notar uma melhora qualitativa no processo, com respostas
positivas inclusive da orientadora, que declarou uma mudança positiva na qualidade dos
atendimentos, como na qualidade das produções.
Participar como facilitador do processo de mudança de meus clientes é uma
satisfação inenarrável para mim. Notar a mudança delas, estimulava-me a buscar mais
conhecimentos teóricos e estratégias diferentes para lidar com suas demandas. Até mesmo
as angustias e dúvidas como proceder em algumas sessões foram compensadas ao sentir
uma mudança positiva vindo delas.
Sem dúvidas o estágio clínico tem sido muito significativo. Isso se deve de ter
uma experiência intensa como psicoterapeuta, que me ajudou muito a me enxergar como
um possível bom profissional e ter boas perspectivas como psicólogo formado.
Contribuiu também para meu crescimento enquanto pessoa, nas minhas questões
pessoais.
Por fim tenho de agradecer a todos que fizeram parte desse processo, como a
coordenadora da área de estágio, as atendentes do SPA e, em especial a orientadora que
permitiram transformar tantos os momentos bons como ruins em oportunidades de
crescimento pessoal e de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

ANTONY, Sheila. A criança em desenvolvimento no mundo: um olhar gestáltico.


<https://www.igt.psc.br/Artigos/a_crianca_em_desenvolvimento_um_olhar_gestaltico.h
tm> (acesso em: 25/11/2016)

PERLS, F. Gestalt-terapia explicada. São Paulo: Summus, 1977.

PERLS, F.; HEFFERLINE, R.; GOODMAN, P. Gestalt-terapia. São Paulo: Summus,


1997.

POLSTER, E.; POLSTER M. Gestalt-terapia integrada. São Paulo: Summus, 2001.

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