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A primeira entrevista na clínica em Gestalt Terapia*

Alcides Ignácio Júnior

Sumário

Abordarei neste artigo, numa linguagem o mais operacional e didática possível, a forma como eu
entendo e organizo perceptiva e teoricamente a Primeira Entrevista dentro da clínica em Gestalt
Terapia.

Meu objeto não é padronizar um roteiro rígido a ser seguido e sim oferecer recursos para que a
intervenção do gestalt terapeuta, nesta primeira etapa do processo terapêutico, seja mais objetivada,
sem desrespeitar a espontaneidade natural presente no contato dialógico entre terapeuta e cliente.

Summary

I am approaching in this article, in an operational and didatic language as much as possible the way
I understand and organize by perceiving and theorize the First Interview in the Gestalt Therapy
clinical approach.

My is not to establish some thing rigid but to offer resources to the therapist’s intervention in this
first step of the therapy process in order to become it more objectival although with respect to the
spontaneity of the dialogical contact between therapist and client.

Eu pretendo apresentar neste artigo, após meus oito anos de prática clínica dentro da abordagem
gestáltica, uma síntese, numa linguagem o mais operacional possível, do que eu atualmente retrato
como sendo a Primeira Entrevista na clínica em Gestalt Terapia.

Antes de iniciar, gostaria de salientar que a Primeira Entrevista não corresponde necessariamente
à primeira sessão, e sim a todas as sessões iniciais que se realizam até que se possa obter uma
percepção relativamente clara da dinâmica do cliente, ou seja, a totalidade do seu padrão de interação
no campo organismo-meio ambiente, o que inclui os pontos de fluidez e os pontos de interrupção
nesta dinâmica.

Eu divido a Primeira Entrevista em três partes:

1) Estabelecendo o vínculo
2) Explorando dados
3) Delineando uma percepção “diagnóstica”

Trata-se de uma divisão eminentemente didática, pois estas partes acontecem quase que
concomitantemente na prática. Porém, é de vital importância que o terapeuta respeite a
predominância de uma, em detrenimento das outras, de acordo com o momento em que se está da
Primeira Entrevista, ou seja, se no começo, no meio ou no fim.

O estabelecimento do vínculo é figura da Primeira Entrevista, assim como a exploração de dados o


é “durante” e o diagnóstico no final da mesma.

Estabelecendo o vínculo

O que justifica o terapeuta priorizar o estabelecimento de vínculo no início da Primeira Entrevista


é o fato de que, sem este, a exploração de dados fica seriamente prejudicada e conseqüentemente,
também a delineação “diagnóstica”, pois sem vínculo o cliente não traz os dados de forma clara e

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ampla, tornando-se difícil a obtenção de um fechamento “diagnóstico”, e assim, a efetivação de uma
Primeira Entrevista.

Na verdade, se o estabelecimento de vínculo não ocorre, raramente o cliente permanente vindo às


sessões, interrompendo com muita facilidade a continuidade do processo terapêutico.

A postura do terapeuta diante do cliente é o primeiro aspecto que eu quero aqui abordar, pois tal
postura é fundamentada numa visão filosófica própria como também num corpo teórico específico,
principalmente a Teoria de Campo e o Método Dialógico.

O que eu estou aqui chamando de postura é também, concretamente falando, a posição física que
o terapeuta ocupa diante do cliente durante a sessão.

Uma vez o cliente devidamente posicionado, o terapeuta se coloca de frente a uma das diagonais
(laterais) do mesmo, ou seja, não frente a frente, pois através desta posição o terapeuta propicia ao
cliente a possibilidade de movimentar-se entre uma relação mais direta e/ ou confrontativa e uma
relação mais indireta e/ ou menos confrontativa com o terapeuta.

(C1)

(T)

Esse processo vai se dando desde a primeira sessão e se efetiva ao final da Primeira Entrevista.

O vínculo terapeuta-cliente não é algo unilateral, algo que provém do cliente em relação ao
terapeuta, e sim algo – proporcional e bilateral, que ocorre entre o terapeuta e o cliente, ou seja, na
proporção em que o cliente vai “dando” ao terapeuta o lugar de terapeuta, o terapeuta vai “dando”
ao cliente o lugar de cliente, e assim vice-versa.

O cliente sempre sinaliza para o terapeuta, através de palavras e atitudes mais ou menos
intencionais e/ ou conscientizadas se o terapeuta o está ou não acompanhando para o
estabelecimento de vínculo.

É muito importante que o terapeuta considere o nível de conscientização que o cliente possui de
sua própria dinâmica, como também o nível de evitação que este possue em relação a mudanças, pois
estes níveis caminham de acordo com a maior ou menor existência de suporte interno e/ ou externo
no campo do cliente e, dessa forma, precisam ser respeitados, neste momento inicial da Primeira
Entrevista.

Explorando dados

Havendo o vínculo, o terapeuta pode ficar mais a vontade para centrar-se na exploração de dados.

Explorar dados significa o terapeuta apreender, através de seu próprio aparato perceptivo, afetivo
e cognitivo, o manifestar-se do cliente, no seu aspecto verbal e não verbal (corporal), na sua forma e
conteúdo, ou seja, na totalidade de seu manifestar-se, seja esta conscientizada ou não pelo cliente no
momento.

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Então o terapeuta apreende com sua totalidade uma outra totalidade, que é o cliente, onde as
“informações” que ele traz, a maneira como as organiza e transmite para o terapeuta, sua
movimentação corporal, e o “desenho” que ele vai, mais ou menos conscientemente, fazendo de si
mesmo na relação com o seu mundo, constituem esta totalidade.

A função do terapeuta nesta etapa, em que a exploração dos dados é figura, consiste no caminhar
com o cliente no sentido da “simples” clarificação do que está acontecendo no campo organismo-
meio ambiente para uma compreensão e delineação da queixa daquilo que realmente motiva o cliente
à terapia.

Eu saliento isto, porque muito freqüentemente observo que, por vezes, alguns terapeutas priorizam
um “trabalhar” com o cliente num momento em que a simples exploração de dados deveria ser
figura, ou seja, eles intencionam trabalhar com o cliente, sem que a Primeira Entrevista tenha sido
efetivada.

Eu distingo a existência de dois tipos de questões que o terapeuta dirige ao cliente: Questões de
Frente e Questões de Bolso.
Elas também tecem uma relação de figura e fundo na apreensão do terapeuta ao cliente.

a) Questões de Frente: São questões que o terapeuta, desde a chegada do cliente à sessão, começa a
dirigir ao cliente. São essas:
a-1) “O QUE ESTÁ ACONTECENDO?” – Traz dados do conteúdo do que está acontecendo.
a-2) “COMO É ISTO QUE ESTÁ ACONTECENDO?” – Traz dados que especificam e particularizam
o conteúdo daquele cliente.
a-3) “ONDE E QUANDO ACONTECE?” – Traz dados que contextualizam, em termos de espaço e
tempo e de objetos pertinentes de relação, o conteúdo e a forma deste acontecer específico.
a-4) “ONDE E QUANDO MAIS ACONTECE?” – Traz dados mais apurados de padrão de interação
do cliente, uma vez que tal padrão é desfocado da exclusiva correlação com um único objeto de
relação e/ ou espaço e tempo.
a-5) “DESDE QUANDO ACONTECE?” – Traz dados de um passado mais ou menos remoto e que
está totalmente engajado no momento presente do cliente, como também dados da intensidade
qualitativa do que acontece relacionada à quantidade de tempo em que “isto” vem acontecendo.
a-6) “O QUE, COMO, ONDE E QUANDO ACONTECEU ESTE MOMENTO?” – Traz dados mais
detalhados deste passado pertinente ao presente, possibilitando um entendimento aprofundado, na
sua origem, da maneira como este está organizado na percepção atual do cliente.

Tal posicionamento físico retrata o quanto o terapeuta não é o único “objeto de relação” com o qual
o cliente interrompe o seu contato e o quanto a função do terapeuta é acompanhar lado a lado o seu
cliente no contato que este realiza com os diversos objetos de relação no seu campo organismo-meio
ambiente.

Devido ao fato de o terapeuta ter como função primordial a percepção de intervenção na fronteira-
ego de contato do cliente, ele exerce então duas posições que também tecem uma relação de figura e
fundo, ou seja, de predominância de uma em detrimento de outra, conforme o momento presente da
sessão.

Uma é de observador e mediador da comunicação EU-NÃO EU, o que mais comumente


conhecemos como a comunicação organismo-meio ambiente.
A outra posição é de “simples e puro” objeto de relação, aquele que se diferencia como um NÃO
EU para o Eu-cliente, seja esta relação mais ou menos transferencial.

Então, num dado momento, é figura a relação do cliente com as “suas coisas” e, em outro momento,
é figura a relação dele com o terapeuta.

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Assim como sempre nos é importante saber das características que o cliente salienta à sua percepção
de cada objeto de relação em destaque no seu campo, é igualmente importante estarmos conscientes
das nossas características particulares, enquanto pessoa-terapeuta, para sabermos quais dessas
características transmitimos para o cliente e quais e como ele ressalta na sua própria percepção.
Uma vez que o cliente que procura terapia, na maioria das vezes, está confuso na sua visão e ação no
mundo, torna-se essencial que o terapeuta esteja o mais possível clarificado de sua posição (postura)
diante do cliente, pois só assim este poderá se oferecer como referencial estável de relação para que
o cliente se vincule e inicie o encontro consigo mesmo.

Uma postura aberta, receptiva e uma intervenção fenomenológica, ou seja, que retrate com o
mínimo de interpretação possível o que está sendo manifestado pelo cliente em termos daquilo que
lhe acontece, são pontos que também favorecem o estabelecimento do vínculo, pois uma vez que o
cliente se sente bem recebido e “comprendido” amplamente dentro da sua situação, ele se vincula ao
terapeuta e vice-versa.

b) Questões de Bolso: São questões, de caráter mais informativo do que descritivo que o terapeuta
mantém à parte, até que se faça oportuno dirigi-los ao cliente, evitando assim uma investigação do
tipo “pergunta-resposta” e propiciando que os dados obtidos dessa forma, venham de maneira mais
ampla e contextualizada para o terapeuta.

As “Questões de Bolso” não são tão determinadas e específicas quanto às de frente. Elas variam em
número e forma conforme cada cliente e terapeuta mas, mesmo assim, enumerarei algumas que
considero importantes:

b-1) Genetograma da família atual, situando dados como: idade, posição, profissão, estado civil,
religião, sexo do cliente e dos demais membros dessas famílias ou dessa “grande” família.
b-2) Forma de interação do cliente com sua família, seu chefe e/ ou colegas de trabalho, seus amigos
e conhecidos, seus “inimigos” e estranhos, seu parceiro “amoroso” (namoro ou casamento).

Os dados da história pessoal do cliente como da de sua família são de vital importância para que
se possa compreender a dinâmica do mesmo.

O principal interesse do Gestalt-terapeuta na exploração de todos estes dados, não é tanto descobrir
a veracidade ou não dos fatos e sim saber, juntamente com o cliente, como ele organiza estes dados
no seu campo perceptivo e que tipo de ação se dá, a partir dessa forma de organização, pois toda
pessoa age com ela mesma e com o mundo que a circunda, a partir da forma como percebe a si-
mesma e este mundo.

Delineando uma percepção “diagnóstica”

Quando se faz claro, numa unidade total de interação do cliente com seu “específico” meio,
retratando os aspectos mais estáveis e, como também, os mais mutáveis do seu padrão de
funcionamento, chegamos então ao final da “Primeira Entrevista”.

O que denota que temos, então, um parecer “diagnóstico” do cliente, ou seja, da forma como ele
funciona com o meio, que faz com que se interrompa ou restrinja seu contato organismo-meio,
podendo-se afirmar, então, que ele está ou tem um problema.

Não existe problema em si e, sim, uma interação organismo-meio que não leva à satisfação
organísmica e que assim chamamos de problema. E para entendermos como se constitui um
problema, é necessário sabermos como a pessoa participa para a manutenção deste problema, ou seja,
suas razões organísmicas para tal forma de interação com o meio, como também, as características
particulares deste meio (objeto de relação) com o qual a pessoa está em interação.

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Na constituição de um problema sempre há a presença de 3 (três) pontos:

1- O que acontece
2- O que a pessoa faz
3- Não satisfação

Na grande maioria das vezes a pessoa parte do ponto nº 01 (o que acontece) e em seguida para o
ponto nº 03 (não satisfação), nunca situando ou situando de forma insuficiente o ponto nº 02 (o que
ela faz).

satisfação 1

(mudança)

Problema

Não Problema
3 2

Não O que a
satisfação pessoa faz

Incluímos aqui o ponto nº 04, representando a EFETIVA MUDANÇA, pois é exatamente o ponto
onde a pessoa (cliente) quer chegar, ou seja, ela quer que toda a configuração situacional se
transforme sem ser preciso entrar em contato com o que ela faz (ponto-2). Isto é impossível; uma vez
que a minha interação organismo-meio é a mesma, os resultados obtidos continuarão os mesmos,
nenhuma mudança acontecerá. Metaforicamente falando, é como a pessoa querer que os ovos cozidos
que ela come todas as manhãs tenha uma consistência mais líquida, ao mesmo tempo, que continua
aplicando o mesmo tempo de cozimento que os leva a ficar mais sólidos.

Toda forma de ação que não leva à satisfação, detona pontos de interrupção no padrão de interação
do organismo com seu meio, que aparecem, conforme a forma de cada pessoa funcionar, em
diferentes momentos, desde a formação até a destruição da Gestalt (5*), delineando assim uma
dinâmica da pessoa, ou seja, um “diagnóstico” do funcionamento do campo (organismo + meio
ambiente).

Não é possível eu me aprofundar sobre delineação “diagnóstica” aqui neste mesmo artigo. Porém,
só a título de citação, posso adiantar alguns aspectos deste aprofundamento.

O ponto de interrupção é correlacionado e/ ou situado dentro do processo de formação e destruição


de gestalten, das quatro qualidades de contato (perceptiva-afetiva-cognitiva e motora), da função ego
alienação-assimilação, das fases do desenvolvimento da pessoa, segundo Fritz Perls, de um
diagnóstico diferencial entre neurose e psicose e entre dinâmica histérica, dinâmica depressiva e
dinâmica obsessiva, dentro da visão de saúde e doença da Gestalt Terapia.

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Espero numa próxima oportunidade escrever e publicar um artigo sobre o que venho aprendendo
e organizando sobre delineação “diagnóstica”.

* Artigo publicado na Revista de Gestalt do Instituto Sedes Sapientiae, nº 4, 1995.

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