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Temas em Psicologia

ISSN: 1413-389X
comissaoeditorial@sbponline.org.br
Sociedade Brasileira de Psicologia
Brasil

Marcondelli Dias Maia, Joviane; Cavalcanti de Albuquerque Williams, Lucia


Fatores de risco e fatores de proteção ao desenvolvimento infantil: uma revisão da área
Temas em Psicologia, vol. 13, núm. 2, 2005, pp. 91-103
Sociedade Brasileira de Psicologia
Ribeirão Preto, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=513751425002

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ISSN 1413-389X Temas em Psicologia — 2005, Vol. 13, n 2, 91 – 103

Fatores de risco e fatores de proteção ao


desenvolvimento infantil: uma revisão da área

Joviane Marcondelli Dias Maia


Universidade Federal de São Carlos

Lucia Cavalcanti de Albuquerque Williams


Universidade Federal de São Carlos

Resumo
O presente estudo teve como objetivo analisar a literatura existente sobre fatores de risco e
fatores de proteção ao desenvolvimento infantil, e destacar a importância de que os profissionais
que atuam junto à infância e adolescência conheçam tais fatores de forma a exercer sua prática
de modo mais efetivo, atuando preventivamente frente a problemas de comportamento na
infância e adolescência, bem como respeitando os direitos desta população. Destaca-se a vasta
literatura existente sobre os fatores de risco, porém, os estudos do desenvolvimento infantil
necessitam incluir os fatores de proteção, com a mesma ênfase dada aos fatores de risco,
visando promover a resiliência. Tal revisão da literatura deu subsídios para um estudo com o
objetivo de avaliar a capacitação de Conselheiros Tutelares no sentido de habilitá-los a
identificação de fatores de risco e de proteção ao desenvolvimento infantil.
Palavras-chaves: Fatores de risco, Fatores de proteção, Prevenção de problemas de
comportamento.

Risk and protective factors for child development

Abstract
A study was aimed at reviewing the existing literature on risk and protective factors for child
development, as well as to highlight the need for professionals, who work with children and
adolescents to know the above factors, so as to have a more effective practice, acting in a
preventative way towards children and adolescents’ behavior problems. The vast literature
concerning risk factors is emphasized. Nevertheless, child development studies need to include
protective factors with the same emphasis it is given to risk ones, in order to promote resilience.
The literature review described here gave basis for an intervention program to assess training of
Brazilian Child Protection Workers, teaching them to identify risk and protective factors for
child development.
Keywords: Risk factors, Protective factors, Prevention of problem behaviors.

Em 1990, entra em vigor, no Brasil, o que todo profissional das áreas social,
Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA, educação ou saúde, deva comunicar à
Lei Federal n. 8069, 1990), responsável por autoridade competente os casos de seu
muitas mudanças no cenário brasileiro, em conhecimento envolvendo suspeita ou
relação à visão dos direitos das crianças e confirmação de maus-tratos contra a criança
dos adolescentes, sendo esse um instrumento ou adolescente, cabendo pena prevista caso
importante para a proteção de crianças e tal comunicação não ocorra.
jovens. Cabe destacar a obrigatoriedade É necessário, porém, que todos os
estabelecida pelo ECA em seu artigo 245 de profissionais que atuem na área da infância e

Endereço para correspondência: Joviane Marcondelli Dias Maia, Laboratório de Análise e Prevenção da
Violência Doméstica (LAPREV), Universidade Federal de São Carlos. Via Washington Luis, Km 235.
Fone: 16- 33518745. www.cech.ufscar.br/laprev.htm. Email: joviane_marcondelli@yahoo.com.br
92 Maia, J. M. D. e Williams, L.C. A.

da adolescência tenham conhecimento dos Cabe salientar que os fatores de risco


direitos estabelecidos pelo ECA (1990), bem por si só não constituem uma causa
como dos fatores de risco envolvidos no específica, mas indicam um processo
prejuízo ao desenvolvimento infantil, para complexo que pode justificar a conseqüência
que possam intervir de forma precisa na de uma psicopatologia na criança (Holden,
prevenção e/ou interrupção do risco. Geffner & Jouriles, 1998). Por outro lado, os
O presente estudo teve como objetivo fatores de proteção podem ser definidos
analisar a literatura existente referente aos como aqueles fatores que modificam ou
fatores de risco ao desenvolvimento infantil, alteram a resposta pessoal para algum risco
bem como aos fatores de proteção, de forma ambiental que predispõe a resultado mal-
a promover uma maior compreensão do adaptativo, como por exemplo: o estágio do
próprio desenvolvimento, dos fatores do que desenvolvimento da criança, seu
possam prejudicá-lo, ou potencializá-lo. temperamento e a habilidade de resolução de
A busca da literatura nacional e problemas do indivíduo (Rutter, 1985).
internacional da área foi realizada através Hutz, Koller e Bandeira (1996, citado
das bases de dados PsycLIT, Scielo e por Reppold et al., 2002) sinalizam
Plataforma Lattes. As palavras-chaves mecanismos, fatores ou processos protetores
utilizadas foram: fatores de risco, fatores de como influências que melhoram ou alteram
proteção, fatores protetivos, risco, proteção, a resposta dos indivíduos a ambientes hostis,
desenvolvimento infantil, violência e que predispõem a conseqüências mal
resiliência. A maior parte da literatura adaptativas. Tais fatores são compreendidos
consultada foi de artigos científicos, como condições ou variáveis que diminuem
capítulos de livros, já monografias, a probabilidade de o indivíduo desenvolver
dissertações de Mestrado e Anais de problemas de externalização, tais como:
Congressos, representam a minoria desta agressão, uso de álcool ou drogas, raiva,
literatura consultada. desordem de conduta, crueldade para com
Segundo Reppold, Pacheco, Bardagi e animais, entre outros (Holden et al., 1998).
Hutz (2002), os fatores de risco são
condições ou variáveis associadas à alta
probabilidade de ocorrência de resultados Fatores de risco ao
negativos ou indesejáveis. Dentre tais desenvolvimento infantil
fatores encontram-se os comportamentos
que podem comprometer a saúde, o bem- Segundo Reppold et al. (2002), os
estar ou o desempenho social do indivíduo. eventos estressantes da vida, considerados
como quaisquer mudanças no ambiente que
Demais definições sobre fatores de
normalmente induzem a um alto grau de
risco são concordantes. Para Ramey e
tensão e interferem nos padrões normais de
Ramey (1998), crianças portadoras de
resposta do indivíduo, têm sido associados a
determinados atributos biológicos e/ou sob uma grande variedade de distúrbios físicos e
efeito de determinadas variáveis ambientais mentais. Barnett (1997) afirma que nenhum
têm maior probabilidade de apresentar outro fator de risco tem uma associação mais
distúrbio ou atraso em seu desenvolvimento, forte com a psicopatologia do
quando comparadas com crianças que não desenvolvimento do que uma criança
sofreram efeitos de tais variáveis. Estas maltratada, ou seja, o abuso e a negligência
variáveis são denominadas fatores de risco. causam efeitos profundamente negativos no
Para Garmezy (1985), os fatores de risco são curso de vida da criança. Segundo tal autor,
aqueles fatores que, se presentes, aumentam as seqüelas do abuso e da negligência
a probabilidade de a criança desenvolver abrangem grande variedade de domínios do
uma desordem emocional ou desenvolvimento, incluindo as áreas da
comportamental. Tais fatores podem incluir cognição, linguagem, desempenho
atributos biológicos e genéticos da criança acadêmico e desenvolvimento sócio-
e/ou da família, bem como fatores da emocional. As crianças maltratadas,
comunidade que influenciam, tanto o geralmente, apresentam déficit em suas
ambiente da criança quanto de sua habilidades de regular afeto e no
respectiva família. comportamento geral.
Risco e proteção infantil 93

A temática da violência intrafamiliar Segundo Hughes, Graham-Bermann e


está cada vez mais presente no cenário atual, Gruber (2001), vários estudos identificam
sendo freqüentemente divulgada pela mídia. características da personalidade dos pais
Diariamente, crianças e adolescentes vêm associadas ao comportamento abusivo.
sendo submetidos, em seus próprios lares, a Aqueles que cometeram abuso físico em
condições adversas, o que refletirá em crianças relataram mais raiva e tiveram
prejuízos no seu desenvolvimento. Entende- problemas no manejo desta raiva, quando
se como fatores de risco ao desenvolvimento comparados com os que não cometeram
infantil todas as modalidades de violência abuso físico. Os mesmos autores mencionam
doméstica, a saber: a violência física, a estudos sugerindo ligações entre adultos que
negligência e a violência psicológica, sendo abusam de crianças e características como:
que a última inclui a exposição à violência baixa tolerância à frustração, baixa auto-
conjugal (Brancalhone, Fogo & Williams, estima, rigidez, ausência de empatia, abuso
2004; Brancalhone & Williams, 2003; ou dependência de substâncias, depressão e
Cardoso, 2001; Maldonado & Williams, problemas físicos de saúde. Quando
2005) e a violência sexual (Azevedo & comparados com pais não abusivos, os pais
Guerra, 1989; Brino & Williams, 2006, abusivos possuíam menor compreensão da
Brino & Williams, 2003a; Brino & complexidade dos relacionamentos sociais,
Williams, 2003b; Deslandes, 1994). particularmente menor compreensão sobre o
papel parental e sobre o atendimento às
A violência física envolve maus tratos necessidades da outra pessoa. Tais pais
corporais (espancamento, queimaduras, apresentaram também, expectativa não
fraturas, contusões, etc). As conseqüências realista e percepção negativa de seus filhos.
da vitimização física de crianças abrangem Consideravam seu papel de pai como sendo
impactos deletérios para o desenvolvimento estressante e interagiam menos com seus
infantil (Barnett, 1997; Santos, 2001). filhos do que pais os não abusivos. Segundo
Widom (1989) assinala que, as crianças Williams (2003) pais que são portadores de
maltratadas fisicamente, foram identificadas deficiência mental tem maior probabilidade
por agências de assistência social, como de agredir seus filhos.
tendo o dobro de probabilidade (15,8%) em
Como características da criança que
relação às outras crianças (7,9%) de serem
aumentam sua vulnerabilidade para o abuso
presas mais tarde por cometerem crimes
físico, Hughes et al. (2001) destacam: idade
violentos. Maus tratos na infância
menor do que cinco anos, complicações no
constituem, deste modo, um fator que pode
nascimento, deficiências físicas e mentais e
aumentar a probabilidade futura de crimes
comportamentos considerados difíceis.
violentos. A violência doméstica é o fator
Como variáveis de relacionamento que
que mais estimula crianças e adolescentes a
podem aumentar a probabilidade de abuso,
viverem nas ruas.
os mesmos autores destacam: viver em um
Barnett (1997) destaca que as crianças lar no qual há violência doméstica ou
mais jovens ou bebês são mais vulneráveis a discórdia marital, crianças de famílias com
sofrerem abuso físico, pois não são capazes histórias intergeracionais de abuso e baixo
de escapar ou "apaziguar" pais status sócio-econômico. Finalmente, como
eminentemente abusivos. Segundo tal autor, fatores da comunidade relacionados com o
há várias razões para crer que os maus-tratos risco da criança vir a ser abusada
de crianças pequenas podem ser até mais fisicamente, Hughes et al. (2001) apontam
extensos do que o estimado, pois, no geral, para o senso de aprovação da violência pela
essas crianças não possuem contato diário sociedade, aprovação de punição corporal e
com professores que poderiam detectar e distribuição desigual de poder dentro da
comunicar suspeitas de abuso e negligência, família e da sociedade.
e também por ser difícil distinguir em A negligência, por sua vez, ocorre
crianças pequenas, maus-tratos de injúrias quando se priva a criança de algo que ela
acidentais. Vale destacar que tal tipo de necessite, quando isto é essencial para o seu
violência permanece como principal causa desenvolvimento sadio (alimentação,
de morte na infância (Azevedo & Guerra, vestuário, segurança, oportunidade de estudo
1995). etc). Seus efeitos podem levar à desnutrição,
94 Maia, J. M. D. e Williams, L.C. A.

ao atraso global no desenvolvimento e até sociais pobres, pais autoritários, perda da


mesmo à fatalidade (Monteiro, Abreu & empatia, estresse social, violência doméstica
Phebo, 1997a). e disfunção familiar (American Academy of
A violência psicológica ocorre quando Pediatrics, 2002).
alguém é submetido a ameaças, humilhações Uma criança que nasce em um lar
e privação emocional. Esta violência pode violento está exposta a fatores de risco ao
consistir em ameaças de vários tipos seu desenvolvimento (Koller, 1999). De
(suicídio, morte, danificação de propriedade, modo geral, mesmo não sendo vítima direta
agressão à vítima ou a seus entes queridos, da violência, a criança pode apresentar
entre outras) (França, 2003). Cabe problemas em decorrência da exposição à
mencionar que a pesquisa relativa a tal tema violência conjugal.
é ainda recente (O’Leary, 2001). Como Segundo Sinclair (1985), estudos
conseqüências da violência psicológica, o realizados indicaram que a observação da
Conselho Americano de Pediatria (American violência doméstica afeta e interfere no
Academy of Pediatrics, 2002) destaca desenvolvimento físico e mental das
prejuízos nas seguintes áreas: pensamentos crianças. Cardoso (2001) salienta que a
intrapessoais (medo, baixa-estima, sintomas criança que observa a violência doméstica
de ansiedade, depressão, pensamentos no lar vivenciará a ambivalência das
suicidas etc), saúde emocional (instabilidade emoções e reações entre amor e ódio, além
emocional, problemas em controlar impulso de confusões, conflitos e outras vivências
e raiva, transtorno alimentar e abuso de negativas. Outros efeitos nocivos da
substâncias), habilidades sociais exposição da criança à violência conjugal
(comportamentos anti-social, problemas de indicados na literatura são: a agressão, uso
apego, baixa competência social, baixa de drogas e/ou álcool, distúrbio de atenção,
simpatia e empatia pelos outros, baixo rendimento escolar (Brancalhone &
delinqüência e criminalidade), aprendizado Williams, 2003), ansiedade, depressão,
(baixa realização acadêmica, prejuízo Transtorno de Estresse Pós-Traumático e os
moral), e saúde física (queixa somática, problemas somáticos, entre outros (Barnett,
falha no desenvolvimento, alta mortalidade). 1997; Santos, 2001). Brancalhone, Fogo e
A mesma fonte destaca que a Williams (2004) salientam que crianças que
severidade das conseqüências da violência assistem à agressão do pai contra a mãe, no
psicológica é influenciada pela intensidade, geral, assistem rotineiramente essa
gravidade, freqüência, cronicidade e violência.
apaziguamento, ou realce dos fatores Para Sinclair (1985), uma criança que
relacionados aos cuidadores da criança, da convive com a violência ou ameaça do pai
própria criança ou do ambiente. O estágio do contra a mãe é uma criança que precisa de
desenvolvimento da criança pode também proteção, pois tem risco de ser ela própria
influenciar as conseqüências da violência física e sexualmente abusada. Para Holden et
psicológica (American Academy of al. (1998), a mulher agredida pode descontar
Pediatrics, 2002). sua raiva e frustração na criança, a criança
A violência psicológica é a mais difícil pode machucar-se acidentalmente tentando
de ser identificada, apesar de ocorrer com parar a violência ou proteger sua mãe e,
significativa freqüência. Ela pode levar a finalmente, a criança que testemunha a
pessoa a sentir-se desvalorizada, sofrer de agressão contra a própria mãe poderá tornar-
ansiedade e adoecer com facilidade. se um marido agressor ou uma mulher
Situações que se arrastam por muito tempo e agredida.
se agravam, podem provocar o suicídio Os efeitos da observação da violência
(Ministério da Saúde & Ministério da podem ser entendidos com base na teoria da
Justiça, 2001). Aprendizagem Social. Tal teoria sustenta
Como fatores de risco para a ocorrência que padrões aprendidos por crianças em um
da violência psicológica associados aos pais, lar violento agem como modelos de como se
pode-se destacar: habilidades parentais comportar em interações sociais (Bandura,
pobres, abuso de substâncias, depressão, 1976). Além disso, crianças expostas a
tentativas de suicídio ou outros problemas ambientes estressantes podem apresentar
psicológicos, baixa auto-estima, habilidades quadros de dissociação a ponto de gerar
Risco e proteção infantil 95

rupturas bruscas e patológicas com a intensidade da violência empregada (quanto


realidade (Caminha, 1999). Segundo o maior, pior o prognóstico), a topografia do
Manual Diagnóstico e Estatístico de ato sexual em si (havendo penetração oral,
Transtornos Mentais (American Psychiatric vaginal ou anal, os resultados são mais
Association, 2000), a característica essencial graves do que sem penetração), a duração do
dos transtornos dissociativos é uma abuso (quanto mais longo, maiores as
perturbação nas funções habitualmente dificuldades), a freqüência e o apoio dado à
integradas de consciência, memória, vítima pelo membro não agressor (no geral a
identidade ou percepção de ambiente. mãe da criança).
A violência sexual compreende toda No que se refere à identificação dos
situação na qual um ou mais adultos, do sintomas apresentados por uma criança que
mesmo sexo ou não, utilizam a criança ou sofreu abuso sexual, Caminha (1999)
adolescente com a finalidade de obter prazer destaca que os estudiosos da área parecem
sexual. Tal ato pode incluir desde conversas ter chegado a um consenso, porém,
ou telefonemas obscenos, passando por educadores, conselheiros tutelares e
exibição dos órgãos sexuais, até relações profissionais da saúde, ainda não estão
sexuais impostas (vaginais, anais ou orais) capacitados para identificar o fenômeno da
(CRAMI, 2000). violência infantil e tão pouco para lidar com
Segundo Monteiro, Abreu e Phebo eles. Padilha (2002) afirma que a
(1997b) tal tipo de violência pode abranger: peculiaridade do abuso sexual reside no fato
a) abuso sem contato físico - abuso sexual de não haver, muitas vezes, provas físicas de
verbal, telefonemas obscenos, sua ocorrência e pela idéia errônea do
exibicionismo, voyeurismo, mostrar para a abusador argumentar que não forçou a
criança fotos ou vídeos pornográficos, e criança a fazer nada.
fotografar crianças nuas ou em posições Barnett (1997) enfatiza quatro fatores
sedutoras; b) abuso sexual com contato de risco que estão associados à ocorrência de
físico - atos físico-genitais, relações sexuais abuso infantil crônico e negligência:
com penetração vaginal, tentativa de pobreza, história e personalidade dos pais e
relações sexuais, carícias nos órgãos habilidades dos mesmos. A pobreza é
genitais, masturbação, sexo oral e destacada por incluir todo um ambiente de
penetração anal; c) prostituição de crianças estresse gerando problemas situacionais que
e adolescentes - essencialmente casos de comprovadamente comprometam o
exploração sexual visando fins econômicos. desenvolvimento. Guralnick (1998)
Williams (2002) realizou uma revisão confirma que tal estado é um estressor
da literatura sobre os possíveis efeitos do freqüentemente associado a conseqüências
abuso sexual. A curto prazo podem aparecer sérias e globais para o desenvolvimento da
problemas tais como: comportamento criança. Aiello e Williams (2000) salientam
sexualizado, ansiedade, depressão, queixas que a grande desigualdade social brasileira
somáticas, agressão, comportamentos faz com que: "a população de crianças
regressivos (enurese, encoprese, birras, consideradas de risco torna-se gigantesca,
choros), comportamentos auto-lesivos, apenas levando-se em conta fator de
problemas escolares, entre outros. A longo condições econômicas" (Aiello & Williams,
prazo há risco de: depressão, ansiedade, 2000, p. 24).
prostituição, problemas com relacionamento Com relação à história dos pais, Barnett
sexual, promiscuidade, abuso de substâncias, (1997) destaca dados como: 30% das
ideação suicida entre outros. Azevedo e crianças maltratadas produzirão abuso ou
Guerra (1989), também destacaram efeitos negligência em suas crianças no futuro, já
similares do abuso sexual a curto e a longo 70% de pais que maltratam seus filhos foram
prazo. maltratados quando crianças. É importante
Como fatores que influenciam o destacar também fatores associados à
prognóstico dos casos de abuso sexual gravidez com aumento de risco de maus
infantil, pode-se destacar, segundo Williams tratos, como: gravidez de pais adolescentes
(2002), a proximidade do agressor em sem suporte social, gravidez não planejada
relação à vítima (os casos de incestos são os e/ou não desejada, gravidez de risco,
mais graves), o número de agressores, a depressão na gravidez, e falta de
96 Maia, J. M. D. e Williams, L.C. A.

acompanhamento pré-natal, bem como educativas parentais. Tais práticas poderão


pai/mãe com múltiplos parceiros, desenvolver tanto comportamentos pró-
expectativas demasiadamente altas ou sociais como anti-sociais, dependendo da
irrealista em relação à criança e prostituição. freqüência e intensidade que o casal parental
No que se refere à personalidade dos utiliza determinadas estratégias educativas.
pais, Barnett (1997) afirma que a maioria Em seu estudo sobre estilos parentais
dos pais possui características que podem Gomide (2003), selecionou variáveis
prejudicar seus filhos, no entanto, grande vinculadas ao desenvolvimento do
parte não permite que tais características comportamento anti-social, sendo as práticas
interfiram no cuidado destinado a eles. O educativas negativas: a) negligência -
autor destaca também, que as pesquisas têm ausência de atenção e afeto; b) abuso físico e
apontado para o egocentrismo e a psicológico - disciplina por meio de práticas
imaturidade de pais que maltratam, corporais negativas, ameaça ou chantagem
particularmente no que diz respeito ao de abandono ou humilhação do filho; c)
entendimento de seus papéis de cuidadores. disciplina relaxada - relaxamento das regras
Finalmente, no que se refere às habilidades estabelecidas; d) punição inconsistente - pais
dos pais, Barnett (1997) destaca que os pais que se orientam pelo seu humor para punir
que maltratam são menos positivos e dão ou reforçar e não pelo ato praticado; e e)
menos suporte na educação de suas crianças, monitoria negativa - excesso de instruções
sendo mais negativos, hostis e punitivos do independente de seu cumprimento, o que
que pais que não maltratam. Tais pais gera um ambiente de convivência hostil.
tendem a reagir mais negativamente do que
outros pais a desafios como o choro de uma No que se refere ao engajamento em
criança. atos infracionais, cabe salientar que as
crianças que iniciam precocemente
Ainda dentro da noção de risco,
comportamentos agressivos têm maior risco
Guralnick (1998) aponta para os estressores
de cometer tais atos infracionais ou
que podem afetar o desenvolvimento da
abusarem de drogas (Kumpfer & Alvarado,
criança, destacando: a) características
2003). Os fatores de risco para problemas
interpessoais dos pais - grau de depressão,
como atos infracionais por jovens têm sido
nível instrucional, experiências
tema de alguns estudos preocupados em
intergeracionais aprendidas sobre
identificar variáveis preditoras deste padrão.
habilidades parentais, incluindo expectativas
Reppold, Pacheco, Bardagi e Hutz (2002)
culturais; e b) características não
destacam a revisão de literatura de Loeber e
diretamente relacionadas a alguma
Dishion (1983) que culminou em quatro
deficiência da criança, como a qualidade do
principais preditores: práticas parentais,
relacionamento conjugal, o temperamento da
presença de problemas de comportamentos
criança, e fontes de apoio disponíveis,
durante a infância, ocorrência de
incluindo recursos e rede de apoio social da
comportamento anti-social em algum
família.
membro da família, e abandono ou pouco
Adicionalmente, outros fatores de risco envolvimento escolar (Gallo & Williams,
ao desenvolvimento psicológico e social 2005).
citados pela literatura são: pais portadores de
deficiência mental (Aiello & Buonadio, Silva e Hutz (2002) assinalam para o
2003; Santos, 2001; Turnbull & Turnbull, fato de a criança ter sido vítima de abuso
1990; Williams, 2003), baixa escolaridade (físico, sexual, psicológico e/ou negligência)
dos pais, famílias numerosas, ausência de como risco para o surgimento de atos
um dos pais, depressão materna, abuso de infracionais, aumentando as chances de que
drogas (Barnett, 1997; Fox & Benson, 2003; ela venha a apresentar tal comportamento.
Guralnick, 1998). Kumpfer e Alvarado (2003) ressaltam que a
Segundo Gomide (2003), a fim de probabilidade do jovem ter problemas no
cumprir o papel de agentes de socialização desenvolvimento aumenta rapidamente na
dos filhos, os pais utilizam-se de diversas presença de fatores de risco como: conflitos
estratégias e técnicas para orientar seus familiares, perda do vínculo pai-filho,
comportamentos que são denominadas por desorganização, práticas parentais
muitos autores pela expressão: práticas ineficazes, estressores e depressão parental.
Risco e proteção infantil 97

O Ministério da Saúde (2002) identifica Fatores de proteção ao


fatores de risco ao desenvolvimento infantil desenvolvimento infantil
referentes à família e à criança. Como
Garmezy (1985) classifica os fatores de
fatores de risco inerentes à família ele proteção em três categorias, que serão
destaca: a) famílias baseadas em uma discutidos no presente trabalho: a) atributos
distribuição desigual de autoridade e poder; disposicionais da criança - atividades,
b) famílias nas quais não há uma autonomia, orientação social positiva, auto-
diferenciação de papéis, levando ao estima, preferências, etc); b) características
apagamento de limites entre os membros; c) da família - coesão, afetividade e ausência
famílias com nível de tensão permanente, de discórdia e negligência etc); e c) fontes
manifestado por dificuldades de diálogo e de apoio individual ou institucional
descontrole da agressividade; d) famílias nas disponíveis para a criança e a família -
quais não há abertura para contatos externos; relacionamento da criança com pares e
e) famílias nas quais há ausência ou pouca pessoas de fora da família, suporte cultural,
manifestação positiva de afeto entre atendimento individual como atendimento
médico ou psicológico, instituições
pai/mãe/filho; e f) famílias que se encontram
religiosas, etc.
em situação de crise, perdas (separação do
casal, desemprego, morte, etc). Segundo Bee (1995), a família pode ser
destacada como responsável pelo processo
Como fatores de risco referentes à de socialização da criança, sendo que, por
criança, a mesma fonte menciona: crianças meio dessa, a criança adquire
com falta de vínculo parental nos primeiros comportamentos, habilidades e valores
anos de vida, distúrbios evolutivos, crianças apropriados e desejáveis à sua cultura. Nesse
separadas da mãe ao nascer por doença ou contexto, a internalização de normas e regras
prematuridade, crianças nascidas com mal- possibilitarão à criança um desempenho
formações congênitas ou doenças crônicas social mais adaptado e aquisição de
(retardo mental, anormalidades físicas, autonomia.
hiperatividade), baixo desempenho escolar e Se hostilidade e negligência parental
evasão (Ministério da Saúde, 2002). contribuem para o engajamento de
indivíduos com distúrbios de conduta em
No que se refere aos comportamentos grupos criminosos, por outro lado, práticas
de risco emitidos por adolescentes, a efetivas, um bom funcionamento familiar, a
Associação Americana de Psicologia aponta: existência de vínculo afetivo, o apoio e
fumo, abuso de álcool e/ou drogas, relações monitoramento parental são indicativos de
sexuais que podem levar à gravidez e fatores protetores que reduzem a
doenças sexualmente transmissíveis, evasão probabilidade de adolescentes se engajarem
escolar, uso de armas, violência sexual, em atos infracionais. Desse modo, a família
brigas etc. Fox e Benson (2003) apontam pode ser identificada como fator de risco ou
para a existência de pesquisas destacando o como fator de proteção, dependendo do
papel da comunidade como sendo, também, estilo parental utilizado (Reppold et al.,
uma influência no desenvolvimento da 2002).
criança, porém tais efeitos são complexos, No estudo anteriormente citado de
não lineares e mediados pelo Gomide (2003) sobre estilos parentais, além
comportamento parental e pelo processo das práticas educativas negativas, a autora
familiar. Tais autores realizaram um estudo destaca práticas educativas positivas que
relacionando práticas parentais e contexto de envolvem: a) uso adequado da atenção e
distribuição de privilégios, o adequado
relação com a comunidade, extraindo como
estabelecimento de regras, a distribuição
conclusões que as famílias com contínua e segura de afeto, o
características positivas podem oferecer acompanhamento e supervisão das
proteção às suas crianças dos riscos da atividades escolares e de lazer; e b)
comunidade, e famílias de alto risco podem comportamento moral que implica no
encobrir as vantagens oferecidas por uma desenvolvimento da empatia, do senso de
“boa” vizinhança ou bairro. justiça, da responsabilidade, do trabalho, da
98 Maia, J. M. D. e Williams, L.C. A.

generosidade e no conhecimento do certo e recipiente passivo que recebe as influências


do errado quanto ao uso de drogas, álcool e familiares, sendo ela agente no sentido de
sexo seguro. participar das transações familiares (Holden
Guralnick (1998) assinalou três padrões et al., 1998).
que podem ser identificados como essenciais Rae-Grant, Thomas, Offord e Boyle
na interação da família: a qualidade da (1989) identificam como fatores de proteção
interação dos pais com a criança; a medida da criança: o temperamento positivo, a
em que a família fornece à criança inteligência acima da média e a competência
experiências diversas e apropriadas com o social (realização acadêmica, participação e
ambiente físico e social ao seu redor; e o competência em atividades, habilidade de se
modo pelo qual a família garante a saúde e a relacionar facilmente, alta auto-estima e
segurança da criança, como, por exemplo, senso de eficácia). Como fatores familiares
levando a mesma para ser vacinada e dando- favoráveis, os autores destacam o suporte
lhe nutrição adequada. dos pais, a proximidade da família e um
Segundo Kumpfer e Alvarado (2003), ambiente de regras adequado. Finalmente,
práticas parentais efetivas constituem-se no como fatores da comunidade, os autores
mais poderoso meio de se reduzir problemas destacam: os relacionamentos que a criança
de comportamentos de adolescentes. Tais apresenta com seus pares (fora da família),
autores apontam para pesquisas com outros adultos significativos e com
longitudinais, sugerindo que os pais instituições com as quais ela mantenha
possuem um maior impacto nos contato, dentre outros.
comportamentos de saúde dos adolescentes Werner (1998) assinala algumas
do que previamente pensado. Os mesmos características de crianças que conseguem
autores salientam que, apesar da influência lidar de forma adequada com as
dos pares ser a principal razão para o adversidades. Tais indivíduos possuem
adolescente iniciar comportamentos senso de eficácia e autocompetência, são
negativos, uma análise mais cuidadosa socialmente mais perceptivos do que seus
apontou para a preocupação dos pares que não conseguem lidar com as
adolescentes com a desaprovação dos pais adversidades, são capazes de despertar
referente ao uso de álcool ou drogas, como atenção positiva das outras pessoas,
principal razão para não usá-los. possuem habilidades de resolução de
Kumpfer e Alvarado (2003) destacam problemas, possuem a habilidade de solicitar
algumas pesquisas salientando o ambiente ajuda de outras pessoas quando necessário e
familiar positivo como a principal razão para possuem a crença de que podem influenciar
os jovens não se engajarem em positivamente o seu ambiente.
comportamentos delinqüentes ou A mesma autora aponta, ainda, como
comportamentos não saudáveis. Como fator de proteção o vínculo afetivo com um
exemplo de ambiente familiar positivo, cuidador alternativo, tal como os avós ou
destacaram: relacionamento positivo entre irmãos. Tal pessoa pode se tornar um
pais e filho, supervisão e disciplina suporte importante nos momentos de
consistente e comunicação dos valores estresse promovendo, também, a
familiares. competência, a autonomia e a confiança da
A oportunidade de a criança interagir criança. Werner (1998) destaca, também, a
com os pares e com outras pessoas fora da importância da segurança e da coerência na
família, o grau de escolaridade materna e vida dessa criança, afirmando que crenças
seu baixo-nível de depressão, estilos religiosas (independente da religião)
parentais adequados, uma qualidade de oferecem a convicção de que suas vidas
interação boa com a comunidade e uma rede possuem um sentido e um senso de
social fortemente estabelecida, podem ser enraizamento e de coerência. Os amigos e a
destacados como exemplos de fatores escola, também, são citados como fatores de
positivos à proteção da criança, que podem proteção importantes no sentido de
diminuir a expectativa de conseqüências fornecerem suporte emocional, e os
negativas (Holden et al., 1998). Cabe, professores podem vir a ser um modelo
também, ressaltar que dentro do contexto positivo de identificação pessoal para uma
familiar a criança não é simplesmente um criança de risco (Werner, 1998).
Risco e proteção infantil 99

A Associação Americana de Psicologia processo de resiliência individual devem ser


(APA) destaca fatores que podem ajudar a direcionados para reduzir os fatores de risco
proteger pessoas jovens de problemas no familiares. Como principais fatores de
desenvolvimento, vivendo até mesmo em proteção familiares para promover
condições adversas, tais como a pobreza. comportamentos adolescentes saudáveis, os
Neste contexto a Associação destaca a autores apontam: um relacionamento
“resiliência” para se referir à ocorrência de positivo entre pais e criança, método
bons resultados apesar de sérias ameaças ao positivo de disciplina, monitoramento e
desenvolvimento saudável (Rutter, 1985). supervisão, comunicação de valores e
A Associação exemplifica como fatores expectativas pró-sociais e saudáveis.
associados a resiliência: a) o relacionamento Segundo tais autores, as pesquisas em
positivo com ao menos um adulto resiliência sugeriram como principais fatores
significativo (parente ou não); b) a de proteção: o suporte parental auxiliando
existência de uma âncora religiosa ou crianças a desenvolverem sonhos, objetivos,
espiritual (fornece senso de significado); c) e propostas de vida.
expectativa acadêmica alta e realista, e Uma revisão realizada por Kumpfer e
suporte adequado; d) ambiente familiar Alvarado (2003), sobre os programas de
positivo (limites claros, respeito pela treinamento de habilidades familiares e de
autonomia do adolescente etc); e) terapia familiar breve em programas de
inteligência emocional; e f) habilidade para prevenção para adolescentes de alto risco e
lidar com o estresse. seus jovens pares, concluiu serem tais
A APA ressalta que não são necessários métodos eficazes na redução de problemas
todos esses fatores para que o adolescente adolescentes, com base na promoção da
torne-se resiliente frente às adversidades, supervisão familiar e no monitoramento, na
porém uma forte tendência a resiliência tem facilitação da comunicação efetiva de
sido associada como tendo presente um expectativas, normas e valores familiares, e
número maior de tais fatores de proteção. na promoção do tempo que a família
Segundo Hughes et al. (2001), os permanece junto para aumentar o vínculo e
pesquisadores têm estudado crianças reduzir a influência inadequada dos pares.
resilientes há vinte anos, como crianças
advindas de situações adversas, que vivem
em abrigos, sob condições de pobreza, com Conclusão
transtorno parental, crianças nascidas
Pode-se destacar a vasta literatura
prematuramente ou com baixo-peso,
existente que aponta os fatores de risco ao
crianças sem lar, e crianças cujos pais se
desenvolvimento infantil. Porém, faz-se
divorciaram. Porém, não há, segundo os
necessário, que os profissionais que atuam
autores, investigações de resiliência em
junto à infância e adolescência, tomem
criança expostas à violência doméstica.
conhecimento de cada um desses fatores,
Para os autores, os fatores de proteção
minimizando crenças e questões pessoais
associados à derrota da adversidade por
que possam contradizer a identificação de tal
crianças expostas à violência doméstica
risco, bem como sejam conscientizados de
incluem particularidades da criança, dos pais
e do ambiente. Como uma característica da sua importância como possíveis analistas e
criança associada a baixo risco de resultados possam intervir denunciando, tendo como
negativos, pode-se destacar a idade acima de objetivo o bem-estar da criança ou do
cinco anos. Como fatores parentais para adolescente. Dentre tais profissionais pode-
proteger crianças que vivem em famílias que se destacar: médicos, psicólogos,
experienciam violência doméstica destacam- fisioterapeutas, fonoaudiólogos, assistências
se: a competência parental e saúde mental da sociais, professores ou responsáveis por
mãe. Finalmente, como fatores de proteção estabelecimento de atenção a saúde e ensino
associados a um amplo contexto ambiental fundamental, pré-escola ou creche, dentre
destacam-se: validade e força do suporte outros.
social (Hughes et al., 2001). Nesse contexto, destaca-se o papel
Para Kumpfer e Alvarado (2003), os ímpar do Conselheiro Tutelar, profissional
mecanismos familiares de proteção e o responsável por receber as notificações de
100 Maia, J. M. D. e Williams, L.C. A.

casos nos quais haja suspeita ou competências e recursos informais presentes


confirmação de maus-tratos contra criança na vida das pessoas, competências essas que
ou adolescentes. Tal profissional deve estar podem ser utilizadas para promover o
habilitado para identificar os riscos aos quais repertório da habilidade de resolução de
crianças ou adolescentes possam estar sendo problemas e aumentar a auto-estima.
expostos e os fatores de proteção inseridos
nesse contexto, e assim executar sua função, Nesse contexto, cabe mencionar a
aplicando medidas de proteção cabíveis. Psicologia Positiva, tão discutida nos tempos
atuais, que direciona a Psicologia para o
Segundo a Secretaria de Promoção
estudo das emoções positivas e
Social da Província de Ontário, no Canadá
potencialidades das pessoas. Possui três
(Ontario Ministry of Community and Social
pilares principais: o estudo da emoção
Services, 2001), os profissionais que cuidam
positiva (como confiança e esperança), o
do bem-estar da criança (equivalentes ao
estudo das características positivas
Conselheiro Tutelar no Brasil), podem ser
(habilidades como inteligência e atletismo) e
guiados na formulação de questões
o estudo de instituições positivas
relevantes quanto a estratégias de proteção
(democracia, famílias saudáveis e liberdade
da própria criança. Tal fonte afirma a
de expressão) (Seligman, 2002).
necessidade de que tais profissionais
identifiquem os pontos fortes, as fraquezas e Em tempos difíceis, a compreensão e
as habilidades de todos os membros da construção de forças e virtudes, como:
família para proteger de modo eficaz suas valores, perspectivas, integridade torna-se
crianças. No que se refere aos recursos da mais urgente. Neste sentido, as forças e
criança para se auto-proteger, a Secretaria virtudes funcionam como pára-choque
aponta que estes profissionais deveriam contra o infortúnio e desordens psicológicas,
formular questões importantes que e podem ser a chave para a construção da
explorem: o relacionamento adequado com a resiliência (Seligman, 2002).
mãe, com outro membro da família ou com
vizinhos, suporte do ambiente escolar e de
grupos da comunidade, e ainda, a extensão
em que a criança entende a violência Referências
experienciada. Finalmente, a Secretaria de
Ontário apontou que, a fim de avaliar os Aiello, A. L. R., & Buonadio, M. C. (2003).
recursos da comunidade para promover a Mães com deficiência mental: O retrato
de uma população esquecida. In: M. C.
segurança das crianças, os profissionais
Marquezine, M. A. Almeida, S. Omote,
deveriam estar atentos para suportes como
& E. D. O. Tanaka (Org.). O papel da
suporte cultural, tratamento acessível para o
família junto ao portador de
abuso de substâncias, sistema de saúde,
necessidades especiais (Coleção
serviços de bem-estar e social, incluindo
Perspectivas Multidisciplinares em
aconselhamento e apoio.
Educação Especial, v. 6). (pp. 131-146).
No que se refere, mais especificamente, Londrina: Eduel.
à literatura sobre fatores de proteção ao
desenvolvimento infantil, o presente Aiello, A. L. R., & Williams, L. C. A.
trabalho gostaria de enfatizar sua (2000). O Papel do Inventario Portage
importância, bem como a necessidade de Operacionalização em Programas de
que os estudos sobre o desenvolvimento Educação Precoce. Anais do 39º
infantil possam incluí-la com a mesma Encontro das APAES do Paraná.
atenção dada aos fatores de risco, visando Educação Especial: para ser e
promover a resiliência. compreender, v. 1. (pp. 22-35). Bela
Destaca-se neste contexto o Vista do Paraíso, Paraná.
apontamento de Werner (1998) para a
necessidade de que as intervenções não American Academy of Pediatrics (2002).
sejam focalizadas somente nos fatores de The psychological maltreatment of
risco presentes na vida das crianças e suas children-technical report. Pediatrics,
famílias, mas também incluir as 109(4), 1-3.
Risco e proteção infantil 101

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Nota das autoras:


Trabalho apresentado na XXXVI Reunião Anual de Psicologia, em Salvador, 2006, na forma de sessão
coordenada: “Prevenção de problemas de comportamento na infância e adolescência”. Apoio Financeiro:
CAPES. Este trabalho é parte da Dissertação de Mestrado da autora: Joviane Marcondelli Dias Maia,
defendida no ano de 2002, no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade
Federal de São Carlos, com o título: “Capacitação de Conselheiros Tutelares: instruir para aprimorar”,
sob orientação da Profa. Dra. Lucia Cavalcanti de Albuquerque Williams. Joviane Marcondelli Dias Maia
- Psicóloga, Doutoranda em Educação Especial pela Universidade Federal de São Carlos. Lucia
Cavalcanti de Albuquerque Williams - Psicóloga, Doutora em Psicologia pela USP, Professora Titular no
Curso de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Educação Especial, e Coordenadora do
LAPREV (Laboratório de Análise e Prevenção da Violência) na Universidade Federal de São Carlos.

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