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Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologia

Escola de Psicologia e Ciências da Vida

3º ano da Licenciatura de Psicologia

2021 / 2022

Unidade Curricular: Psicologia Forense

“Avaliação Psicológica Forense com crianças expostas a violência interparental ”

Beatriz Leal nº 21901920

Joana Morais nº 21904062

Marcos Valente nº 21902156

Pedro Miranda nº 21903202

LD01PSIC03

Nota de autor:

O presente trabalho foi elaborado no âmbito da unidade curricular de Psicologia Forense

coordenada pelos docentes Nélio Brazão (PhD) e Carolina da Motta (PhD). A

correspondência relativa a este artigo deverá ser dirigida a: Beatriz Leal, Joana Morais,

Marcos Valente e Pedro Miranda, alunos da Escola de Psicologia e Ciências da Vida da

Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias; Universidade Lusófona, Campo

Grande 376, 1749-024; Lisboa 2022. Correspondência e-mail:

beatrizlealtrabalho@gmail.com, joanamoraistg@gmail.com,

valentemarcos13@hotmail.com, pedrorpm2130@gmail.com.
Running Head: “Violência interparental”

Índice

Resumo ______________________________________________________________ 3
Definição do construto e Relevância do fenómeno ____________________________ 4
Fatores de risco e proteção _______________________________________________ 6
Modelos conceptuais ___________________________________________________ 8
Hipótese do Ciclo da Violência ________________________________________________ 8
Hipótese da Disrupção familiar de Jaff, Wolfe e Wilson (1990) ______________________ 9
Modelo Cognitivo- Contextual de Grych e Finchman (1990) ________________________ 10
The Physical Incident Model (Katz, 2016) ______________________________________ 11
Processo de intervenção e avaliação psicológica _____________________________ 12
Caraterização do protocolo de avaliação/processo de intervenção _______________ 14
Reflexão crítica _______________________________________________________ 17
Referências __________________________________________________________ 19

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Running Head: “Violência interparental”

Resumo

O presente trabalho tem como objetivo a caracterização da problemática e do

protocolo/processo de intervenção perante a avaliação psicológica forense com crianças

expostas a violência interparental. A violência interparental é definida como o

comportamento físico forçado e violento ou o abuso psicológico de um parceiro, de

modo a controlar o outro na presença de filhos.

Neste contexto, os fatores de risco podem ser o padrão de personalidade, a

cultura e a experiência, a família e fatores conjugais, abuso de substâncias entre outros

fatores mencionados no presente trabalho e os fatores de proteção dizem respeito ao

padrão de personalidade, à escola, cultura e relações sociais.

Relativamente aos modelos conceptuais é abordada a hipótese do ciclo de

violência, hipótese da disrupção familiar de Jaff, Wolfe e Wilson, modelo cognitivo

contextual de Grych e Finchman e o the physical incident model.

Face ao processo de intervenção, a avaliação psicológica tem como principal

objetivo caracterizar as crianças que se encontram expostas a violência interparental que

foram anteriormente encaminhadas pelo sistema de justiça. Esta avaliação pode ocorrer

em três moldes diferentes, ou seja, pode ocorrer tanto ao nível individual como ao nível

grupal ou então em conjunto (individual e grupal). Assim sendo, este processo de

intervenção ocorre tendo em atenção quatro etapas: avaliação global do problema,

avaliação do grau de exposição da criança, avaliação do impacto da violência na criança

e por fim temos uma avaliação do funcionamento familiar.

Palavras-chave: Violência interparental, fatores de risco, fatores proteção, modelos

conceptuais; processo de intervenção, avaliação psicológica.

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Running Head: “Violência interparental”

Definição do construto e Relevância do fenómeno

De acordo com Davis (1988), é necessário definir a violência interparental,

embora muito difícil como relatado por diversos investigadores. O comportamento

físico forçado e violento com um parceiro, a fim de controlar o outro na presença dos

filhos de qualquer dos parceiros, é uma definição inicial acordada na literatura, assim o

abuso psicológico já é frequentemente incluído nesta definição.

A violência interparental e o seu impacto nas crianças não é um problema

recente, mas é, cada vez mais, tida em atenção.

O interesse por este tema vem subjacente ao interesse pelos estudos mais

recentes de violência doméstica como um problema social e as suas consequências, e

também pela maior consciência e sensibilização social no que toca a violência

doméstica, violência interparental e abuso de crianças de uma forma generalizada,

incluindo psicológica (Sani, 2004).

Através do estudo nesta área observou-se que as crianças que viviam em

contextos onde testemunharam violência interparental eram, muitas vezes, também

vítimas dessa violência, direta ou indiretamente, e começou-se a perceber que existe

uma relação entre ser testemunha de violência e sofrer maus tratos e abuso. Tem havido,

igualmente, uma maior consciencialização para uma maior perceção de que as crianças

são afetadas por aquilo que experienciam em casa e que existem casos onde as crianças

são ambas testemunhas dos maus tratos enquanto, simultaneamente, vítimas do mesmo

(Sudermann & Jaffe, 1999).

O número de crianças que vivem expostas a violência interparental é bastante

elevado e estudos apontam que 41% das vezes existem casos de violência doméstica em

que houve intervenção por parte de forças policiais e havia crianças a assistir, outros

estudos apontam para valores como 60% a 80% em que as crianças viam ou ouviam os

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Running Head: “Violência interparental”

episódios de agressão. No entanto, estes números não são suficientes para perceber

quantas crianças são vítimas de maus tratos psicológicos, tanto diretos ou indiretos, por

conta da violência interparental e não existem dados que nos tornem clara a

percentagem de crianças que são vítimas indiretas destes casos de violência (Sani,

2004).

Segundo Holden (2003), crianças que são expostas a violência doméstica

qualificam-se como vítimas de maus tratos porque vivem num ambiente que é

psicologicamente abusivo para além de viverem em constante medo. O medo é

acompanhado de uma figura parental que ameaça ou poderá magoar fisicamente, matar,

abandonar, pôr a criança ou outras pessoas chegadas à criança em situações perigosas.

A exposição a um pai ser verbalmente ou fisicamente abusado é psicologicamente

estimulante, emocionalmente stressante e frequentemente causadora de traumas. Neste

sentido, o autor afirma que observar violência pode gerar medo pela segurança da figura

paternal que está a sofrer a agressão.

De acordo com van Rooij et al (2015) existem discrepâncias entre as narrativas

das mães e das crianças no que toca à exposição da criança à violência interparental. As

crianças reportam mais violência do que as mães julgam da mesma situação, bem como

reportam mais violência das mães para os pais do que as mães reportam. Estes

resultados corroboram com a literatura existente, que mostra que os pais têm tendência

para subestimar ou não notar a exposição dos seus filhos a violência interparental, por

exemplo, os pais podem não estar conscientes da presença das crianças durante os

episódios de violência porque estas se escondem ou fingem estar a dormir.

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Running Head: “Violência interparental”

Fatores de risco e proteção

Durante a avaliação de uma determinada situação devemos ter em conta os

fatores de risco e proteção que podem influenciar um dado fenómeno, neste caso

falamos da violência interparental, na medida em que estes fatores ajudam a identificar

os níveis de risco existentes ou possíveis soluções para as dificuldades existentes.

Os fatores de proteção são variáveis que beneficiam o desenvolvimento do

indivíduo, contribuindo para ultrapassar os fatores de risco e para o desenvolvimento da

criança/adolescente.

Os fatores de risco, por outro lado, são variáveis ambientais ou contextuais que

aumentam a probabilidade de ocorrência de um fenômeno indesejável. Neste contexto, a

exposição a fatores de risco prejudica negativamente o desenvolvimento da

criança/adolescente, originando problemas comportamentais ou até dificuldades de

socialização.

Com base em conhecimento empírico e com fundamento no nosso constructo,

definimos os fatores de risco tendo em conta os “central eight risk factors”, isto é, oito

fatores (quatro grandes e quatro moderados) de risco preditores de tendências criminais

centrais que são no fundo fatores destinados a identificar as causas que motivam e

originam um comportamento criminoso.

Perante o caso das crianças expostas a violência interparental, é pertinente

perceber que fatores de risco podem estar associados a este comportamento de violência

parental, ou seja, o que pode desencadear o ato violento e os fatores de risco associados

às crianças expostas à violência.

Dado isto, os fatores de risco associados ao comportamento violento parental

são: 1. Padrão de personalidade, no que toca à incapacidade de auto controle e

disciplina inconsciente; 2. Cultura e experiência, em relação aos valores culturais que

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mantêm ou “defendem” a violência familiar e ter passado por uma experiência passada

de violência; 3. Família e fatores conjugais, na medida em que podem existir

dificuldades no processo de vinculação com os filhos, as relações e o suporte familiar

ser fraco e os pais apresentarem um estado de saúde desabilitado; 4.

Educação/Conhecimento, pois haverem desvantagens educacionais e económicas, bem

como a falta de conhecimentos básicos sobre o processo de desenvolvimento das

crianças pode levar a atos desfavorecidos e desviantes; 5. Abuso de substâncias que

levam a atos inconscientes.

Consequentemente, existem fatores de risco relacionados às crianças expostas à

violência interparental, tais como: 1. Fator contextual, que diz respeito à frequência,

duração e intensidade do acontecimento, o contexto e motivo do acontecimento (quando

a ver com educação ou resultados da escola em relação aos filhos, estes parecem sentir

mais vergonha e culpa e isso terá um peso maior na mesma) e o tipo de violência (estar

exposto a violência física parece ter mais peso nas crianças que violência verbal); 2.

Desvantagens educacionais, através de perspetivas e comportamentos parentais errados;

3. Família e fatores conjugais, por meio de um fraco suporte social familiar e uma fraca

segurança e estabilidade familiar; 4. Padrão de personalidade e características das

crianças expostas, nomeadamente a falta de resiliência e falta de capacidade de

resolução de problemas e emoções e a baixa autoestima; 5. Cultura e experiência, pois

existem valores culturais que mantêm ou “defendem” a violência familiar (pela

hierarquia de papéis de género).

Neste contexto, existem também inúmeros fatores de proteção que podem servir

de apoio para ultrapassar situações como esta de violência interparental, tais como: 1.

Padrão de personalidade e características das crianças expostas, sendo estas a resiliência

(recurso positivo para enfrentar as adversidades e adaptação do indivíduo às exigências

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quotidianas) como capacidade de resolução de problemas e de emoções, o

temperamento fácil e facilidade de adaptação; 2. Escola tem um contributo grande,

podendo proporcionar um ambiente escolar favorável, o sucesso escolar e a participação

em atividades extra escolares; 3. Cultura, através dos valores religiosos e culturais; e 4.

Relações sociais (amigáveis, etc).

Modelos conceptuais

Hipótese do Ciclo da Violência

A hipótese do ciclo da violência Lenore Walker (1979) pode ser chamada

também de teoria de transmissão intergeracional da violência. De uma maneira muito

simplista, esta acredita que os comportamentos agressivos por parte dos pais podem ser

apreendidos pelas crianças que são testemunhas, e posteriormente praticá-las em futuras

relações. Sendo a família o agente principal socialização primário e fonte de

transmissão de valores e comportamentos para a vida destas crianças na sociedade

(Black, Sussman, & Unger, 2010; Carroll, 1977). Neste sentido, violência gera violência

(Jaffe et al., 1990) e este tipo de comportamentos é facilmente apreendido e replicado

(Osofsky, 1995).

Esta teoria tem como principal fundamentação a Teoria da Aprendizagem Social

(Hines & Soudino, 2002; O´keefe, 1998; Rosen, Bartle-Harins & Stith, 2001) que

afirma que a violência entre parceiros íntimos é promulgada por pessoas que na sua

família de origem presenciaram atos de violência em criança (Black et al., 2010). Esta

teoria reforça a presença de 3 conceitos importantíssimos: Observação, Modelagem,

Imitação (Osofky, 1998). Segundo Bandura (1986), a maior parte do comportamento

humano é apreendido pela observação, que resulta de um processo de modelagem e

aquilo que é retido através da observação torna-se um guia para futuros acontecimentos

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Running Head: “Violência interparental”

(Bandura, 1986). Kwong et al. (2003), menciona que estes indivíduos expostos a

comportamentos agressivos ao longo da infância, têm o dobro da probabilidade de

experienciar agressões severas na vida amorosa, comparativamente às pessoas que

nunca observaram violência familiar.

A teoria da transmissão intergeracional prevê que a violência é aprendida através

da punição física e da exposição à violência entre os pais, que leva à legitimação do seu

uso enquanto meio para resolver problemas e punir maus comportamentos por parte de

outros (Bandura, 1973 as cited in Kwong, Bartholomew, & Trinke, 2003).

Hipótese da Disrupção familiar de Jaff, Wolfe e Wilson (1990)

Para Minuchin (1990), a família é uma unidade social que se depara com uma

série de tarefas, funcionando como uma matriz do desenvolvimento psicossocial dos

seus membros. Para tal, uma família é um sistema que opera através de padrões

transacionais, isto é, regras e padrões de comportamento repetidas entre a interação de

indivíduos.

Esta hipótese da disrupção familiar defende que a criança exposta à violência

interparental, faz múltiplos e contínuos esforços para tentar lidar com o modo mais

adequado com as alterações no seu seio familiar resultantes dos conflitos parentais

(Jaffe et al., 1990). Segundo Margolin, Oliver & Medina (2002) o conflito conjugal é,

sem dúvida, um fator de risco, pois ou é acompanhado tanto de uma intensificação da

intimidade, ou por uma rejeição na sua relação e interação pais-criança, bem como,

porque pode vir a desenvolver comportamentos sintomáticos por parte do menor. As

discussões parentais levam ao aumento de sentimentos de hostilidade entre a família

(Fauber & Long, 1999; Jouriles et al., 1991; cit. Cummings & Davies, 1994), diminui a

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sensibilidade parental para os sinais e necessidades dos filhos (Emery, 1982, cit.

Cummings & Davies, 1994) e perde a percepção de segurança da criança (Ainsworth et

al., 1978; Bowlby, 1973; cit. Cummings & Davies, 1994).

Modelo Cognitivo- Contextual de Grych e Finchman (1990)

Este modelo tenta compreender como a severidade do conflito conjugal

influencia e tem impacto no ajustamento e desenvolvimento comportamental da criança

(Dadds, Atkinson, Turner, Blums, & Lendich, 1999; Grych & Fincham, 1990). Este

pressupõe que o impacto do conflito conjugal é medido pela própria compreensão da

criança sobre o conflito a decorrer (Dadds et al., 1999; Grynch Fincham 1990; Grych &

Cardoza – Fernandes, 2002). Esta compreensão do conflito por parte da criança é um

construto multidimensional, pois pode ser alterada pela natureza do conflito, do próprio

contexto, intensidade, duração, resolução, pela qualidade na relação entre pais-filho,

fatores cognitivos e desenvolvimentais (Benneti, 2006; Grych & Fincham, 1990;

McDonald & Grych, 2006). A criança à luz deste modelo é definida como um sujeito

ativo, que tenta fazer um esforço para compreender e conseguir lidar com os fatores de

stress, no qual ele observa recorrentemente os conflitos dos progenitores, o que após

uma avaliação do conflito observado, a criança pode pensar e atribuir a responsabilidade

do conflito a si próprio ou aos seus pais (Benetti, 2006). No caso da atribuição de culpa

pelo conflito a si próprio, a criança pode despoletar sentimento de vergonha e atribuir o

sentimento de raiva a um ou a ambos os progenitores (Benetti, 2006), baixa autoestima,

ansiedade, encontrar-se num estado mais deprimida e tomar comportamentos

inadequados para a resolução de problemas (Grych & Fincham, 1990).

Com este modelo percebemos que o facto do conflito interparental ter impacto

na criança, não é um impacto direto, pois está dependente de como a criança interpreta a

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situação de conflito (Iraurgi, Martinez-Pampliega, Iriarte, & Sanz, 2011). Este modelo

distingue dois tipos de processamentos que a criança enfrenta para lidar e compreender

o conflito interparental, o processamento primário e secundário. No processamento

primário, a criança toma consciência do conflito, extrai a informação negativa e guarda-

a para si e após isto, a criança avalia se este conflito é uma ameaça para si. Esta

perceção leva a uma interpretação, o que por consequência gera uma resposta

afetiva/emocional (Grych & Fichman, 1990; Iraurgi, Martinez-Pampliega, Iriarte, &

Sanz, 2011; Sani, 2004) e a emoção resulta de um processamento cognitivo,

influenciado pela memória e estratégias de copping anteriormente adquiridas por

exposição ao conflito e comportamentos resultantes do mesmo (Crockenberg &

Langrock, 2001).

No processamento secundário, a criança tenta perceber as causas do conflito ter

ocorrido (Grych & Fincham, 1990), o que proporciona uma reflexão para perceber e

atribuir a responsabilidade, tanto a si mesmo ou aos seus progenitores, produzindo, por

fim, uma resposta de copping para enfrentar o conflito.

The Physical Incident Model (Katz, 2016)

Para o Physical Incident Model, o abuso é considerado apenas como episódico,

ou seja, ocorrendo apenas num caso específico de agressão física, onde o agressor

restringe qualquer tentativa dos filhos terem contacto com terceiros e anula tentativas de

vínculo emocional entre mãe e filho. No entanto, segundo Stark (2007) as respostas

atuais à violência doméstica estão a falhar com as mulheres, na medida em que a

definição de violência doméstica toma formatos muito concretos, ou seja, apenas

incidentes/episódios. Pois o Physical incident model apresenta uma visão muito

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simplista da violência doméstica não englobando todos os seus parâmetros, como todos

os comportamentos inerentes ao controle coercitivo.

Esta simplicidade teórica leva, muitas vezes, à incompreensão da vítima, tanto

ao nível da experiência vivida como todas as outras repercussões do pós agressão,

proporcionando a possibilidade do perpetrador repetir mais vezes o acontecimento

(Stark, 2007).

O conceito de controlo coercivo contribui para perceber, na totalidade, este

fenómeno da violência doméstica, sendo um contínuo comportamento não agressivo

onde os perpetradores, normalmente homens, impossibilitam os filhos a passar tempo

com a mãe, visitar avós ou pares, bem como exercer atividades extracurriculares. Este

problema contribui, significativamente, para o dia-a-dia das crianças ao nível

comportamental e emocional perante o ambiente em que vivem (Holt et al., 2008).

Stanley (2011) afirma que as crianças podem ter um papel ativo nos mecanismos

de copping com a violência doméstica, no sentido de fingirem que estão à procura de

ajuda para socorrer a mãe em situações evidentes, onde os filhos têm consciência de

violência física. As crianças têm um papel ativo perante a violência física e não física

(Katz,2016).

Processo de intervenção e avaliação psicológica

O processo de intervenção em Psicologia Forense possui um papel de cariz

fundamental de forma auxiliar os tribunais numa tomada de decisão do ponto de vista

legal, de modo a que as crianças que se encontram expostas a violência interparental

possam encontrar bem-estar emocional e proteção.

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É importante ressalvar que uma avaliação psicológica forense é denominada

como perícia, que se realiza durante um processo jurídico, ou seja, esta avaliação deve

ser requerida pelo tribunal sobretudo em casos de divórcio ou separação (Almeida et al.,

2014).

A avaliação psicológica no contexto da violência interparental tem como

principal objetivo caracterizar as crianças que se encontram expostas a violência

interparental que foram anteriormente encaminhadas pelo sistema de justiça. Por outro

lado, a avaliação psicológica em si define-se como um processo de recolha de dados e

da sua interpretação através de diversos instrumentos de forma a que o psicólogo que se

encontra a fazer a avaliação consiga obter a maior quantidade de informação do

indivíduo que se encontra em avaliação (Wechsler, 1999).

Para que esta avaliação seja realizada com eficiência máxima, o psicólogo que

está a executar deve ter conhecimento geral da problemática e do potencial desta

exposição, ou seja, deve ter potencial para realizar a intervenção perante a mesma. Na

prática, estas medidas estandardizadas e observações devem ser feitas com as crianças e

com as mães (Sani, 2004).

Segundo Chiodi e Wechsler em 2008, não pode haver qualquer tipo de

intervenção neste contexto sem que antes a criança seja alvo de um processo de

avaliação psicológica. Efetivamente, este processo de intervenção pode ocorrer em três

moldes distintos, isto é, tanto pode ocorrer ao nível individual como ao nível grupal ou

então em conjunto, dado sempre preferência ao nível individual e grupal (Peled &

Davis,1995). Deste modo, o apoio ao nível individual é essencial para que as mesmas

possam ter uma atenção mais focada em si devido ao facto de não possuir tantas fontes

de atenção, por outro lado, o apoio ao nível grupal deve ocorrer para que as mesmas

percebam que não são as únicas que se encontram a passar por aquela situação e assim

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possam partilhar os seus medos e receios ou então as suas experiências ao longo do

processo em que se encontram envolvidas.

Caraterização do protocolo de avaliação/processo de intervenção

Este processo de intervenção, segundo Almeida et al (2014), pode ter diversas

fontes ou diferentes metodologias tendo em conta o problema que nós encontramos a

avaliar, assim sendo, devemos inicialmente avaliar o problema global para,

posteriormente, podermos avaliar o grau em que a criança se encontra exposta esta

problemática e o impacto do mesmo, assim depois de avaliarmos a criança podemos

olhar como forma complementar ao funcionamento familiar da família onde a mesma se

insere.

Para que haja um processo de avaliação/intervenção deve ser tido em

consideração o relato das próprias crianças, mas para que haja uma maior fidedignidade

da recolha dos dados devem ser tido em consideração a informação fornecida pelos

progenitores ou qualquer outro indivíduo que as crianças mantenham contacto/relação,

assim o relato do adulto pode ajudar a ampliar ou a diminuir o grau de vitimização da

criança em avaliação (Caprichoso, 2010).

Segundo Sani (2006), um dos primeiros passos que os psicólogos/peritos devem

ter é tentar estabelecer uma história de violência para, posteriormente, conseguir

auxiliar a mesma com toda a serenidade enquanto o processo encontra-se a decorrer.

Posteriormente a esta recolha de história clínica, o psicólogo deve ter os seguintes

cuidados: efetuar uma entrevista de forma sensível, quando aplicar testes psicométricos

devem ser adequados e apropriados aquilo que ele foi relatado e, por fim, deve ter em

atenção o facto de falar com diversas fontes de informação para efetuar a melhor

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avaliação possível da criança, sendo que a mesma deve ser complementada com uma

observação atenta e astuta (Sani, 2006).

Esta avaliação inicial deve ser feita tendo em consideração uma entrevista

semiestruturada, de modo a que o perito possa ter a perceção de aspetos como perceber

como é viver no ambiente de violência e todas as etapas seguintes após se dar início o

processo e, deste modo, perceber aquilo que a criança define como violência, como é

que interpreta a saída do agressor de casa e as emoções que sentiu. Por outro lado,

ocorre igualmente uma entrevista semiestruturada ao agressor/abusador de modo a

conseguirmos avaliar o seu comportamento cognitivo e emocional (Robinson,2007).

Este protocolo deve ser aplicado depois de ocorrerem as instâncias formais ao

nível do controlo social, i.e., Comissão de proteção de crianças e jovens ou então pelos

tribunais (Caprichoso, 2010).

Neste tipo de avaliações, o principal objetivo do perito é conseguir o contacto

com a criança para que se consiga minimizar a sua ansiedade face à situação que se

encontra a decorrer, pois a mesma encontra-se sobre uma elevada pressão emocional

devido ao facto de ser uma vítima. Este contacto deve ser feito tendo em consideração

aspetos genéricos da criança e sobre os seus interesses, utilizando certas estratégias

como desenhos ou jogos, que vai permitir obter uma resposta de uma forma mais eficaz

da parte da criança (Almeida et al., 2014).

Deste modo, após conseguirmos a confiança da criança devemos percecionar o

grau de exposição que ela tem perante aquilo que vivenciou, esta avaliação pode ser

efetuada através do recurso da Escala de Sinalização do Ambiente Natural Infantil

(S.A.N.I.), esta é uma escala que tem como objetivo avaliar o contexto familiar da

criança e identificar o contexto onde ocorre as situações de violência ou não, sendo a

mesma constituída por 30 itens onde são abordadas situações de abuso físico,

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Running Head: “Violência interparental”

psicológico e emocional e a cotação ocorre através de um somatório. De facto, a escala

divide-se em dois momentos de resposta onde podemos perceber a frequência dos

acontecimentos violentos num primeiro momento, enquanto num segundo momento

ocorre a identificação da vítima (Sani, 2003). Por outro lado, podemos recorrer, por

exemplo, a um Inventário de Violência Conjugal (IVC), com o objetivo de percecionar

a taxa de prevalência de diversos atos de abuso emocional exercidos e recebidos (Matos

et al., 2006).

Para melhor compreendermos o grau de impacto da criança à violência, podemos

recorrer a duas escalas que foram testadas e validadas para a população portuguesa por

Sani (2003), Escala de Crenças da Criança sobre a Violência (E.C.C.V.) e pela

Children's Perception of Interparental Conflict Scale.

A Escala de Crenças da Criança sobre Violência é um instrumento que tem

como objetivo a avaliação das crenças das crianças sobre violência, apesar destas

estarem familiarizadas com a situação. Esta possui 32 itens onde os mesmos se

relacionam situações de violência tanto de cariz físico como psicológico. Efetivamente,

esta escala é cotada tendo em atenção somatório com exceção de três itens da “Etiologia

da Violência” que é contada de forma inversa, assim sendo, a pontuação total pode

variar entre 32 e 128, onde quanto maior a pontuação maior o nível de concordância e

de crenças falsas que a criança pode possuir (Sani, 2003).

Por fim, a terceira escala, Children's Perception of Interparental Conflict Scale

(Seid e Fincham, 1992) tem a função de perceber as perceções e interpretações que as

crianças possuem relativamente aos conflitos interparentais, sendo que a mesma foi

desenvolvida tendo em consideração a necessidade existente para que se possa avaliar a

consciência da criança relativamente a um conflito, de facto esta escala é constituída por

48 itens, onde podemos ter uma pontuação máxima de 96 valores (Moura et al., 2010).

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Assim sendo, o perito ao aplicar as respetivas escalas após uma abordagem

através de uma entrevista semiestruturada, deve ter em consideração o grau de

exposição da criança à violência na família (Sani, 2004) e o impacto que a mesma pode

ter no seu dia-a-dia e no seu funcionamento familiar.

Reflexão crítica

Casos de violência interparental, segundo os dados empíricos, são mais

evidentes perante aquilo que as pessoas têm conhecimento. Contudo, apesar dos valores

apresentados, é importante haver uma sensibilização social maior perante os fatores

associados a estes casos, ou seja, não focar apenas nos valores e crenças existentes, mas

igualmente nos fatores/dilemas que estes casos vão intervir nas pessoas em questão.

Quando abordados casos de crianças expostas a violência interparental, os

números mostram-se elevados com uma taxa de 41% (com intervenção de forças

policiais) e com cerca de 60% a 80% de casos em que as crianças assistem a episódios

de agressão. Podemos afirmar que estas crianças são consideradas vítimas desta

violência, pois estão perante um ambiente de abuso emocional que vai,

consequentemente, estimular negativamente através de sentimentos como medo,

introversão, trauma, baixa capacidade de autorregulação e autoestima.

Neste sentido, a família é considerada o agente principal de socialização

primário e fonte de transmissão de valores e comportamentos para a vida destas

crianças, ou seja, violência gera violência e este tipo de comportamento é facilmente

apreendido e replicado.

Dado isto, os fatores de proteção têm um papel fundamental, na medida em que

são considerados ferramentas para ultrapassar os fatores de risco e contribuir para um

desenvolvimento saudável da criança. Contudo, casos como estes não são ultrapassados

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de forma isolada mas sim com auxílio de ajuda psicológica, através de uma avaliação

psicológica individual ou grupal.

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Referências

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Running Head: “Violência interparental”

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