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16/03/2024, 21:29 FAPERJ

Publicado em: 25/01/2024 | Atualizado em: 25/01/2024

Fruto de pesquisa na Fiocruz, e-book aborda o tema do suicídio e autolesão


entre jovens

Paula Guatimosim

Relatório mundial divulgado pelo Fundo


das Nações Unidas para a Infância
(Unicef), em 2021, alerta que quase 46
mil adolescentes morrem por suicídio a
cada ano, sendo essa uma das cinco
principais causas de morte nessa faixa
etária. Em todo o mundo, o
comportamento suicida é a quarta causa
de morte entre jovens de 15 a 29 anos.
Já a autolesão entre adolescentes oscila
bastante entre países (7,3% entre norte-
americanos, 10,1% entre australianos e
55,5% entre espanhóis), talvez devido à
Ilustração do e-book, que foi lançado durante campanha de
falta de consenso sobre conceitos, prevenção
diferença entre os grupos investigados e
aspectos geográficos e socioculturais. Uma pesquisa com adolescentes brasileiros das capitais do
Espírito Santo (Vitória) e de Mato grosso (Campo Grande) revelou que 90% dos entrevistados
afirmaram ter algum colega, amigo ou conhecido que já tenha se machucado de propósito. Apesar
desses dados mundiais alarmantes, apenas 2% dos orçamentos governamentais de saúde são
direcionados para gastos com saúde mental em todo o mundo, segundo o Unicef.

Buscando contribuir de forma efetiva para minimizar o aumento dos casos de suicídio e de
autolesão entre crianças e adolescentes, a psicóloga e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz
Joviana Avanci, que conta com apoio da FAPERJ por meio do Auxílio ao Pesquisador Recém-
Contratado, reuniu dados de anos de pesquisa sobre os efeitos dos diversos tipos de violência
sobre a saúde mental infantojuvenil e lançou o e-book Comportamento Suicida e Autolesão na
Infância e Adolescência. O livro, lançado por ocasião da campanha de prevenção ao suicídio
“Setembro Amarelo”, é destinado a profissionais de saúde, da educação e do Sistema de Garantia
de Direitos da Criança e do Adolescente (em especial a Assistência Social e Conselho Tutelar),
busca responder às duas principais questões sobre o tema: o que leva e o que fazer?

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Na apresentação da obra, Joviana e os demais envolvidos na pesquisa - Simone Gonçalves de


Assis, Adriano da Silva, Aline Ferreira Gonçalves, Nelson de Souza Motta Marriel, Orli Carvalho da
Silva Filho, e Pedro Henrique Sampaio Lopes Tavares - buscam informar e dialogar sobre a
prevenção do comportamento suicida e da autolesão com os profissionais que estão diariamente
envolvidos no cuidado e na atenção a milhares de crianças e adolescentes. O comportamento
suicida e a autolesão são relativamente comuns nas primeiras décadas da vida, em especial na
adolescência. Mas, os pesquisadores destacam que, sem dúvida, a divulgação de informações
seguras é capaz de qualificar intervenções e mudar os rumos desses problemas de saúde mental
ainda nas fases iniciais da vida. Entretanto, alertam que, muitas vezes, os ‘sinais’ são pouco
reconhecidos, especialmente entre as crianças.

“O fato é que o comportamento suicida e a autolesão podem ser prevenidos e evitados. Prevenir
significa tomar qualquer medida que antecipe a ocorrência de um agravo à saúde e, para tanto,
precisamos conhecer o que pode ativar e perpetuar os gatilhos para a ideação, planejamento,
tentativa, suicídio consumado e a autolesão, para se pensar em formas mais precisas de preveni-
los”, esclarece Joviana. Segundo ela, em todo o mundo profissionais e instituições estão voltados a
implementar ações e programas de prevenção desses fenômenos, até mesmo porque ainda hoje
há profissionais que desqualificam o sofrimento.

Segundo a autora, o objetivo do trabalho, inédito no Brasil, é compreender os sentidos, discursos e


práticas de jovens com comportamento suicida e autolesões (que engloba atos de automutilação,
incluindo desde as formas mais leves, como arranhaduras, cortes e mordidas até as mais severas,
como amputação de membros), bem como a percepção e as estratégias elencadas por
profissionais da saúde e da escola na abordagem do tema, priorizando as experiências
disseminadas nas redes sociais virtuais. A proposta é de uma abordagem qualitativa, na busca da
compreensão do comportamento suicida e das autolesões numa perspectiva contextual, na qual a
história de vida, o desenvolvimento humano e a cibercultura são privilegiados.

Coordenadora Geral de Pós-Graduação da Escola Nacional de Saúde Pública e pesquisadora do


Departamento de Estudos sobre Violência e Saúde Jorge Careli da Fundação Oswaldo Cruz
(Claves/ENSP/Fiocruz), Joviana possui doutorado-sanduíche Fiocruz/Cambridge University e
mestrado em Saúde da Mulher e da Criança pelo Instituto Fernandes Figueira, outra unidade da
Fiocruz. Seus estudos sobre violência nas escolas já lhe renderam, em 2011, o Prêmio Jabuti na
categoria Educação.

Ao considerar o conceito de que o suicídio é uma violência autoinfligida, Joviana passou a estudar
como “esse sofrimento tão grande passa a ter como única solução acabar com a própria vida e o
que na sociedade leva a esse sofrimento”. Sua maior preocupação é com a saúde mental de
crianças e adolescentes, em especial após o advento das redes sociais virtuais, onde usuários
podem estimular diversos tipos de violência, entre elas a autolesão e o suicídio. Um grupo
importante, em sua opinião, são as crianças a partir dos 8 anos, uma vez que as famílias e/ou
cuidadores têm dificuldade de identificar se a lesão foi ou não acidental. Além disso, é grande a

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subnotificação de suicídios. “Existe um tabu em relação a


esse comportamento nessa fase da infância. Quando
identificada, impacta muito a família, que costuma ter uma
atitude de negação”, explica a pesquisadora.

Para Joviana, é muito importante a identificação e não


desvalorização dos comportamentos e sinais. Sexo, idade,
cultura e etnia têm implicações importantes na
epidemiologia do suicídio. Vários fatores de risco são
reconhecidamente associados a distintas causas que
interagem entre si, entre os quais problemas médicos,
biológicos, ambientais, psiquiátricos e psicológicos,
filosófico-existenciais e motivações sociais. O estudo
Psicóloga alerta que a família deve estar atenta
para reconhecer as autolesões (Foto: James- considera que as redes sociais virtuais, enquanto espaços
Heilman/Wikpedia) de conexão e interação, propiciam não apenas o
estabelecimento de vínculos, mas a rápida propagação de
informações que podem surtir efeitos diversos e ainda pouco conhecidos. Esses espaços podem
promover a imitação, a manipulação de identidade e a prática da fantasia. Além disso, como a
conectividade no ambiente virtual ocorre em tempo real, mostrando a maneira, o lugar e a hora em
que um usuário utiliza uma lâmina, por exemplo, a autolesão pode se tornar epidêmica.

A pesquisadora ressalta que é relativamente comum o surgimento de ideias suicidas na


adolescência e no início da vida adulta, pois elas fazem parte do desenvolvimento de estratégias
para lidar com problemas como o sentido da vida e da morte. Esse pensamento torna-se um
problema quando passam a ser a única ou a mais importante alternativa. “Por isso é muito
importante que a escola ajude a identificar os sinais e comportamentos, estimulando os jovens a
expressarem suas emoções e sentimentos”, ressalta Joviana. A intensidade desses pensamentos,
sua profundidade, duração, o contexto em que surgem e a impossibilidade de desligar-se deles
são fatores que distinguem um jovem saudável de um que se encontra à margem de uma crise
suicida. A situação é agravada quando surgem sentimentos de baixa autoestima, comuns nesta
fase do desenvolvimento, bem como quadros psiquiátricos

A pesquisa revelou que o comportamento suicida tem origem multifatorial. A natureza dos fatores
de risco inclui desde aspectos genéticos, elementos da história pessoal e familiar, aos fatores
culturais e socioeconômicos, acontecimentos estressantes, traços de personalidade, transtornos
mentais e fatores psicossociais, como o abuso físico ou sexual, perda ou separação dos pais na
infância, instabilidade familiar, isolamento social, desemprego, ansiedade interna, baixa
autoestima, desesperança, labilidade do humor, impulsividade, dentre outros.

O estudo ressalta que é relevante a noção de “suicídio contagioso”, indicando um excessivo


número de suicídios em pequeno intervalo de tempo ou em proximidades geográficas. A imitação
serve como “modelo” para sucessivos suicídios, seja entre pessoas próximas ou mesmo

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decorrente da cobertura da imprensa. Estudos anteriores


comprovam este dado ao analisar seis suicídios e oito
tentativas de suicídio entre pessoas de todas as idades,
ocorridos na cidade de Independência, no Ceará, em 2005.
Os pesquisadores encontraram vinculação entre os quatro
adolescentes que se suicidaram e os quatro que tentaram
suicídio algum tempo depois (eram namorados, irmão ou
amigos). Dentre os fatores que protegem os jovens de
cometer suicídio estão a menor frequência de transtorno
depressivo e de abuso de substâncias, maturidade cognitiva
insuficiente para vivenciar profunda desesperança ou plano
bem elaborado de suicídio, acesso restrito a meios letais,
maior potencial de resiliência e a presença mais comum de
rede social de apoio na família e na escola.
Joviana Avanci: para a pesquisadora da
Fiocruz, o comportamento suicida tem
Já a autolesão pode se apresentar como lesões leves, como origem multifatorial
arranhar a pele com as unhas ou se queimar com pontas de
cigarros; passando por formas moderadas, como cortes superficiais nos braços, ou atingir formas
mais graves como a autoenucleação dos olhos e a autocastração. Outras formas graves
encontradas são a introdução de corpos estranhos no organismo, como agulhas e a amputação
dos lobos das orelhas. Em geral, as áreas atingidas são facilmente ocultas pelas roupas, para que
o comportamento passe despercebido, e incluem braços, coxas e zona abdominal.

A pesquisa ressalta que do ponto de vista do papel da saúde pública, as manifestações de desejo
de se matar devem ser tratadas imediatamente independente de sua frequência, uma vez que a
reincidência é comum, o que exige a busca por causas mais próximas e evitando-se a consumação
do ato. É importante considerar que as fases particularmente mais importantes para se dar atenção
são a adolescência e início da vida adulta e que é possível atuar na prevenção do fenômeno
atuando nos fatores associados, em especial no papel das relações interpessoais próximas e do
contexto social, que exclui, não oferece perspectivas e produz sofrimento. De uma maneira geral,
autores enfatizam a necessidade de que os profissionais estejam capacitados para lidar com
situações que envolvam o comportamento suicida e a autolesão e defendem a aproximação dos
educadores com a família dos jovens para compor uma rede social mais protetora.

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