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Apertam-me a garganta para que eu não grite.

E eu não grito!

Matam-me a criança que em mim ensaia um sorriso.


E eu não sorrio!

Pisam-me os calos para que eu não me alegre.


E eu não me alegro;

Chamam-me de bobo quando faço graça.


E eu não me descontraio.

Fazem-me gracejos quando a dor me dilacera o peito, para que eu não chore.
E eu não choro;

Convencem-me que faz mal sentir saudades.


E eu não sinto saudades;

Ensinam-me que é feio ficar triste.


E eu não me entristeço.

Dizem-me para amar quando sinto ódio.


E eu não odeio.

Cobram-me a competição e o desamor, quando quero apenas amar.


E eu não amo.

Depois, onipotentes, vêm-me falar,


de minha apatia,
de minha impotência,
de minha falta de energia,
de minha insensatez,
de minha frigidez,
de minha insensibilidade.
E como já não mais lhes entendo a linguagem.
E como já não mais faço parte do mundo deles.
E como já não mais percebo a sua realidade.
Rotulam-me de um nome qualquer e me marginalizam em uma das prateleiras da vida.

(José Roberto da Silva Fonseca – Belo Horizonte)

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