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Julio frochtengarten2
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Texto para Aula Inaugural do curso “A Experiência Emocional no Campo Psicanalítico: Teoria e Clínica” (2022-
2023) a ser realizada em 05/08/2023 na SBPSP.
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Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo
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É muito difícil para o psicanalista praticante avaliar seu próprio trabalho. Assim, essa
tentativa de distinguir, ainda que grosseiramente, o modo de abordagem clínica
pode ajudar para pensarmos, refletirmos e avaliarmos nosso trabalho.
O contato com a experiência emocional na sessão não nos brinda com ideias claras
e compreensão direta e globalizante; ao contrário, ele é fonte de angústia para o
analista, uma vez que se perde a camada protetora que a tudo confere sentido e faz
compreender.
Nenhum de nós escapa do hábito de substituir o que não entendemos pelo que
podemos entender, o que traz, na prática, um borramento na divisão que fiz entre
nos servirmos de teorias estabelecidas para decodificar o que se passa na clínica,
ou nos expormos a experiências emocionais, de dimensões infinitas e
incognoscíveis, e ousar formar ideias transitivas – passíveis, portanto de serem
abandonadas – que permitem construir pensamentos, matrizes de novas
teorizações.
relações do paciente com os objetos internos primários e, dessa forma, para ela
experiência emocional equivalia às transferências surgidas nas análises. Pareceu-
nos ir ficando claro, com a leitura nos Seminários, como a questão das emoções
transbordava as referências daqueles autores, rompendo limites previamente
pensados por eles e obrigando-os, e aos seus seguidores, ampliar o exame do que
se passava e o campo no qual pretendiam conduzir o trabalho. Foi por essa razão
que os seguidores de Klein passaram a conceituar e lidar com a noção de
Contratransferência enquanto instrumento para a continuação do trabalho, o que
levou à publicação dos clássicos textos de Paula Heinmann, “Sobre a
contratransferência” (1950); Hanna Segall, ”Contratransferência” (1977); Irma Pick,
“A reelaboração na contratransferência” (1985); Betty Joseph, “Transferência, a
situação total” (1983).
A leitura desses textos foi mostrando como as emoções vividas pelos analisandos
foram se impondo na clínica e tinham que ser levadas em conta, ainda que muitas
vezes o foram como obstáculo ao bom andamento do trabalho clínico, visto como
fundado em resistências e recordações. As emoções do analisando também
atingiam o analista que, naquele momento evolutivo e usando a noção de
contratransferência como ferramenta do trabalho, serviriam para compreender o
analisando, o legítimo foco do trabalho analítico. Ao analista ideal, caberia ficar livre
das emoções, mas o fato é que o campo de trabalho se ampliava. Expressão desta
ampliação, com novas indagações, pudemos encontrar nos textos de Meltzer,
“Desenvolvimento clínico” referentes às obras de Freud, Klein e Bion e em “Além da
consciência”, 1992; em Laertes Ferrão, “Avaliação da interpretação”, 1972.
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Atenção e interpretação, p. 7.
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Com o valor que Bion lhe conferiu, a experiência emocional, como conceito e
prática, passou a envolver funções clássicas da psicanálise: desvendamento do
inconsciente, interpretação de sonhos, interpretação da psicosexualidade, análise
das angústias e defesas.
A análise do analista mostra-se aí, mais outra vez, necessária e indispensável para
ousar pensar e sentir em terreno tão movediço.
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Bion, Seminários na Clínica Tavistok, 1990, p. 62, 2017
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A Grade, Rev. Bras. Psicanál. v.7, n.1, p. 103-29, 1973.
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ousadia em romper o estabelecido. Bion sugere que os dois grupos, separados pelo
espaço de tempo de 500 anos, tomados em conjunto, representam a totalidade do
campo psicanalítico: um grupo de pessoas, com poderosa força emocional, cultural
e religiosa dirigindo-se, aparentemente sem temor, à morte certa; outro grupo, os
ladrões de tumbas, numa demonstração de coragem e esperança de riqueza,
disposto a suplantar os temores que perduravam, mesmo após o espaço de 500
anos. Podemos encarar nossa hierarquia religiosa como descendente espiritual dos
sacerdotes de Ur? Erigiríamos monumentos aos saqueadores das Tumbas Reais
como pioneiros da Ciência, de mentalidade tão científica como nossos cientistas?