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A PROVÍNCIA DA PSICOLOGIA FUNCIONAL i [1]

Professor James Rowland Angell


Universidade de Chicago

A psicologia funcional é, atualmente, pouco mais que um ponto de vista, um


programa, uma ambição. Ela ganha sua vitalidade, talvez, primeiramente como um
protesto contra a exclusiva excelência de um outro ponto de partida para o estudo da
mente. E, por enquanto, desfruta pelo menos do peculiar vigor que comumente se atribui
a alguma espécie de protestantismo em seus estágios iniciais antes dele se tornar
respeitável e ortodoxo. O tempo parece oportuno para tentar uma caracterização um
pouco mais precisa do campo da psicologia funcional do que aquela até agora
oferecida. O que buscamos não é a definição árida e meramente verbal que para muitos
de nós é tão justamente um anátema, mas sim uma apreciação informativa dos motivos e
ideais que animam o psicólogo que persegue esse caminho. Aos olhos do público
psicológico, o status desse psicólogo é desnecessariamente precário. As concepções de
seus propósitos predominantes em círculos não-funcionalistas vão desde uma
incompreensão positiva e dogmática, passando por uma franca mistificação e suspeita,
até uma compreensão moderada. Este fato tampouco é uma expressão de qualquer coisa
peculiarmente obscura e recôndita em suas intenções. É devido em parte aos seus próprios
planos mal definidos, em parte ao seu fracasso em explicar lucidamente exatamente do
que ele trata. Além disso, ele é bastante numeroso, e não é certo que ele e seus confrades
estão em acordo em suas crenças em todos os particulares importantes. As considerações
que são [p. 62] aqui oferecidas sofrem inevitavelmente desta limitação pessoal. Nenhum
conselho psicológico de Trento ainda se pronunciou sobre a verdadeira fé. Mas apesar da
provável falha, parece que vale a pena arriscar uma tentativa de delinear o escopo dos
princípios funcionalistas. Eu renuncio formalmente a qualquer intenção de estabelecer
novos planos. Estou envolvido no que se pode entender como um resumo desapaixonado
das condições atuais.
Seja lá o que ela for, a psicologia funcional não é nada totalmente novo. Em
algumas de suas fases ela é claramente discernível na psicologia de Aristóteles, e em seu
traje mais moderno, ela tem estado cada vez mais em evidência desde que Spencer

i
Tradução parcial do artigo. Original publicado em 1907 na Psychological Review, 14,
pp. 61-91. Republicado em Clássicos da História da Psicologia, uma ferramenta da
internet desenvolvida por Christopher D. Green, Universidade de York, Toronto, Ontário.
escreveu sua Psicologia e Darwin sua Origem das Espécies. De fato, como veremos em
breve, seus problemas cruciais são inevitavelmente incidentais a qualquer tentativa séria
de compreender a vida mental. Tudo o que é peculiar às suas circunstâncias atuais é um
grau de autoconsciência maior do que aquele que possuía antes, um propósito mais
articulado e persistente de organizar suas vagas intenções em métodos e princípios
tangíveis.
Um levantamento da escrita psicológica contemporânea indica, como foi sugerido
no parágrafo precedente, que a tarefa da psicologia funcional é interpretada de várias
maneiras diferentes. Além disso, parece possível advogar uma ou mais dessas
concepções, ao mesmo tempo em que acalentamos repugnância pelas outras. Eu distingo
três formas principais do problema funcional com diversas variantes
subordinadas. Debruçar-se sobre estas, por um momento, contribuirá para o
esclarecimento da situação geral, após o que proponho sustentar que elas são
substancialmente apenas modificações de um único problema.

Deve-se mencionar primeiro a noção que deriva mais imediatamente do contraste


com os ideais e propósitos da chamada psicologia estrutural. [2] Isso envolve a
identificação da psicologia funcional com o esforço de discernir e retratar as [p. 63]
operações típicas de consciência sob condições reais da vida, ao contrário da tentativa de
analisar e descrever seus conteúdos elementares e complexos. A psicologia estrutural da
sensação, por exemplo, compromete-se a determinar o número e o caráter dos vários
materiais sensoriais não analisáveis, como as variedades de cores, tons, sabores, etc. A
psicologia funcional da sensação, por outro lado, encontra a sua apropriada esfera de
interesse na determinação do caráter das várias atividades sensitivas que diferem em seu
modus operandi umas das outras, e de outros processos mentais como julgar, conceber,
querer e afins.
Em sua forma mais antiga e difundida, a psicologia funcional até tempos muito
recentes não tinha uma existência independente. A psicologia estrutural tampouco, na
realidade. Apenas recentemente existiu algum motivo para a diferenciação das duas, e a
psicologia estrutural – confirmando rapidamente suas reivindicações e pretensões - é a
primeira, digamos, a se isolar. Mas, enquanto psicologia funcional for tomada como
sinônimo de descrições e teorias da ação mental como diferentes dos materiais da
constituição mental, ela é conspícua em toda parte na literatura psicológica desde os
primeiros tempos.
Suas posses intelectuais fundamentais são frequentemente reveladas pelas
classificações do processo mental adotadas de tempos em tempos. Testemunhe a divisão
bipartida aristotélica do intelecto e da vontade, e a moderna divisão tripartida das
atividades mentais. O que são cognição, sentimento e vontade além de três modos
basicamente distintos de ação mental? É certo que essa classificação frequentemente
carregou consigo a afirmação, ou pelo menos a implicação, de que esses atributos
fundamentais da vida mental se baseavam na presença na mente de elementos mentais
correspondentes e, em última análise, distintos. Mas, no que diz respeito ao nosso
interesse momentâneo, esse fato é irrelevante. A consideração impressionante é que a
noção de formas definidas e distintas de ação mental está claramente em evidência, e até
mesmo a muito explorada psicologia das faculdades está, neste ponto, perfeitamente sã e
perfeitamente lúcida. A menção desse alvo clássico de vituperação psicológica lembra o
fato de que, quando os críticos do funcionalismo desejam ser [p. 64] particularmente
desagradáveis, eles se referem a ele como um filho bastardo da psicologia das faculdades
disfarçado de plumagem biológica.
Deve ser óbvio para qualquer pessoa familiarizada com os costumes psicológicos
do presente que, no intento da distinção aqui descrita, certas de nossas categorias
psicológicas familiares são principalmente estruturais - como, por exemplo, afeto e
imagem - enquanto outras sugerem imediatamente relações funcionais mais explícitas -
por exemplo, atenção e raciocínio. De fato, parece claro que, desde que adotemos esses
significados dos termos estrutural e funcional, todo evento mental pode ser tratado de
ambos os pontos de vista, da descrição de seus conteúdos detectáveis e da atividade
mental característica distinguível de outras formas de processo mental. Na prática dos
nossos escritores psicológicos familiares, ambos os empreendimentos são de alguma
forma indiscriminadamente combinados.
As concepções mais extremas e ingênuas da psicologia estrutural parecem ter
crescido de uma indulgência irrestrita no que podemos chamar de doutrina dos “estados
de consciência”. Eu entendo que isso é, na realidade, a versão contemporânea da "ideia"
de Locke. Se você adotar como seu material para análise psicológica o “momento da
consciência” isolado, é muito fácil ser absorvido na determinação de sua constituição a
ponto de tornar-se desatento ao seu caráter artificial. A contenda mais essencial que o
funcionalista tem com o estruturalismo em sua forma completa e consistente surge deste
fato, e toca a viabilidade e o valor do esforço para chegar ao processo mental tal como
ele é sob as condições da experiência real, ao invés de como ele aparece para uma mera
análise post-mortem. Obviamente, é verdade que, para fins introspectivos nós devemos
de certa forma trabalhar sempre com representantes vicários dos processos mentais
particulares que nos propusemos a observar. Mas, faz uma grande diferença, mesmo
nesses termos, se alguém está dirigindo atenção principalmente à descoberta da maneira
pela qual tal processo mental opera, e quais são as condições sob as quais ele aparece, ou
se alguém está engajado simplesmente em separar as fibras de seus tecidos. Esta última
ocupação é útil e, para certos fins, essencial, mas muitas vezes é interrompida antes [p. 65]
daquilo que é como fenômeno da vida o mais essencial, ou seja, o modus operandi do
fenômeno.
De fato, muitas investigações modernas de tipo experimental dispensam a típica
forma direta de introspecção e se preocupam, em um espírito distintamente funcionalista,
com a determinação de qual trabalho é realizado e quais são as condições sob as quais ele
é alcançado. Muitos experimentos em memória e associação, por exemplo, são
manifestamente desse caráter.
O funcionalista está comprometido por princípio com a evitação daquela forma
especial de falácia do psicólogo que consiste em, sem a devida garantia, atribuir aos
estados mentais, como parte de sua constituição aberta no momento da experiência,
características que a análise reflexiva subsequente nos leva a supor que eles devem ter
possuído. Quando esta precaução não é escrupulosamente observada, obtemos uma
espécie de psicologia de patê de foie gras, na qual as condições mentais retratadas contêm
mais do que jamais teriam ou poderiam conter naturalmente.
Deve-se acrescentar que, quando é feita a distinção entre estrutura psíquica e
função psíquica, a posição anômala da estrutura como uma categoria da mente é muitas
vezes bastante esquecida. Na vida mental, a única adequação do termo estrutura depende
do fato de que qualquer momento da consciência pode ser considerado como um
complexo passível de análise, e os termos nos quais nossas análises dissolvem tais
complexos são os análogos - obviamente muito escassos e defeituosos para tais fins - das
estruturas da anatomia e da morfologia.
O fato de que os conteúdos mentais são evanescentes e efêmeros os distingue de
maneira importante dos elementos relativamente permanentes da anatomia. Não importa
o quanto possamos falar da preservação de disposições psíquicas, nem quantas metáforas
possamos invocar para caracterizar o armazenamento de ideias em alguma câmara de
depósito hipotética da memória, permanece o fato obstinado de que, quando não estamos
experimentando uma sensação ou uma ideia, estritamente falando, ela é não-
existente. Além disso, quando nós conseguimos por um artifício ou outro guardar aquilo
que designamos como a mesma sensação ou a mesma ideia, nós não apenas não temos
garantia de que nossa segunda edição é realmente uma réplica da [p. 66] primeira, mas
temos uma boa evidência presuntiva de que, do ponto de vista do conteúdo, o original
nunca é e nunca pode ser literalmente duplicado.
As funções, por outro lado, persistem tanto na vida mental quanto na
física. Podemos nunca ter duas vezes exatamente a mesma ideia vista da perspectiva da
estrutura e composição sensuais. Mas, parece que nada impede que tenhamos tantas vezes
quanto quisermos conteúdos da consciência que significam a mesma coisa. Eles
funcionam da mesma maneira prática, por mais discrepantes que sejam suas texturas
momentâneas. A situação é grosseiramente análoga ao caso biológico em que estruturas
muito diferentes sob condições diferentes podem ser convocadas a realizar funções
idênticas. E o assunto naturalmente remonta à sua analogia mais antiga com o caso do
protoplasma, em que as funções parecem muito provisoriamente e imperfeitamente
diferenciadas. Assim, não apenas funções gerais como a memória são persistentes, mas
funções especiais, como a memória de eventos específicos, são persistentes e amplamente
independentes dos conteúdos conscientes específicos solicitados de tempos em tempos
para servir às funções.
Quando os psicólogos estruturais definem seu campo como aquele do processo
mental, eles realmente tentam alcançar sob um nome fictício o campo da função, de forma
que eu devo estar disposto a alegar, sem medo e com uma consciência clara, que grande
parte da doutrina dos psicólogos de propensões nominalmente estruturas é de fato
precisamente o que quero dizer por uma parte essencial da psicologia funcional, isto é,
um exame de operações psíquicas. Certos expoentes oficiais do estruturalismo
reivindicam explicitamente isso como seu campo, e o fazem com um floreio de retidão
científica. Há, portanto, um pequeno, porém nutritivo núcleo de concordância na maçã da
discórdia da estrutura-função. Por esta razão, assim como porque considero
extremamente útil a análise da vida mental em suas formas elementares, eu observo muito
do trabalho real dos meus amigos estruturalistas com o maior respeito e confiança. Sinto,
no entanto, que quando eles usam o termo estrutural em oposição ao termo funcional para
designar seu credo científico, eles frequentemente se aproximam perigosamente de usar
as cores do inimigo.
Substancialmente idêntica a esta primeira concepção de psicologia funcional
[p. 67], mas expressando-se a si mesma de forma um pouco diferente, está a visão que
considera o problema funcional como aquele relacionado a descobrir como e por quê
processos conscientes são o que são, ao invés de permanecer, como o estruturalista deve
fazer, com o problema de determinar os elementos irredutíveis da consciência e seus
modos característicos de combinação. Eu defendi em outro lugar a visão de que seja lá
como for em outras ciências que lidam com os fenômenos da vida, ao menos na psicologia
a resposta à pergunta “o quê” implica a resposta às perguntas “como” e “por quê”. [3]
Dito de forma breve, o terreno em que esta posição se assenta é o seguinte: na
medida em que você tenta analisar qualquer estado particular de consciência, você
descobre que os elementos mentais apresentados à sua atenção são dependentes das
exigências e condições particulares que os chamam. Não apenas a coloração afetiva de
um tal momento psíquico depende da condição temporária, humor e objetivos de alguém,
mas as próprias sensações são elas mesmas determinadas em sua textura qualitativa pela
totalidade das circunstâncias subjetivas e objetivas nas quais elas surgem. Você não pode
obter uma sensação fixa e definitiva de cor, por exemplo, sem manter perfeitamente
constantes as condições externas e internas em que ela aparece. A qualidade sensível
particular é, em suma, funcionalmente determinada pelas necessidades da situação
existente que ela vem para encontrar. Se você, portanto, perguntar profundamente o
suficiente qual sensação particular você tem em um determinado caso, você sempre
achará necessário dar conta da maneira pela qual, e das razões pelas quais ela sequer foi
experimentada. Você pode, é claro, se quiser, abstrair dessas considerações, mas, na
medida em que o faz, sua análise e descrição são manifestamente parciais e
incompletas. Além disso, mesmo quando você o faz, abstrai e tenta descrever certas
qualidades sensoriais isoláveis, suas descrições são necessariamente expressas em termos
não da própria qualidade experimentada, mas em termos das condições que a produziram,
em termos de alguma outra qualidade com a qual é comparada, ou em termos de algum
ato mais aberto ao qual a estimulação sensorial conduziu. Ou seja, a própria [p. 68]
descrição é em si funcionalista, e deve ser. A verdade dessa asserção pode ser ilustrada e
testada recorrendo a qualquer situação em que se esteja tentando reduzir complexos
sensoriais, como cores ou sons, a seus componentes rudimentares.
II

Uma visão mais ampla e mais frequentemente característica dos escritores


contemporâneos nos encontra na próxima concepção sobre a tarefa da psicologia
funcional. Essa concepção é, em parte, um reflexo do interesse predominante nas
fórmulas mais abrangentes da biologia, e particularmente nas hipóteses evolutivas dentro
de cujo majestoso circuito é hoje em dia incluída a história de todo o universo estelar. Em
parte, ecoa o mesmo chamado filosófico à vida nova que foi ouvido como pragmatismo,
como humanismo, e mesmo como o próprio funcionalismo. Eu não gostaria de
comprometer nenhuma das partes afirmando que a psicologia funcional e o pragmatismo
são, em última análise, um. De fato, como psicólogo eu hesitaria em trazer sobre mim
mesmo a avalanche de invectiva metafísica que foi desatada pelos escritores
pragmáticos. É certo que o pragmatismo matou seus milhares, mas eu devo cultivar algum
ceticismo quanto a se a psicologia funcional mataria ainda mais rapidamente suas dezenas
de milhares anunciando uma aliança ofensiva e defensiva com o pragmatismo. De
qualquer forma, apenas sustento que os dois movimentos brotam de motivação lógica
semelhante, e confiam sua vitalidade e propagação em forças fortemente irmãs uma da
outra.
O psicólogo funcional, então, em seu traje moderno, não está interessado apenas
nas operações do processo mental consideradas meramente em, por e para si mesmo, mas
também e mais vigorosamente na atividade mental como parte de um fluxo maior de
forças biológicas que estão diariamente e a cada hora trabalhando diante dos nossos olhos,
e que são constitutivas da parte mais importante e absorvente do nosso mundo. O
psicólogo dessa estirpe provavelmente pegará a deixa dada pela concepção basal do
movimento evolucionário, ou seja, de que em grande parte as estruturas e funções
orgânicas possuem suas características presentes em virtude da eficiência com a qual elas
se enquadram nas condições extensas da vida designadas amplamente como
ambiente. Com essa concepção em mente, ele [p. 69] passa a tentar compreender a
maneira pela qual o psíquico contribui para o avanço da soma total de atividades
orgânicas, não apenas o psíquico em sua totalidade, mas especialmente o psíquico em
suas particularidades – mente como julgamento, mente como sentimento, etc..
Este é o ponto de vista que deixa o psicólogo instantaneamente lado a lado com o
biólogo geral. É o pressuposto de toda filosofia, exceto a do franco materialismo
ontológico, que a mente desempenha um papel estelar em todas as adaptações ambientais
dos animais que a possuem. Mas essa persuasão geralmente ocupava a posição de um
truísmo inócuo ou, na melhor das hipóteses, de um postulado insípido, e não a de um
problema que exige ou permite um tratamento científico sério. Em todo caso, isso era
verdade anteriormente.
Essa atitude mais antiga e mais complacente em relação ao assunto está sendo, no
entanto, rapidamente deslocada por uma convicção da necessidade de esclarecer o caráter
exato do serviço de acomodação representado pelos vários grandes modos de expressão
consciente. Tal esforço, se bem-sucedido, não apenas ampliaria os fundamentos para a
apreciação biológica da natureza íntima do processo de acomodação, mas também
aumentaria imensamente o interesse do psicólogo no retrato exato da vida consciente. É
claro que, do nosso ponto de vista, é a última consideração a que dá importância ao
assunto. Além disso, não são poucas as valorosas consequências práticas que podem ser
esperadas dessa tentativa, se ela atingir ainda que seja um grau mensurável de sucesso. A
pedagogia e a higiene mental, ambas esperam o conselho rápido e orientador que só pode
vir de uma psicologia desse tipo. Para seus propósitos, uma psicologia estritamente
estrutural é tão estéril em teoria quanto professores e psiquiatras encontraram na prática.
Como exemplo concreto da transferência de atenção das fases mais gerais da
consciência como atividade de acomodação às características particulares do caso, pode
ser mencionado o rejuvenescimento do interesse no campo quase-biológico que
designamos como psicologia animal. Este movimento está certamente entre os mais
férteis com os quais nos encontramos em nossa própria geração. Seus problemas não são
em nenhum sentido do tipo meramente [p. 70] teórico e especulativo, embora, como todo
empreendimento científico, ele possua um background intelectual e metodológico no qual
tais problemas pairam. Mas, a fronteira sobre a qual está avançando suas explorações é
uma região de fatos concretos e definidos, emaranhada e confusa e muitas vezes de difícil
acesso, mas uma região de fatos, acessível, como todos os outros fatos, à interrogação
persistente e inteligente.
Que muitas das pesquisas mais frutíferas nesse campo foram conquistas de
homens nominalmente biólogos, e não psicólogos, de maneira alguma afeta os méritos
do caso. Uma situação semelhante existe na psicologia experimental da sensação, onde
não pouco do melhor trabalho foi realizado por cientistas não conhecidos principalmente
como psicólogos.
Não parece difícil dizer que as concepções empíricas sobre a consciência dos
animais inferiores sofreram uma alteração radical nos últimos anos em virtude dos
estudos em psicologia comparada. As esplêndidas investigações do mecanismo do
instinto, dos fatos e métodos da orientação animal, do escopo e caráter dos diversos
processos sensoriais, das aptidões da educação e o alcance das capacidades de
acomodação seletivas no reino animal, esses e dezenas de outros problemas semelhantes
receberam pela primeira vez drástico exame científico, de caráter experimental sempre
que possível, observacional em alguns lugares, mas observacional no espírito do não-
antropomorfismo conservador, como observações anteriores quase nunca foram. Na
maioria dos casos eles certamente apenas mostraram o caminho para conhecimentos mais
avançados e precisos, embora haja pouca dúvida de que a trilha que eles abriram encontra
o sucesso no seu final mais distante.
Pode-se falar de forma quase igualmente esperançosa da psicologia genética
humana que se desenvolveu tão lucrativamente em nosso próprio país. Como tantas vezes
na psicologia, o grande desiderato aqui é a compilação de métodos adequados que
assegurem resultados científicos realmente estáveis. Mas, nossa teoria psicológica geral
já foi vitalizada e ampliada pelos resultados dos métodos genéticos até então
elaborados. Esses estudos enfatizam constantemente para nós a necessidade de assumir a
visão longitudinal dos fenômenos da vida, ao invés da transversal [p. 71], e eles mantêm
imediatamente em nosso campo de visão o significado básico do crescimento no processo
mental. Em nenhum lugar a diferença é mais flagrante entre uma psicologia funcional e
o tipo mais literal de psicologia estrutural. Basta comparar com os melhores estudos
contemporâneos alguns dos trabalhos pioneiros neste campo, concebido da maneira mais
estática e estruturalista, como era o caso de Preyer, para sentir de uma só vez a diferença
e o significado imensamente maior emitido pelas descrições funcionais e longitudinais,
tanto para a teoria quanto para a prática.
As afirmações que nos permitimos sobre psicologia genética são igualmente
aplicáveis à psicologia patológica. A técnica de investigação científica é, naturalmente,
frequentemente diferente neste campo de trabalho em relação àquela característica dos
demais campos da pesquisa psicológica. Mas, a atitude do investigador é distintamente
funcionalista. Seu enfoque é de um tipo absolutamente vital e geralmente prático,
levando-o a enfatizar precisamente as considerações que nossa análise dos principais
aspectos da psicologia funcional revela como o objetivo de suas ambições peculiares.
Não é meu propósito submergir por puro esforço a individualidade desses vários
interesses científicos mencionados em uma personalidade reinante de uma psicologia
funcional. Mas, eu estou firmemente convencido de que o espírito que lhes dá nascimento
é o espírito que, nos domínios da teoria psicológica geral, leva o nome de
funcionalismo. Acredito, portanto, que seu destino final é certo, ainda que eu não deseje
acelerar o seu translado contra sua vontade, nem lhes infligir um rótulo que possam achar
odioso.
Deve-se dizer de passagem, no entanto, que mesmo do lado da teoria geral e das
concepções metodológicas, desenvolvimentos recentes foram frutíferos e
significativos. Um deles, pelo menos, merece menção.
Atualmente, encontramos psicólogos e biólogos que tratam a consciência como
substancialmente sinônima de reações adaptativas a novas situações. Nos escritos de
autoridades anteriores, implica-se muitas vezes que atividades de acomodação podem ser
puramente fisiológicas e não-psíquicas em caráter. Deste [p. 72] ponto de vista, o ato de
acomodação de tipo mental sobrevive em certas ocasiões e em certos estágios do
desenvolvimento orgânico, mas ele não é uma característica indispensável do processo
de acomodação. [4]
Parece um pouco estranho, quando se considera por quanto tempo a concepção
fundamental envolvida nesta teoria tem sido uma doutrina psicológica familiar e aceita,
que sua completa implicação tivesse que ser tão relutantemente reconhecida. [5] Quando
se assume a posição agora sustentada por todos os psicólogos de renome, até onde eu sei,
de que a consciência está constantemente trabalhando para criar hábitos a partir de
coordenações imperfeitamente sob controle, e que tão rapidamente quanto o controle é
ganho a direção da mente tende a diminuir e dar lugar a uma condição que se aproxima
do automatismo fisiológico, se está a apenas um passo de levar adiante a inferência de
que a consciência considerada imanentemente é per se uma acomodação ao novo. Se os
processos conscientes foram os precursores do nosso equipamento instintivo presente,
depende dos fatos da hereditariedade, sobre os quais um leigo dificilmente pode falar.
Mas, muitos de nossos líderes respondem fortemente de forma afirmativa, e essa resposta
evidentemente harmoniza com a visão geral agora em discussão.
É claro que a afirmação adicional de que nenhuma acomodação orgânica real ao
novo jamais ocorre, salvo numa forma que envolva consciência, requer para sua
fundamentação uma ampla gama de observações e uma análise penetrante dos vários
critérios de mentalidade. Mas, essa é certamente uma crença comum entre biólogos
hoje. A variação seletiva da resposta à estimulação é o sinal externo comum indicativo da
ação consciente. Em outras palavras, a consciência revela a forma assumida pelo processo
de acomodação primário.
[p. 73] Talvez seja natural que a disposição frequente do psicólogo funcional de
ansiar pelos benefícios da biologia acenda o fogo daqueles consagrados à causa de uma
pura psicologia e filosofia libertada da influência contaminadora das ciências naturais. De
fato, os alarmes foram tocados repetidamente, e os fiéis chamados a subjugar o
motim. Mas, o objetivo do psicólogo funcional nunca foi, até onde eu saiba, afundar o
ofício psicológico para o benefício da biologia. Muito pelo contrário. A psicologia
continua a conduzir o seu próprio rumo tranquilo, pelo menos por um tempo. Ela está no
máximo pegando emprestado uma bússola bem testada que a biologia está disposta a
emprestar e, com a ajuda dela, espera aportar mais rápida e seguramente. Se em uso ela
se mostrar traiçoeira e pouco confiável, ela certamente será lançada ao mar.
Esse amplo ideal biológico da psicologia funcional de que falamos pode ser
formulado com uma ligeira mudança de ênfase, conectando-o ao problema de descobrir
as utilidades fundamentais da consciência. Se o processo mental é de real valor para o seu
possuidor na vida e no mundo que conhecemos, isto deve dar-se em virtude de algo que
ele faz, e que de outra forma não é alcançado. Agora, a vida e o mundo são complexos, e
parece totalmente improvável que a consciência devesse expressar sua utilidade de uma
e apenas uma maneira. De fato, toda indicação que vem à superfície aponta na outra
direção. Pode até ser possível falar da mente como algo que contribui em geral ao ajuste
orgânico ao ambiente meramente como uma força de expressão. Mas, as contribuições
reais ocorrerão de várias maneiras e por múltiplas variedades de processos conscientes. O
problema do funcionalista, então, é determinar, se possível, os grandes tipos desses
processos, na medida em que as utilidades que eles apresentam se prestam à classificação.
A busca pelos vários aspectos utilitários do processo mental é ao mesmo tempo
sugestiva e decepcionante. Ela é, por um lado, esclarecedora, em virtude da forte ajuda
oferecida às semelhanças fundamentais de processos muitas vezes indevidamente
separados na análise psicológica. Memória e imaginação, por exemplo, são
frequentemente tratadas de maneira a enfatizar suas divergências, quase ao ponto da
exclusão de suas similaridades funcionais [p. 74]. Elas são, obviamente, senão variantes
funcionais de um único e basal tipo de controle. Um estruturalismo austero em particular
é inevitavelmente disposto a ampliar as diferenças e, consequentemente, sob suas mãos,
a vida mental tende a desmoronar. E, quando reunida novamente, geralmente parece ter
perdido algo de sua verve e vivacidade. Ela se mostra dura e rígida, como um
cadáver. Falta-lhe a centelha vital. O funcionalismo tende, tão inevitavelmente quanto, a
reunir os fenômenos mentais, a mostrá-los focalizados no serviço vital real. O profissional
psicólogo, calejado por um longo aprendizado, pode não sentir que essa distinção seja
cientificamente importante. Mas, para o jovem estudante, a ênfase funcionalista na
comunidade funcional é de imenso valor para esclarecer as complexidades da organização
mental. Por outro lado, a busca de que estávamos falando é decepcionante, talvez, pela
escassez de modos básicos em que essas utilidades conscientes são realizadas.
[...]

III

A terceira concepção que distingo é na prática frequentemente mesclada com a


segunda, mas ela envolve uma ênfase em um problema talvez logicamente anterior ao
problema levantado lá e, portanto, merece uma menção separada. Muitas vezes é alegado
que a psicologia funcional é na realidade uma forma de psicofísica. É certo que seus
objetivos e ideais não são explicitamente quantitativos, da forma característica como
comumente se entende esta ciência. Mas, ela tem grande interesse em determinar as
relações entre as porções físicas e mentais do organismo.
[...]

IV

Se agora reunirmos as várias concepções mencionadas, será fácil mostra-las


convergindo para um ponto comum. Temos que considerar (1) o funcionalismo
concebido como a psicologia das operações mentais, em contraste com a psicologia dos
elementos mentais. Ou, dito de outra forma, a psicologia do como e por que da
consciência, distinta da psicologia do o que da consciência. Temos (2) o funcionalismo
que lida com o problema da mente concebida como primariamente envolvida na mediação
entre o meio ambiente e as necessidades do organismo. Essa é a psicologia das utilidades
fundamentais da consciência. (3) E, [p. 86] por fim, temos o funcionalismo descrito como
psicologia psicofísica, isto é, a psicologia que constantemente reconhece e insiste no
significado essencial da relação mente-corpo para qualquer apreciação justa e abrangente
da própria vida mental.
[...]
[p. 87] E se for objetado que tal investigação, por mais interessante e vantajosa
que seja, pelo menos não é psicologia, o funcionalista só pode responder: a psicologia é
o que fazemos dela, e se o entendimento correto dos fenômenos mentais envolve nosso
aprofundamento em regiões que não são à primeira vista propriamente mentais, o que
impede isso, desde que não sejamos culpados de procedimentos inverificáveis e indignos
de confiança, e que voltemos carregados com o espólio pelo qual partimos, e por meio do
qual podemos resolver melhor o nosso problema?
[...]
Em vista das considerações dos últimos parágrafos, não parece fantasioso nem
forçado insistir que essas várias teorias do problema da psicologia funcional realmente
convergem uma sobre a outra, por mais divergentes que sejam as investigações
introdutórias peculiares a cada um dos vários ideais. Possivelmente a concepção de que
o problema fundamental do funcionalista é o de determinar exatamente como a mente
participa das reações de acomodação é mais inclusivo do que qualquer um dos outros e,
portanto, pode ser escolhido para representar o grupo. Mas, se esse dever vicário é
atribuído a ele, deve ser nos claros termos da lembrança de que as outras fases do
problema são igualmente reais e igualmente necessárias. De fato, as três coisas estão
juntas como partes integrantes de um programa comum.
[...]
Um mérito incidental do programa funcionalista merece uma menção
passageira. É esse o único método de abordagem do problema com o qual estou
familiarizado que oferece uma abordagem razoável e convincente do surgimento da
consciência reflexiva e seu significado, como manifestado nas várias disciplinas
filosóficas. Do ponto estratégico da posição funcionalista, a lógica e a ética, por exemplo,
não são mais meros itens desconectados no mundo da mente. Elas tomam o seu lugar
junto a toda inevitabilidade da organização orgânica no sistema geral de controle, que
requer para a expressão de seu significado imanente como psíquico, uma justificação
teórica de seus próprios princípios internos, seus modos de procedimento e seus
resultados. [12] De qualquer outro ponto de vista, até onde sei, as várias divisões da
investigação filosófica sustentam entre si relações que são quase puramente externas e
acidentais. Para o funcionalista, por outro lado, elas são e devem ser na natureza do caso
consanguíneas e vitalmente conectadas. É no ponto em que, por exemplo, o bom, o belo
e o verdadeiro têm relação com a eficácia da atividade de acomodação que as questões
das ciências filosóficas normativas se tornam relevantes. Se uma boa ação não tiver
significado para o enriquecimento e a ampliação da vida, e igualmente no que se refere à
beleza e à verdade, a afirmação que exorto é fútil. Mas, atualmente não é comumente
sustentado que este seja o caso.

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