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A UNIDADE DA PSICOLOGIA, por Daniel Lagache

 Introdução
As diversas formas de psicologias – no plural – complicam a definição de
uma unidade da psicologia. Lagache, porém, visava (contra a medicina) a sua
unidade, em oposição a inúmeros psicólogos tais quais Jean Stoetzel e François
Bresson.
Segundo Daniel Lagache, Kurt Lewin apresentou um conceito razoável para
explicar o campo psicológico, explicando-o como o campo das interações entre
organismo e meio, sendo essas interações o objeto da psicologia. Diante do
instável campo psicológico que sofre influências do ambiente, é possível avaliar o
comportamento humano como uma reação às mudanças do meio. É importante
ressaltar também, que embora o sujeito se comporte em conformidade com o
meio, as variações ambientais são, também, conseqüências de seus atos
individuais e só não haveria relação com eles se observássemos apenas a
mudança ambiental em si, desconsiderando o conjunto.
Talvez seja possível fazer uma correlação entre a opinião do autor e uma
famosa citação de Veronica Shoffstall: “[...]as circunstâncias e os ambientes têm
influência sobre nós, mas nós somos os responsáveis por nós mesmos”. Lagache
concorda com essa afirmação quando considera que os indivíduos têm uma
subjetividade própria, a qual faz com que percebam o meio de uma forma pessoal
e reajam singularmente, embora o ambiente exerça sobre eles uma influência.
Evidentemente, esta é uma proposição verdadeira. As pessoas apercebem-
se daquilo o que desejam perceber; selecionam/escolhem suas percepções, as
quais levam à necessidade de condutas por eles desejáveis. Obviamente, no
entanto, é possível classificá-las e diferenciá-las, delimitando os campos
abrangidos pelas psicologias. Ainda assim, é difícil, segundo o autor, não
relacioná-las a uma unidade.
Partindo deste princípio, mesmo as ações que modificam o meio material
são capazes de modificar o próprio ser vivo de algum modo. Ou seja, há uma
inevitável relação entre homem-meio e entre figura-fundo. Da mesma forma,
baseado em René Spitz, corpo e mente estão associados de uma maneira muito
intensa, tanto que as emoções estão sempre acompanhadas de uma sensação ou
perturbação física – mas nem sempre biológica.
Voltando à questão do meio, pode-se dizer que, de certa forma, os objetos
(parte de um todo que é o entorno) servem de estímulos às condutas humanas.
Concluímos, portanto, que, para o psicólogo em questão, o meio e os elementos
que o compõe são condições de possibilidade para a vida e para a sobrevivência
dos seres. Conseqüência disso é que nossa ação sobre os objetos nos transporta
ao domínio da comunicação e da semiótica.
A palavra dita é quase que inconscientemente escolhida no pensamento e a
linguagem possuída por nós, seres racionais, é pela qual nos importamos com o
que pensam e sentem em relação a nossa pessoa e pela qual conduzimos nossos
comportamentos, através de rituais e as superstições, por exemplo.
Quanto à vida mental, por sua vez, para Lagache esta repousa sobre
estruturas biológicas extraconscientes e sobre estruturas adquiridas pré-
consciente e inconscientemente. Assim, pode-se concluir que de fato ele buscava
uma unidade à psicologia, envolvendo conceitos variados desde a psicologia
clássica até mesmo a inclusão de alguns conceitos psicanalíticos.
Porém, a questão da psicanálise é mais polêmica. Segundo Lagache, não é
que a psicanálise seja uma má-ciência, mas é diferenciada da psicologia,
envolvendo conceitos além daqueles aprofundados pela psicologia clínica, e que
possui até mesmo origens diferentes, já que proveniente da medicina e da
psicopatologia.

 Naturalismo e humanismo
A Psicologia já se encontra diante o dilema ciência da natureza e ciência
humana há muito tempo. É a partir daí que se definem o naturalismo e o
humanismo dentro do campo psicológico; são pontos de vista distintos de
conceber os fatos psicológicos e acerca da relação do todo com as partes.
O naturalismo trata os fatos psicológicos como coisas, eliminando a
consciência e tendo como objeto a conduta, externa e materialmente observada.
Dessa forma, encontra-se mais ao lado da tradição no aspecto de admitir leis
elementares, reduzindo os fenômenos a componentes mais simples e limitados.
Além disso, o naturalismo rejeita as noções de finalidade e valores devido a
subjetividade que implicam, já que detém apenas a questão orgânica.
O humanismo, em contrapartida, admite os fatos psicológicos como
consciências fundamentais, experiências singulares vividas ou expressões
particulares, de modo que o objeto da psicologia humanista não seja a conduta
humana, e sim a existência vivida pelo indivíduo. Os humanistas tendem a
perceber o conjunto como plano de todo o elemento, valorizando múltiplos fatores
qualitativamente e sendo eles, também, introspectivos, intuitivos, artísticos e
subjetivos. Ao contrário dos naturalistas, os humanistas apóiam-se não em leis da
natureza, mas em tipos/relações ideais para compreender ao invés de explicar.
É possível constatar, até este ponto do relatório sobre o texto A Unidade da
Psicologia, que Lagache mostra, primeiramente, as dicotomias presentes na
existência da psicologia, porém mesmo essas contrariedades se relacionam. É o
que diz no seguinte trecho:

“Desde modo, a confusão diminui, mas não desaparece; o rigor dos pontos de
oposição fica comprometido pela sobreposição das escolas e doutrinas. Na
verdade, o próprio naturalismo e o próprio humanismo só implicam uma atitude
geral e apresentam conceitos móveis, quando se pretende consignar-lhes
posições específicas.”

Logo, a tendência humanista não deixa de ser uma reação à naturalista,


mas a busca pela verdade acarretou uma sobreposição de idéias entre ambas as
visões, de modo que persista ainda a dicotomia, mas haja, ao mesmo tempo, uma
associação de grande importância entre as concepções.

 Psicologia experimental e clínica


O naturalismo e o humanismo acima citados se defrontam na abordagem
dos problemas psicológicos pelos experimentalistas e clínicos. Mas ainda assim
se sobrepõem, já que, por exemplo, a psicologia científica experimental da
conduta humana concreta permanece nos domínios da própria psicologia clínica.
Segundo Lagache, é indiscutível que os primeiros encontram-se em
posição favorável quanto ao estabelecimento da psicologia como ciência (o que,
de fato, é verdade), até porque utilizam-se de experimentações com animais, o
que os aproxima ainda mais das ciências da natureza. O experimentalista cria
uma situação e a manipula, estudando as variações relativas das respostas à
cada fator por ele controlado; ou seja, controla as condições da conduta.
A psicologia clínica, por sua vez, envolve num mesmo conjunto as condutas
adaptadas e as desordens de conduta, buscando descobrir os motivos que
levaram tal sujeito a agir de tal modo. Não podendo controlar as condições que
desencadeiem tais atitudes, o papel do clínico é evitá-las, reconstituindo o
conjunto de condições. Para isso, a clínica se vale da abordagem da expressão
dos pacientes e da interpretação compreensiva dos seus atos.
É a observação clínica dos comportamentos que sugere a hipótese e
permite a verificação, segundo Lagache. Por isso, pode-se dizer, mais uma vez,
que as psicologias se associam e, mais do que isso, se apóiam mutuamente.

 Conclusão
Enfim, o fato é que a Psicologia como unidade, engloba todas as
concepções conhecidas até então como áreas separadas. Isso significa que desde
a Psicologia Clássica (fisiologia...) até a Psicanálise (inconsciente/livre-
associação...), a unidade de uma Psicologia se constitui, passando pela Psicologia
Social (semiótica...), o Gestaltismo (totalidade...), o Behaviorismo
(comportamento-meio), dentre outros projetos.
A psicologia utiliza desde testes psicológicos/psicotécnicos até a clinica do
divã e se define nas bases do experimento e da subjetividade ao mesmo tempo; e
é a partir desta inevitável ligação que se pode chegar a uma unidade, segundo o
texto. O problema central da psicologia é o conflito e a resolução do conflito: não
só conhecer, mas também ajudar; e os métodos surgiram para solucionar essa
questão.
Por fim, a psicologia é a ciência da conduta, irredutível às configurações
físicas e filosóficas, sendo, portanto, um todo original; e sendo, essas condutas, o
conjunto de respostas pelas quais o ser vivo integra as tensões que ameaçam a
unidade e o equilíbrio do organismo.
As diversas psicologias devem ser funcionais e se unem em uma só:
diferem entre si e por isso se completam; enquanto a clínica faz prospecção e
aplicação qualitativas, o experimento finaliza a investigação científica
quantitativamente. Em suma, como resultado geral, segundo Lagache, consistem
numa só coisa: a Psicologia – não mais no plural.

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