por Luís Claudio M. Figueiredo e Pedro Luiz Ribeiro de Santi
Depois de Wundt com seu projeto de psicologia como ciência independente
e intermediária, definindo seu objeto como sendo a experiência imediata dos sujeitos e dividindo-a em duas (psicologia experimental fisiológica e psicologia dos povos – social), muitos foram os autores que tentaram estabelecer a psicologia no campo nas ciências naturais, baseando-se na observação e na experimentação. Aluno e divulgador de Wundt, Titchener redefiniu o objeto da psicologia como sendo a experiência dependente de um sujeito, não mais tal como se dá antes que o sujeito a conheça. Sujeito, na compreensão de Titchener, significaria um organismo puro, um sistema nervoso. A partir desse entendimento, seria necessária a busca pela fisiologia para se alcançar os fenômenos da vida mental, já que, segundo o autor em questão, esta depende e se explica pela atividade do sistema nervoso, ou seja, não possui uma autonomia. Assim, Titchener interpreta a experiência psicologicamente, mas a explica a partir de uma concepção de ciência natural, o que faz com que, por um lado, sua psicologia não seja tão independente conforme o desejo de Wundt. Por outro lado, desaparece o problema com a unidade psicofísica quando Titchener defende o paralelismo ocorrido entre os atos mentais e os processos psicofisiológicos: um não causa o outro, mas a fisiologia explica a mente. Para o psicólogo, a observação seria por meio da auto-observação ou introspecção, sendo os indivíduos treinados a observar e descrever objetivamente as experiências subjetivas as quais estivessem se submetendo a passar. O fato é que, embora Wundt estivesse em situação complicada por não conseguir formar uma unidade psicofísica devido aos seus dois diferentes enfoques metodológicos, ao menos manteve a potencialidade do campo psicológico. Em contrapartida, Titchener solucionou o dilema metodológico, mas reduziu o alcance da psicologia para dentro campo das ciências naturais, limitando-a. Após Titchener, psicólogos fucionalistas, por sua vez, definiram a psicologia como uma ciência biológica a qual, embora situada nas ciências naturais, se opôs à psicologia titcheneriana. Os funcionalistas concluíram que a psicologia estaria destinada a estudar os processos, as operações e os atos mentais como formas de interação adaptativa; vê-se aí forte influência darwinista de caráter evolucionista – um nível tal de adaptação envolveria um nível propriamente psíquico, incluindo as habilidades e capacidades de sentir, pensar, decidir, comunicar. Assim, a psicologia funcional necessitaria de diversos métodos, não excluindo a auto-observação, embora não aprovassem a introspecção experimental titcheneriana, alegando ser muito artificial. Para eles, seria impossível se certificar de que tais auto-observações teriam sido bem-feitas ou não. Em compensação, seria facilmente observável a expressão de processos mentais pelo comportamento, sendo, então, possível estudar a mente através dos comportamentos adaptativos. Desde Wundt até os funcionalistas, houve a tentativa de partir da experiência imediata para compreender fatores biológicos, fisiológicos e socioculturais. Mas, partindo de alguns pressupostos herdados da psicologia funcional, surgiu no século XX o behaviorismo, elaborado primeiramente por Watson e que, pela primeira vez, abandonava a experiência imediata. Segundo tal projeto, o objeto da psicologia se explicaria pelo comportamento e suas interações com o ambiente e o método a ser usado seria o das ciências: mais uma vez observação e experimentação – sendo os comportamentos publicamente observáveis e evitando-se a auto-observação. Escapando da introspecção experimental ao definir a psicologia como ciência do comportamento, Watson pôde, também, solucionar a questão que vinha polemizada desde Wundt – a questão da unidade psicofísica. Não mais apenas se pensaria nas interações mente-corpo, e sim nas interações comportamento-meio. Conforme dito anteriormente, pela primeira vez a psicologia se viu distante da experiência imediata, já que, a partir da lente behaviorista, tudo o que fosse experiência subjetiva não teria lugar na ciência por não ser acessível aos seus métodos. Logo, o sujeito agente do comportamento não é um sujeito que pensa ou sente ou decide, e sim um organismo que se assemelha a qualquer outro animal. O behaviorismo watsoniano (aliás, mais do que um projeto de psicologia científica e sim de uma nova ciência) interessa-se em prever e controlar o comportamento de forma mais eficaz, o que acompanha a história de seu tempo, considerando a busca por uma sociedade administrativa e estritamente funcional. Porém, o problema é que o behaviorismo também não consegue solucionar todas as questões, já que não explica a experiência imediata. Mesmo que a recuse, isso não significa que a experiência subjetiva deixa de existir e é por isso que se torna difícil se identificar com o comportamentalismo proposto por Watson. Por um lado, o comportamentalismo abre mão das vivências e se dedica apenas às características biológicas e ambientais, em oposição aos humanistas, que se debruçam sobre as vivências nas suas particularidades – mas acabam tornando-se incapazes de fazer uma psicologia científica. Por outro lado, há projetos de psicologia científica que não negam a experiência subjetiva e procuram compreendê-la e explicá-la. É o caso da psicologia da gestalt (em alemão, forma, estrutura ou totalidade). Wetheimer, Koffka e Kohler adotaram o método fenomenológico para captar a experiência tal como se dava ao sujeito. Tal método consistia na descrição ingênua dos fenômenos tais como apareciam na consciência, sem qualquer tentativa de análise. Sendo assim, o objeto da psicologia para o gestaltismo seria a experiência direta, vivida pelo sujeito sob a forma de estruturas, ou seja, sob a forma de interações entre todas as partes de uma totalidade, sendo essa totalidade dotada de um sentido dependente dessa interação – e sendo essas partes separadamente dotadas de sentidos diferentes do que possuem quando em conjunto. Por esse aspecto, se aproximavam da Psicologia dos Povos, em cuja a experiência imediata seria produto de processos de síntese em que os elementos se fundiriam e adquiririam novos significados. Mas, ao contrário de Wundt, os gestaltistas conseguiram chegar à essa conclusão por meio do método experimental e, além disso, procuram transpor essa experiência e relacioná-la ao mundo físico e fisiológico. Ou seja, os aspectos principais da psicologia da gestalt resumem-se pelo reconhecimento da experiência imediata por meio da experimentação e pela preocupação em relacioná-la com fatores das naturezas físicas, biológicas e com o mundo dos valores socioculturais. Mais um projeto de psicologia científica que não abandona a subjetividade é o behaviorismo skinneriano, o qual difere do watsoniano, já que Skinner contribui ao estudo das interações entre organismos vivos e seus ambientes, adotando rigorosamente procedimentos experimentais e se pondo a favor da subjetividade. Skinner não rejeita a experiência imediata e se dispõe a entender sua origem e natureza, sendo necessário, para ele, investigar as condições em que se desenvolve a subjetividade privatizada. Essas condições se dão pelas relações sociais, já que é através da fala que se pode referir ao corpo e ao comportamento do próprio sujeito, e a fala é aprendida com a convivência na sociedade. É por isso que, para ele o mundo privado de cada um é uma construção social. Então, segundo essa concepção, as experiências subjetivas não têm nada de imediato – são sempre construídas a partir de uma sociedade. Portanto, Skinner considera que aquilo que temos de aparentemente mais individual na verdade não é nosso, e sim um produto social. E por esse ângulo, a noção moderna de sujeito livre é completamente dispensada por Skinner. Outros projetos que surgem para a psicologia são a cognitivista, de Piaget, e a psicanálise, de Freud. O que os une é a forma de estudar a gênese do sujeito, considerando sua experiência imediata, mas não apenas isso, para compreender e explicar fatores mais profundos. Ambos os autores tomam como ponto de partida os fatores biológicos para, então, alcançarem os morais, mas nem por isso reduzem a experiência imediata aos seus condicionantes naturais, conforme o faz Skinner. Aproximam-se, portanto, da psicologia social de Wundt. Enquanto Piaget estuda o desenvolvimento cognitivo (inteligência) e da moralidade (comportar-se moralmente) pelo método clínico, tenta entender a experiência imediata pela forma a qual é percebida pelo sujeito. A princípio faz sua análise com crianças, o que o permite concluir que, ao longo do tempo, as experiências da criança mudam e ela vive o mundo de forma cada vez mais complexa e adaptativa, conforme seu crescimento. Já Freud, porém, após abandonar o laboratório de fisiologia, se dedica à clínica psicanalítica. A partir de estudos e tratamentos de pacientes histéricos, recebendo, é claro, forte influência de Charcot e desenvolvendo seus conhecimentos junto com Breuer, Freud compreendeu que os sintomas físicos apresentados pelas histéricas relacionavam-se com a repressão de desejos insuportáveis ao paciente, por serem contrários a aspirações éticas e morais. Os métodos utilizados por Freud consistem na interpretação das palavras ditas pelos seus pacientes e dos significados ocultos por trás delas, por meio da livre-associação, em que eles deveriam expressar tudo o que passasse pela mente, sem censura alguma. Assim, Freud transcende a experiência imediata. Além disso, também se dedica a analisar os lapsos de memória e os sonhos, buscando um significado além de toda superficialidade que pareçam apresentar. Para Freud, o objeto da psicanálise é o inconsciente, o qual acaba por influenciar a consciência do indivíduo e o qual não é possível observar; portanto, contraria o positivismo ao qual as ciências se sujeitam. Também considera que a subjetividade humana é incompleta, já que o eu não é a totalidade nem o centro do psiquismo. O legado deixado por Piaget e Freud, em especial este último, nos faz concluir que a psicologia deve partir da experiência imediata sem se restringir a ela somente e buscar outras formas para explicá-la e interpretá-la. É essencial a análise da subjetividade e não se pode abandoná-la nunca. Sendo ainda uma ciência – independente – , a psicologia se mantém em meio a diversas outras ciências, desde a biológica até a social. Ocorre que não necessitamos fixá-la somente dentro de um campo positivista e experimental e puramente científico para fazê-la florescer. A tentativa de torná-la uma ciência natural já se mostrou ineficaz e, é impossível adotarmos uma psicologia totalmente objetiva quando seu objeto é tão subjetivo. Portanto, cabe aos psicólogos de hoje e do futuro aceitar a psicologia – ou melhor, as psicologias – como um saber existente por todo lado, em toda vivência de todos os sujeitos, desde o âmbito neurológico até o comportamental, como uma reunião de todas as diferentes definições de psicologia desde seu surgimento. A psicologia não possui exatamente, portanto, um lugar dentro das ciências naturais, mas possui sim um lugar como ciência independente, ampla e total entre as demais ciências. Não como mãe de todas – porque não foi a psicologia que as criou – nem como filha – porque não foi por elas gerada – , mas como irmã – por possuírem semelhanças, mas serem completamente distintas quando encaradas à fundo.
Nação tarja preta: O que há por trás da conduta dos médicos, da dependência dos pacientes e da atuação da indústria farmacêutica (leia também Nação dopamina)