Você está na página 1de 49

Introdução a Disciplina de Psicologia do Magistério Primário

O Homem, como ser social, sempre sentiu a necessidade/curiosidade de conhecer-


se e conhecer os outros, para poder estabelecer relações sociais. Nesta
conformidade, a Psicologia, ocupa um lugar de destaque no âmbito das ciências
humanas, uma vez que toca em todos os aspectos da nossa vida. A Psicologia como
ciência é importante porque, estuda todos os processos mentais no sentido de se
alcançar essencialmente um conhecimento sobre o comportamento humano.
No sentido mais lato, a palavra psicologia designa, actualmente, o estudo do
comportamento do Homem e do animal e ainda, o estudo dos processos mentais.
Por isso, pensamos, e talvez com razão, que seria importante se nas diversas
situações que vivenciamos, conhecêssemos os motivos que nos levam a agir de um
modo e não de outro. Espera-se, assim ajudá-los a resolver os seus problemas da
vida quotidiana.

“A Psicologia reúne tudo aquilo que o homem sente, tudo aquilo que ele pensa, tudo
aquilo que ele quer, tudo aquilo que ele gosta, tudo aquilo que ele rejeita” (Amar,
1987).

A Psicologia vai estudar todos os actos e/ou reacções observáveis, bem como os
sentimentos, as emoções, as atitudes, as representações mentais, as fantasias…
Estuda questões ligadas à personalidade, à aprendizagem, à memória, à inteligência,
funcionamento do sistema nervoso, à comunicação interpessoal, o desenvolvimento,
o comportamento sexual e em grupo, à agressividade, os processos
psicoterapêuticos, o sono e o sonho, o prazer e à dor, entre outros

Objectivos da Psicologia
a) Descrever e explicar os comportamentos e processos mentais, o que significam
e as causas que os determinam;
b) Indicar os factores objectivos e subjectivos que formam o psiquismo do homem;
c) Indicar os mecanismos fisiológicos das actividades psíquicas do individuo;
d) Prever/predizer comportamentos futuros, o que só é possível a partir da
identificação das causas que lhe estão na origem;
e) Conhecer o indivíduo e aproximá-lo dos demais, de acordo com as exigências
da sociedade;
f) Aplicar os conhecimentos psicológicos adquiridos na resolução de problemas
de vida prática.

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


Tema 1 - A Psicologia como ciência
1.1. Breve historial e objecto de estudo da Psicologia como
ciência
A Psicologia é um saber muito antigo e simultaneamente jovem. Antes dependia da
Filosofia e somente nos finais do século XIX é que se tornou ciência independente.
Filósofos como Sócrates, Platão, Aristóteles colocaram algumas questões
fundamentais acerca da vida mental, como, por exemplo, o que é a consciência?
As pessoas percepcionam a realidade de forma correcta? As pessoas são racionais
ou irracionais? Estas perguntas, tao importantes hoje como há dois mil anos,
encontram-se relacionadas com a natureza da mente e dos processos mentais.

Contudo, considera-se o grande marco histórico da Psicologia a data de 1879,


quando Wilhelm Wundt funda o primeiro laboratório de Psicologia experimental em
Leipzig (Alemanha). Será a partir deste acontecimento que se vão desenvolver, de
forma sistemática, as investigações em Psicologia passando a ter características
científicas.
Etmologicamente, a palavra Psicologia provém do grego – Psyché (alma, mente,
espírito) + logos (ciência, estudo, conhecimento) – mas, o termo só aparece no
século XVI, sugerido por Rodolfo Goclénio, sendo vulgarizado no século XVIII.
Actualmente, o objecto de estudo da Psicologia científica, inclui 2 dimensões: os
comportamentos que são todos os actos/reacções observáveis (ex.: comer,
andar, rir, dormir, falar, escrever, chorar, entre outros) e os processos mentais
que são experiências que decorrem no plano interior do homem e podem apenas
ser estudados indirectamente através dos comportamentos (ex.: sensações,
percepções, sentimentos, emoções, pensamentos, atitudes, entre outros).
1.2. Correntes psicológicas e seus contributos para o
desenvolvimento da Psicologia
Considerada por muitos a ciência do nosso século, a Psicologia toca todas as
esferas da actividade humana: na família, na escola, no trabalho, no lazer, entre
outros.
No entanto, várias foram as correntes psicológicas que contribuíram para o
desenvolvimento desta ciência, entre elas:
1- Associacionismo/Estruturalismo – Wundt
2- Reflexologia – Pavlov
3- Behaviorismo/Comportamentalismo – Watson
4- Gestaltismo – Kohler e Koffka.
5- Construtivismo/Interaccionismo – Piaget
6- Psicanálise – Freud

1.2.1. Associacionismo/Estruturalismo – Wundt 1


Após a fundação do primeiro laboratório de Psicologia, Wundt criou mais tarde com
Edward Titchener, o que seria chamado de Estruturalismo, porque buscava a
estrutura consciente da mente. Wundt procurou introduzir na Psicologia o rigor e a
objectividade das outras ciências.
A concepção de psicologia defendida por Wundt define como objecto de estudo os
elementos constitutivos da consciência (conteúdo mental), como se relacionam e

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


associam e, como método a introspecção (olhar para dentro/observar e analisar
as próprias experiências internas).
Deste modo, o Estruturalismo compreende os fenómenos mentais pela
decomposição dos estados de consciência produzidos pela estimulação ambiental,
isto é, a mente é constituída por elementos simples – as sensações – que ao
associarem-se, dão origem a processos mentais complexos como a inteligência.
Titchenner levou a ideia da Psicologia para os Estados Unidos da América,
modificando-a em alguns pontos mas foi extinto nos meados do século XX.
Contudo, o método usado não possibilitava o emprego em crianças, indivíduos
psicologicamente anormais e animais, e nem possibilitava, o estudo das estruturas
mentais complexas como um todo através das sensações.
1.2.2. Reflexologia – Pavlov
Defende que a compreensão do psiquismo só devera ser feita através do estudo
do comportamento, podendo este explicado na base dos reflexos. Uns primários
(inatos) e outros secundários (aprendido) seriam o fundamento das respostas dos
indivíduos aos estímulos provenientes do meio.
Não se pode negar que esta corrente abriu caminho do estudo experimental
positivo do comportamento ao estabelecer o conceito de mediação fisiológica.
Tem como principal percursor o fisiologista russo Ivan Pavlov. Para ele o objecto
de estudo da Psicologia são os reflexos inatos e condicionados. É também com
Pavlov que a Psicologia se direcciona decisivamente para o estudo do
comportamento do animal e do ser humano.
Reflexos: são respostas automáticas, involuntárias dadas a estímulos do meio.

1.2.3. Behaviorismo/Comportamentalismo – Watson

“Nós somos o que fazemos; e o que nós fazemos é o que o meio nos faz fazer”
(Watson)
John Watson opõe-se às concepções de Wundt salientando que não se podia
construir uma ciência com um objecto que não pode ser observado – os estados
da consciência. Para Watson, a Psicologia só deveria ter como objecto de estudo
o comportamento observável (behavior) totalmente dependente do meio em que
o sujeito se encontra inserido. Segundo Watson, só se pode estudar directamente
o comportamento observável, isto é, a resposta (R) de um indivíduo a um dado
estímulo (E) do ambiente. Por estímulo entende-se o conjunto de excitações que
agem sobre o organismo.
Com o Behaviorismo a Psicologia assume o estatuto de ciência, o objecto muda é
agora o comportamento e método também muda e torna-se experimental.
E-R= a cada estímulo uma resposta.
2
R= F (S_J) - O comportamento/a resposta (R) é função (f), isto é, depende da
situação.

1.2.4. Gestaltismo – Kohler, Koffka e Wertheimer


Escola psicológica que se dedicou principalmente ao estudo da percepção. Afirma
que a experiencia que temos dos objectos, a nossa percepção imediata é percebida
como um todo, uma estrutura, uma organização, uma forma global, como uma
configuração e não como mera soma das suas partes constitutivas. Tem como
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
objecto de estudo a percepção e pensamento como um todo e como método o
experimental. Os principais representantes são: Wolfgang Kohler, Kurt Koffka e
Max Wertheimer.

1.2.5. Construtivismo/Interaccionismo – Piaget


Jean Piaget (1896-1980) suíço, conhecido pelos seus trabalhos pioneiros sobre
desenvolvimento na infância, seus estudos tiveram grande impacto na psicologia
infantil e da educação, revolucionando o método da aprendizagem. Considerava
como objecto de estudo a construção do conhecimento e da inteligência. Para ele
a formação e desenvolvimento cognitivo (conhecimento) é fruto do papel activo do
sujeito no meio, isto é, resulta da interacção individuo-meio que permite a
construção progressiva das estruturas mentais.

1.2.6. Psicanálise – Freud


A grande revolução introduzida por Sigmund Freud consistiu na afirmação da
existência do inconsciente. A teoria psicanalítica é baseada na relação entre os
processos mentais conscientes e inconscientes que ocorrem no psiquismo.
Na sua teoria, Freud distingue duas tópicas, isto é, duas concepções sobre o
psiquismo: na primeira tópica, distingue o consciente, o pré-consciente e o
inconsciente; na segunda tópica, o id, o ego e o superego. Para ele os processos
psicológicos mais determinantes ocorrem no inconsciente e à consciência é
atribuída um papel modesto.
Freud compara o psiquismo humano a um icebergue: a sua parte visível é muito
pequena e corresponde ao consciente, sendo constituída por imagens,
lembranças, ideias que se podem evocar e conhecer. Contudo, a parte submersa,
que não se vê, do icebergue é a maior e corresponde ao inconsciente, cabendo-
lhe um papel determinante no comportamento. Esta seria de caracter afectivo-
sexual sendo constituída por pulsões, desejos, instintos, medos, fantasia,
recordações penosas, entre outras, a qual não é passível de conhecimento directo.
O pouco que sabemos dela aprendemo-la estudando a elaboração do sonho e a
formação do sistema neurótico.

1.3. Métodos e técnicas de investigação em Psicologia


Para estudar de forma detalhada o seu objecto de estudo, a Psicologia recorre a
uma diversidade de métodos e técnicas na sua investigação.

 Método: caminho ou via utilizado para alcançar um fim.


 Técnica: procedimento prático utilizado para um comprimento do método.

1.3.1. Métodos de investigação em Psicologia


3
1) Método Introspectivo: a introspecção é um método aplicado por W. Wundt
como forma de estudar os estados da consciência através dos relatos
retrospectivos da experiência interna (auto-analise que o individuo faz de si
próprio).

Limitações
- Não há distinção entre o observador e o individuo observado.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


- Não é possível aplicar este método em alguns domínios da Psicologia como a
Psicologia animal, Psicopatologia e Psicologia infantil.
- Não analisa os fenómenos inconscientes;
- Muitas vezes, o sujeito tem dificuldade em exprimir por palavras o que sente;
- A tomada de consciência de um determinado fenómeno implica a sua alteração.

2) Método de Experimentação: foi Watson quem adoptou este método que


consiste num conjunto de observações realizadas em condições previamente
controladas com objectivo de testar a validade da hipótese de uma investigação
forma rigorosa, objectiva e sistemática. O método experimental é o método
científico por excelência.

As etapas do método experimental são: 1) identificação do problema, 2) formulação


da hipótese, 3) experimentação e 4) conclusão. Este método caracteriza-se pelo
controlo e relação entre as variáveis:
 Variável dependente: é o que o investigador precisa analisar, ou seja, é o
comportamento (resposta) observado e registado pelo investigador.
 Variável independente: são os factores/condições experimentais
manipuladas pelo investigador para verificar os seus efeitos no
comportamento que se está a observar (variável dependente).
 Variável parasita ou externa: variável que o investigador não controlou e
que pode afectar os resultados dificultando a sua interpretação.
 Grupo experimental: conjunto de sujeitos, pessoas alvo de estudo em que
são submetidos as alterações nas variáveis independentes.
 Grupo de controle: conjunto de sujeitos que também são alvo de estudo
mas que não são submetidos as alterações na variável independente.

3) Método de Observação: é também utilizada como um método em Psicologia


quando se pretende apenas observar a realidade, sem manipular variáveis
independentes. Pode ser laboratorial (quando obedece um plano, prevê
rigorosamente os objectivos a atingir, bem como as condições) e natural (quando
observa e capta os comportamentos de forma espontânea, podendo ser
participante e não participante).

5) Método Clínico: consiste num estudo qualitativo e aprofundado do


comportamento de um sujeito particular ou de um grupo específico de pessoas
normais ou com alguns problemas psicológicos. É utilizado na pesquisa
psicológica, em situações de terapia, apoio, aconselhamento e orientação
psicológica.

1.3.2. Técnicas de investigação em Psicologia


1) Questionário: Os questionários são constituídos por um vasto conjunto de
perguntas a que o sujeito responde “Sim"/"Não” ou escolhe uma resposta entre as 4
opções que lhe são apresentadas. As respostas serão dadas de acordo com as
opiniões, sentimentos, interesses do sujeito, o que permitirá avaliar
quantitativamente aspectos não intelectuais da personalidade.
2) Anamnese (Dados biográficos): técnica em que o sujeito numa situação tem
de responder um conjunto de informações passadas e presentes, mediante
interrogatório do psicólogo. Estes dados são importantes para a compreensão
aprofundada da história de vida de um indivíduo.
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
3) Técnicas psicométricas (testes): técnica em que o sujeito numa situação tem
de responder oralmente ou não, à um conjunto de questões que pretendem avaliar
de modo directo algum desempenho, capacidade, características psicológicas ou o
comportamento nalgumas dimensões (inteligência, personalidade, aptidão,
atitudes, etc.). Ex.: testes de agilidade motora, memória, atenção, audição,
inteligência, lateralidade, entre outros.

1.4. Relação da Psicologia com outras ciências:


1.4.1. Com a Física
O psiquismo funciona no corpo humano segundo um determinado mecanismo
fisiológico e bioquímico. Demostrou-se que são os pensamentos e a afectividade
do homem que dirigem todas as actividades do corpo transmitindo as ordens desde
o cérebro através do sistema nervoso a modo de corrente eléctrica. Isto prova de
facto que a Psicologia mantem relações com a física.

1.4.2. Com a Matemática


Actualmente utiliza-se a Matemática não apenas com o intuito de fazer dela
instrumento de cálculo e pesquisa ou na análise estatística dos números obtidos
mas, também para apresentar os resultados das pesquisas e as leis psíquicas.

1.4.3. Com a Pedagogia


A psicologia também tem incidência em campos educativos diversos como a escola
e outras instituições educativas (creches, jardins de infância, internatos, instituições
de reeducação, actividades de tempos livres...) e nos aspectos mais escolares,
como o processo ensino-aprendizagem, currículos, materiais escolares, recursos
educativos, processos de mudança comportamental provocados ou induzidos nas
pessoas como resultado da sua participação em actividades educativas etc. Deste
modo, a Psicologia intervém na área temática e territorial, quer em contextos
formais, quer em contextos informais.

1.4.4. Com a Medicina


O factor psicológico desempenha um papel muito importante no domínio da
Medicina, fundamentalmente quando surgem doenças tais como o desequilíbrio
mental e a iatrogénia (distúrbio mental produzido pelo diagnostico ou atitude do
médico) e, quando as mesmas são submetidas a um processo de tratamento ou
que visa a sua cura. A relação entre a Psicologia e a Medicina manifesta-se em
disciplinas, tais como: A Psicologia Medica, a Psicopatologia e a Psiquiatria.

1.4.5. Com a Química em geral e a Farmacologia em particular.


Existem também relações estreitas em que esta asserção acha-se plenamente
demostrada pelos desequilíbrios da actividade psíquica do homem relacionadas
com as transformações químicas que se produzem no cérebro e pelo facto de a
sua cura exigir medicamentos (produtos químicos). A acção química tem uma 5
grande influência sobre o factor psicológico, o que manifesta visivelmente a relação
existente entre a Psicologia, a Farmacologia e a Química.

1.5. Aplicação em Psicologia


Antes de falarmos das aplicações do estudo da Psicologia nas diferentes
áreas de intervenção, temos de distinguir quando é que a mesma é Pura e
Aplicada.
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
A parte da Psicologia que se dedica exclusivamente à investigação procurando
alargar o nosso conhecimento acerca do comportamento animal e humano,
designamos por Psicologia Pura; quando a mesma além de se dedicar a
investigação acerca do comportamento, também procura responder a problemas
práticos com que nos deparamos nas diversas vertentes da actividade humana,
seja nas escolas, empresas, casos clínicos entre outros, estamos perante a
Psicologia Aplicada.
Assim, podemos dizer que a Psicologia tem aplicação praticamente em todas
áreas da vida social. Portanto é possível repartir a Psicologia em três principais
áreas de aplicação que são:
1- Psicologia organizacional, objectivos: Áreas de intervenção
- Analisar a estrutura e funcionamento das
organizações.
- Empresas.
- Explicar e prever o comportamento dos
-Organizações
indivíduos e de grupo no local de trabalho.
governamentais e não-
- Analisar as relações entre os indivíduos.
governamentais.
- Estudar a motivação e satisfação dos
trabalhadores.
2- Psicologia Educacional, objectivos: Áreas de intervenção
- Diagnosticar perturbações, dificuldades e -Jardins de infância, escolas
problema de natureza psicológicas que dificultam e outras instituições
a aprendizagem. educacionais.
- Pesquisar novos métodos e estratégias -instituições de educação
pedagógicas para tornar a educação escolar especial.
mais eficaz e ultrapassar as situações de -Consultório de orientações
insucesso. escolares e profissional.
-Internato.
3- Psicologia clínica, objectivos: Áreas de intervenção
- Investiga e diagnostica perturbações,
-Hospitais gerais e
dificuldades de natureza mental e emocional.
psiquiátricos
- Realizar análise dos fenómenos psicológicos e
-Clínicas privadas e
comportamentos desajustados das pessoas.
consultório
- Desenvolver psicoterapia e promove a
-Centros de saúde mental
intervenção na saúde mental, prevenindo
-Prisões
comportamentos de riscos.

Portanto, podemos encontrar um psicólogo na escola, no hospital, no


tribunal, na fábrica, na Universidade, num clube desportivo, num centro de design
de objectos e brinquedos, na comunicação social, num consultório, no beiral…

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


Tema 2 – Psicologia do Desenvolvimento
2.1. Conceito de desenvolvimento
Pode-se definir Psicologia do desenvolvimento como o ramo da Psicologia
que estuda o conjunto de transformações que ocorrem ao nível físico e psicológico,
desde a concepção (vida intra-uterina) até à morte dos indivíduos.
Esta área de conhecimento da Psicologia estuda o desenvolvimento do ser humano
em todos os seus aspectos: físico-motor, intelectual, afectivo-emocional e social -
estuda essas mudanças, procurando conhecer as suas repercussões nos
comportamentos, pensamentos, afectividade, nos processos mentais em geral.
O objecto da Psicologia do desenvolvimento é o estudo das várias etapas da
vida – pré-natal, infância, adolescência, maturidade e senescência –, do
desenvolvimento dos processos psicológicos e biológicos nas relações interactivas
da pessoa e do meio.
É assim que se estabelece o desenvolvimento humano, através da interacção do
indivíduo com o ambiente físico e social. O mesmo caracteriza-se pelo
desenvolvimento mental e pelo crescimento orgânico, distinguindo como nascem e
como se desenvolvem as funções psicológicas do ser humano, para facilitar a
organização e aperfeiçoamento das condições para o seu desenvolvimento pleno.
Os factores que influenciam o desenvolvimento humano são: Hereditariedade,
Crescimento orgânico, Maturação neurofisiológica, Meio ambiente.
Atendendo que o desenvolvimento se relaciona com a adaptação,
poderíamos dizer que há desenvolvimento sempre que a pessoa se adapta a uma
situação nova, como por exemplo: mudar de emprego, casar-se, divorciar-se, ter
um filho, mudar de país, etc.

2.3. Concepções sobre o desenvolvimento


São várias as correntes que propõem interpretações sobre o desenvolvimento,
que se distinguem pelos princípios de que partem, bem como pelos aspectos que
privilegiam. Vamos abordar de forma mais aprofundada as teorias de três autores:
 Piaget – estudou o desenvolvimento a partir dos aspectos cognitivos,
encarando como um processo, uma evolução por quatro estádios que
correspondem a uma progressiva adaptação do sujeito ao meio.
 Freud – privilegiou o desenvolvimento psicossexual, identificando cinco
estádios. A sexualidade é vivenciada de forma diferente em cada estádio,
sendo cada estádio atravessado por conflitos específicos.
 Erickson – deu ênfase aos aspectos psicossociais, estudando a construção
da identidade como um processo que decorre desde nascimento até a
morte. Distingue oito idades do ciclo de vida sendo cada um deles
7
atravessada por crises.
2.3.1. Piaget e o desenvolvimento cognitivo

Jean Piaget revolucionou a teoria do desenvolvimento intelectual. De facto,


interessava-se essencialmente em estudar como se estrutura o conhecimento, isto
é, a sua natureza e evolução. Para ele o desenvolvimento intelectual está
relacionado com a génese do conhecimento e acreditava que a maturação biológica
estabelece as pré-condições para o desenvolvimento cognitivo.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


O desenvolvimento cognitivo faz-se por mudanças de estruturas através de
mecanismos de adaptação, que são a assimilação e a acomodação. Ou seja, para
ele a inteligência se desenvolve através do mecanismo de adaptação, que
assegura o equilíbrio entre o organismo e o meio através da assimilação e a
acomodação.
 Assimilação - é o processo mental pelo qual se incorporam os dados das
experiencias aos esquemas operatórios existentes. É um movimento de
integração do meio no organismo.
 Acomodação – é o processo mental pelo qual os esquemas existentes vão
modificar-se/ajustar-se em função das situações novas.
 Equilibração - é o processo de regulação entre a assimilação e a
acomodação: prepara ou adequa a assimilação à acomodação e vice-
versa.
Nas estruturas mentais, os esquemas tornam-se mais complexos graças ao
efeito combinado da assimilação e da acomodação: não há acomodação sem
assimilação, assim como são necessárias novas estruturas de acomodação para
que continuem a processar-se novas assimilações.
Assim, A inteligência é perspectivada como uma adaptação do indivíduo e das
suas estruturas cognitivas ao meio. Esta adaptação é orientada pela equilibração
entre as acções do organismo sobre o meio e as do meio sobre o organismo. O
desenvolvimento é assim, de natureza adaptativa e interacionista.

Individuo Meio

2.3.1.1. Factores do desenvolvimento cognitivo


Uma das questões a que Piaget vai procurar responder refere-se aos factores
que influenciam o desenvolvimento cognitivo. Segundo o autor, o desenvolvimento
cognitivo é fruto de factores biológicos de maturação, de experiências do mundo
físico, da inter-relação e transmissão social e de um mecanismo auto-regulador que
é a equilibração, que actuam de forma combinada e integrada:
1. HEREDITARIEDADE E MATURAÇÃO INTERNA: Piaget acreditava que a maturação
biológica como por exemplo, o crescimento, estabelece as pré-condições
para o desenvolvimento cognitivo. Estes factores biológicos são o suporte 8
de todo o desenvolvimento.
2. EXPERIENCIA FÍSICA: a acção exercida sobre os objectos desenvolve a
motricidade da criança propiciando o seu desenvolvimento intelectual. É a
actividade física e mental do sujeito sobre os objectos que torna possível a
formação das estruturas cognitivas que permitem responder e agir sobre o
real. Uma criança inibida de manipular objectos poderá ter o seu
desenvolvimento comprometido.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


3. TRANSMISSÃO SOCIAL: também é um factor importante para explicar o
desenvolvimento. Integrada numa sociedade a criança interage com o meio
físico e social. Um meio mais estimulante favorecerá o desenvolvimento da
criança. Contudo, o efeito de transmissão social, da educação, só tem efeito
se houver uma assimilação activa do sujeito.
4. EQUILIBRAÇÃO: mecanismo auto-regulador através do qual uma nova
aquisição se deve equilibrar com as anteriormente adquiridas. Este factor
tem uma função equilibrante relativamente aos três anteriores.

É pela equilibração que o sujeito se adapta ao meio, isto é, que a sua inteligência
progride num sentido de um pensamento cada vez mais complexo.

2.3.1.2. Estádios de desenvolvimento cognitivo


A inteligência (desenvolvimento cognitivo), segundo este autor, constrói-se
progressivamente ao longo do tempo, por 4 estádios sucessivos, seguindo uma
ordem invariante. Cada estádio é diferente do outro, ou seja, a cada estádio
correspondem estruturas mentais organizadas que envolvem diferentes
mecanismos do ponto de vista qualitativo. Daí que não é possível ultrapassar
nenhum estádio sem adquirir as conquistas/ estruturas mentais do anterior.
Partindo dos reflexos simples do bebé (sucção, apreensão, etc.) herdados
geneticamente, a criança vai construindo progressivamente estruturas mentais até
atingir o pensamento formal. Porém o início e o término de cada um deles
dependem das características biológicas do indivíduo.

1. ESTÁDIO SENSÓRIO-MOTOR (DOS 0 – 18/24 MESES)


Neste estádio, a inteligência é fundamentalmente Sensorial (o bebé capta todas
as informações que recebe através dos órgãos dos sentidos) e Motora (o bebé
exprime-se através de movimentos), ou seja, a criança conquista, através da
percepção e dos movimentos, todo o universo que a cerca. É uma inteligência
prática, em que não há linguagem nem há capacidade de representar mentalmente
os objectos.
É neste estádio que aparece o conceito de objecto permanente ou permanência
de objecto, a criança procura um objecto escondido porque tem a noção de que
este continua a existir mesmo quando não o vê.
É graças a observação e exploração do mundo que a rodeia que a criança
constrói as estruturas cognitivas imprescindíveis ao desenvolvimento das
estruturas lógicas que aparecerão mais tarde.

2. ESTÁDIO PRÉ-OPERATÓRIO (DOS 2 ANOS – 6/7 ANOS)


No estádio pré-operatório, a existência de representações simbólicas vai
permitir à criança poder usar uma inteligência diferente. A criança passa a poder 9
representar mentalmente os objectos ou acontecimentos que não ocorrem no
presente, por símbolos (palavras, objectos, gestos). A linguagem é uma das mais
importantes manifestações da função simbólica. No jogo simbólico, a criança imita,
representa um conjunto de comportamentos, de acções: um pau é um cavalo ou
um avião a jacto, conforme lhe apetece; um garfo pode ser um telefone; no faz-de-
conta a criança finge que dorme, que lê um jornal, etc. A imagem mental e o
desenho são também manifestações da função simbólica.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


A principal característica deste estádio, ao nível do pensamento, é o
egocentrismo, que define-se pelo entendimento pessoal que o mundo foi criado
para si e pela incapacidade de compreender as relações entre as coisas. A criança
não compreende o ponto de vista do outro porque se centra no seu ponto de vista.
O egocentrismo manifesta-se em frases como: há vento porque estou com muito
calor; A noite vem quando é para ir para a cama; a lua segue-me; A boneca está
com fome; O rio foi meu pai que fez… Mas este egocentrismo, que é muito marcado
no começo deste estádio, vai sofrendo uma parcial descentração à medida que nos
aproximamos do estádio seguinte.

Entre os 2 e os 7 anos, distinguem-se dois subestádios:


1º. O pensamento pré-conceptual ou de exercício da função simbólica (cerca
dos 2 aos 4 anos);
2º. O do pensamento intuitivo (cerca dos 4 aos 7 anos).

No primeiro subestádio (pensamento pré-conceptual) domina um pensamento


mágico, onde os desejos se tornam realidade, sem preocupações lógicas, uma
imaginação prodigiosa que permite tudo explicar. Outras características mentais de
um pensamento mágico que estão presentes neste subestádio:
 Animismo - atribuição de emoções e pensamentos a objectos inanimados.
Assim, a criança bate à mesa onde se magoou, diz à boneca que tem que
comer a sopa toda;
 Realismo - Se no animismo ela dá vida às coisas, no realismo dá corpo, isto é,
materializa as suas fantasias. Se sonhou que o lobo está no corredor, pode ter
medo de sair do quarto;
 Finalismo – as acções interessam pelos resultados práticos. As crianças estão
sempre a questionar os adultos; no entanto, embora se diga que estão na
“idade dos porquês”, nesta idade procura-se, sobretudo, saber “para quê”.
 Artificialismo: é a explicação dos fenómenos naturais como se fossem
produzidos pelos seres humanos para lhes servir, como todos os outros
objectos: O Sol foi aceso por um fósforo gigante; A praia tem areia para nós
brincarmos.
No pensamento intuitivo (2º subestádio), que surge a partir dos 4 anos, já com
uma certa descentração cognitiva, vai permitir solucionar alguns problemas e
possibilitar muitas aprendizagens. No entanto, este pensamento é irreversível, isto
é, a criança está sujeita às configurações perceptivas sem compreender a diferença
entre as transformações reais e aparentes.

3. ESTÁDIO DAS OPERAÇÕES CONCRETAS (DOS 6/7 ANOS – 11/12 ANOS)


No estádio das operações concretas, a criança começa a ultrapassar o
egocentrismo, tem um pensamento lógico com a capacidade de fazer operações
mentais. A criança tem preocupações lógicas de reflexão sobre o real. Ela 10
consegue desenvolver conceitos, tem a capacidade de operar e nesta etapa
assegura a reversibilidade. É pela reversibilidade que a criança pode entender que
4-2=2.
É neste estádio que a criança desenvolve a noção de conservação da matéria
sólida e liquida e mais tarde do peso e do volume, já é capaz de fazer classificações
e seriações.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


4. ESTÁDIO DAS OPERAÇÕES FORMAIS (DOS 11/12 ANOS – 15/16 ANOS)
O estádio das operações formais caracteriza-se por um pensamento abstracto
e pelo exercício de raciocínios hipotético-dedutivos. Assim, o adolescente
desprende-se do real, sem precisar de se apoiar em factos, pode pensar
abstractamente e deduzir mentalmente sobre várias hipóteses que se colocam. A
criança já é capaz de resolver problemas. São estas capacidades que vão permitir
definir conceitos e valores, assim como estudar determinados conteúdos escolares.
O adolescente compreende que, para além da sua perspectiva sobre um dado
problema ou situação, os outros podem ter posições diferentes da sua. Surge um
novo tipo de egocentrismo: egocentrismo intelectual, que leva o adolescente a
considerar que através do seu pensamento pode resolver todos os problemas e
que as suas ideias e convicções são as melhores.

2.3.2. Freud e o desenvolvimento psicossexual

Para Freud, o desenvolvimento humano e a constituição do aparelho psíquico


são explicados pela evolução da psicossexualidade.
Para ele a sexualidade está integrada no nosso desenvolvimento desde o
nascimento, evoluindo através de estádios, com predomínio de uma zona erógena,
isto é, de uma região do corpo (epiderme ou mucosa) que, quando estimulada, dá
prazer. Cada estádio é marcado pelo confronto entre as pulsões sexuais (libido) e
as forças que se lhe opõem (ódio, raiva, desespero, ausência de desejo).
Um dos conceitos mais importantes da teoria psicanalítica é a existência da
sexualidade infantil. Esta sexualidade envolve todo o corpo, é pré-genital e não
centrada no aparelho genital e é, nos primeiros anos, auto-erótica, isto é, a criança
satisfaz-se com o seu próprio corpo.

2.3.2.1. Concepção do psiquismo


Segundo Freud, o psiquismo está dividido em “áreas” distintas, em “topos”, isto
é, espaços a que correspondem características e formas de funcionar diferentes.
Geralmente distinguem-se duas tópicas, isto é, duas teorias sobre a constituição
do aparelho psíquico: a 1ª tópica e a 2ª tópica.
SEGUNDA TÓPICA
A segunda tópica apresenta por Freud acentua o carácter dinâmico do
psiquismo, assim, afirma a existência de três estruturas que constituem a
personalidade: id, ego e superego. Estas estruturas mantêm uma interacção
marcada pelo conflito, que gera a dinâmica psíquica. Surgem em períodos distintos
e têm características próprias.

 ID (infra-eu):

-“ (…) é a parte obscura, impenetrável, da nossa personalidade, e o pouco que 11


sabemos dela aprendemo-la estudando a elaboração do sonho e a formação do
sistema neurótico”.
-Zona inconsciente, primitiva, instintiva, a partir da qual se formam o Ego e o
Superego.
- É constituído por pulsões, instintos e desejos completamente desconhecidos.
- Está desligado do real, não se orientando por normas ou princípios morais,
sociais ou lógicos.
- Inconsciente, ilógico e amoral.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


- Rege-se pelo princípio do prazer, que tem objectivo a realização, a satisfação
imediata dos desejos e pulsões. Grande parte destes desejos são de natureza
sexual.
- É o reservatório do libido – energia das pulsões sexuais.
- Existe desde o nascimento.

 EGO (eu):

- “A estrutura do ego responde a esta dupla tarefa. É composta de


conhecimento e de defesa. A sua actividade de conhecimento é consciente, e é
composta de percepções externas e internas e de toda a espécie de operações
intelectuais que lhe permitem informar-se das modificações que se vão
processando tanto no mundo exterior como no seu mundo interior.
- Zona fundamentalmente consciente que se forma a partir do ID.
- Rege-se pelo princípio da realidade, orientando-se por princípios lógicos que
permite decidir quais os desejos e impulsos do ID que podem ser realizados.
- É lógico e racional.
- Gere as pressões que recebe do ID e as que recebe do SUPEREGO.
- Forma-se durante no primeiro ano de vida.

 SUPEREGO (Supereu):

"O superego é a terceira instância do aparelho psíquico, cujo aparecimento é o


mais tardio. É uma diferenciação do ego durante uma cisão em que uma fracção
do ego se destaca e se constitui em instância independente".
- Zona inconsciente que corresponde à interiorização das normas, dos valores
sociais e morais.
- Resulta do processo de socialização, da interiorização de modelos como pais,
professores e outros adultos.
- É a componente ética e moral do psiquismo.
- Funciona como censura face às pulsões do ID.
- Pressiona o EGO para controlar o ID.
- Constituindo pelas imagens idealizadas das regras sociais.
- Forma-se entre os 3 e os 5 anos com a vivência e ultrapassagem de complexo
de Édipo.

2.3.2.2. Estádios de desenvolvimento psicossexual


1. ESTÁDIO ORAL (DOS 0 – 12/18 MESES)
Neste estádio a boca é a zona de prazer e satisfação predominante. O mamar
dá um prazer sexual ao bebé para além da satisfação biológica da fome. No início
a criança é essencialmente passiva e dependente da mãe (ou de quem
desempenhar essa função). A boca é o meio directa e principal de contacto com a
realidade; todos os objectos que encontram são sugados e posteriormente 12
mordidos, quando surge a dentição.
A qualidade da relação afectiva entre o bebé e a mãe irá reflectir-se na
personalidade do adulto. A altura do desmame, fase em que a criança é mais activa
e agressiva corresponde a uma experiência de frustração que se não for
ultrapassada positivamente poderá originar comportamentos de gratificação oral,
como por exemplo, fumar, beber, beijar e comer, o que se explica por uma fixação
nesta fase.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


A mãe é então muito investida enquanto pessoa que pela sua
presença/ausência dá prazer e frustra.

2. ESTÁDIO ANAL (DOS 12/18 MESES – 2/3 ANOS)


Para este estágio a zona erógena é o ânus, região anal e a mucosa intestinal,
mas por vezes, as contracções musculares podem provocar dor, criando uma
ambivalência entre estas duas emoções.
Com a maturação e o desenvolvimento psicomotor a criança torna-se mais
autónoma, procurando impor as suas vontades. Neste período, os pais tendem a
introduzir os hábitos de higiene, mas se forem demasiadamente rígidos nesta
aprendizagem, poderão produzir reacções quer de retenção, quer de descontrolo
das fezes; também a excessiva tolerância poderá desenvolver comportamentos
igualmente ineficazes, originando posteriormente personalidades de diferentes
tipos (sadia ou patológica).

3. ESTÁDIO FÁLICO (DOS 3 ANOS – 5/6 ANOS)


No estádio, a zona erógena centraliza-se na região genital e a criança obtém
prazer ao tocar-lhes. É a fase em que se percepciona a diferença entre os sexos e
o objecto da libido deixa de ser auto erótico para ser investido nos pais de uma
forma triangular: o complexo de Édipo nos rapazes e, nas raparigas, o de
Electra.
Esta designação foi inspirada nas tragédias e mitologia grega. No rapaz, dá-se
conflito com o pai o que origina uma identificação deste por querer ocupar o seu
lugar na relação amorosa com a mãe; e na rapariga, o processo é semelhante, ou
seja, dá-se a identificação com a mãe e o que acarreta uma ruptura afectiva com
esta para ocupar o seu papel na relação amorosa com o pai. A resolução destes
complexos é geradora de conflitos, de angústias, e por isso, ambivalente:
amor/ódio, agressividade/culpabilidade para com os respectivos progenitores.
As crianças neste estádio estão interessadas em questões do tipo: como
nascem os bebes?. Estão atentas às diferenças anatómicas entre os sexos, às
relações entre os pais e as interacções entre homens e mulheres, têm brincadeiras
onde exploram estes interesses, como brincar “aos médicos” e aos “pais e às
mães”.
Este processo é mais complexo na rapariga dado que em simultâneo há o
fenómeno de rivalização e o receio de perder o amor da mãe. No entanto, alguns
casos, o complexo passa-se de forma invertida, a criança investe no progenitor do
mesmo sexo. Sendo determinante na constituição da personalidade futura, a
passagem por este período e a sua resolução permitirá posteriormente, a
identificação com o progenitor do mesmo sexo e a elaboração do conceito de
masculinidade e feminilidade.
13
4. ESTÁDIO LATÊNCIA (DOS 5/6 ANOS – PUBERDADE)
Após a vivência do complexo de Édipo e com o superego já formado, a criança
entra numa fase de latência. Ela vai como que esquecer alguns acontecimentos e
sensações vividas(o) nos primeiros anos de sexualidade, nomeadamente no
período edipiano, através de um processo que se designa por amnésia infantil. O
estágio de latência caracteriza-se por uma diminuição da actividade sexual, que
pode ser total ou parcial.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


A criança pode, nesta fase, de uma forma mais calma e com mais
disponibilidade interior, desenvolver competências e fazer aprendizagens diversas:
escolares, sociais e culturais. Uma das grandes aprendizagens é a compreensão
dos papéis de género, isto é, do que é ser mulher e ser homem, na sociedade em
que vive. A vergonha, o pudor, o nojo, a repugnância são sentimentos que
contribuem para controlar e reter a libido. A existência de um Superego vai
manifestar-se em preocupações morais.

5. ESTÁDIO GENITAL (DEPOIS PUBERDADE)


No último estágio de desenvolvimento, o genital, dá-se a reactivação da
sexualidade adormecida no período anterior. A maturação orgânica e hormonal é
um factor explicativo para este despertar levando ao reaparecimento de conflitos
vividos nos estágios anteriores, nomeadamente o complexo de Édipo. O amor
vivido pelo progenitor do sexo oposto, na fase anterior, é agora canalizado para
uma atracção heterossexual por pessoas não pertencentes ao núcleo familiar.
Alguns adolescentes podem regredir a fases de desenvolvimento anteriores
recorrendo a mecanismos de defesa do ego, tais como: o ascetismo (negar o
prazer, procurar ter um controlo das pulsões através do isolamento e impondo-se
uma disciplina rígida) e a intelectualização (procurar camuflar a sua emotividade
investindo a sua energia em actividades do pensamento). A satisfação das pulsões
da libido realiza-se na prática de actividades sexuais de cariz genital.

2.3.3. Erickson e o desenvolvimento psicossocial

Este critica as concepções psicanalíticas por considerar que Freud não teve em
conta, na sua concepção de desenvolvimento, as interacções entre o indivíduo e o
meio. Por outro lado, enquanto Freud defendia que a energia que orientava o
desenvolvimento era de natureza libidinal, Erickson enfatiza o processo de
construção da identidade e a sua dimensão psicossocial.
Erickson propõe oito estádios psicossociais: perspectiva oito idades no
desenvolvimento do ciclo de vida, desde o nascimento até à morte, tendo em conta
aspectos biológicos, individuais e sociais. Segundo este psicólogo, cada idade ou
período é caracterizado por tarefas especificas (necessárias para se progredir para
o estádio posterior) e pela experiencia de determinado conflito ou crise. É através
da resolução do conflito de cada estádio que o individuo adquire novas capacidades
e se desenvolve.

14

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


Vamos agora analisar brevemente as oito idades ou estádios de
desenvolvimento psicossocial:
Figura: As oito idades ou estádios do desenvolvimento psicossocial de Erickson

Fonte: Candundo, 2016, p. 27.

1º. IDADE: CONFIANÇA VERSUS DESCONFIANÇA (0 - 18 MESES)


- Este estádio é marcado pela relação que o bebé estabelece com a mãe. Se a
relação é compensadora, a criança sente-se segura manifestando uma atitude de
confiança face mundo. A criança, neste período, aprende a ter ou a não ter
confiança, partindo da relação com a mãe. Este sentimento de confiança vai
reflectir-se na vida futura.
Se a relação com a mãe não é satisfatória, desenvolve sentimentos de modo
que conduz à formação de uma atitude de desconfiança (suspeita, medo e
insegurança relativamente aos outros e ao meio).

2º. IDADE: AUTONOMIA VERSUS DÚVIDA E VERGONHA (18 meses - 3 anos)


- Neste estádio a criança está apta a explorar activamente o meio que a rodeia. 15
Se for encorajada, desenvolve autonomia e auto-suficiência. Se for muito protegida
e controlada, desenvolve um sentimento de dependência, de vergonha em se
expor, de dúvida em relação às suas capacidades de desenvolver actividades
sozinha.

3º. IDADE: INICIATIVA VERSUS CULPA (3 - 6 ANOS)


As crianças tomam iniciativas e desenvolvem as suas actividades sentindo
grande prazer quando obtêm sucesso. Se não consegue ou não é favorecido o
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
desenvolvimento das suas iniciativas pela repressão ou punição dos pais, a criança
sente-se culpada por desejar comportar-se segundo os seus desejos.

4º. IDADE: INDÚSTRIA VERSUS INFERIORIDADE (6 – 12 ANOS)


Erickson utiliza a palavra indústria no sentido de produtividade, de
desenvolvimento de competências (intelectuais, sociais, físicas, escolares). Esta
idade inicia-se com a entrada da criança para a escola, o que lhe vai permitir um
grande número de experiências. A escola tem por função ensinar o ‘‘padrão de
acção da sua sociedade”. É uma fase de grande actividade.
Se a criança corresponde ao que lhe é exigido no processo de aprendizagem,
a sua curiosidade é estimulada bem como o desejo de aprender. O sucesso
desenvolve nela sentimentos de auto— estima, de competência (industria).
Se a criança se sente incapaz de atingir com sucesso as actividades escolares
quando os seus companheiros o atingem, pode desenvolver um sentimento de
inferioridade desinvestindo nas tarefas.

5º. IDADE: IDENTIDADE VERSUS DIFUSÃO/CONFUSÃO (12 - 18/20 ANOS)


É a idade onde, na vertente positiva, o adolescente vai adquirir uma identidade,
isto é, entende a sua singularidade, o seu papel no mundo. É neste estádio que os
adolescentes exploram, ensaiam vários estatutos e papéis sociais. A sociedade
permite ao adolescente este espaço de experimentação.
O versus negativo refere os aspectos de confusão de quem ainda não se
encontrou a si próprio, não sabe o que quer e tem dificuldade em fazer opções.

6º. IDADE: INTIMIDADE VERSUS ISOLAMENTO (18/20 - 30 E TAL ANOS)


É a idade de jovem adulto que, com uma identidade assumida, poderá criar
relação de intimidade (amizade e afecto) com o(s) outro(s). Nesta idade o adulto
jovem, anseia e dispõe-se a fundir a sua identidade com a de outros, estando
preparado para a intimidade.
Se não consegue estabelecer esses laços sociais, pode isolar-se distanciando-
se dos outros.

7º. IDADE: GENERATIVIDADE VERSUS ESTAGNAÇÃO (30 E TAL - 60 E TAL ANOS)


A generatividade é a fase de afirmação pessoal e de desenvolvimento das
potencialidades do ego, nomeadamente no mundo do trabalho, da família e de
interesse pelos outros e por uma vida social. Nesta idade, há uma grande vontade
de tornar o mundo melhor.
O adulto pode não desenvolver actividades uteis para os outros, preocupando-
se apenas consigo próprio (estagnação).

8º. IDADE: INTEGRIDADE VERSUS DESESPERO (DEPOIS DOS 65 ANOS)


16
Esta é a idade em que o individuo faz uma avaliação a sua vida, podendo
experimentar sentimentos de satisfação ou de fracasso.
O sentimento de integridade ocorre de uma avaliação da sua vida, aceitando a
sua existência como valiosa. Sentimento de realização face ao passado e virtude
de sabedoria no futuro.
O desespero resulta de uma avaliação negativa da sua vida e de
impossibilidade de começar tudo de novo. Sentimento de que se perderam
oportunidades importantes.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


2.4. Desenvolvimento e socialização
No processo de desenvolvimento humano, a infância e a adolescência são dois
momentos fundamentais. Efectivamente, é nestes dois períodos que se desenrola
importantes processos de socialização.

2.4.1. Relação mãe-bebé

Durante muito considerou-se que a relação mãe-bebe se fundava apenas na


satisfação das necessidades do recém-nascido: eram os cuidados maternos que
lhes assegurariam a sobrevivência (alimentação, higiene, protecção, etc.). As
novas concepções sobre o recém-nascido – ser activo com um conjunto de
competências - e a importância dada as interacções humanas em psicologia vieram
mostrar que a relação mãe-bebé assume uma grande importância no equilíbrio
psicológico e na construção da personalidade da pessoa. As características dessa
relação, vão influenciar positivo ou negativamente o desenvolvimento da criança ao
nível das inter-relações com os outros e da confiança em si próprio.
Piaget, Freud e Erickson encararam o bebé como um ser activo que age e
interage com o meio dando uma especial importância a relação que se estabelece
entre a mãe e o bebé. É nesta relação que se iniciam e realizam as primeiras
aprendizagens sociais. Contundo, para além destas, a relação da díade mãe-bebé,
tem grande repercussões ao nível afectivo e emocional.
A resposta, por parte da mãe, às necessidades de afecto e de índole emocional,
o sentimento de confiança (ou não) que se pode gerar nesta relação marcam o
futuro da pessoa. A mãe é o primeiro agente de socialização a pessoa com quem
a criança mantem uma relação privilegiada. É com ela que se inicia, a
aprendizagem social: é através dela que o bebe estabelece as primeiras relações
com os outros e com o meio ambiente. É uma relação em que estão implicados
afectos e estimulações decisivas para o desenvolvimento da criança. Desenvolveu-
se muitas investigações que demostram a importância da relação precoce mãe-
bebé no equilíbrio psicológico da criança.

 Sorriso

O psicanalista René Spitz (1887-1974) perspectiva o sorriso entre os 6 e as 12


semanas como a primeira manifestação comportamental activa e intencional da
criança, desenvolvida na comunicação mãe/filho. O sorriso é um comportamento
que une o fisiológico e o emocional.
Para este autor, este primeiro sorriso é indiferenciado; a criança, quando sorri,
não sorri à mãe, sorri à humanidade, pois reage a uma Gestalt, isto é, a uma
configuração de rosto com olhos, nariz e boca. O rosto será um sinal que
desencadeia reacções positivas. É interessante sabermos que o bebé sorri a
qualquer rosto de frente e mesmo a uma máscara em movimento; contudo, não 17
sorrirá a um rosto de perfil.
Aos seis meses, o bebé tem já um sorriso para pessoas preferenciais.

 Vinculação

John BowIby é um psicanalista britânico que, seguindo os estudos de Spitz,


começou por estudar a carência afectiva e a perda da ligação maternal.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


Este autor apresenta a necessidade de vinculação (apego, attachement), isto
é, a necessidade de estabelecimento de contacto e de laços emocionais entre o
bebé e a mãe e outras pessoas próximas, como um fenómeno biologicamente
determinado. A necessidade de vinculação não é fruto da aprendizagem, mas uma
necessidade básica do mesmo tipo que a alimentação e a sexualidade. BowIby
considera que esta necessidade não é herdada - o que se herda é o potencial para
a desenvolver.

2.5. A adolescência
A adolescência é uma época da vida humana marcada por profundas
transformações fisiológicas, psicológicas, pulsionais, afectivas, intelectuais e
sociais vivenciadas num determinado contexto cultural, que se caracteriza por uma
intensa busca de “si mesmo” e da própria identidade.
Mais do que uma fase, a adolescência é um processo dinâmico de passagem
entre a infância e a idade adulta.
Conceito recente, suscita, na segunda metade do século XX, grande profusão
de investigações em áreas diversificadas: psicologia, sociologia, história,
antropologia, medicina...
Uma das dificuldades do conceito de adolescência advém da delimitação etária
deste período, pois existem diferenças entre os sexos, etnias, meios geográficos,
condições socioeconómicas e culturais. Porem, Daniel Sampaio define a
adolescência como sendo uma etapa de desenvolvimento, que ocorre desde a
puberdade á idade da identidade estabelecida.
A adolescência é um espaço/tempo onde os jovens através de momentos de
maturação diversificados fazem um trabalho de reintegração do seu passado e das
suas ligações infantis, numa nova unidade. Esta reelaboração deverá dar
capacidades para optar por valores, fazer a sua orientação sexual, escolher o
caminho profissional, integrar-se socialmente.
Como vistes, este processo de crescimento faz-se também com retrocessos
(às vezes dá vontade de voltar a ser criança), com tarefas e crises que representam
conflitos de natureza psicossocial que tendem a ser superados permitindo, assim,
a aquisição de novas competências, o equilíbrio psicológico, a vivência de
sentimentos positivos ou ainda a inviabilidade do processo de desenvolvimento
quando os conflitos não são superados. Este crescer faz-se sozinho, com o melhor
amigo, com e contra os pais, com os outros adolescentes e com os outros adultos.

2.5.1. Adolescência e o desenvolvimento


 Aspectos Fisiológicos

Numa fase de pré-puberdade, que dura mais ou menos dois anos, ocorrem
mudanças corporais (caracteres sexuais secundários) que preparam as
transformações fisiológicas da puberdade, isto é, a possibilidade de ejaculação e a
menstruação. 18
Os órgãos sexuais entram em funcionamento e são estas modificações que
vão marcar a sexualidade adolescente por uma genitalidade e possibilitam a
capacidade da função reprodutora.
São muitas as transformações que ocorrem durante a puberdade. Nos rapazes
aparecem pelos nas pernas, no peito, nos braços, nas axilas e na região púbica. A
voz muda e aparece a barba. O pénis cresce e a sua pele fica mais escura; os
testículos aumentam.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


Nas raparigas as ancas alargam e os seios aumentam; aparecem pelos nas
axilas e na zona púbica. Os órgãos genitais crescem e a sua pele escurece.
Nos rapazes e nas raparigas aumentam a transpiração e o odor corporal
modifica-se. Aumentam a altura e o peso; o cabelo e a pele tornam-se mais
gorduroso podendo aparecer temporariamente seborreia e acne.

 Aspectos Afectivos
As transformações corporais levam o jovem a voltar-se para si próprio,
procurando perceber o que se está a passar, para se entender mais profundamente
enquanto pessoa.
Escrever um diário, isolar-se, ter devaneios, solilóquios, pintar ou tocar música
correspondem a necessidades interiores e podem contribuir para melhor se
conhecer. Alguns adolescentes fecham-se muito sobre si próprios, comunicando
pouco com os adultos.
O melhor amigo, do mesmo sexo, tem, para muitos adolescentes, uma função muito
importante, pois pode encontrar algumas respostas para várias inquietações: Serei
normal; Como vai ser o futuro?, Sou o único a sentir as coisas desta maneira?
Nesta fase, manifestam-se súbitas mudanças de humor. São, assim,
frequentes as crises de choro, os estados de euforia, de melancolia, bem como os
transtornos de conduta. As grandes e globais transformações causam uma tensão
que se traduz em impulsos não controlados. Na adolescência, os modelos de
identificação deixam de ser os pais para passar a ser jovens da mesma idade, num
processo de autonomia, de individualização.

 Aspectos intelectuais
A adolescência é uma fase em que se obtém uma maturidade intelectual. O
pensamento formal vai abrir novas perspectivas; exercitá-lo é pôr-se questões, é
problematizar jogando com as várias perspectivas dos assuntos, é aprender, é
criticar, é interrogar o futuro e a sociedade.
O raciocínio hipotético-dedutivo é, no desenvolvimento psicossocial, uma arma
poderosa nas opções profissionais, nos caminhos que aspiram, na construção de
projectos de futuro. O exercício destas novas capacidades cognitivas de
abstracção, de reflectir antes de agir, pode permitir uma distância relativamente aos
conflitos emocionais.
O gosto pela fantasia e pela imaginação, pelo debate de valores, leva a uma melhor
compreensão de si próprio e do mundo. Há uma exigência de coerência nas
discussões intermináveis, no questionar dos problemas e nos argumentos
expressos na defesa de uma filosofia de vida, que são importantes na formação de
ideias próprias.
Esta mudança intelectual da adolescência vai, pois, permitir construir o “seu
sistema pessoal” como diz Piaget. Existe como que um reaparecimento do 19
egocentrismo. Mas trata-se agora de um egocentrismo intelectual as suas teorias
sobre o mundo aparecem como as únicas correctas.

 Aspectos sociomorais

Durante a adolescência, o jovem vai interessar-se por problemas éticos e


ideológicos, debate-os, faz opções e constrói os valores sociais próprios. A

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


lealdade, a coerência, a justiça social, a liberdade, a autenticidade são alguns dos
valores mais defendidos, o que, frequentemente, faz com grande radicalidade.
Os adolescentes revoltam-se, frequentemente, quando descobrem que a
sociedade não se coaduna com as aspirações e valores que defendem. Eles
desejam, quase sempre, uma perfeição moral e expressam um grande altruísmo.
As novas capacidades cognitivas de reflexão e abstracção e o poder de jogar
mentalmente com várias hipóteses (raciocínio hipotético-dedutivo) permitem-lhe
debater ideias, apreendendo a complexidade dos valores sociomorais, bem como
construir uma teoria própria sobre a realidade social.

2.5.2. Construção da identidade


A adolescência é uma fase importante no processo de consolidação da
identidade pessoal, da identidade psicossocial e da identidade sexual.
Erick Erickson fala-nos que o sentimento de identidade é o sentimento
intrínseco de ser o mesmo ao longo da vida, atravessando mudanças pessoais e
ocorrências diversas.
Os adolescentes vão, através de uma crise potenciadora de energias,
confrontar-se com esta problemática identitária (5º idade: identidade vs.
difusão/confusão). É também com uma certa desorientação entre avanços,
hesitações e recuos que se fazem importantes experimentações de afirmação do
ego, na procura de fidelidade, na construção de identidade.
Para além de uma certa confusão pela qual quase todos passam, existem por
vezes situações (que também podem ser temporárias), como difusões/confusões
agudas de identidade, adolescências retardadas e prolongadas, inibições,
perturbação de valores, assim como crises neuróticas* e psicóticas* caracterizadas
por um isolamento psicossocial profundo e mecanismos defensivos.
Cada um de nós constrói o seu eu através de outros significativos, das
interacções relacionais, reais e fantasiadas. A identidade constrói-se nas
experiências vividas através de um subtil jogo de identificações.
Se na infância os nossos modelos identificatórios são os pais, na adolescência
vão ser jovens da mesma idade. As relações com os pais têm que mudar para que
os adolescentes possam ascender a ideias e afectos próprios.
A amizade é muito investida ao nível dos afectos. O melhor amigo do mesmo
sexo é normalmente alguém com quem se partilham grandes inquietações. É como
um espelho estruturante onde o adolescente se reconhece reflectido, onde se vê
crescer.
O processo de identificação está, nesta fase da adolescência, relacionado com
um processo de diferenciação.
No final da adolescência o jovem obtém uma “identidade realizada”, ele será
capaz, como diz Erickson, de sentir uma “continuidade interna” e “uma continuidade
do que ele significa para as outras pessoas.” Ele entende-se no seu percurso de
vida.

 Moratória Psicossocial 20
Outro dos conceitos importantes Eriksoniano foi o de moratória psicossocial.
Esta moratória é “um compasso de espera nos compromissos adultos”. É um
período de procura de alternativas e de experimentação dos papéis que vai permitir
um trabalho de elaboração interna.
Antecipa-se o futuro, exploram-se alternativas, experimenta-se, dá-se tempo...
Na moratória existe uma verdadeira procura de alternativas… o indivíduo sente
uma grande necessidade de se testar a si próprio, numa variedade de experiências

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


e de procura activa, no sentido de se poder definir e estabelecer compromissos na
vida adulta.
Também se pode considerar como moratória sexual-afectiva o tempo de namoro,
das curtes, dos pequenos e grandes investimentos amorosos, que permitem
vivências e experiências antes de se definirem orientações sexuais e se poder fazer
escolhas amorosas para uma ligação perspectivada com certa estabilidade e
durabilidade.

21

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


Tema 3 – Psicologia Social
A Psicologia Social estuda as interacções sociais, ou seja, visa procurar
conhecer a natureza e as causas dos nossos comportamentos, pensamentos,
sentimentos que se revelam nas situações sociais. Por exemplo, podem ser
movimentos físicos como um soco, um abraço, uma expressão facial, palavras
proferidas oralmente ou escritas, ou pode ser um pontapé raivoso numa pedra. A
Psicologia Social tem como objecto de estudo os processos psicológicos que têm
origem no grupo: as interacções entre os indivíduos, entre os indivíduos e o grupo e
entre os grupos o objecto de estudo da Psicologia Social.
Os Psicólogos sociais – que recorrem também aos conhecimentos da sociologia
e da antropologia – vão procurar identificar de que forma a sociedade, através das
suas normas, regras e padrões de comportamento, marca o individuo desde o
nascimento até à morte
Aliás, o homem só sobrevive porque vive em interacção com os outros, num meio
construído, modificado, que dá respostas as suas necessidades. Fora deste contexto
não ultrapassaria o nível dos animais, como o caso das crianças selvagens.
Assim, é o conjunto dos processos complexos inerentes à interdependência do
indivíduo e da sociedade que constitui o objecto deste ramo da Psicologia.

“NÃO PODEMOS VIVER ISOLADOS PORQUE AS NOSSAS VIDAS ESTÃO LIGADAS POR MIL LAÇOS INVISÍVEIS.”
MORIN

3.1. O homem como ser social


A nossa estrutura cerebral permite-nos como seres humanos viver associados
aos indivíduos da nossa espécie. Todos os seres humanos sentem fome e sede, frio
e calor, todos os seres humanos sonham, sorriem e choram, amam e odeiam e
sentem a necessidade de se socializar. Ser humano significa ser mais parecido do
que diferente. É o conjunto destas tendências de conduta universal que define a
natureza humana.
Entre as nossas semelhanças, o mais importante traço distintivo da conduta da
nossa espécie é a nossa enorme capacidade para aprender e nos adaptarmos. É
pela adaptação que o homem interveio no meio e produziu cultura. Esse património
humano e universal é, em parte, herdado e vai sendo acrescentado, modificado e
transmitido as gerações futuras pois, o mesmo só sobrevive porque vive em
interacção com os outros. Fora deste contexto não ultrapassaria o nível dos animais
como provam os casos das crianças selvagens.

3.1.1. As culturas e a relatividade cultural


A cultura é um fenómeno universal que se manifesta em todas as sociedades
humanas como forma de responder às necessidades dos seres humanos. 22
Deste modo, não existe uniformidade na resposta a essas necessidades: não há
uma cultura, mas várias culturas. A cultura é o conjunto de produções humanas
como: crenças, conhecimentos, valores, normas, comportamentos, produções
técnicas, científicas, artísticas, etc. A cultura vária no tempo e no espaço. Daí que
haja diferentes culturas com características especificas, com identidade própria e,
por vezes, com padrões invulgares.

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


Efectivamente, os comportamentos, as atitudes individuais, são fortemente
influenciadas pelos padrões culturais, isto é, pelo conjunto de modelos de
comportamentos, pensamentos, valores e formas de agir de uma dada sociedade.
Cada sociedade possui uma cultura própria e forma juízos de valor sobre os modos
de vida, os sistemas de valores, as regras, as crenças religiosas diferentes das
políticas económicas e sociais dos outros grupos. Comportamentos aceites numa
cultura são criticados e evitados noutras.
A diversidade cultural manifestasse em diferentes padrões culturais: a maneira de
vestir, o que comemos e quando comemos, o modo como nos cumprimentamos e
ocupamos os tempos livres, as relações entre pais e filhos, homens e mulheres,
hábitos de higiene… até o que se considera certo e errado, justo e injusto, bonito e
feio constituem comportamentos padronizados previstos num meio social, cultura a
que se pertence.
Existe, assim, uma grande diversidade/multiplicidade de costumes, normas, hábitos,
concepções, valores, modo de viver, regras que distinguem as culturas e, por, isso,
conduzem a diferentes comportamentos, sentimentos e forma de pensar, o que se
designa por relatividade cultural. Para compreendermos um comportamento
humano teremos, portanto, que o enquadrar no seu contexto cultural tendo em conta
as variáveis temporais, geográficas, politicas, económicas, religiosas, etc. A história
da vida individual de cada pessoa é, acima de tudo, uma acomodação aos padrões
de formas e de medida tradicionalmente transmitidos na sua comunidade de geração
em geração.
Num mundo dominado pela comunicação e pelas movimentações sociais, o
contacto entre culturas leva a transformações ao nível dos padrões de cultura. As
migrações, o turismo e os meios de comunicação social são alguns dos processos
que têm conduzido a processos de aculturação, isto é, a adopção por parte dos
indivíduos ou grupos sociais, de formas de se comportar de culturas que não são
originalmente suas.
Investigações realizadas com diversos grupos têm demonstrado que, embora
existam diferenças culturais significativas, as culturas não se destacam pelo nível
superior ou inferior que possam apresentar. No entanto muitas sociedades são vistas
como estando num estádio de desenvolvimento cultural mais atrasado pois possuem
menos recursos ou apresentam menor tecnologia. O mecanismo que leva a
formulação desses juízos valorativos a respeito de uma cultura designa-se por
etnocentrismo, que implica normalmente uma tendência para considerar como
negativos quaisquer desvios que se registem em relação ao padrão da cultura de
cada um e de cada sociedade.

3.1.1. A Socialização
Muito do nosso comportamento surge da influência do meio social. Designamos
por socialização o processo de integração do indivíduo numa determinada
sociedade. Este processo iniciasse no acto de nascer decorre ao longo de toda a 23
vida e só termina quando o indivíduo morre. Consiste na apropriação de
comportamentos e atitudes que permitem a inserção da pessoa numa sociedade.
Os comportamentos são modelados pelos valores, crenças, normas, e padrões
específicos da cultura em que o individuo está inserido fazendo com que o mesmo
pense, sinta e actue de forma muito semelhante aos demais com quem vive.
Contudo, este processo não pode ser encarado de forma mecânica: as pessoas não
são um mero ´´produto´´ da influência social. O individuo é um elemento activo na
construção da personalidade e no modo como se integra na vida social. É por essa
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
razão que a socialização é um processo dinâmico, interactivo e permanente de
integração social.
É no grupo em que nasce - a família - que vai decorrer o processo inicial de
socialização: o modo como a criança é tratada e aprende os horários alimentares,
os gostos, a linguagem, as normas de comportamento e relacionamento, os hábitos
de higiene e outros. Daí o papel activo e decisivo da família, particularmente a mãe,
neste período maturação. Contudo, o processo de integração social decorre ao longo
da vida, sempre que seja necessária a adaptação a novas situações.
Distinguem-se dois tipos de socialização:
 Socialização primária: é o processo de integração social que decorre durante
a infância e a adolescência. Processo em que o individuo adquire
competências sociais, comportamentos, normas e valores aceites e
indispensáveis à vida em sociedade.
 Socialização secundária: designa o processo de integração social do indivíduo
a partir da idade adulta, no grupo ou situação social específica, que implique
novas competências: quando inicia ou muda de profissão, quando se casa ou
divorcia, quando tem um filho, quando ingressa num grupo cultural,
desportivo, sindical ou partidário, etc. Em todas estas situações a pessoa tem
que adoptar novos papéis, novos modos de agir, interiorizar normas e
modelos.
No entanto, a socialização só é possível devido ao papel preponderante dos agentes
de socialização, isto é, as pessoas, os grupos sociais, as instituições que veiculam
as normas, valores e comportamentos vigentes numa sociedade. Estas normas são
interiorizadas e integradas na personalidade do sujeito, condicionando o seu
comportamento.
Na infância e na adolescência, a família, a escola e os grupos de pares são os
principais modelos de integração social transmitindo atitudes, valores,
comportamentos desejáveis. Na idade adulta, ganham especial importância os
grupos socioprofissionais, os grupos de amigos, os grupos religiosos, políticos, etc.
Os meios de comunicação social actualmente, também desempenham um papel
muito importante no processo de socialização. Estes diferentes agentes de
socialização são responsáveis pela formação, desenvolvimento e mudança das
atitudes.

3.2. Os Grupos sociais


3.2.1. Conceito de grupo
Os seres humanos vivem em sociedade, integrados em grupos. Esta afirmação
pode ser facilmente confirmada pela tua experiência pessoal: acordaste no seio de
um grupo, a família; assistes à aula de Psicologia integrado num grupo, a turma; Se
24
praticas um desporto ou uma actividade cultural, integraste num outro grupo; se à
noite vais à discoteca, acompanhas o teu grupo de amigos. Além disso, ainda podes
pertencer a outros grupos sociais: a associação de estudantes da tua escola, a um
grupo musical, a um partido político, a um grupo religioso…
Podemos dizer que um grupo é uma unidade social, é um conjunto de
indivíduos, mais ou menos estruturados, com objectivos e interesses comuns cujos
elementos estabelecem entre si relações, isto é, interagem.
Assim, um conjunto de pessoas constitui um grupo quando estas:
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
* Interagem com frequência;
* Partilham de normas e valores comuns;
* Participam de um sistema de papéis;
* Cooperam para atingir determinado objectivo;
* Reconhecem e são reconhecidas pelos outros como pertencentes ao grupo.
A Psicologia Social vai procurar conhecer e caracterizar o comportamento das
pessoas enquanto membros de um grupo.

3.2.2. Tipos de grupo


Poderemos distinguir os grupos segundo múltiplas variáveis. Mas geralmente
distinguem-se dois tipos de grupos: os grupos primários e os grupos secundários.
 Os grupos primários são grupos de pequenas dimensões caracterizados
fundamentalmente por motivações afectivas. A comunicação é directa (face a
face), as relações muito frequentes caracterizando-se pela informalidade e
espontaneidade. Ex.: família, grupo de amigos.
 Os grupos secundários são geralmente formados por um maior número de
elementos que os grupos primários, a comunicação e as relações que se
estabelecem não são directas. O relacionamento está marcado pela
formalidade e impessoalidade. Ex.: empresas, sindicatos, partidos políticos,
uma sala de aula.

3.2.3. Liderança
No interior dos grupos estabelece-se uma divisão de funções e relações de
cooperação entre os seus membros. Contudo, há um elemento comum a quase
todos os grupos: a existência de um coordenador, de um líder. Mesmo nos grupos
mais pequenos, há a tendência para se escolher ou não entre os seus membros, um
elemento que coordene a actividade colectiva, para melhor atingir os objectivos
definidos, para afirmar o próprio grupo. Assim, um líder utiliza essa posição para
influenciar, dirigir e coordenar os comportamentos de outros membros do grupo.
Define-se Liderança como o processo de exercer influências sobre um individuo ou
grupo de indivíduos, nos esforços para a realização de objectivos em determinada
situação. Desde o grupo de amigos aos partidos políticos, aos bandos, aos grupos
religiosos, às empresas e instituições, existem indivíduos que desempenham
funções de liderança de forma esporádica ou continuada, de modo formal ou
informal. O líder exerce influência ou modifica o comportamento e atitudes dos outros
e mobiliza as actividades do grupo de modo a este atingir os seus objectivos.

3.2.3.1. Tipos de Liderança


Não existe um estilo único de liderança: há diferentes formas de o líder exercer 25
a sua influência e poder, de se relacionar com os elementos do grupo.
Distinguem-se três tipos de líder ou liderança:

 Líder autoritário:
- Comanda todas as actividades definindo e distribuindo tarefas (não há espaço
para a iniciativa pessoal);
- Toma todas as decisões sem consultar o grupo;
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
- Não comunica os objectivos a atingir;
- Toda a comunicação passa pelo líder;
- Não é objectivo nas apreciações que faz, recorrendo ao elogio e a crítica
destrutiva;
- Não esclarece os critérios subjacentes à avaliação que faz;
- A produtividade é elevada, mas a realização das tarefas é baixa e
acompanhada de insatisfação geradora de conflitos, frustração, submissão e
desinteresse, entre outras.
 Líder permissivo, liberal ou laissez-faire:
- Apresenta uma liderança não-directiva, isto é, não assume a orientação do
grupo;
- O líder só intervém se for solicitado;
- É o grupo que levanta os problemas, discute as soluções e decide;
- Procura não avaliar os elementos do grupo;
- Quando avalia é muito subjectivo nas suas apreciações;
- Quando o grupo não tem capacidade de auto-organização, podem surgir
frequentes discussões, balbúrdia e conflitos, com desempenho das tarefas
pouco satisfatórias e de baixa qualidade e quantidade.
 Líder democrático:
- Consulta o grupo sobre a forma como o trabalho deve decorrer, isto é, não
impõe;
- O grupo participa na discussão das decisões, contribuindo na definição de
trabalho, sintetizando o pensamento do grupo e meios de atingir os objectivos;
- Procura ser objectivo nas avaliações que faz sobre o trabalho produzido;
- O grau de produtividade, satisfação, empenho e solidariedade entre os
elementos do grupo é elevado.

3.2.3.2. Redes de comunicação


No interior do grupo, por mais pequeno que ele seja, estabelecem-se
comunicações entre os seus membros. Designamos por redes de comunicação os
canais e o modo como as pessoas se relacionam e comunicam no interior de um
grupo. As redes de comunicação representam a estrutura de um grupo ou
organização bem como, reproduzem os modelos de transmissão de mensagens que
se estabelecem entre os seus membros. Distinguem-se dois tipos de redes de
comunicação.
 Redes centralizadas: rede em que predomina um tipo de estrutura de
comunicação em que toda a informação passa por um elemento, que decide 26
se a comunicação é passada para os outros ou não. Em tarefas simples a
informação circula rapidamente e com poucas distorções: permitem rapidez e
eficácia. É geralmente utilizada nos grupos em que domina o estilo autoritário.
 Redes descentralizadas: redes em que predomina um tipo de estrutura de
comunicação em que nenhum elemento tem acesso privilegiado da
informação. A comunicação circula entre todos os elementos, que interagem
livremente. É um tipo de rede que favorece a resolução de problemas

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


complexos mas, a possibilidade de distorções e o nível de satisfação e
segurança é maior do que nas redes centralizadas.

Podemos representar graficamente as redes que acabamos de apresentar:

REDES CENTRALIZADAS

Rede em estrela Rede em Y

REDES DESCENTRALIZADAS

Rede em círculo Rede homogénea Rede em cadeia

3.2.4. Dinâmica e Interacção grupal


No seio de um grupo estabelecem-se múltiplas relações e interacções entre os
membros levando-os a adoptar formas comuns de comportamentos que os distingue
de outros grupos. Designa-se por interacção grupal a influência que os membros
de um grupo exercem entre si. Os grupos, para se manterem, têm que se reger por
normas que devem ser aceites pelos seus membros. A coesão do grupo depende
dessa aceitação sendo, por isso, exercidas influências e pressões neste sentido.
O conformismo é uma forma de influência social que consiste na adopção do
mesmo comportamento ou atitudes que os outros elementos do grupo adoptam. Diz-
se que uma pessoa é conformista quando se comporta de acordo com as 27
expectativas do grupo.
A necessidade de pertença a um grupo implica, por parte do individuo, a adopção de
comportamentos, normas e valores do grupo. O conformismo, por conduzir à
aceitação social, é a forma mais frequente de interacção. Contudo podem ocorrer
comportamentos marcados pelo inconformismo, isto é, a adopção de atitudes que
não respondem as expectativas do grupo. As pessoas que adoptam atitudes
inconformistas são objecto de crítica social que pode ir desde o sarcasmo, à sanção
ou até à marginalização. Estes comportamentos podem ser geradores de

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


perturbações e desequilíbrios na coesão grupal ou de inovação nas normas, valores
e comportamentos.

3.3. Os Estatutos e os Papéis sociais


Integrando numa sociedade, o individuo pertence a vários grupos. Em cada grupo
se tem um papel a desempenhar, isto é, a pessoa adopta comportamentos diversos
nas diferentes situações. A noção de papel social aparece ligada à de estatuto, por
isso vamos esclarecer estes dois conceitos.

3.3.1. Estatuto Social


Cada um de nós ocupa uma posição nos diferentes grupos a que pertence. É o
conjunto das posições sociais (situação social na hierarquia) que vai determinar o
estatuto. O estatuto é o conjunto de comportamentos que um indivíduo espera por
parte dos outros tendo em conta a sua posição no grupo, na hierarquia social.
Ora, o indivíduo tem tantos estatutos quantos os grupos sociais a que pertence.
Analisemos concretamente o estatuto profissional, no caso ser professor. O estatuto
profissional da pessoa M permite-lhe, por exemplo, esperar dos alunos, dos colegas,
dos funcionários e dos encarregados de educação um conjunto de comportamentos.
Ex.: Dirigir-se a pessoa M chamando-lhe por “Sr. Professor” e não pelo nome
pessoal.
Um jovem, por exemplo, pode ter estatuto de: filho, estudante, de membro de um
grupo desportivo, de uma associação, banda de música, de um clube... o que
demostra que uma pessoa tem múltiplos estatutos, a cada um dos quais
correspondem expectativas de comportamentos por parte dos outros.

3.3.2. Papel Social


A cada estatuto corresponde um papel social. O papel é o conjunto de
comportamentos que são esperados ou pedidos à um indivíduo que tem determinado
estatuto. Desde que saibamos a posição que uma pessoa ocupa num grupo, numa
organização, esperamos que ela se comporte de determinada maneira, segundo os
modelos sociais.
Por exemplo, ao participar, em diferentes grupos sociais, onde se exerce funções
específicas, o indivíduo desempenha diversos papéis. No entanto, a pessoa terá que
condicionar o seu comportamento aos modelos/deveres sociais. Não existe papel de
mãe se não houver papel complementar de ter e cuidar de um filho.
Mas o desempenho gerador de vários papéis sociais pode ser gerador de
conflitos no individuo que os desempenha.
Distinguem-se três tipos de conflitos:
 Conflito Interpapéis: ocorre quando uma pessoa para responder a um papel 28
fica impossibilitada de responder a outro papel. Exemplo: Um individuo que
pertence a um grupo religioso que interdite os seus membros de usar armas
e ser obrigado, por lei, a incorporar-se no exército.
 Conflito intrapapel: quando um só papel tem expectativas que são
incompatíveis. Exemplo: uma estudante experiencia um conflito intrapapel se
tivesse que escolher entre estudar para o exame a efectuar no dia seguinte e

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


concluir um trabalho de grupo que também tem de ser concluído no dia
seguinte.
 Conflito de descontinuidade de papéis: ocorre quando um indivíduo passa a
desempenhar funções inferiores às anteriores ocupadas. Corresponde
geralmente a perda de prestígio de poder. Exemplo: quando uma pessoa
ocupa um lugar de direcção numa empresa e é despromovido, ou quando um
político deixa de ocupar um cargo público e passa a cidadão comum.

3.4. As Atitudes
Ao nível da linguagem do senso comum, confunde-se atitude com
comportamento. O termo atitude, deriva da palavra latina “aptitude” que significa a
disposição natural para realizar determinadas tarefas. A atitude é uma tendência
para responder a um objecto social – situação, pessoa, acontecimento – de modo
favorável ou desfavorável. A atitude implica um estado que orienta o indivíduo a
reagir de determinado modo a um objecto, que pode ser: uma pessoa, um grupo
social, uma instituição, uma coisa, um valor, um conceito, etc.
Não se pode confundir atitude com comportamento: a atitude é um potencial para
reagir de determinado modo a um objecto. Por exemplo, se uma pessoa tem uma
atitude negativa relativamente aos pedintes, provavelmente não lhes dará esmola
quando for solicitado, apoiará medidas que visem erradicar os mendigos das ruas,
produzirá um discurso contra a mendicidade, etc.
As atitudes não são directamente observáveis: é através do comportamento
manifestado pelo indivíduo que poderemos depreender as atitudes. Manifestam-se
através de expressões verbais ou não verbais, de opiniões, de comportamentos, etc.
Elas ajudam-nos a definir os grupos sociais, a estabelecer as nossas identidades e
a guiar o nosso pensamento e comportamento.

3.4.1. Componentes das atitudes


Consideram-se três componentes das atitudes: a cognitiva, a afectiva e a
comportamental.
 Componente cognitiva: uma atitude inclui um conjunto de crenças/ideias
sobre um objecto (situação, acontecimento, pessoa, grupo). É o que
acreditamos como verdadeiro acerca do objecto.
 Componente afectiva: ao possuir uma atitude, a pessoa desenvolve
sentimentos positivos ou negativos relativamente ao objecto. Está ligada ao
sistema de valores sendo a sua dimensão emocional.
 Componente comportamental: a atitude implica que a pessoa se comporte
de determinado modo. É constituída pelo conjunto de reacções de um sujeito
relativamente ao objecto da atitude (pessoa, grupo, objecto, situação).
29

Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo


O exemplo que se segue ajuda-te a compreender o conceito de atitude e as suas
componentes:

É a partir de uma informação ou convicção…


Ler desenvolve a capacidade intelectual, o exercício físico faz bem a saúde.
…a que se atribui um sentimento…
São iniciativas positivas porque as consequências são boas.
que se desenvolve um conjunto de comportamentos.
Ler e fazer exercício físico.

Em geral, o indivíduo considera que as suas atitudes são correctas e, por isso,
devem ser aceites como tal. Contudo, pode haver dissonância cognitiva, isto é,
existência simultânea de cognições que não se ajustam entre si, ou ainda, quando a
presença de uma cognição implica a existência do seu contrário.
Quando as atitudes são partilhadas pelos grupos a que o indivíduo pertence e pelas
pessoas com quem se relaciona, considera-as verdades naturais.

3.4.2. Formação e desenvolvimento das atitudes


As nossas atitudes resultam das diversas experiências vitais. Como tal, são
influenciadas pelas pessoas significativas em nossas vidas e pelos modos como
processamos a informação acerca do mundo.
As atitudes não nascem connosco: são adquiridas no processo de integração do
indivíduo na sociedade, isto é, são aprendidas no meio social. Formam-se através
da aprendizagem e são influenciadas pelas pessoas (ou grupos) significativas na
vida. As atitudes não são, portanto, inatas: são aprendidas mediante a influência –
pressão e modelagem – social.
30
Elas são construídas ao longo da vida, mas com especial incidência na infância
e na adolescência. Fazendo parte de uma cultura, comunidade e família, o indivíduo
adquire, sem, geralmente, ter consciência, as atitudes predominantes, aceitando-as
como as melhores.
Durante a infância, as atitudes são moldadas, fundamentalmente, pelos pais. Estes
são a primeira fonte das certezas das crianças. À medida que a criança cresce, esta
influência diminui. É sobretudo a partir da adolescência que assumem grande
importância, na formação das atitudes, os pares, isto é, as pessoas de idade
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
aproximada com quem os jovens convivem. Outra fonte importante no
desenvolvimento das atitudes é a educação formal que decorre na instituição
escolar.
Mas para além da família, professores e do grupo de pares, os meios de
comunicação social, grandes veículos de informação na sociedade contemporânea
também contribuem para a formação das atitudes. Especialmente a televisão,
através dos filmes, telenovelas, publicidade, anúncios de jornais e revistas influencia
o processo de desenvolvimento das atitudes, face às relações interpessoais, à
concepção de vida, ao lazer, ao trabalho; criando e/ou reforçando atitudes já
formadas pelos outros meios de influência.

3.4.3. Estereótipos e Preconceitos


As atitudes indicam-nos o modo como pensamos e sentimos em relação a
pessoas, objectos e questões do meio circundante. Para além disso, podem permitir
prever como agiremos em contacto com os alvos das nossas crenças. A um nível
mais geral, o conceito de atitude está relacionado com graves questões sociais como
são o s problemas de estereótipos, preconceitos e discriminação.
Os estereótipos são ideias simplificadas que resultam de generalizações e/ou
de especificações, tendentes a considerar que todos os membros de um
agrupamento social, de um grupo se comportam do mesmo modo ou têm as mesmas
características. O estereótipo tem uma forte componente afectiva, o que implica
sempre uma atitude favorável ou desfavorável. Assim, considera-se que “os jovens
são irresponsáveis” e “os velhos são conservadores” fazendo-os assumir papéis
sociais mais activos e desafiantes.
Como o próprio nome indica, o
preconceito é um conceito formado
antecipadamente e sem fundamento sério
ou razoável em relação aos membros de
um grupo, baseado sobretudo no facto de
pertença a esse grupo e não
necessariamente em características
particulares.
Em Psicologia Social, “designa uma
atitude que formamos que deriva de pré-
julgamentos e que conduz os sujeitos a
avaliar negativa ou positivamente
objectos, pessoas ou grupos sociais”.
Decorrem de estereótipos, sendo mais
frequentes os preconceitos com valência negativa que conduzem à discriminação, à
segregação, que são por consequência, as atitudes comportamentais do
preconceito.
31
Adquiridos no processo de socialização, os preconceitos são aprendidos,
referindo-se muitas vezes a realidades ou grupos com quem o indivíduo nunca
contactou e que podem ter implicações na vida quotidiana, conduzindo, geralmente,
a descriminação, isto é, a manifestação comportamental do preconceito. O
preconceito baseado na cor da pele designa-se por racismo e o preconceito baseado
no género sexual designa-se por sexismo. Existe ainda preconceitos relacionados a
orientação sexual (heterossexismo), a religião, a aparência física, a obesidade, as
incapacidades, as doenças crónicas, a cultura, etc.
Psicologia | Valdmir C. Guedes Candundo
Tema 4 – Aprendizagem, Motivação e Memória
4.1. Aprendizagem
4.1.1. Conceito de aprendizagem
Todos os nossos comportamentos e pensamentos foram aprendidos efectivamente.
Podemos definir a aprendizagem como uma mudança relativamente estável e
duradoura do comportamento e do conhecimento. Pela aprendizagem adquirimos
saberes, desenvolvemos capacidades, ocorrendo uma mudança pessoal. Esta
mudança do comportamento está relacionada com o exercício e a experiência,
podendo ocorrer de forma consciente ou inconsciente, num processo individual ou
interpessoal.
É a aprendizagem que determina o pensamento, a linguagem, as motivações, as
atitudes, a personalidade por isso muitos autores a consideram o núcleo central da
psicologia.
Inerente aos processos de aprendizagem está a memória, isto é, só a memória nos
possibilita reter o que aprendemos para responder adequadamente a uma situação
presente e perceber a possibilidade de projectar o futuro. Não podemos aprender sem
recordar, nem recordar sem aprender.

4.1.2. Tipos de Aprendizagem


Alguns tipos de aprendizagem são:
 O Condicionamento clássico
 Condicionamento operante
 Aprendizagem motora
 Aprendizagem de discriminação
 Aprendizagem verbal
 Aprendizagem de conceitos
 Aprendizagem de resolução de problemas
 Aprendizagem social

4.1.2.1. Condicionamento Clássico


Também chamado de “condicionamento simples”, “resposta
condicionada/respondente” ou de “associação de estímulos”, esta forma de
aprendizagem foi estudada pela primeira vez por Ivan P. Pavlov. O condicionamento
clássico é um tipo de aprendizagem em que um organismo aprende a responder a
um estímulo neutro que antes não produzia essa resposta.
Pavlov, ao estudar a secreção salivar nos cães, constatou que os animais salivavam
sempre que o alimento lhes era colocado na boca. Ao repetir a experiência com os
mesmos cães, observou que os animais salivavam nas seguintes condições: ao ver
o alimento, ao ver a pessoa que habitualmente lhes trazia o alimento, ao ouvir
os passos destas pessoas. Estas observações levaram-no a pôr a hipótese de que
estava perante uma forma de aprendizagem. Reformulou o seu projecto de 32
investigação e procurou, com os seus colaboradores, através de experiências estudar
objectivamente o fenómeno: Conhecer de que modo os estímulos neutros
provocavam a salivação.

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


A EXPERIÊNCIA DE PAVLOV

Pavlov descreve pormenorizadamente as suas experiências no livro “Reflexos


Condicionados”. Para se certificar de que estímulos estranhos não afectariam a
experiência, procurou controlar as condições em que esta decorre.

Quando o experimentador apresentava a carne ao animal, ele salivava. Neste caso, a


salivação é uma resposta não condicionada (R), isto é, inata, não aprendida. O
estímulo que a provocou designa-se por estímulo não condicionado ou incondicionado
(E). Posteriormente, Pavlov fez acompanhar a carne (E) de um toque de campainha
(EN, estímulo neutro) e verificou que o cão salivava. O experimentador repete várias
vezes esta associação de estímulos, o que leva o cão a esperar que a carne apareça
ao toque da campainha. Passado algum tempo, Pavlov constata que o cão saliva
quando ouve a campainha. O reflexo condicionado é, pois, uma resposta
aprendida a um estímulo inadequado. A quantidade de saliva segregada constitui
a intensidade da resposta do animal.

Esquematizando:
--- Antes do condicionamento:
Estímulo não condicionado (ENC) = Resposta não condicionado (RNC). Não há
resposta ou esta é inadequada.
 Carne (ENC) Salivação (RNC)
--- O Durante o condicionamento:
Estímulo não condicionado (ENC) + O Estimulo neutro (EN) = Resposta não
condicionado (RNC). Não há resposta ou esta é inadequada.
 Carne (ENC) + Campainha (EN) Salivação (RNC)

--- Depois do condicionamento:


Estimulo condicionado (EC) = Resposta condicionado (RC)

 Campainha (EN) Salivação (RC)

Nos processos de condicionamento decorrentes das experiências realizadas, Pavlov


e a sua equipa identificaram alguns processos que envolvem o condicionamento: a
aquisição, a extinção, a recuperação espontânea, a generalização do estímulo e
a discriminação.
O termo extinção é utilizado para designar a diminuição e/ou extinção da resposta
condicionada devido à ausência do estímulo não condicionado. Pavlov constatou
que, quando fazia soar a campainha, após um tempo de descanso, repetidas vezes, 33
sem apresentar a carne, o cão voltava a salivar cada vez menos, até deixar de salivar
(recuperação espontânea da resposta).

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


Durante as experiências, os investigadores constataram que o cão salivava mesmo
quando o som emitido era diferente do da campainha habitualmente usada no
condicionamento: a resposta condicionada era, inclusive, desencadeada pelo som de
uma sirene. A tendência para responder a estímulos semelhantes ao estímulo
condicionado designa-se por generalização de estímulo.

4.1.2.2. Condicionamento Operante


Enquanto Pavlov desenvolvia as suas investigações na Rússia, nos EUA Thorndike
procurava conhecer o modo como animais resolviam problemas. É partir das
experiências históricas deste investigador que Skinner vai desenvolver os seus
trabalhos.

A EXPERIÊNCIA DE THORNDIKE

Edward Lee Thorndike desenvolve um conjunto de investigações, vinte anos antes de


Pavlov, procurando responder a uma questão: será que o modo de aprender do ser
humano é semelhante ao dos animais?
Para responder a esta questão, Thorndike vai desenvolver uma rigorosa investigação
experimental com o objectivo de estudar o modo como a aprendizagem decorre,
concretamente nos gatos. Thorndike constrói uma caixa problema: uma gaiola com
grades de onde o animal só podia sair se executasse uma acção (puxar um fio,
carregar numa alavanca) que lhe abria a porta. No exterior da caixa, o
experimentador colocava alimento que podia ser visto e cheirado pelo animal. Utiliza
na experiência gatos esfomeados que eram recompensados quando saíam, portanto,
quando resolviam o problema.
Numa primeira fase, o animal investia contra as grades, mordia-as, miando
desesperadamente. Passado algum tempo, e depois de várias tentativas e erros,
por acaso, o animal accionava o mecanismo que abria a porta, recebendo alimento
quando saía.

Ao repetir a experiência, o animal demorava cada vez menos tempo a resolver o


problema até que, ao entrar na caixa, já se dirigia directamente ao mecanismo, que
accionava e que abria a porta, recebendo logo em seguida a recompensa. O animal
aprendeu a resolver o problema aprendizagem por tentativas e erros.

4.1.2.2.1. A Lei do efeito


Thorndike constatou que, à medida que a experiência é repetida, as respostas
desadequadas, investir contra as grades, saltar, miar são progressivamente
substituídas por respostas correctas e eficazes. Isto quer dizer que há respostas que
são enfraquecidas e outras que são fortalecidas. Formula então a lei do efeito para
explicar este processo: se a resposta for recompensada, fortalecer-se-á; se não
houver recompensa ou se houver castigo, a resposta enfraquecerá. As
primeiras seriam como que gravadas e as segundas apagadas.
São as respostas mais adequadas, mais aptas, que são retidas, desempenhando 34
assim a aprendizagem um papel importante no processo de adaptação do animal ao
ambiente.

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


4.1.2.2.2. SKINNER E O CONDICIONAMENTO OPERANTE
O ponto de partida para as investigações levadas a cabo por Skinner é a lei do efeito
de Thorndike: para ele a aprendizagem é uma associação entre o estímulo e a
resposta resultante de um acto do sujeito e que produz um estado de satisfação
(Recompensa/Reforço). Seguindo a tradição comportamentalista, vai desenvolver
todo um conjunto de experiências com ratos e pombos, registando as respostas
objectivamente observáveis dadas pelos animais.
Constrói uma caixa (a caixa de Skinner ou câmara de condicionamento operante
dotada de um dispositivo especial: se uma alavanca for carregada, ou uma tecla
premida, é libertado alimento. O experimentador coloca, por exemplo, um rato no
interior da caixa; depois de a explorar, o animal carrega, por acaso, na alavanca e
recebe alimento. A partir deste momento, o animal repete o comportamento, obtendo
todas as vezes comida, que constitui o reforço. Neste caso, o reforço é positivo dado
que o animal tudo fará para o obter.
Assim:
Reforço positivo é o estímulo cuja presença serve para manter ou fortalecer a
resposta. Ex.: Se estudares, deixo-te ir à festa… Deixar um like para estimular mais
publicações do autor.
Reforço negativo não é castigo ou punição mas sim, a
eliminação/diminuição/remoção de um estímulo negativo que põe fim a uma situação
aversiva e que serve para manter ou fortalecer a resposta. Ex.: Chorar na hora de
fazer o TPC e os pais permitirem que a criança vá pra cama sem fazer a lição…
São os dois princípios motivadores a busca do prazer e a fuga à dor que estão na
base dos reforços positivos e negativos.

4.1.2.3. DISTINÇÃO ENTRE CONDICIONAMENTO CLÁSSICO E OPERANTE


Existem claras diferenças entre condicionamento clássico e operante. Enquanto, no
condicionamento pavloviano, a respostas são involuntárias (salivar), no
condicionamento operante são voluntárias (carregar num alavanca). No primeiro, a
resposta resulta da associação de estímulos (ENC + EC), enquanto no segundo o
organismo adopta certos comportamentos para obter uma resposta. No
condicionamento operante, o sujeito age, opera sobre o ambiente para obter
satisfação ou evitar a dor ou a sensação desagradável.
Poderemos dizer que, neste tipo de condicionamento, o sujeito toma iniciativa, é
activo, enquanto no condicionamento clássico é enfatizado o aspecto mecânico e
passivo do sujeito.

Itens Condicionamento clássico Condicionamento Operante


Tipo de aprendizagem - A aprendizagem faz-se por - A aprendizagem faz-se por
associação de estímulo. reforço (Positivo/Negativo).
- Ocorre quando o organismo - Ocorre quando o organismo
aprende a responder a um aprende a associar o
estímulo neutro que antes comportamento com as 35
não produzia essa resposta. consequências que resultam
desse comportamento.

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


Ocorrência durante o O estímulo não condicionado A resposta acompanhada de
condicionamento e o estímulo neutro associam- consequências.
se.
Resposta Involuntária / Automática Voluntária / Instrumental
Atitude do sujeito Passiva/mecânica. Activa/por iniciativa/não
mecânica.

4.1.2.4. Aprendizagem Motora, De Discriminação e Verbal


Como o próprio nome indica, a aprendizagem motora consiste em fazer alguma coisa
através de movimentos, da manipulação de objectos ou instrumentos. Este tipo de
aprendizagem está presente nos seres humanos e animais.
Por outro lado, podemos afirmar que toda a actividade humana implica a
aprendizagem por discriminação, isto é, a possibilidade de perceber e compreender
as semelhanças e diferenças entre as situações e os objectos. Aprendemos a
distinguir as mesas das cadeiras, o campo cultivado da floresta, o rio do lago, o cão
do gato, o livro do caderno, o tango do rock, os diferentes sinais de trânsito.
Na aprendizagem verbal, as palavras estão, em geral, ligadas a aprendizagem. Nas
crianças pequenas, por exemplo, as palavras servem como facilitador da
aprendizagem: aprendem melhor ao nomear os objectos, os fenómenos, as
situações…

4.1.2.5. Aprendizagem De Conceitos


Os conceitos são agrupamentos mentais que nos permitem organizar as informações
sobre a realidade (física, abstracta, natural e social). No conceito de mesa incluímos
todos os objectos que têm um tampo e um suporte, isto é, identificamos os seus
atributos; ao conceito de árvore correspondem várias características que nos
permitem distingui-la de outros objectos e seres do meio ambiente. Podemos dizer,
reproduzindo uma definição clássica, que o conceito é a representação universal de
alguma coisa ou realidade.

4.1.2.6. Aprendizagem De Resolução De Problemas


Entre os problemas que se nos deparam, alguns só exigem, para a sua resolução, o
recurso à inteligência prática e resolvendo-os através da manipulação física dos
objectos. É o que acontece quando procuramos, por exemplo, a chave de uma gaveta.
Contudo, para outros problemas que se nos colocam é necessário recorrer a outros
procedimentos: raciocínio lógico, associação, eliminação de hipóteses, etc.

4.1.2.7. Aprendizagem Social


Poderíamos dizer que faz parte do senso comum a afirmação de que as pessoas,
sobretudo as crianças, aprendem observando e imitando os outros. Contudo, foi Albert
Bandura que desenvolveu numerosas experiências que fundamentaram a importância
da aprendizagem por observação, isto é, a aprendizagem que resulta da interacção e 36
da imitação social.
De acordo com este psicólogo, muitos dos nossos comportamentos são aprendidos
através da observação e imitação de um modelo. É pela observação que posso
aprender a serrar uma tábua, a abrir uma caixa, a ligar uma máquina, a cozinhar, a

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


pintar... Com certeza que precisamos de prática para desenvolver estas aptidões, mas
na base da sua aquisição está a observação. De facto, grande parte da aprendizagem
humana está baseada na observação: o processo de socialização passa, como já
estudaste, necessariamente pela observação, imitação e identificação com os
modelos sociais (pais, professores, amigos).
Bandura sublinha importância do reforço, neste tipo de aprendizagem, distinguindo
reforço directo de reforço vicariante:

 Reforço directo: o sujeito é reforçado após o comportamento desejado.


Ex.: a criança que segura bem o lápis quando começa a escrever e ouve um
elogio, é reforçada.
 Reforço vicariante: o reforço resulta da observação do modelo.
Ex.: a criança observa que uma pessoa, por ter determinado comportamento,
é recompensada. Este facto estimula-a a imitar esse comportamento.

4.1.3. Factores De Aprendizagem


São muitos os factores que influenciam a aprendizagem de formas mais ou menos
directas, mais ou menos conscientes e em graus de abrangência e de importância
diversas. As teorias comportamentais (behavioristas) e as teorias cognitivas
concordam que as diferenças entre os aprendizes (o historial de reforços e o nível de
desenvolvimento) e as diferenças ambientais (a forma como o professor explica a
matéria) podem afectar a aprendizagem, salientando, porém, que estes factores não
bastam para explicar a aprendizagem dos seres humanos.
Quando se fala em factores que influenciam a aprendizagem, podem ser referidos
factores intrapessoais, factores interpessoais e socioambientais.
A categoria intrapessoal inclui factores intrínsecos ao individuo, como: a estrutura
cognitiva e a memória (por ex.: o aluno que já sabe); a prontidão/inteligência (estádio
de desenvolvimento intelectual); motivação e atitude (por ex.: a vontade de saber
mais, o interesse por determinados assuntos); e factores da personalidade (diferenças
individuais, ansiedade, auto-estima, etc.).
Quanto aos factores interpessoais e socioambientais citam-se o clima e as
características da sala de aula, a cooperação ou competição e a interacção entre
alunos, as características do professor e a interacção professor-aluno
(conhecimentos, competências pedagógicas, estilo de ensino, personalidade).

4.1.4. Métodos De Aprendizagem


A aprendizagem pode processar-se por diferentes métodos. Vamos abordar
brevemente alguns desses métodos:
 Distribuição da prática no tempo
 Conhecimento dos resultados
 Aprendizagem total e aprendizagem parcial
 Aprendizagem programada
37
4.1.4.1. Distribuição da prática no tempo
O factor tempo é muito importante na aprendizagem pois existe uma relação entre o
tempo e os conteúdos aprendidos. Os alunos criam hábitos e estratégias diferentes

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


de estudo. Assim, se reflectires nos teus hábitos e se perguntares a outras pessoas,
há quem divida a matéria a estudar por espaços regulares de tempo e quem a estude
de forma mais maciça.
Considera-se aprendizagem concentrada a que é feita intensamente, sem
intervalos, e que se opõe a uma aprendizagem espaçada, que se faz distribuída num
determinado período de tempo.

4.1.4.2. Conhecimento dos resultados


Tem sido pesquisado como é importante para o educando saber o resultado dos seus
desempenhos, o conhecimento dos resultados. Isto é tanto mais importante quando
nem sempre a pessoa se apercebe que errou e de que modo errou.

4.1.4.3. Aprendizagem total e aprendizagem parcial


A questão da aprendizagem total e da aprendizagem parcial diz respeito à
apresentação dos conteúdos: como um todo ou dividido em partes.

4.1.4.4. Aprendizagem programada


Foi na Universidade de Harvard que Skinner, com Fred Keller e J. Holland,
desenvolveu um método baseado no condicionamento operante e designado por
aprendizagem programada.
De acordo com esta concepção, a aprendizagem de qualquer tarefa complexa deve
ser dividida em pequenas etapas. Aquele que aprende deve, por outro lado, conhecer
o resultado do seu trabalho devendo as suas respostas ser objecto de reforço
imediato.

4.2. Motivação
A motivação tem sido definida como uma tensão interna/conjunto de impulsos que
levam o indivíduo a agir com dinamismo e empenho em determinada direcção fim ou
objectivo. Na vida corrente, justificamos muitos comportamentos pela motivação: Ela
aprendeu tão depressa a conduzir porque o desejava muito; Quando estou motivada,
sou capaz de estudar horas afio; e ainda: Querer é poder.
De acordo com alguns estudos realizados, a motivação contribui com cerca de 35%
para o rendimento escolar; outros estudos referem que a inteligência, a motivação e
a personalidade, em conjunto, explicariam apenas 25% da variância do sucesso
escolar, sendo parte desta variação explicada por factores, tais como: os professores,
os pais, os programas, os factores sociais, etc.
As crianças motivadas mostram envolvimento comportamental continuado,
acompanhado de uma tonalidade emocional positiva, mostram curiosidade, tomam
iniciativa, exercem esforço e concentração na implementação das tarefas de
aprendizagem. Por outro lado, as crianças desinteressadas são, habitualmente,
passivas, não se esforçam muito, não tentam, desistem facilmente quando enfrentam
desafios podem mostrar-se aborrecidas, deprimidas, ansiosas ou mesmo irritadas. 38
Deste modo, professores necessitam de, simultaneamente, ajudar os alunos a
valorizar as actividades escolares e a faze-los acreditar que poderão ter sucesso na
realização dessas actividades se desprenderem um esforço razoável.

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


4.2.1. Tipos de motivação
4.2.1.1. Motivação intrínseca e motivação extrínseca
Enquanto a primeira refere-se à motivação gerada por necessidades e motivos da
pessoa, a motivação extrínseca refere-se à motivação gerada por processos de
reforço e punição. No entanto é falso dizer, que a motivação extrínseca é fruto da
acção do ambiente e a intrínseca à da pessoa, porque, como se verá, a motivação é
sempre fruto de uma interacção entre a pessoa e o ambiente.
A motivação intrínseca aplica-se a actividade realizada como resultado de uma
decisão do organismo tendo como consideração a situação (curiosidade, novidade,
sentir responsabilidades pelas suas acções, autonomia e autodeterminação). Assim,
a motivação intrínseca depende da percepção de que o próprio comportamento
resulta de causas internas e não de pressões exteriores.
Na motivação extrínseca, o sujeito age quase exclusivamente com vista à
recompensa, seja qual for. Os factores motivadores não são inerentes ao sujeito ou à
tarefa, dependo de contingências alheias ao sujeito (por ex.: estudar por pressão dos
pais ou presente do professor).

Importante também é observar que os dois tipos de motivação podem aparecer


mesclados, como, por exemplo, quando a pessoa estuda um tema que a interessa
(motivação intrínseca) e consegue com isso uma boa nota (reforço: motivação
extrínseca).

4.2.2. Motivação e aprendizagem

A pesquisa sobre a motivação evidenciou que os alunos enfrentam o seu trabalho com
mais ou menos interesse e esforço devido a três tipos de facotres:

1) O significado que tem para eles aprender o que lhes é proposto


2) As possibilidades que acreditam ter para ultrapassar as dificuldades que
surgem durante a execução das actividades propostas
3) O custo, em termos de tempo e esforço, avaliado pelo aluno tendo em conta o
significado das aprendizagens

As actividades académicas possuem mais de um significado, uma vez que contribuem


para a consecução de metas diferentes, nomeadamente aprender, crescer,
desenvolver-se e desfrutar da tarefa, incentivos externos à sua realização, as notas,
respeito pelo desejo de autonomia e da apreciação do aluno por parte do professor e
dos colegas.

Para tal, entre as estratégias mais recomendadas para o desenvolvimento de um


ambiente motivador na sala de aula, temos:

- Desenvolvimento de tarefas associadas a activação da curiosidade dos alunos e a


enfâse na sua utilidade; 39
- Acompanhamento durante a realização da tarefa;

- A utilização do estilo democrático na autoridade do professor;

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


- Utilização do reforço positivo (elogio ao esforço e progresso pessoal) enquanto
incentivo da aprendizagem;

- Trabalho em cooperação com os outros colegas;

- Avaliação tendo em conta a norma-critério, processo-produto e o caracter público-


privado.

Em suma, podemos dizer que no processo de ensino-aprendizagem o agente


motivador é por excelência o professor embora, há outros agentes que podem
desempenhar um papel importante (por ex.: a família e o grupo de pares).

4.3. Conceito De Memória


Podemos definir a memória como um processo cognitivo que permite reter e
recuperar a informação e recordar o que aprendemos. É um sistema aberto em que a
informação entra (aquisição), é armazenada (retenção ou armazenamento), podendo
depois ser recuperada (recordação ou activação). Estas serão as etapas do processo
mnésico.

4.3.1. Tipos De Memória


 Memória sensorial
 Memória a curto prazo
 Memória a longo prazo

Memória sensorial
É pelos sentidos que as informações entram no sistema da memória. As entradas
(imputs) sensoriais são mantidas armazenadas durante fracções de segundo: a
informação sensorial do estímulo (visual, auditivo, táctil) mantém-se após o seu
desaparecimento por um curtíssimo espaço de tempo. Podemos assim referir vários
tipos de memória sensorial: visual, auditiva, olfactiva, táctil, gustativa... De entre as
memórias sensoriais, as mais estudadas são a visual e a auditiva.

Memória a curto prazo


A memória a curto prazo designa, como o nome indica, o armazenamento da
informação, por um período de alguns segundos após o desaparecimento do estímulo.
Corresponde a um segundo armazenamento da memória sendo mais durável e mais
controlada pelo sujeito do que a memória sensorial. É este tipo de memória que
utilizamos em situações que reconheces da tua experiência: queres reservar bilhetes
para um concerto e procuras na lista o número do telefone da agência. Reténs o
número, repetindo mentalmente, o que te permite fazer o telefonema. Se, passada
uma hora, um amigo teu o pedir, provavelmente não o recordarás...

Memória a longo prazo 40


A memória a longo prazo permite conservar dados, informações adquiridas, durante
dias, meses, anos e até durante toda a vida. É graças a este tipo de memória que
somos capazes de ler, de reconhecer trajectos, de identificar pessoas conhecidas, de

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


recordar episódios da nossa infância. Podemos até afirmar que a sua duração é
ilimitada.
Memória sensorial Memória a curto Memória a longo
prazo prazo
Tempo de Escassos segundos 30 a 60 segundos. Horas, dias, meses,
armazenamento (0,2 a 2 segundos). anos, toda a vida.

Atenção Nenhuma/muito Alguma. Moderada.


pouca.
Capacidade Ilimitada: todos os 7 elementos (+/-2) Ilimitada.
dados registados
pelos órgãos dos
sentidos.
Exemplos Quando se vê alguma Consultamos um Recordamos a casa
coisa por instantes e número na lista onde passamos
nos pedem para telefónica e férias na nossa
recordar um recordamo-lo infância.
pormenor. enquanto
discamos.

4.3.2. Memória e Esquecimento


“Uma boa memória é útil, mas também o é a capacidade de esquecer’’.

Não podemos falar de memória sem falar de esquecimento. Na conversação corrente,


o esquecimento aparece como um defeito, como o inverso da memória.
Contudo, podemos dizer com William James: ‘’se recordássemos tudo, estaríamos tão
mal como se não recordássemos nada’’.
O esquecimento não pode ser encarado como uma lacuna da memória, como uma
doença. Ele é condição da própria memória: é porque esquecemos que continuamos
a reter. O esquecimento tem uma função selectiva dado que, numa dada situação,
afasta materiais que não são úteis ou necessários.

4.3.3. Factores que explicam o esquecimento


Desde sempre os seres humanos procuraram explicar o esquecimento, isto é, a
incapacidade de reter, recordar ou reconhecer uma informação. Várias teorias foram,
ao longo do tempo, sugerindo explicações para o processo de perda do material
memorizado. As diferentes propostas de explicação apresentaram diferentes factores
para explicar o esquecimento. Hoje constata-se que o esquecimento não é produto de
apenas um factor mas da interacção de vários factores.
 Desaparecimento e alteração do traço mnésico.
 Interferências de novas aprendizagens
 Motivação inconsciente

4.3.3.1. O desaparecimento e alteração do traço mnésico 41

Uma das hipóteses mais partilhadas para explicar o esquecimento reside no


desaparecimento do traço mnésico devido à passagem do tempo. O esquecimento

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


teria origem na perda de retenção provocada pela não utilização dos materiais
armazenados. O traço enfraqueceria devido à falta de exercício.
Para muitos, o esquecimento teria origem fundamentalmente na deformação dos
conteúdos retidos. Uma das fontes de distorção seria produto de atribuição aos
materiais armazenados na memória de designações desadequadas. Daí não ser
possível recordar com exactidão material aos quais foram atribuídos significados
inexactos.

4.3.3.2. Interferências de novas aprendizagens


Um dos factores que explicaria o esquecimento resultaria da interferência de
aprendizagens na retenção de outras aprendizagens.
Geralmente, distinguem-se duas formas de interferência: inibição proactiva e inibição
retroactiva:

Inibição proactiva corresponde à influência negativa que a aprendizagem anterior


tem sobre a recordação de uma nova informação. Se aprendemos dois tipos de tarefa
A e depois B, a natureza de A pode influenciar a recordação de B. Se, por exemplo,
uma pessoa perder o seu cartão multibanco e depois receber um novo, o código do
cartão perdido pode influenciar, interferir, na recordação do novo código;

Inibição retroactiva corresponde ao efeito negativo que a informação nova tem sobre
a anterior: a tarefa B inibe a recordação da tarefa A. Neste caso, o processo de
interferência aumenta com o exercício. Retomemos o exemplo anterior: depois de
uma pessoa usar o cartão várias vezes com o novo código, tem dificuldade em
recordar o código anterior.

4.3.3.3. O esquecimento e motivação inconsciente


Freud’ apresenta uma explicação para o esquecimento baseada na noção de
recalcamento: o sujeito esqueceria acontecimentos traumatizantes que teriam
ocorrido. As recordações dolorosas eram inibidas, mantendo-se recalcadas no
inconsciente. O esquecimento teria, portanto, um carácter selectivo: acontecimentos,
representações geradoras de angústia e ansiedade, não aceites pelo sujeito, seriam
reprimidas, mantendo-se na zona inconsciente do psiquismo. Submersas, manteriam
o seu potencial dinâmico influenciando o comportamento do indivíduo. A resistência,
que se opõe a que estas lembranças se tornem conscientes, impede a sua evocação.

42

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


Tema 5: A Personalidade
5.1. Conceito
A palavra personalidade tem origem no termo latino "persona", que significa
máscara. Os actores do teatro antigo, concretamente da tragédia grega, usavam uma
máscara durante toda a representação, permitindo aos espectadores reconhecer a
personalidade das diferentes personagens. A máscara, pela sua constância,
possibilitava prever o comportamento dos intervenientes ao longo da acção.
É o elemento relativamente estável da conduta de uma pessoa, a estrutura que subjaz
à constelação das características de cada um de nós, que distinguindo-nos de todos
os outros e torna-nos únicos nos pensamentos, emoções e acções.
Quando nos referimos à personalidade de alguém, temos em conta os seus
sentimentos, emoções, pensamentos, atitudes, comportamentos, motivações,
tomadas de decisão, projectos de vida.
Falar de personalidade é também falar do sentido que a pessoa dá às diferentes
ocorrências e experiências da sua vida. Falar de personalidade é ainda falar de
comunicação e de relações interpessoais, de comportamento social. A personalidade
envolve a totalidade da pessoa.
A personalidade é um conceito que apela para o individuo, para a sua
unicidade/singularidade, no que há de mais nuclear e especifico em sim mesmo, mas,
também, para a sua diferenciação, no que há de distintivo dos outros. A personalidade
permite que nos reconheçamos e sejamos reconhecidos. A personalidade representa
uma fidelidade, uma continuidade, uma consistência de formas de ser e estar.
Você pode ser qualificado como extrovertido”, por exemplo, se é falante e sociável na
maior parte do tempo, ou como “escrupuloso” se você é responsável e
autodisciplinado na maior parte do tempo.

5.2. Factores que influenciam a personalidade


Hereditariedade – o património genético do indivíduo define a sua singularidade
morfológica, fisiológica, sexual (ser homem ou mulher). Na determinação do
temperamento estão as variações individuais do organismo, concretamente a
constituição física (gordo, magro, alta, baixa) e o funcionamento dos sistemas nervoso
e endócrino, que são em grande parte hereditários. Indivíduos com disfunções no
sistema nervoso e/ou endócrino sofrem diversas perturbações que se reflectem na
personalidade – o modo como se vêem a si próprios, como se relacionam com os
outros e como enfrentam as diversas situações do dia-a-dia.
O estudo dos gémeos – um dos métodos usados para analisar o papel da
hereditariedade – demonstrou que na generalidade, é nas características da
personalidade que a semelhança é menor, em comparação com as semelhanças
físicas e intelectuais.
Meio Social – o meio social e cultural a que se pertence desempenham um papel
determinante na construção da personalidade. A personalidade forma-se num
processo interactivo com os sistemas de vida que a envolvem: a família, a escola, o 43
grupo de pares, o trabalho.
Uma personalidade é marcada por todo o processo de socialização, em que a família,
sobretudo nos primeiros anos, assume um papel muito importante, pelas

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


características e qualidade das relações existentes e pelos estilos educativos. O tipo
de ambiente e o tipo de clima vivenciados (gratificante, hostil, violento, harmonioso)
também influenciam a personalidade – comportamentos, atitudes, características
psicológicas.
Experiências pessoais – as experiências pessoais abarcam as vivências de cada
um. Assim, os acontecimentos, as experiências vividas – positivas ou negativas –
afectam a personalidade ao longo de toda a vida.
Atribui-se cada vez mais maior importância aos estádios do desenvolvimento
emocional da infância na construção da personalidade. A qualidade das relações
precoces e o processo de vinculação na relação mãe-filho parecem ser fundamentais
na estruturação e organização da personalidade.
A complexidade das relações familiares vai influenciar as capacidades cognitivas,
linguísticas e afectivas, os processos de autonomia, de socialização, de construção
de valores das crianças e jovens.
Na construção da personalidade outra etapa-chave é adolescência, com a formação
da identidade pessoal e psicossocial. Ocorrências e acasos (ser pai/mãe, perder um
familiar, mudanças de localidade/escola, violação, doenças graves) são experiências
que marcam a personalidade do individuo. Mas, o sentido que lhes atribuímos, o modo
como conseguimos (ou não) superá-las e integrá-las na nossa vida são também
reflexo da própria personalidade.

5.3. Teorias da personalidade


As teorias da personalidade constituem tentativas para descrever e explicar o modo
como os indivíduos se distinguem no seu estilo geral de comportamento, na sua
personalidade.

 TEORIA HUMANISTA
É também conhecida como a teoria fenomenológica da personalidade, ou ainda, a
teoria centrada na pessoa: De acordo com Carl Rogers, as pessoas procuram
desenvolver o seu potencial ao longo da vida, isto é, procuram auto-realizar-se, bem
como manter boas relações com os outros. Considerava o sujeito na sua totalidade,
atribuindo grande importância a criatividade, intencionalidade, livre arbítrio e
espontaneidade. Rogers concede um lugar importante a noção de EU e define o modo
como as experiências são vividas e o modo como se apreende o mundo, isto é, a
pessoa tem a capacidade e oportunidade de se desenvolver de modo positivo e
realista: a pessoa tem um potencial de crescimento.
Segundo o autor, a personalidade consta três de factores primordiais que contribuem
para o crescimento pessoal: a empatia, a visão positiva (aceitação) e as relações
congruentes.

 TEORIA DA AUTO-REALIZAÇÃO DE MASLOW


Maslow considerava os seres humanos como bons racionais e conscientes e, que 44
estes eram os actores de seus próprios destinos e evolução. Encara o
desenvolvimento da personalidade baseado na motivação a qual pode ser
hierarquizada. Estudou as histórias de várias personalidades procurando, assim,

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


identificar traços comuns de personalidade, chegando no entanto a conclusões
diferentes sobre a natureza da personalidade.
É a partir deste estudo que desenvolve a teoria da auto-realização segundo a qual os
seres teriam uma motivação inata para realizar o seu potencial. Contudo, para se
atingir esta motivação, que se encontra no topo da sua pirâmide das necessidades, é
necessário já ter satisfeitas as necessidades dos níveis anteriores. Dai considerar ser
fundamental que todos os seres humanos tenham motivações fundamentais
satisfeitas para poderem aceder à auto-realização – necessidade que reflecte o
sentido superior do ser humano.

Encontrou três termos que correspondem a três dimensões/descrições fundamentais


da personalidade: extroversão, neuroticismo e psicoticismo. A extroversão
relaciona-se com o grau de sociabilidade (falante, activo, afectuoso, tolerante, gentil,
bem-humorado), enquanto a dimensão neurótica inclui a instabilidade emocional
(preocupado, temperamental, autocritico, emotivo, mau-humor). Por fim, o
psicoticismo refere-se à forma como a realidade é distorcida.

45

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


Tema 6: Psicologia da Educação
6.1. Conceito e objecto de estudo
A Psicologia da Educação é frequentemente vista como sendo mediadora entre a
Psicologia e a Educação, tendo os psicólogos da educação aplicado os
conhecimentos, métodos e princípios da Psicologia ao estudo dos fenómenos
educativos, verificando-se também uma tendência para alargar a acção a outros
contextos educativos, como a família.
A Psicologia da educação:
- Proporciona um guia nos métodos para ajudar os estudantes a aprenderem;
- Coloca os professores a par do estudo científico do desenvolvimento mental;
- Fornece os fundamentos psicológicos dos factores educativos na civilização e nas
suas escolas.

Assim, o objecto de estudo da Psicologia da Educação são os processos de


mudança comportamental, provocados ou induzidos nas pessoas como resultado da
sua participação em actividades educativas. Os processos de mudança privilegiados
são os psicológicos e consistem ou podem relacionar-se com a participação das
pessoas em actividades ou situações educativas.
Ela debruça-se nos pilares do contexto escolar (os alunos, o professor, as estratégias
de ensino e o conteúdo a ser ensinado) importantes na reflexão sobre o processo de
ensino-aprendizagem, a relação pedagógica, a gestão da sala de aula, entre outros
aspectos.
Esta disciplina pode contribuir de forma original e substancial para o conhecimento
psicológico e para a prática educativa, permitindo efectuar pesquisas aplicadas,
dirigidas aos problemas, factores e variáveis das situações educativas.

6.2. As relações entre a Psicologia e a Educação


O conceito de educação tem sido definido por diversos autores e em diversos
contextos. Muitas vezes é confundido com outros conceitos, como desenvolvimento,
aprendizagem, saber. Contudo, estes termos não são sinónimos, apesar de inter-
relacionarem-se. Mesmo numa escola, os professores frequentemente queixam-se de
alunos mal-educados e elogiam os alunos bem-educados, referindo-se muitas vezes,
a rectidão moral.

J. H. Barros e A. M. Barros (1996, p.17) definem educação como: acção intencional


ou voluntaria, de um adulto (ou educador) sobre uma criança (educando), usando
métodos mais ou menos autoritários ou dialogantes, tradicionais ou modernos, em
ordem a levar a criança ou a ajuda-la (conforme se acentue mais a hétero- ou auto-
educacao) a desenvolver todas as suas potencialidades (educação integral ou
holística) (…). A educação visa ainda a inserção do individuo numa sociedade que se
pretende ordenada e harmónica (Estrela, 2002,p.17).
46

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


6.3. A escola como instituição
No seu reconhecimento enquanto poderosa agencia de socialização do individuo, a
escola deve estar ao serviço da democracia, proporcionando aprendizagens
relevantes, transmitindo valores congruentes, estruturando oportunidades para o
exercício da participação e do poder democrático.
O conceito de instituição refere-se à idade de estar na escola, às funções sociais da
escola, ao ensino e às aprendizagens que nela têm lugar, enfim às características
gerais partilhadas por todas escolas, típicas dos processos educativos escolares, sem
esquecer do caracter organizacional, os objectivos e tecnologias como forma de os
alcançar, estruturando hierarquias e poderes, formas de comunicação, etc.
Uma escola não pode apenas permitir a massificação do acesso mas sim a
massificação do sucesso. Esta desatenção, associada ao objectivo “ensinar a muitos
como se fossem um só” leva a homogeneização dos alunos e à uniformização das
práticas pedagógicas que não são abonatórias a massificação do sucesso.
Actualmente, à função intencional de transmissão do saber cultural estão associadas
outras funções, nomeadamente a função pessoal de apoio aos alunos (apoio
pedagógico, apoio psicológico), a função política de preparação dos cidadãos para
a democracia, a função económica de preparação dos trabalhadores para o mercado
de trabalho e a função social de igualização de oportunidades, responsabilidade
social, educação moral e cívica e a recriação-criação do saber.
Em consequência, escolas e professores terão de assumir como principio que os
estudantes não formam um público uniforme de comportamentos, sentimentos, de
objectivos individuais e de preparação anterior idêntica, com o qual o acto de
ensinar/aprender se materializa numa simples transmissão de conhecimentos. Assim,
é necessário que inovem, que encontrem novas estratégias de ensino, que apoiem as
iniciativas dos alunos de forma a transformá-los em verdadeiros actores da mutação
que é necessária. Os alunos também devem compreender, finalmente, que a escola
poderá ser diferente, se eles se empenharem na sua mudança. Aliás, a escola é um
sistema que desenvolve actividades sociais e culturais mediadas por vários actores:
professores, alunos, pais, comunidade…

6.4. A escola como espaço relacional

6.5. A gestão da sala de aula

47

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo


Bibliografia

1. Bock, A. M. B., Furtado, O. & Teixeira, M. L. (1999). Psicologias: Uma


Introdução ao estudo de Psicologia. 13ª ed. São Paulo: Saraiva.
2. Braghirolli, E. M. et al. (2002). Psicologia Geral. 22ª ed. Petrópolis, RJ: Editora
Vozes.
3. Candundo, V. C. G. (2016). Adaptação ao Ensino Superior: um estudo de caso
em estudantes do curso de Psicologia do Instituto Superior de Ciências da
Educação da Huíla. Trabalho de Fim de Curso - Instituto Superior de Ciências
da Educação da Huíla. Lubango: ISCED-HLA. pp. 77
4. Cole, M. & Cole, S.R. (1996). O desenvolvimento da criança e do adolescente.
São Paulo: Thomson.
5. Mesquita, R. & Duarte, F. (1996). Dicionário de Psicologia. Lisboa: Plátano.
6. Ministério da Educação. (2012). Programa de Psicologia - 12ª Classe. 2ª ed.
Luanda: INIDE.
7. Monteiro, M., Dos Santos, M., R. (1999). Psicologia. Porto: Porto Editora.
8. Monteiro, M., Pereira, M., (2002). Acesso ao Ensino Superior 2003: Preparação
para a prova de exame nacional – 12.º ano. Porto: Porto Editora.
9. Pessanha, M., et al. (2014). Psicologia da Educação. Luanda: Plural editores.

48

Psicologia | Valdmir Carlos Guedes Candundo

Você também pode gostar