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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE PSICOLOGIA
CURSO DE GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA

Rafaella Delatorre Tavares Quintans

COGNIÇÃO
PROFº EDUARDO HENRIQUE PASSOS PEREIRA

NITERÓI
2022
Estudo dirigido I – Pensamento e Inteligência
Texto: Da história da psicologia à psicologia histórica – O caso Wundt
Rafaella Quintans

1-
Kant afirma o ser por transcendentalismo, movimento definido por condições de possibilidade da experiência a priori
-vindas antes da experiência-, como o tempo e o espaço. Sendo o sujeito transcendental detentor dessas formas a priori da
sensibilidade e, portanto, não passível de ser experimentado, o filósofo nega a psicologia como ciência a partir do chamado veto
kantiano, já que o objeto da psicologia seria unicamente temporal e não poderia ser matematizado.
No entanto, o veto kantiano não foi capaz de negar a criação de uma ciência que busca entender o psique do sujeito
cognoscente. Dessa forma, a fim de entender o engendramento dos fatos mentais, compostos por definição, Wundt suspende o
veto e lança mão do método experimental, baseado na observação controlada. Acrescido da observação interior e direta com a
qual se apreende os estados da consciência, prática wunditiana conhecida como introspeccionismo, tal método fundaria a
ciência positiva do sujeito: a psicologia, que tem seu objeto -a consciência- herdado da filosofia moderna, idealista, e tem seu
método -a observação controlada- herdado das ciências naturais.
O método experimental tem como sua principal importância atribuir à psicologia a afirmação científica que a filosofia não
possui porque, embora o alicerce do conhecimento esteja no sujeito, a utilização de um método na filosofia acarreta em
especulações, em que os enunciados produzidos não podem ser verificados. Assim, o emergir da psicologia se afasta de
qualquer pretensão filosófica do sujeito cognoscente, buscando, através de um método, chegar à leis gerais que envolvem os
fenômenos psicológicos.
Nesse sentido, o método de Wundt analisa os fenômenos conscientes devem ser decompostos, a fim de se chegar em
elementos simples, como previa a Lei da Parcimônia, de Lloyd Morgam. Tais componentes últimos, resultados da
decomposição, são definidos, por Wundt, como os inconscientes cognitivos, que são fisiológicos e estão relacionados às
sensações. Essa aproximação da fisiologia do sujeito atesta o teor naturalista necessário para que a psicologia, nesse primeiro
momento, fosse atestada como uma ciência cognitiva positiva.

2-
O acesso ao mundo ocorre através da experiência do objeto externo do indivíduo porém, para Wundt, há duas maneiras de
perspectivar a experiência e de dividir essa apreensão do externo: pelo viés fisiológico, físico, que se revela pela experiência
mediata; e pelo viés psíquico, que se revela pela experiência imediata.
A experiência imediata trata da experiência da percepção do sujeito sobre algo a partir da observação direta, mesmo que o
conteúdo dessa experiência, em relação com o sujeito e estando no fluir psíquico, não tenha relação com um objeto externo, como é
o caso dos sentimentos. Dessa forma, qualquer apreensão do sujeito sobre um objeto ocorre de forma imediata e proximal, sendo
necessário um método para que ocorra o acesso mediato da experiência em busca da realidade objetiva, uma vez que Wundt busca
uma regularidade dos fenômenos cognitivos, compostos por definição.
O acesso mediato pode ser definido como a experiência baseada na realidade do objeto, sendo esse distinto da consciência
do sujeito. Ou seja, a observação desse objeto é obtida de modo concreto, sem as atribuições pessoais sobre ele, já que os
fenômenos cognitivos decompostos por associação geram elementos simples que se definem, par
Seguindo o viés psíquico, através da experiência imediata, a psicologia estuda o sujeito cognoscente, inadimitindo ser
possível a formulação de uma hipótese de uma realidade atômica que seria o constituinte inanimado último, recusando o
elementarismo como hipótese psicológica e também identificando sua limitação acerca da explicação das faculdades cognitivas
superiores: pensamento, sentimento, atenção, linguagem.
Os fenômenos da consciência estão relacionados em um fluxo constante, com o qual ocorre a experiência imediata e sua
atividade cognitiva sintética indecomponível, e não é possível separá-los, pois este fluir não consegue apreender seus elementos
constituidores (inconsciente cognitivo), apenas seus resultados. Sendo composta de pura atividade, não se pode considerar,
portanto, a consciência como uma substância permanente, rígida e que pressupõe o isolamento de conteúdos.
3-

O método de observação aplicado por Wundt, o introspeccionismo, tem como objetivo entender a lógica psíquica através do
simples, como afirma a Lei da Parcimônia. Entretanto, o método experimental possui uma limitação, não sendo possível, através
dele, compreender todos os compostos conscientes. Isto é, o método científico wunditiano considera os fenômenos associativos da
consciência (percepção e memória), mas desconsidera as faculdades cognitivas superiores da mesma, que são indecomponíveis e
conferem à vida mental um caráter sintético de complexidade (pensamento, linguagem, atenção e sentimento).
Dessa forma, Wundt, mesmo atribuindo legitimidade à ciência por meio de seus estudos naturalistas, veta a psicologia
experimental do pensamento, explicação da consciência meramente fisiológica - a qual já havia afirmado com o método de
observação -, e atesta a irredutibilidade do fenômeno psíquico à realidade, aos fenômenos físicos. Por isso, chama seu projeto de
Psicologia Fisiológica: Decompõe fenômenos associativos para realizar mediação de certas experiências, chegando a elementos
simples de composição, mas também discorre sobre o ser que, imensurável e subjetivamente, se apresenta como um conjunto de
qualidades cuja realidade é dada a partir da observação direta, em uma experiência imediata.
Sendo assim, há uma evidência acerca do limite à aplicação do método analítico da introspecção. A partir disso, Wundt
realiza uma mudança metodológica, se dedicando à Völkerpsychologie (Psicologia dos Povos), que nada mais é do que o uso
comparativo do método social-histórico para investigar as faculdades cognitivas superiores, ou seja, Wundt deseja avaliar o
pensamento do espírito ao longo da história, afirmando a complexidade supracitada.
Para Wundt, a constituição da vida se dá a partir de uma construção individual e social, sendo assim, temporal: a essência
do espírito é devir, caracterizando o fluxo permanente da consciência. Dessa forma, ele pressupõe que, através da investigação
histórica, é possível buscar as respostas que a Psicologia Fisiológica é incapaz de chegar.
O espírito é, ao mesmo tempo, singular e coletivo, em que a individualidade do sujeito é também formada a partir de uma
construção social. Dessa forma, Wundt pressupõe que, durante o curso da história, é possível encontrar elementos que, de forma
evolutiva, representam “os elementos espirituais universalmente humanos”. Os fenômenos complexos da consciência são
encontrados através das marcas deixadas na história, e seu devir só pode ser entendido através desse processo.
Desta maneira, é possível afirmar que o interesse da Völkerpsychologie é duplo, pois ao mesmo tempo que é utilizada para
complementar a investigação da Psicologia Fisiológica estudando os processos superiores da consciência, também analisa o
processo de evolução da mente humana no curso histórico.

4-
Wundt critica o reducionismo da capacidade cognitiva à uma explicação meramente mecanicista, que atendia ao
imperativo de um fundamento único para todas as ciências da natureza. Isso porque, reconhecendo a desconsideração das
faculdades cognitivas superiores pelo método experimental, Wundt afirma o caráter complexo da vida mental, que é atualizada
e composta por elementos enlaçados e interativos em um fluir psíquico.
A partir disso, não se reconhecendo integralmente como elementarista associacionista, Wundt discorre sobre o caráter
construtivo da atividade sintética própria das faculdades cognitivas, partindo de uma perspectiva que reconhece a não
exclusão entre si de aspectos fisiológicos e psicológicos do sujeito, conferindo um caráter monista à complexidade da
consciência.
Segundo Wundt, as sensações, respostas fisiológicas a um estímulo externo, são resultado de premissas
inconscientes. Não à toa, elas são pensadas isoladamente apenas por abstração, pelos elementos simples. Tais respostas
causam, na consciência, uma repercussão (“tom”) nomeada sentimento. A combinação de diferentes sentimentos forma a
emoção, que revela um ato de vontade quando é acompanhada de uma alteração no estado representativo e afetivo do
sujeito.
A vontade é um tipo de sentimento e é responsável pela unificação da consciência, isto é, a partir da operação de
focalização do consciente em torno de um conjunto de sentimentos, sensações e percepções, ela cria a unidade da própria
consciência. Empregando uma noção da filosofia idealista de Kant, que reconhecia a garantia do conhecimento no sujeito,
Wundt chama o processo interno da vontade de apercepção, que nada mais é do que a percepção da própria consciência,
podendo ser definida como o máximo das capacidades mentais.

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