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Saúde e doença em Gestalt-Terapia: aspectos


filosóficos

Article · January 1998


DOI: 10.1590/S0103-166X1998000200002

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1 author:

Adriano Holanda
Universidade Federal do Paraná
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.....-

t
[
[
[ Estudos de Psicologia
r 1998, Vo115, n° 2,29 - 44
r
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r
I Saúde e doença em Gestalt- Terapia:
r
r
aspectos filosóficos*
[
I
Adriano Holanda**
I
r o trabalho se propõe a analisar a questão da Psicopatologia sob o prisma da Dialética, a partir das
reflexões de HerácIito de Éfeso, e da Filosofia Dialógica de Martin Buber, como fundamentos para
uma compreensão gestáltica da realidade. A idéia básica para se traçar uma elaboração da psicopa-
tologia em Gestalt- Terapia é a noção de que "tudo é um todo", como contraponto a uma visão nos 0-
gráfica tradicional, que considera a patologia como intrapsíquica ou individual. A psicopatologia é
vista como produto da subjetividade que se caracteriza por ser, antes de tudo, inter-subjetividade.
Partindo de uma epistemologia da Gestalt- Terapia, traça um panorama histórico dos pensamentos
que formaram a Gestalt- Terapia, designando suas principais filosofias de base. Aproveita para te-
cer uma crítica ao modelo psiquiátrico tradicional com base nas idéias de Thomas Szasz. O ceme
do trabalho é a consideração dialética da Gestalt- Terapia, a partir de três asserções: I) Tudo é uma
totalidade; 2) Tudo muda e 3) Tudo se relaciona com algo mais; e de suas correlações com o pensa-
mento de HerácIito de Éfeso. O trabalho elabora ainda uma consideração da psicopatologia sob o
prisma relacional, conforme Buber, que assinala para a patologia como um produto da desconfirma-
ção do ser enquanto um existente. A psicopatologia surge, na realidade, como um evento relacionado
ao diálogo ou, melhor dizendo, à falta deste. Com isto, mais uma vez concIuimos que o homem deve
ser entendido como um ser-de-relações. Utilizando uma linguagem buberiana, o fundamento da rela-
ção está na confirmação da existência do Outro e a psicopatologia é, pois, produto da desconfmnação.
A conclusão fmal reconhece a Gestalt- Terapia como o resgate de uma ética do vivido.
Palavras-chave: Psicopatologia, Gestalt- Terapia, diaiética, diálogo.

Abstract
HeaIth and IIIness in GestaIt-therapy: philosophical aspects
This paper proposes an analysis ofthe question ofpsychopathology and the view ofDialetics in the
reflections ofHeraclitus ofEphesus and the dialogical philosophy ofMartin Buber, as foundations
for a gestaltic compreension of reality. The basic idea to trace an elaboration of psychopathology in
Gestalt- Therapy is the notion that "everything is a whole", like a counterpoint ofa traditional nos 0-
graphic view that considers pathology as individual or intra-psychic. Psychopathology is interpre-
ted like a product of subjectivity that is caracterized, basically, to be an intersubjectivity. Beginning
byan epistemology ofGestalt- Therapy, the articIe traces a historical panorama ofthe thinkings that
formed Gestalt- Therapy, establishing its basics philosophies. The text improves a critics ofthe tra-
ditional psychiatric model based on Thomas Szasz ideas. The core ofthe paper is the dialetical con-
sideration ofGestalt- Therapy, by three points: I) Everything is a whole; 2) Everything changes and
3) Everything is related to everything else; and its correlations with the thinking ofHeraclitus of
Ephesus. There is an elaboration ofpsychopathology by the relational view, according Buber, who
considers pathology a product of disconfirmation of the being whereas an existent. Psychopatho-
logy appears like an event related to the absence of the dialogue. We concludes that the human
being might be understood like a being-in-relations. Using a buberian language, the foundation of
the relation is the confirmation ofthe existence ofthe Other. The final concIusion recognizes Ges-
talt- Therapy as a theory preoccupied with the ransom of the ethics of living.
Key words: Psychopathology, Gestalt- Therapy, dialetics, dialogue.

* Revisão de trabalho apresentado no VI Encontro Nacional de Gestalt- Terapia/lI Encontro Nacional da Abordagem Gestálti-
ca. Florianópolis. 2 a 5 de Outubro de 1997.
** Psicólogo, Psicoterapeuta com Formação de Facilitador na Abordagem Centrada na Pessoa e Gestalt- Terapia de Grupos;
Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília; Doutorando em Psicologia pela Pontificia Universidade Católica
de Campinas: Vice-Presidente do Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília.

.-J
Adriano Holanda 30

Este texto é produto de uma série de re- esqueceram a fome e se concentra-


flexões acerca do tema da psicopatologia a par- ram nos tormentos do amor, o que foi
tir de um ponto de vista da Gestalt- Terapia, pena, porque sexo, comida e bebida
expressos em palestras e discussões com profis- sempre andaram juntos na busca do
sionais da área. O que me proponho a fazer é prazer. Se a sexologia não se tornasse
realizar um percurso epistemológico da Gestalt- matéria científica distinta, se a busca
Terapia, procurando encontrar nesta perspecti- de conhecimento fosse organizada de
va da formação de seu pensamento, uma consi- outra maneira, se tivessem surgido
deração do fenômeno psicopatológico. professores de felicidade para estu-
A Gestalt- Terapia apresenta em seu cor- dar a paixão pelo prazer como um
po teórico-prático, um grande número de for- todo, em todas as suas formas, uma
mulações basais, tais como o contato, o diálogo, visão diferente teria sem dúvida
a totalidade, dentre outros, alguns dos quais ire- emergido. Impulsos fisicos não são
mos nos referir aqui. Todavia, parto de uma déspotas e não raro vêm a ser desobe-
consideração central. Creio que as palavras cha- decidos; gostos não permanecem fi-
ves da Gestalt- Terapia podem ser resumidas em xos para sempre. A maneira de
duas, intimamente relacionadas: Dialética e buscar-se outra vez o desejo está em
Diálogo. Falar do binômio Saúde/Doença é to- considerar o que as pessoas querem à
car a realidade por inteiro, é retomar a questão mesa e na cama como parte de um
. ,,2
do Normal e do Patológico, tantas vezes discuti- conjunto .
da e tantas outras indefinida.
A realidade é muito mais do que uma
A Idéia da psicopatologia e simples forma de conceptualizar o homem. O
ser humanonão se resume aos seus instintos;es-
crítica bumanista
tes fazem parte de um todo maior, de um con-
Freud definia o homem saudável como junto envolvente. No decorrer da evolução das
aquele que "ama e trabalha". Talvez ele não te- idéias, o conceito de normalidade foi sendo
nha se dado conta da complexidade de sua colo- continuamente destituído de seu poder, a partir,
cação, o que o deixou aquém da compreensão principalmente, dos trabalhos de antropólogos
culturais como Ruth Benedict, Margareth
da totalidade e do sentido da realizaçãohumana.
Mead, Bronislaw Malinowski, Gregory Bate-
Um exemplo disto encontramos na seguinte
son e outros, que assinalaram a fragilidade da
afirmação:
noção de normalidade, visto esta ser variável
' . - 3
"Krafft-Ebing,l especialista em cu Ituras, epocas ou sltuaçoes.
em perversões sexuais e amigo de A Psicologia Humanista estabeleceu
Freud em Viena, disse que fome e uma delimitação muito clara na consideração
amor governam o mundo. Mas os dois da psicopatologia ao abandonar a caracteriolo-

l.Barão Richard F.J.von Krafft-Ebing (1840-1902), nasceu em Mannheim, tendo estudado em Heide\berg e trabalhado no
Hospital Burghõlzli. Além de haver publicado um Manual de Psiquiatria, Krafft-Ebing ficou célebre por sua obra Psicho-
pathia Sexualis. editado em 1886. Foi o primeiro a elaborar estudos sobre anomalias sexuais. E foi o responsável pela cunha-
gem dos termos sadismo e masoquismo (MoreI. 1997).
2. Zeldin, 1996:88.
3. Ginger & Ginger, 1995.

D
Saúdee doença em Gestalt-Terapia: aspectos filosóficos 31

gia nosográfica e partir para uma concepção dialética, para considerar a patologia como algo
mais abrangente. Afinal, a psicologia e a psico- meramente individual e intrapsíquico, quando
terapia não são somente para "doentes", mas não intraorgânico. Sobre este aspecto relacional
também para "doentes" ou, como dizia Perls da subjetividade humana, temos que:
com referência específica à Gestalt- Terapia, se
"E a terapia. na sua loucura,
tratava de "um método muito operante para ser
reservado unicamente aos doentes ". ao enfatizar a alma interior e ignorá-
Ia do lado de fora, sustenta a deca-
A Gestalt- Terapia apresenta um discurso -IA . -I
uenClauOmun ,,7
d o rea1 .
sobre a saúde e o funcionamento ótimo da per-
sonalidade 4, com ênfase maior na saúde do que
O que a Psicologia Humanista produz é
na patologia. Os trabalhos sobre psicopatologia
uma inversão de valores. Enquanto a Psicanáli-
em Gestalt- Terapia se devem, a princípio, aos
se partia da "doença" para acessar a dimensão
esforços de Ervmg e Miriam Polster.
saudável do indivíduo, a Gestalt-Terapia, bem
A potência da Gestalt- Terapia está no
como toda a Psicologia humanista, se interes-
fato do terapeuta poder permitir-se ser im-
sou desde cedo pelo desenvolvimento máximo
pregnado de um contato intenso com o cliente,
do potencial humano, ou seja, parte de sua di-
estabelecendo a dimensão relacional em psico-
mensão "saudável' para compreendê-lo como
terapia5.
um todo. Como assinalam Ginger & Ginger:
Segundo Clarkson, a Gestalt- Terapia, em
muitos países europeus, foi dificilmente aceita "Após superar a clivagem su-
pela idéia de que não havia muita teoria. Isto ge- jeit%bjeto da ciência tradicional e a
rou, em um determinado momento da evolução clivagem normal/patológico do mo-
das idéias gestálticas, uma torrente de associa- delo médico, a psicologia humanista
ções do tipo "Gestalt- e..." (Clarksonchama renunciaria também à clivagem car-
isto de "Gestalt and... " syndrome).6 tesiana causa/consequência, para
Creio que a idéia básica, central, de um adotar um ponto de vista sistêmico,
pensamento psicopatológico em Gestalt- Tera- em que todos osfenômenos são consi-
pia se refira à sua concepção de totalidade ou, derados em interdependência circu-
parafraseando Clarkson, "tudo é um todo", ou lar: o homem é um sistema global
seja, é virtualmente impossível apreendermos aberto que inclui subsistemas... ".8
fenomenologicamente o Outro sem atentarmos
para a sua totalidade. O grande erro da Psiquia- Esta concepção está em consonância
tria tradicional, que impregnou e ainda impreg- com a evolução das idéias sobre a mente do ser
na sobremaneira o pensamento psicopatológico humano. Se observarmos a história do pensa-
atual, é desconsiderar a global idade do indiví- mento ocidental, veremos que a nossa herança
duo enquanto uma realidade interativa e intera- intelectual está toda ela calcada numa concep-
tuante, e pois, fundamentalmente dinâmica e ção dualista, determinista, contraditória, basea-

4. Delisle. 1992.
5. Delisle, 1992.
6. Clarkson. 1993.
7. Hillman & Ventura. 1995: 16.
8. Ginger & Ginger, 1995:99.
Adriano Holanda 32

da numa perspectiva fortemente influenciada sa cultura ocidental - impera, pois, em todas as


pela metafisica, em detrimento da dialética e concepções implícitas ou explícitas acerca da
sua intenção de globalização. Convém esclare- mente humana. Esta concepção se caracteriza
cer esta questão. por ser dualista e polarizada.
Dialética significa, originalmente, a arte Este dualismo é explicitado no pensa-
do diálogo. Independentemente da definição da mento de Platão, através do seu "dualismo psi-
genealogia da idéia (Aristóteles considerava cofísico" (corpo e alma), que poderíamos
Zenão de Eléa como o pai da dialética), conside- determinar como sendo o princípio do estabele-
ra-se a dialética como" o modo de pensarmos as cimento deste "dualismo metafisico" ao qual
contradições da realidade, o modo de com- estamos nos referindo. Mas foi Descartes quem
preendermos a realidade como essencialmente formalizou esta estrutura dualista quando:
contraditória e em permanente transforma-
"Através de seu Método divi-
ção".9
diu a mente da matéria na célebre fra-
Neste sentido, o grande mestre da dialéti-
se: 'Matéria é substância que tem
ca da Antiguidade foi Heráclito de Éfeso (a
extensão espacial mas não pensa;
quem iremos nos reportar mais adiante), para
Mente é substância que pensa mas
quem era inegável a qualidade de fluidez e mo-
vimento da realidade. Contrariamente a esta que não possui extensão material'. A
mente cartesiana tem o mesmo papel
concepção, Parmênides ensinava que a essên-
cia do ser era a imutabilidade, a permanência. .
aristotélico de princípio vital pois
.t
COglo
,,,11
ergo sum .
"Essa linha de pensamento -
que podemos chamar de metafisica - Este dualismo metafísico é o gerador de
acabou prevalecendo sobre a dialéti- todas as noções polares que encontramos no
ca de Heráclito (..). De maneira ge- seio do pensamento ocidental, como por exem-
ral, independentemente das intenções plo, as relações de causa-e-efeito - dualismo
dos filósofos, a concepção metafisica epistemológico - comuns à psicologia e às ciên-
prevaleceu, ao longo da história, por- cias naturais.
que correspondia, nas sociedades di- A tradição começa a cambiar quando do
vididas em classes, aos interesses das advento de disciplinas tais como a Cibernética
classes dominantes, sempre preocu- ou a Engenharia Biomédica. No decorrer do an-
padas em organizar duradouramente seio explicativo sobre as funções mentais, a di-
., . -1,,10
o queja estava fi mClOnanuO.... ficuldade maior estava justamente em
conseguir estabelecer uma rede de explicações
A concepção metafisica de realidade - lógicas para o repertório humano. Com a pene-
tradição cultivada desde Parmênides, quando tração da computação no meio social, a mente
pronuncia sua máxima: "o ser é, o não-ser não humana passa a ser considerada tal qual uma
é", é fundamental para o desenvolvimento das grande máquina, e os processos mentais, atra-
característicastecnológicas e científicas de nos- vés de associações entre os estímulos do meio e
9. Konder, 1981:8.
10. Konder, 1981:9.
11. Carvalho, 1996:5. Encontramos sentença semelhante no pensamento de Parmênides, quando este afirma: pois o
mesmo é pensar e ser".
"

Saúde e doença em Gesta1t-Terapia: aspectos filosóficos 33

as respostas consequentes do animal. Todavia, a toda a tradição ocidental de pensamento - que é


hipótese mecanicista não consegue atingir a dualista e segmentária - concorda com a pers-
complexidade humana. Esta se revela igual- pectiva da sabedoria interna ou, como diria
mente dualista.
Rogers, a "sabedoria organísmica", ou como di-
Nesta miríade de concepções dualistas da ria Van Dusen: "no centro da patologia está es-
realidade, acaba que se generaliza o ideário nm- condida a normalidade,,13, conceito comparti-
damental, passando a considerar também o lhado pela Gestalt- Terapia, ou seja, apesar de
mundo sob este prisma dual. No que tange à es- valorizar sobremaneira um aspecto da realidade
trutura conceptual saúde/doença, experimenta- (basicamente o racional), corrobora com a idéia
se uma nova avaliação do real. do vivido. Uma concepção dialética envolve os
A Gestalt- Terapia procura, antes de tudo, diversos aspectos - o racional, o emocional, o
retomar a questão do psicopatológico sob o vivido imediato, etc - num conjunto complexo,
prisma dialético, em contraposição às conside- do qual se busca a harmonização a partir da rea-
rações tradicionais que são influenciadas pelo lidade imediata do sujeito vivente.
pensamento metafisico da Filosofia Ocidental; Se considerarmos o ser humano como
um pensamento dicotômico, dualista e que não um ser em ação ou um ser-no-mundo, na con-
abrange o todo. Esta avaliação dialética é antes cepção heideggeriana, faz-se mister analisar as
de tudo fenomenológica, por se interessar pelo concepções clássicas de psicopatologia para
mundo privado, pelo mundo das vivências sub- elaborar uma crítica na direção tomada pela ela-
jetivas. boração de Thomas Szasz, quando assinala para
o "mito da doença mental".
"A maioria das descrições psi-
As idéias de Thomas Szasz sobre a ques-
quiátricas parece assumir de partida,
tão que cerca a doença mental, modificaram so-
que certos aspectos da vida das pes-
bremaneira o quadro da psiquiatria geral. Antes
soas (por exemplo, amor e agressão)
de tudo, critica a própria denominação de
são centrais; e ao se concentrarem
"doenças mentais" como sendo enfermidades
neles, aprópria tese parece ficar pro-
do sistema nervoso e, portanto, como doenças
vada. Para mim, a beleza da descri- do cérebro e não da mente.14 Más condutas di-
çãofenomenológica é que ela procura
ferem de doença mental. A crítica de Szasz resi-
revelar um mundo de experiêncas tal
de na questão do poder do psiquiatra, em tratar
como ele é. O que ocupa o lugar cen-
indiscriminadamente a pessoa humana a partir
tral na descrição é aquilo que é cen-
. . ,,12 de rótulos. Isto nos faz lembrar de nosso querido
tra Ipara a pessoa que vive a VIri,a .
personagem, o Dr.Simão Bacamarte, do famoso
conto machadiano, O Alienista que, em nome
A idéia de uma psicopatologia fenome-
da ciência e do saber, vai paulatinamente confi-
nológicapretende se alicerçar na tentativade re- nando em sua casa de tratamento toda a popula-
velar o mundo ao Outro, no sentido de aquisição ção da pacata Itaguaí. Dizia o digníssimo Dr.
de novos significados. É curioso observar que Bacamarte:

12. Van Dusen, 1977:150.


13. Van Dusen, 1977: 152.
14. Szasz. 1996.

,.....
Adriano Holanda 34

"O principal nesta minha obra ponsabilidade pessoal, tornar a vida


da Casa Verde é estudar profunda- um caso clínico e confiar sua admi-
mente a loucura. e os seus diversos nistração aos profissionais de saúde
graus. classificar-Ihes os casos, des- (..).Os psiquiatras e seus poderosos
cobrir enfim a causa do fenômeno e o aliados conseguiram, então, persua-
d10 umversa I " . 15
' o .
reme dir a comunidade científica. os tribu-
nais, os meios de comunicação e o
Em continuidade às suas laboriosas pes- público em geral que as condições
quisas no terreno da loucura, conclui o Sr.Baca- que eles chamam de 'distúrbios men-
marte que: tais' são doenças - isto é, fenômenos
independentes da motivação ou von-
"A loucura, objeto dos meus ,,17
ta de humanas .
estudos, era até agora uma ilha perdi-
da no oceano da razão; começo a sus-
. , ." 16 Na discussão epistemológica do caráter
peltar que e um contmente .
subjetivo da essência humana, Szasz cita o filósofo
da ciência Michael Polanyi, quando afirma que:
Eis que o continente domina o próprio
cientista, que finda por sucumbir às suas pró- "O reconhecimento de certas
prias teorias. impossibilidades básicas determinou
A crítica fundamental de Szasz ao mode- as fundações de alguns dos maiores
lo tradicional de psicopatologia reside no fato princípios dafisica e da quimica; da
de continuamente se procurar por causas intrín- mesma maneira, o reconhecimento
secas ou extrínsecas - mas que sejam lógicas e da impossibilidade de compreensão
racionais - ou seja, um claro comprometimento das coisas vivas. em termos defisica e
com a tradição filosófica dualista que separa a quimica. longe de determinar limites
mente ou a razão do corpo e das sensações, des-
responsabilizando assim o sujeito vivencial de
. -
para nosso entendimento da vida, irá
.
nos gUlarpara a d lreçao certa .
,,18

sua própria vivência. Um claro absurdo. Neste


sentido, parodiando Marx, coloca-nos Szasz Esta concepção é típica das abordagens
que é a mente humana o "narcótico do povo". humanistas de Psicologia, e contém forte com-
Segundo ele: ponente socrático, quando o referido filósofo
nos lembra que a sabedoria encontra-se em cada
"...psiquiatria é a negação da
um de nós e que, pela maiêutica, pelo método
realidade da vontade própria e da
dialogal, permite-se que este "conhecimento"
trágica natureza da vida; esta nega-
interno, básico, surja, tal qual o fenômeno de
ção legitimada permite àqueles que
Husserl. O conhecimento da ignorância (pre-
procuram uma explicação neuromi-
sente na máxima socrática: "tudo o que sei é que
tológica para a maldade humana e
nada sei") é a porta de entrada para o verdadeiro
que rejeitam a inevitabilidade da res-

15. Assis, 1996:14.


16. Assis, 1996:25.
17. Szasz, 1996:11.
18. Polanyi apud Szasz. 1996: 11.

--
- --
l
\
l Saúde e doença em Gestalt- Terapia: aspectos filosóficos 35
r
{
i conhecimento, pois permite a abertura dos ca- Os fundamentos epistemológicos
( nais perceptuais à realidade tal qual ela é, sem a da Gestalt-Terapia
prioris, sem concepções pré-concebidas; ape-
nas com uma abordagem fenomenológica. Se- A Gestalt- Terapia se fundamenta numa
gundo Szasz: miríade de influências e fundamentos filosófi-
cos, o que a torna uma disciplina particularmen-
"...não são classificações de
te interessante, tendo em vista congregar no seu
distúrbios mentais que os 'pacientes
ceme, uma idéia central calcada na interrelação
têm', mas são relações de diagnósti- dinâmica de seus variados elementos.
cos psiquiátricos oficialmente aceitos
Se fizermos um percurso histórico da de-
(..) O resultado é que poucas pessoas
terminação do pensamento da Gestalt- Terapia,
agora percebe.m que diagnóstico não
veremos que a gênese, desenvolvimento e evo-
é doença (. .).Minha critica à psiquia-
lução desta se confunde com a própria caminha-
tria tem duas pontas, parcialmente
da de Perls. Podemos diferenciar as várias
conceitual, parcialmente moral e po-
formas determinantes da Gestalt- Terapia em
litica. No âmago de minha critica
fundamentos filosóficos, teorias de base e ante-
conceitual está a distinção entre o uso
cedentes pessoais.20 Como fundamentos filo-
literal e metafórico da linguagem -
com a doença mental como metáfora. sóficos, percebe-se claramente um direciona-
No âmago de minha critica moral e mento humanista na Gestalt- Terapia, com ênfa-
po/itica está a distinção entre referir- se particular na Fenomenologia e no
se a pessoas crescidas como adultos Existencialismo. Dentre as teorias de fundo, ou
responsáveis e como pessoas insanas seja, as disciplinas basais, temos a Gestalt-
irresponsáveis (quase crianças ou Theorie ou Psicologia da Gestalt; a Teoria do
idiotas) - o primeiro tendo vontade Campo de Kurt Lewin e a Teoria Organismica
própria, ao último faltando este atri- de Kurt Goldstein. Além disso, os antecedentes
buto moral porque 'sofreria' de doen- pessoais mais importantes são a Psicanálise (a des-
" 19
ça mentaI . tacar, além da figura de Freud, a forte influência so-
fiida por parte de Reich) e as Filosofias Orientais
Faz mister, pois, considerarmos a reali- (em especial o Zen-Budismo e o Taoísmo).
dade psíquica de uma forma mais global, mais Nesta miríade de influências, percebe-se
dialética; e de tudo o que se concebe em termos claramente que a Gestalt- Terapia não poderia,
de dialética e diálogo, dois pensadores surgem como não pode ainda, ser considerada uma coi-
como absolutamente básicos: Heráclito e sa simples. Uma outra influência foi muito
Martin Buber. Mas inicialmente convém relem- significativa para Perls. Trata-se do seu interes-
brar o percurso de formação intelectual da se pelo teatro, o que o levou a travar contato
Gestalt-Terapia. com a excepcional figura de Stanislavisky, cujo

19. Szasz, 1996:12-13.


20. Ribeiro, 1985.Os antecedentes pessoais são. obviamente,referentes à figura de Fritz Perls. Todavia, como ele é. de fato e
de direito, o mentor intelectual e principal articuladorda Gestalt-Terapia e. como sua vida se confunde com a própria discipli-
na, faz sentido esta articulação. Uma excelente complementação a esta historicidade da Gestalt-Terapia pode ser encontrada
em Ginger & Ginger, 1995.
Adriano Holanda 36

principal legado foi a descoberta que "um ator sendo a primeira a psicoterapiafreu-
pode viver um papel vivenciando-o verdadeira- diana, a Psicanálise. Parecem estar
mente".21 muito distantes uma da outra, mas
As bases, pois, epistemológicas da são simplesmente as duas caras da
Gestalt-Terapia se assentam sobre uma signifi- mesma moeda. Possuem um
cativa quantidade de influências e de informa- backgroundfilosófico distinto (..). O
ções, o que leva o gestalt-terapeuta a uma ponto de vistafilosófico de Perls éfe-
necessária e irremediável visão de totalidade, nomenológico existencial; o de Freud
sendo absolutamente contrária a uma aborda- é positivista (..). Em realidade, pon-
gem segmentada da realidade, sob pena de des- do afenomenologia como base do co-
considerar a própria realidade do todo. nhecimento, ele [Perls) estava anteci-
Uma dessas bases mais importantes foi, pando o que finalmente foi realizado
seguramente, a Psicanálise. Acredito que, se to- dentro da teoria dos sistemas, onde a
marmos as abordagens humanistas em Psicolo- realidade começa a não ser as coisas
gia (Gestalt-Terapia, Abordagem Centrada na nem as pessoas, e sim a relação, a in-
_ ,,24
Pessoa, Logoterapia, Psicologia Existencial, teraçao .
etc), poderemos dividi-Iasem abordagens feno-
menológicas (ou com encaminhamentos mais Este ponto de vista - que é o fundamental
voltados para a Fenomenologia clássica)e abor- da Gestalt-Terapia - é o que podemos definir
dagens existenciais (ou direcionadas mais am- como um referencial organísmico, ou seja, va-
plamente pelas correntes existencialistasl2. As loriza-se, a partir do relacional, os aspectos
abordagens mais comprometidas com o exis- emocionais do vivido do indivíduo. Isto signifi-
tencialismo são também aquelas mais relacio- ca dizer que o ser humano sente emoções, e es-
nadas à Psicanálise, tendo em vista que o tas não são mediadas simbolicamente, mas
aproveitamento que a Psicanálise faz da Feno- vividas no imediato, sentidas diretamente da
menologiahusserliana é muito mais limitadodo nossa realidade.
que a relação estabelecida com as doutrinas Na Psicanálise, a mediaçãoverbal e a ins-
existencialistas, tais como a de Heidegger, por trumentalização através da interpretação, deli-
exemplo.23 mitam a suposição de que a realidade não pode
Outra forma de reconhecer a influência ser tocada diretamente, mas tão somente por
psicanalítica da Gestalt-Terapiaé encontrada na meio de signos e designações mitológicas pro-
citação de Quattrini, quando afirma que: duzidas pelo inconsciente. Na Gestalt-Terapia,
em consonância com a tradição existencialista,
"Eu diria que a psicoterapia
desde Kierkegaard e Nietzsche, e passando por
da Gestalt é a outra cara da moeda,
Husserl, Sartre, Heidegger, Merleau-Ponty,

21. Quattrini, 1996.


22. Uma expressão muito utilizada no meio psicológico é a denominação de determinadas abordagens como sendo "fenome-
nológico-existenciais". Convém assinalar que, embora considere que a Fenomenologia seja um agente genético do Existen-
cialismo, as duas visões são distintas em muitos aspectos. Portanto, considero mais adequado utilizarmos expressões que
guardem as particularidades de cada influência.
23. Em que pese o fato de Heidegger ser considerado um fenomenólogo e de desconsiderar a alcunha de existencialista, ele
desenvolveu uma visão de realidade diferenciada da do antigo mestre em aspectos os mais diversos.
24 Quattrini, 1996:4-5. Grifos meus.

'I'
- - - l

Saúde e doença em Gestalt-Terapia: aspectos filosóficos 37

Buber e outros, a realidade é a realidade do vivi- Neste aspecto, a redução fenomenológi-


do., presente e imediato ou: ca se toma uma busca do significado intrínseco
da vivência, uma procura do subjacente, e tem
"...como dizia Merleau-Ponty,
como consequência, a intuição das essências
os fenômenos são a única realidade
("Wessensschau").
com que temos contato, mas também
o que produz qualquer fenômeno den- "À fenomenologia compete
tro do corpo; qualquer percepção se apresentar de maneira viva, analisar
produz dentro do corpo ".25 em suas relações de parentesco, deli-
mitar, distinguir daforma mais preci-
Assim, o significado, em Gestalt- Terapia sa possível e designar com termos
(e em Psicologia Humanista em geral), não é o fixos os estados psíquicos que os pa-
simbólico freudiano, mas o próprio vivido per- cientes realmente vivenciam. Visto
ceptual, o dado imediato da sensação humana. que não se pode perceber diretamen-
Substitui-se assim o "qual o significado" por te um fenômeno psíquico de outrem,
"qual o sentido". assim como se percebe um fenômeno
Este fundamento fenomenológico da físico, só se poderá tratar de repre-
Gestalt- Terapia é o que a toma tão completa. É sentação, empatia e compreensão, a
através do método husserliano que se acessa o que poderemos chegar, segundo o
mundo interno do Outro em toda a sua comple- caso, pelo meio de levantamento de
xidade, visto ser a tarefa da Fenomenologia ir às uma série de caracteres e símbolos
coisas mesmas ("zur Sache selbst"), ou seja, sensivelmente perceptíveis, por uma
apreender o mundo tal qual ele se apresenta aos espécie de exposição sugestiva". 27
. . . . 26
senti dos, e assIm, ana 1Isa- 1o.
A superação do positivismo se dá pela Esta colocação de Jaspers serve-nos de
apreensão da continuidade, ou seja, da idéia de introdução à questão da aplicação da Fenome-
que o processo cognitivo não é linear, mas cir- nologia à situação específica da psicoterapia.
cular, ou seja, a mente tem a capacidade de acu- Uma análise fenomenológica nos posiciona, en-
mular uma infinidade de dados e posteriormente quanto psicoterapeutas, diante da pessoa do
passa a relacioná-los, a conectá-los. Assim, cliente como um todo que vem até nós em busca
através da redução fenomenológica, evidencia- de auxílio, de esclarecimento, e introduz a ques-
se o ser-no-mundo, o ser-em-situação, e delimi- tão dialética da Gestalt- Terapia.
ta-se o caráter relacional de sua existência: o su-
jeito não é puro sujeito, nem o objeto é puro A dialética da Gestalt- Terapia
objeto; mas antes ambos se correlacionam, um em
Petn1ska Clarkson, em um excelente tra-
função do outro, um somente existindo em contato
balho de exame da dimensão dialética da
com o outro. Esta idéia já está presente no pensa-
Gestalt- Terapia, assinala para três temas cen-
mento de Husserl, mas alcança sua radicalidade
existencial na filosofia de Buber. trais na consideração da Gestalt:

25. Quattrini, 1996:6.


26. Holanda, 1998a.
27. Jaspers. 1987:71.
I
Adriano Holanda 38
t
I
t

a) Tudo é uma totalidade; por seu turno, assinalava que o mundo sempre
b) Tudo muda; e teve e sempre terá necessidade de Heráclito.
c) Tudo está relacionado a algo mais.28 Por Dialética entendemos o supremo mé-
todo da discussão e, portanto, do diálogo. Mas
Estes três temas colocam a Gestalt- Tera- também é dialética a consideração dos opostos
pia numa posição muito confortável diante dos num todo compatível e organizado. Esta organi-
avanços atuais da ciência. Segundo a autora, se- zação se dá pela colocação da oposição no seio
ria a psicoterapia mais compatível e potencial- da realidade: não haveria progresso sem a opo-
mente direcionada para as descobertas sição à estrutura vigente ou mesmo não sabería-
emergentes, como a física quântica ou a teoria mos discernir o dia se não houvesse seu
do caos, visto ter uma capacidade de flexibilida- contraponto, a noite. Oposição, aqui, é entendi-
de e adaptação únicas, encontrada nas filosofias
da como a consideração dos opostos.
humanistas e dialéticas. Para compreendermos Neste sentido, a Dialética é o retrato fiel
melhor esta questão, passemos à análise do que
da realidade: constante oposição, movimento. E
a autora chama de "trindade de totalidades".
esta é a marca do pensamento de Heráclito de
Éfeso, pensador que procurou mostrar uma rea-
"Tudo é uma totalidade"
lidade factual que se apresenta onde quer que
Do primeiro tema - "Tudo é uma total ida- . 30
esteja a natureza.
de"-, extrai-se a idéia do holismo, ou a concep-
O legado de Heráclito foi o reconheci-
ção que considera a totalidade, a globalidade ., . ~ 31
mento d a mtrmseca um dad e do fienomeno,
como substantiva. A consideração do todo é
sendo pois, um dos primeiros holistas da histó-
uma das principais características da Dialética,
ria. O conceito de "holismo" conforme utiliza-
quando concebe a realidade como uma intrinca-
da rede de interações, onde tudo está interligado do aqui refere-se à "teoria que designa que o
(uma concepção que atualmente possui muitos princípio fundamental do universo é a criação
adeptos sob a roupagem da teoria sistêmica). de conjuntos [wholes), isto é, sistemas comple-
Encontramos a gênese deste tipo de con- tos e auto-contidos, do átomo à célula pela evo-
sideração no pensamento de um dos mais im- lução das mais complexas formas de vida e
portantes filósofos da Antiguidade: Heráclito mente: a teoria que diz que uma entidade com-
de Éfeso, a quem Clarkson considera como "o plexa, sistema, etc., é mais do que a mera soma
original avô da Gestalt,,29. Heráclito, um pensa- das partes".32 Esta concepção holística é uma
dor que viveu entre 536 e 470 a.c., é um dos fi- das características mais centrais da Gestalt-Tera-
lósofos mais importantes de toda a história do pia, e está hoje disseminada na ciência em geral, a
pensamento ocidental. Sobre ele Sócrates teria partir da teoria do Caos. Em termos gerais, isto é
dito ter compreendido boa parte, embora fosse um resgate da concepção heraclítica de realidade.
necessário um "mergulhador délio" para deci- Em Heráclito temos a consideração da
frar as partes não compreendidas. Nietzsche, unidade, a partir da presença do Logos em toda

28. No original: I) Everything is a whole; 2) Everything changes; 3) Everything is related to everything else (Clarkson, 1993).
29. Clarkson, 1993:5.
30. Holanda, 1992.
31. Clarkson. 1993.
32. Schwartz et ai., apud Clarkson, 1993:5.

~
I
1
{ Saúde e doença em Gestalt- Terapia: aspectos filosóficos 39
i
parte. O Logos heraclític033 refere-se ao princí- metafisico em Parmênides e a formalização da
pio ativo do Universo, ou seja, é aquilo segundo estrutura dualista em Platão, com sua dicotomia
o qual as coisas acontecem, é o que governa a dos mundos.
própria realidade, é a lei universal. O Logos as- Heráclito é o filósofo da mudança por
sim, é para Jean Brun: "simultânea eparadoxal- excelência. O universo é um incessante conflito
mente, um Sentido que nos é transcendente e entre opostos, sendo que a única verdade indis-
uma significação que nos é imanente".34 Ima- cutível é que "tudo muda", em uma estrutura
nência e transcendência fazem a composição do circular. É incrível a semelhança que encontra-
conjunto em Heráclito. mos entre o que Perls coloca sobre "não apresse
Comparemos agora esta posição com o rio" e a máxima heraclítica: "não podemos
Perls, Hefferline & Goodman35 quando assina- descer duas vezes no mesmo rio, nem tocar duas
lam que "cada estágio sucessivo é um novo vezes a mesma substância".
todo", e este se caracteriza por operar como um O que Heráclito observou, foi o caráter
conjunto independente, com "vida própria",
cíclico, contínuo das mudanças que ocorriam
como um todo concreto. Esta idéia está intima-
no mundo, ciclos constantes de transformação,
mente ligada à concepção de mudança contida
permanentes, sejam em escala ascendente, se-
no pensamento heraclítico.
jam em escala descendente, mas quantitativa e
qualitativamente equivalentes. Observa com
"Tudo muda"
isto que um momento sucede ao outro, necessa-
A asserção "tudo muda", conceito caro à
riamente diferente do anterior, para logo em se-
Gestalt- Terapia, pois concebe a realidade como
guida suceder a outro momento.
dinâmica e não como imutabilidade e perma-
Esta configuração cíclica, traz a noção de
nência, é um dos pilares fundamentais de qual-
fluxo. Como consequência, não é mais satisfa-
quer tentativa de estabelecer uma psicoterapia
de base humanista. tória a noção tradicional de "homeostase":

Na história do pensamento, este dualis- "Contrariamente a algumas I


mo mudança/permanência sempre foi tema dos idéias da psicanálise, que enfatiza so-
filósofos, embora possamos estabelecer clara- mente a homeostase, a Gestalt reco- I

mente duas correntes diferentes. De um lado, o I


nhece a necessidade do ser criar I
pensamento gerador da Dialética, a concepção desequilíbrio, para se esforçar em di-
heraclítica de panta rhei; do outro lado, em con- reção da evolução ou mudança criati-
sonância com a própria evolução cultural da va, e reconhece a atividade deses-
ocidentalidade, temos a gênese do pensamento truturante como uma parte neces-

33. A esta noção são dadas numerosas definições, algumas mesmo contraditórias. F.E.Peters (1974, Greek Philosophical
Terms. New Y ork University Press) aponta as seguintes definições: discurso, razão, definição, faculdade racional, propor-
ção. Legrand. op.cit.. p.57. questiona: "O que é então o Logos? Enumerou-se uma quinzena de traduções: Norma de mundo
(Frãnkel), Relação (ou "Proporção" pitagórica), Explicação "discursiva" (o que faz de Heráclito um pseudo-Eleata..!) ou até
Razão (no sentido "racionalista', o que falseia gravemente o pensamento do efésio), Lei do Devir (Lassalle), Definição, Fór-
mula, Sentido da Fórmula, Enunciado, Narração, Lição, Coleção, Dizer (as exegeses de Heidegger parecem flutuar entre es-
ses dois últimos sentidos), "negligenciando" o sentido de Narração, ou o sentido de Mito, e, definitivamente, a tradução cristã
que assimila o Logos heraclítico ao do Evangelho segundo São João, via platonismo!".
34. Brun, 1988.
35. Citado por Clarkon, 1993.
Adriano Holanda 40

sária do ajustamento criativo ou Inter-relação significa, a nível do ser hu-


,I'. - .."
transJormaçao criatIva .
36 mano, a própria dimensão da intersubjetividade
e a superação da concepção linear e determinis-
A idéia básica de Heráclito, de que o flu- ta que estabelece que as experiências infantis
xo é constante, vem sendo corroborada pelas causam distúrbios na vida adulta.
mais diversas pesquisas da ciência moderna, Esta terceira asserção é, antes de tudo, a
bastando lembrar o conceito de "estruturas dis- reafirmação do holismo. É a continuidade da
sipativas". O fluxo, em essência, é o "elemento consideração sistêmica da realidade. Como está
primordial", é o Devir ou o vir-a-ser. Este vir-a- presente em Heráclito, o fluxo, o ciclo, é ininter-
ser é antítese, luta, oposição entre contrários, re- rupto e necessariamente interligado em seus
vezar-se de vida e morte, não é puro devir li- elementos. E é nesta consideração da interrela-
near; antes, se desenrola no interior de um ção que encontramos o espaço do diálogo, e
círculo. Como no fragmento 76, "a vida dofogo como, a partir dele, podemos entender a psico-
nasce da morte da terra, a vida do ar nasce da patologia como um fenômeno existencial.
morte dofogo, a vida da água nasce da morte do
ar e a terra nasce da morte da água". Filosofia dialógica e psicopatologia
Para Heráclito, ao contrário dos pitagóri-
O que é o ser saudável ou o ser "doente",
cos, que afirmavam a unidade do mundo baseada
do ponto de vista existencial? Já assinalamos
na fusão, a unidade do mundo é luta, é dialética,
que o ser humano é um ser-no-mundo, segundo
apontando pois, para a tensão. Para ilustrar isto,
Heidegger e, portanto, sua existência está dire-
Heráclito utilizava como analogia a imagem do
tamente ligada a este mundo - seja de objetos ou
deus Apoio, portador do arco e da lira.
de seres -, quando então o ser humano atribui
significados à realidade.
"Tudo está relacionado a algo mais"
É característico deste ser ofato de viven-
O terceiro tema é o tema do processo ou
dar, pré-rejlexivamente, o fluxo do existir ime-
da dinâmica da interrelação. A questão ultra- . 38 E . "
d lato. ste VlvenClar e, antes d e tu d o, o
passa o conceito de processo e atinge a idéia de
vivenciar dos paradoxos, das oposições de nos-
contato em Gestalt- Terapia. Em outras aborda-
sa vida cotidiana. Neste fluxo ininterrupto de
gens encontramos noções semelhantes, como
relações, as coisas vão também cambiando sen-
por exemplo, a idéia de "tele" do Psicodrama ou
tidos. Para se viver "sadiamente", deve-se ter
de "sincronicidade" em Jung. Isto traz à tona a
"coragem de ser" como assinala Paul Tillich.
noção de padrões de interconexão, significativa
na existência humana37. "A essência fundamental do
Não esqueçamos que isto inclui a noção homem sadio caracteriza-se, precisa-
de oposição e, portanto, de polaridades. O pro- mente, pelo seu poder dispor, livre-
cesso ao qual nos referimos traz de volta a con- mente, do conjunto de possibilidades
cepção de relação, e com ela, a base da mudança de relação que lhe foi dado manter
em psicoterapia. com o que se lhe apresenta na abertu-

36. Clarkson, 1993:7.


37. Clarkson, 1993.
38. Forghieri, 1993.
39 Boss apud Forghieri, 1993:52-53.

lí!I
l
Saúde e doença em Gestalt-Terapia: aspectos filosóficos 41

ra livre de seu mundo (...). O ser- dança de paradigma. Quando


doente só pode ser compreendido a tomamos esta mudança de paradig-
partir do modo de ser-sadio e da ma seriamente, isso muda inteira-
constituição fundamental do homem mente o modo como abordamos a
saudável, não perturbado, pois todo terapia. (...) Coloca o relacional no
modo de ser-doente representa um coração de nossa existência e em nos-
aspecto privativo de determinado so trabalho como terapeutas. Recon-
,] ue
mouo ,] ser-nao
- ,,39
. ceptualiza nosso entendimento do
desenvolvimento humano e psicopa-
Esta é a essência da abordagem fenome- tologia ".40
no lógica da psicopatologia: a compreensão do
ser humano na sua totalidade e inextrincavel- A rigor, a psicose ou qualquer outra psi-
mente ligado à sua rede de relações. Assim, a copatologia estaria relacionada com o estreita-
palavra-chave é relação, e o nome primordial mento da interação, com as limitadas vivências
para esclarecer isto é o de Buber. intersubjetivas. De fato, psicopatologia pode
Buber, ao falar de reciprocidade no diálo- ser vista como uma significante fuga ou "solidi-
go, diz que esta é uma qualidade que implica ficação" do entre a que se refere Buber. Hycner
que as duas pessoas estejam envolvidas na rela- vai mais longe ao afirmar que a psicopatologia é
ção. Na situação específica de um esquizofrêni- resultado de um "precoce diálogo abortado".
co, por exemplo, existe um obstáculo visível: a Isto significa que, no mais profundo modo de
não-disposição do outro em sair de seu mundo encontrar os outros, essa pessoa não é "ouvida"
próprio. e sua voz toma-se mono lógica e tragicamente
Isto nos reporta à questão da psicopatolo- um "movimento interno".41 Entenda-se por
gia. Na Gestalt- Terapia, podemos considerar a "solidificação do entre" a confluência total, ou
psicopatologia como diretamente relacionada seja, não sair do entre.
com uma relação inadequada com o Outro. Nes- Quanto à questão do "diálogo abortado",
te sentido, não falaremos de uma psicopatologia lembro-me de uma definição dada por Rogers
individual, mas de uma relação psicopatológi- ao significado da palavra "esquizofrênico":
ca, ou de uma psicopatologia relaciona!.
"Na medida em que tem algum
"Adoecer", em Gestalt- Terapia, é estar em de-
sentido definido, significa que aqui
sarmonia relacional, seja com o mundo em ge-
está uma pessoa extremamente sensÍ-
ral, seja consigo mesmo. vel à sua vivência interior e também
Nesta consideração dialógica da psico-
às relações interpessoais com outros,
patologia: que foi tão derrotada e traumatizada
"Eu gostaria de reiterar o pon-
ao tentar utilizar sua sensibilidade;
que se afastou tanto de sua vivência,
to de vista de que o dialógico é prima-
como de um contato real com os ou-
riamente uma abordagem, uma
tros. Além desta noção básica, apala-
atitude, uma orientação, uma pers-
vra esquizofrênico significa também
pectiva. Por último é uma radical mu-
para mim que todos aqueles cujo
40. Hycner, 1990:42.
41. Hycner, 1989.
Adriano Holanda 42

comportamento se desvia, e que não O diálogo é, para Buber, o elemento cen-


podem ser facilmente compreendi- tral da existência. A própria subjetividade so-
dos, são atirados nesta cesta muito mente se realiza quando penetra no diálogo,
ampla".42 quando é invocação do outro. Não há Eu em si.
Para que ocorra o diálogo autêntico, é preciso se
A psicopatologia surge, na realidade, desenvolver uma relação que contenha algumas
como relacionada ao diálogo ou, melhor dizen- características:
do, à falta deste. Com isto, mais uma vez con-
a) Abertura de cada parceiro para ver o
cluímos que o homem deve ser entendido como
outro como ele de fato é; envolve uma com-
um ser-de-relações. Utilizando uma linguagem
preensão fenomenológica que capacita a
buberiana, o fundamento da relação está na con-
apreensão do todo, sem preconceitos;
firmação da existência do Outro e a psicopato-
logia é, pois, produto da desconfirmação. b) Reciprocidade ou ação mútua de um
Por "confirmação" Buber quer com- sobre o outro, ação de um Eu sobre um Tu e des-
preender a própria dimensão existencial do ser se Tu sobre o Eu;
humano. Ocupando lugar central em sua filoso- c) Presença, pois o evento do encontro se
fia, temos que compreender inicialmente que o dá no instante da reciprocidade, na imediatez,
ser existe somente em relação. na intenção do presente, único tempo realmente
vivencial, conforme já assinalara Santo Agosti-
"O trabalho terapêutico acon-
nho quando afirma que:
tece na esfera do inter-humano, a rea-
lidade que liga um ser humano a "Seria talvez mais justo dizer
outro ser humano. O inter-humano que os tempos são três, isto é, o pre-
transcende o grupo e o coletivo. Num sente dos fatos passados, o presente
grupo temos a realização do poder do dos fatos presentes e o presente dos
coletivo, onde, em geral, o elemento fatos futuros. E estes três tempos es-
mais importante, o pessoal, fica su- tão na mente e não os vejo em nenhum
primido. Numa dimensão coletiva, a lugar. O presente do passado é a me-
massificação dos sujeitos acaba por mória. O presente do presente é a vi-
negar aspectos fundamentais efunda- são. O presente do futuro é a
" 44
mentadores como a alteridade e a di- espera .
ferença, que atuam na própria
determinação do sujeito e, posterior- d) Responsabilidade, ou a autêntica res-
mente, da comunidade. A esfera do posta de um para o outro; o produto final de uma
inter-humano envolve o face-aface, relação intersubjetiva.
o encontro do um-ao-outro, cujo des- No pensamento de Buber, os seres exis-
dobramento desemboca no dialógico. tem na mutualidade, na afetação mútua:
Não se trata apenas de uma relação
"Meu Tu atua sobre mim assim
de multiplicidade, mas de um evento
. ." 43 como eu atuo sobre ele. Nossos alu-
mUlto malDr .

42. Rogers, apud Leitão, 1987:264.


43. Holanda, 1998b.
44. Santo Agostinho, 1984:323.

I!I'I
- -- -

Saúde e doença em Gestalt- Terapia: aspectos filosóficos 43

nos nos formam, nossas obras nos de vida, deve ser ofator mais impor-
edificam ".45 tante na psicopatologia, ou o que é
popularmente mal interpretada como
Na filosofia de Buber, a alternativa ao 'doença mental ".47
diálogo autêntico pode ser o monólogo ou o
mero palavreado.Neste último não há encontro, A questão da desconfirmação pode ser
não há mutualidade. Aí residea diferença. Só há encontrada em diversas teorias, como a de tera-
diálogo autêntico no falar-ao-outro, uma fala pia familiar de Boszormenyi-Nagy, ou outras
que se abre à descoberta do Outro. como Heinz Kohut, Harold Searles, Ronald
Laing, Helm Stierlin e Carl Rogers.
"Na conversação genuína, os
Confirmar o Outro é tomar a considerá-
dialogantes se confirmam mutuamen-
10 como um ser responsável por sua própria
te como pessoas, o que não significa
vida, é considerá-Io como tendo poderes sobre
aprovação do que o outro faz, mas de
suas relações, é afirmá-Io como existente. Esta é
perceber o outro como existente e
a mais profunda contribuição de Buber à psico-
confirmá-Io como tal, o outro "se vê
terapia. A reafilmação da responsabilidade.
atuante como fonte de um dinamismo
próprio ", o que permite que haja diá- "Responsabilidade no sentido
logo entre adversários. Confirmar- de "prontidão ", de "habilidade" a
mos o outro é aceitá-Io como um ser dar respostas. Responsabilidade
em devir, é constituir o outro como como uma ação mútua, uma ação de
parceiro de encontro, é acreditá-Io um Eu para com um Tu, e desse Tu
,,46
enquan to pessoa . para com um Eu, em completa reci-
procidade e alteridade ".48
Em suma, confirmar o Outro significa
acessar a plena totalidade do Outro. Considerar o O ser humano, como um ser histórico, é
Outro apenas em suas partes, desconsiderando o um ser total. O que a Gestalt- Terapia promove é
todo, o íntimo, o vivido, é "desconfrnná-Io". É um despertar do indivíduo à sua responsabilida-
considerá-lo por um prisma alheio à sua vivência, de, como um exercício de escolha e de tomada
é considerá-Io pela ótica do externo ou mesmo da de posse de sua própria vida. É a retomada da
regra, seja do "normal" ou do "patológico", mas ética do vivido. O ser-existente é o que se abre à
não é compreender o ser vivente. Assim, a patolo- responsabilidade frente ao outro, é o que se co-
gia é produto de relações limitadas do ser com o loca disponível ao contato, a presentificar e fun-
mundo, e, como assinala Friedman: damentar a si próprio e ao Outro. Uma relação
ética, antes de mais nada.
"Se a confirmação é central na
Se quisermos entender o fundamento da
existência humana e interhumana,
psicopatologia gestáltica, temos que considerar
então se segue que a desconfirmação,
a dimensão humana em sua intersubjetividade,
especialmente nos primeiros estágios
ou seja, toda relação humana é, essencialmente,
45. Buber. 1979: 18.
46. Amatuzi. 1989.
47. Friedman, 1985:123.
48. Holanda, 1998b: 121.
Adriano Holanda 44
.

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realidade a partir da relação com a minha expe- coterapia, Insight-Psicoterapia, Ano lI, No.15,
Janeiro. 1
riência, num todo indissociável.
A proposta gestaltista para a psicopatolo-
gia reside numa mudança de enfoque: de uma
Holanda, A.F. (1998a). Fenomenologia, Psicotera-
pia e Psicologia Humanista, Revista Estudos de
Psicologia, Campinas, 14(2):33-4.
j,
consideração meramente descritiva dos qua- r
dros psicopatológicos, como o faz a psiquiatria
Holanda, A.F. (1998b). Diálogo e Psicoterapia: I
Correlações entre Rogers e Buber, São Paulo: ,
tradicional, para uma visão que englobe a rela- Lemos Editorial. \
ção de complexidade que possuem estes fenô-
Hycner,R. (1989). The 1-Thou RelationshipandGes-
menos, onde o básico para a determinação de
talt-Therapy, The Gestalt-Journal, 13(1):42-54. 1
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