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net/publication/279217722
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Adriano Holanda
Universidade Federal do Paraná
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[ Estudos de Psicologia
r 1998, Vo115, n° 2,29 - 44
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I Saúde e doença em Gestalt- Terapia:
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aspectos filosóficos*
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I
Adriano Holanda**
I
r o trabalho se propõe a analisar a questão da Psicopatologia sob o prisma da Dialética, a partir das
reflexões de HerácIito de Éfeso, e da Filosofia Dialógica de Martin Buber, como fundamentos para
uma compreensão gestáltica da realidade. A idéia básica para se traçar uma elaboração da psicopa-
tologia em Gestalt- Terapia é a noção de que "tudo é um todo", como contraponto a uma visão nos 0-
gráfica tradicional, que considera a patologia como intrapsíquica ou individual. A psicopatologia é
vista como produto da subjetividade que se caracteriza por ser, antes de tudo, inter-subjetividade.
Partindo de uma epistemologia da Gestalt- Terapia, traça um panorama histórico dos pensamentos
que formaram a Gestalt- Terapia, designando suas principais filosofias de base. Aproveita para te-
cer uma crítica ao modelo psiquiátrico tradicional com base nas idéias de Thomas Szasz. O ceme
do trabalho é a consideração dialética da Gestalt- Terapia, a partir de três asserções: I) Tudo é uma
totalidade; 2) Tudo muda e 3) Tudo se relaciona com algo mais; e de suas correlações com o pensa-
mento de HerácIito de Éfeso. O trabalho elabora ainda uma consideração da psicopatologia sob o
prisma relacional, conforme Buber, que assinala para a patologia como um produto da desconfirma-
ção do ser enquanto um existente. A psicopatologia surge, na realidade, como um evento relacionado
ao diálogo ou, melhor dizendo, à falta deste. Com isto, mais uma vez concIuimos que o homem deve
ser entendido como um ser-de-relações. Utilizando uma linguagem buberiana, o fundamento da rela-
ção está na confirmação da existência do Outro e a psicopatologia é, pois, produto da desconfmnação.
A conclusão fmal reconhece a Gestalt- Terapia como o resgate de uma ética do vivido.
Palavras-chave: Psicopatologia, Gestalt- Terapia, diaiética, diálogo.
Abstract
HeaIth and IIIness in GestaIt-therapy: philosophical aspects
This paper proposes an analysis ofthe question ofpsychopathology and the view ofDialetics in the
reflections ofHeraclitus ofEphesus and the dialogical philosophy ofMartin Buber, as foundations
for a gestaltic compreension of reality. The basic idea to trace an elaboration of psychopathology in
Gestalt- Therapy is the notion that "everything is a whole", like a counterpoint ofa traditional nos 0-
graphic view that considers pathology as individual or intra-psychic. Psychopathology is interpre-
ted like a product of subjectivity that is caracterized, basically, to be an intersubjectivity. Beginning
byan epistemology ofGestalt- Therapy, the articIe traces a historical panorama ofthe thinkings that
formed Gestalt- Therapy, establishing its basics philosophies. The text improves a critics ofthe tra-
ditional psychiatric model based on Thomas Szasz ideas. The core ofthe paper is the dialetical con-
sideration ofGestalt- Therapy, by three points: I) Everything is a whole; 2) Everything changes and
3) Everything is related to everything else; and its correlations with the thinking ofHeraclitus of
Ephesus. There is an elaboration ofpsychopathology by the relational view, according Buber, who
considers pathology a product of disconfirmation of the being whereas an existent. Psychopatho-
logy appears like an event related to the absence of the dialogue. We concludes that the human
being might be understood like a being-in-relations. Using a buberian language, the foundation of
the relation is the confirmation ofthe existence ofthe Other. The final concIusion recognizes Ges-
talt- Therapy as a theory preoccupied with the ransom of the ethics of living.
Key words: Psychopathology, Gestalt- Therapy, dialetics, dialogue.
* Revisão de trabalho apresentado no VI Encontro Nacional de Gestalt- Terapia/lI Encontro Nacional da Abordagem Gestálti-
ca. Florianópolis. 2 a 5 de Outubro de 1997.
** Psicólogo, Psicoterapeuta com Formação de Facilitador na Abordagem Centrada na Pessoa e Gestalt- Terapia de Grupos;
Mestre em Psicologia Clínica pela Universidade de Brasília; Doutorando em Psicologia pela Pontificia Universidade Católica
de Campinas: Vice-Presidente do Instituto de Gestalt-Terapia de Brasília.
.-J
Adriano Holanda 30
l.Barão Richard F.J.von Krafft-Ebing (1840-1902), nasceu em Mannheim, tendo estudado em Heide\berg e trabalhado no
Hospital Burghõlzli. Além de haver publicado um Manual de Psiquiatria, Krafft-Ebing ficou célebre por sua obra Psicho-
pathia Sexualis. editado em 1886. Foi o primeiro a elaborar estudos sobre anomalias sexuais. E foi o responsável pela cunha-
gem dos termos sadismo e masoquismo (MoreI. 1997).
2. Zeldin, 1996:88.
3. Ginger & Ginger, 1995.
D
Saúdee doença em Gestalt-Terapia: aspectos filosóficos 31
gia nosográfica e partir para uma concepção dialética, para considerar a patologia como algo
mais abrangente. Afinal, a psicologia e a psico- meramente individual e intrapsíquico, quando
terapia não são somente para "doentes", mas não intraorgânico. Sobre este aspecto relacional
também para "doentes" ou, como dizia Perls da subjetividade humana, temos que:
com referência específica à Gestalt- Terapia, se
"E a terapia. na sua loucura,
tratava de "um método muito operante para ser
reservado unicamente aos doentes ". ao enfatizar a alma interior e ignorá-
Ia do lado de fora, sustenta a deca-
A Gestalt- Terapia apresenta um discurso -IA . -I
uenClauOmun ,,7
d o rea1 .
sobre a saúde e o funcionamento ótimo da per-
sonalidade 4, com ênfase maior na saúde do que
O que a Psicologia Humanista produz é
na patologia. Os trabalhos sobre psicopatologia
uma inversão de valores. Enquanto a Psicanáli-
em Gestalt- Terapia se devem, a princípio, aos
se partia da "doença" para acessar a dimensão
esforços de Ervmg e Miriam Polster.
saudável do indivíduo, a Gestalt-Terapia, bem
A potência da Gestalt- Terapia está no
como toda a Psicologia humanista, se interes-
fato do terapeuta poder permitir-se ser im-
sou desde cedo pelo desenvolvimento máximo
pregnado de um contato intenso com o cliente,
do potencial humano, ou seja, parte de sua di-
estabelecendo a dimensão relacional em psico-
mensão "saudável' para compreendê-lo como
terapia5.
um todo. Como assinalam Ginger & Ginger:
Segundo Clarkson, a Gestalt- Terapia, em
muitos países europeus, foi dificilmente aceita "Após superar a clivagem su-
pela idéia de que não havia muita teoria. Isto ge- jeit%bjeto da ciência tradicional e a
rou, em um determinado momento da evolução clivagem normal/patológico do mo-
das idéias gestálticas, uma torrente de associa- delo médico, a psicologia humanista
ções do tipo "Gestalt- e..." (Clarksonchama renunciaria também à clivagem car-
isto de "Gestalt and... " syndrome).6 tesiana causa/consequência, para
Creio que a idéia básica, central, de um adotar um ponto de vista sistêmico,
pensamento psicopatológico em Gestalt- Tera- em que todos osfenômenos são consi-
pia se refira à sua concepção de totalidade ou, derados em interdependência circu-
parafraseando Clarkson, "tudo é um todo", ou lar: o homem é um sistema global
seja, é virtualmente impossível apreendermos aberto que inclui subsistemas... ".8
fenomenologicamente o Outro sem atentarmos
para a sua totalidade. O grande erro da Psiquia- Esta concepção está em consonância
tria tradicional, que impregnou e ainda impreg- com a evolução das idéias sobre a mente do ser
na sobremaneira o pensamento psicopatológico humano. Se observarmos a história do pensa-
atual, é desconsiderar a global idade do indiví- mento ocidental, veremos que a nossa herança
duo enquanto uma realidade interativa e intera- intelectual está toda ela calcada numa concep-
tuante, e pois, fundamentalmente dinâmica e ção dualista, determinista, contraditória, basea-
4. Delisle. 1992.
5. Delisle, 1992.
6. Clarkson. 1993.
7. Hillman & Ventura. 1995: 16.
8. Ginger & Ginger, 1995:99.
Adriano Holanda 32
,.....
Adriano Holanda 34
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l Saúde e doença em Gestalt- Terapia: aspectos filosóficos 35
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{
i conhecimento, pois permite a abertura dos ca- Os fundamentos epistemológicos
( nais perceptuais à realidade tal qual ela é, sem a da Gestalt-Terapia
prioris, sem concepções pré-concebidas; ape-
nas com uma abordagem fenomenológica. Se- A Gestalt- Terapia se fundamenta numa
gundo Szasz: miríade de influências e fundamentos filosófi-
cos, o que a torna uma disciplina particularmen-
"...não são classificações de
te interessante, tendo em vista congregar no seu
distúrbios mentais que os 'pacientes
ceme, uma idéia central calcada na interrelação
têm', mas são relações de diagnósti- dinâmica de seus variados elementos.
cos psiquiátricos oficialmente aceitos
Se fizermos um percurso histórico da de-
(..) O resultado é que poucas pessoas
terminação do pensamento da Gestalt- Terapia,
agora percebe.m que diagnóstico não
veremos que a gênese, desenvolvimento e evo-
é doença (. .).Minha critica à psiquia-
lução desta se confunde com a própria caminha-
tria tem duas pontas, parcialmente
da de Perls. Podemos diferenciar as várias
conceitual, parcialmente moral e po-
formas determinantes da Gestalt- Terapia em
litica. No âmago de minha critica
fundamentos filosóficos, teorias de base e ante-
conceitual está a distinção entre o uso
cedentes pessoais.20 Como fundamentos filo-
literal e metafórico da linguagem -
com a doença mental como metáfora. sóficos, percebe-se claramente um direciona-
No âmago de minha critica moral e mento humanista na Gestalt- Terapia, com ênfa-
po/itica está a distinção entre referir- se particular na Fenomenologia e no
se a pessoas crescidas como adultos Existencialismo. Dentre as teorias de fundo, ou
responsáveis e como pessoas insanas seja, as disciplinas basais, temos a Gestalt-
irresponsáveis (quase crianças ou Theorie ou Psicologia da Gestalt; a Teoria do
idiotas) - o primeiro tendo vontade Campo de Kurt Lewin e a Teoria Organismica
própria, ao último faltando este atri- de Kurt Goldstein. Além disso, os antecedentes
buto moral porque 'sofreria' de doen- pessoais mais importantes são a Psicanálise (a des-
" 19
ça mentaI . tacar, além da figura de Freud, a forte influência so-
fiida por parte de Reich) e as Filosofias Orientais
Faz mister, pois, considerarmos a reali- (em especial o Zen-Budismo e o Taoísmo).
dade psíquica de uma forma mais global, mais Nesta miríade de influências, percebe-se
dialética; e de tudo o que se concebe em termos claramente que a Gestalt- Terapia não poderia,
de dialética e diálogo, dois pensadores surgem como não pode ainda, ser considerada uma coi-
como absolutamente básicos: Heráclito e sa simples. Uma outra influência foi muito
Martin Buber. Mas inicialmente convém relem- significativa para Perls. Trata-se do seu interes-
brar o percurso de formação intelectual da se pelo teatro, o que o levou a travar contato
Gestalt-Terapia. com a excepcional figura de Stanislavisky, cujo
principal legado foi a descoberta que "um ator sendo a primeira a psicoterapiafreu-
pode viver um papel vivenciando-o verdadeira- diana, a Psicanálise. Parecem estar
mente".21 muito distantes uma da outra, mas
As bases, pois, epistemológicas da são simplesmente as duas caras da
Gestalt-Terapia se assentam sobre uma signifi- mesma moeda. Possuem um
cativa quantidade de influências e de informa- backgroundfilosófico distinto (..). O
ções, o que leva o gestalt-terapeuta a uma ponto de vistafilosófico de Perls éfe-
necessária e irremediável visão de totalidade, nomenológico existencial; o de Freud
sendo absolutamente contrária a uma aborda- é positivista (..). Em realidade, pon-
gem segmentada da realidade, sob pena de des- do afenomenologia como base do co-
considerar a própria realidade do todo. nhecimento, ele [Perls) estava anteci-
Uma dessas bases mais importantes foi, pando o que finalmente foi realizado
seguramente, a Psicanálise. Acredito que, se to- dentro da teoria dos sistemas, onde a
marmos as abordagens humanistas em Psicolo- realidade começa a não ser as coisas
gia (Gestalt-Terapia, Abordagem Centrada na nem as pessoas, e sim a relação, a in-
_ ,,24
Pessoa, Logoterapia, Psicologia Existencial, teraçao .
etc), poderemos dividi-Iasem abordagens feno-
menológicas (ou com encaminhamentos mais Este ponto de vista - que é o fundamental
voltados para a Fenomenologia clássica)e abor- da Gestalt-Terapia - é o que podemos definir
dagens existenciais (ou direcionadas mais am- como um referencial organísmico, ou seja, va-
plamente pelas correntes existencialistasl2. As loriza-se, a partir do relacional, os aspectos
abordagens mais comprometidas com o exis- emocionais do vivido do indivíduo. Isto signifi-
tencialismo são também aquelas mais relacio- ca dizer que o ser humano sente emoções, e es-
nadas à Psicanálise, tendo em vista que o tas não são mediadas simbolicamente, mas
aproveitamento que a Psicanálise faz da Feno- vividas no imediato, sentidas diretamente da
menologiahusserliana é muito mais limitadodo nossa realidade.
que a relação estabelecida com as doutrinas Na Psicanálise, a mediaçãoverbal e a ins-
existencialistas, tais como a de Heidegger, por trumentalização através da interpretação, deli-
exemplo.23 mitam a suposição de que a realidade não pode
Outra forma de reconhecer a influência ser tocada diretamente, mas tão somente por
psicanalítica da Gestalt-Terapiaé encontrada na meio de signos e designações mitológicas pro-
citação de Quattrini, quando afirma que: duzidas pelo inconsciente. Na Gestalt-Terapia,
em consonância com a tradição existencialista,
"Eu diria que a psicoterapia
desde Kierkegaard e Nietzsche, e passando por
da Gestalt é a outra cara da moeda,
Husserl, Sartre, Heidegger, Merleau-Ponty,
'I'
- - - l
a) Tudo é uma totalidade; por seu turno, assinalava que o mundo sempre
b) Tudo muda; e teve e sempre terá necessidade de Heráclito.
c) Tudo está relacionado a algo mais.28 Por Dialética entendemos o supremo mé-
todo da discussão e, portanto, do diálogo. Mas
Estes três temas colocam a Gestalt- Tera- também é dialética a consideração dos opostos
pia numa posição muito confortável diante dos num todo compatível e organizado. Esta organi-
avanços atuais da ciência. Segundo a autora, se- zação se dá pela colocação da oposição no seio
ria a psicoterapia mais compatível e potencial- da realidade: não haveria progresso sem a opo-
mente direcionada para as descobertas sição à estrutura vigente ou mesmo não sabería-
emergentes, como a física quântica ou a teoria mos discernir o dia se não houvesse seu
do caos, visto ter uma capacidade de flexibilida- contraponto, a noite. Oposição, aqui, é entendi-
de e adaptação únicas, encontrada nas filosofias
da como a consideração dos opostos.
humanistas e dialéticas. Para compreendermos Neste sentido, a Dialética é o retrato fiel
melhor esta questão, passemos à análise do que
da realidade: constante oposição, movimento. E
a autora chama de "trindade de totalidades".
esta é a marca do pensamento de Heráclito de
Éfeso, pensador que procurou mostrar uma rea-
"Tudo é uma totalidade"
lidade factual que se apresenta onde quer que
Do primeiro tema - "Tudo é uma total ida- . 30
esteja a natureza.
de"-, extrai-se a idéia do holismo, ou a concep-
O legado de Heráclito foi o reconheci-
ção que considera a totalidade, a globalidade ., . ~ 31
mento d a mtrmseca um dad e do fienomeno,
como substantiva. A consideração do todo é
sendo pois, um dos primeiros holistas da histó-
uma das principais características da Dialética,
ria. O conceito de "holismo" conforme utiliza-
quando concebe a realidade como uma intrinca-
da rede de interações, onde tudo está interligado do aqui refere-se à "teoria que designa que o
(uma concepção que atualmente possui muitos princípio fundamental do universo é a criação
adeptos sob a roupagem da teoria sistêmica). de conjuntos [wholes), isto é, sistemas comple-
Encontramos a gênese deste tipo de con- tos e auto-contidos, do átomo à célula pela evo-
sideração no pensamento de um dos mais im- lução das mais complexas formas de vida e
portantes filósofos da Antiguidade: Heráclito mente: a teoria que diz que uma entidade com-
de Éfeso, a quem Clarkson considera como "o plexa, sistema, etc., é mais do que a mera soma
original avô da Gestalt,,29. Heráclito, um pensa- das partes".32 Esta concepção holística é uma
dor que viveu entre 536 e 470 a.c., é um dos fi- das características mais centrais da Gestalt-Tera-
lósofos mais importantes de toda a história do pia, e está hoje disseminada na ciência em geral, a
pensamento ocidental. Sobre ele Sócrates teria partir da teoria do Caos. Em termos gerais, isto é
dito ter compreendido boa parte, embora fosse um resgate da concepção heraclítica de realidade.
necessário um "mergulhador délio" para deci- Em Heráclito temos a consideração da
frar as partes não compreendidas. Nietzsche, unidade, a partir da presença do Logos em toda
28. No original: I) Everything is a whole; 2) Everything changes; 3) Everything is related to everything else (Clarkson, 1993).
29. Clarkson, 1993:5.
30. Holanda, 1992.
31. Clarkson. 1993.
32. Schwartz et ai., apud Clarkson, 1993:5.
~
I
1
{ Saúde e doença em Gestalt- Terapia: aspectos filosóficos 39
i
parte. O Logos heraclític033 refere-se ao princí- metafisico em Parmênides e a formalização da
pio ativo do Universo, ou seja, é aquilo segundo estrutura dualista em Platão, com sua dicotomia
o qual as coisas acontecem, é o que governa a dos mundos.
própria realidade, é a lei universal. O Logos as- Heráclito é o filósofo da mudança por
sim, é para Jean Brun: "simultânea eparadoxal- excelência. O universo é um incessante conflito
mente, um Sentido que nos é transcendente e entre opostos, sendo que a única verdade indis-
uma significação que nos é imanente".34 Ima- cutível é que "tudo muda", em uma estrutura
nência e transcendência fazem a composição do circular. É incrível a semelhança que encontra-
conjunto em Heráclito. mos entre o que Perls coloca sobre "não apresse
Comparemos agora esta posição com o rio" e a máxima heraclítica: "não podemos
Perls, Hefferline & Goodman35 quando assina- descer duas vezes no mesmo rio, nem tocar duas
lam que "cada estágio sucessivo é um novo vezes a mesma substância".
todo", e este se caracteriza por operar como um O que Heráclito observou, foi o caráter
conjunto independente, com "vida própria",
cíclico, contínuo das mudanças que ocorriam
como um todo concreto. Esta idéia está intima-
no mundo, ciclos constantes de transformação,
mente ligada à concepção de mudança contida
permanentes, sejam em escala ascendente, se-
no pensamento heraclítico.
jam em escala descendente, mas quantitativa e
qualitativamente equivalentes. Observa com
"Tudo muda"
isto que um momento sucede ao outro, necessa-
A asserção "tudo muda", conceito caro à
riamente diferente do anterior, para logo em se-
Gestalt- Terapia, pois concebe a realidade como
guida suceder a outro momento.
dinâmica e não como imutabilidade e perma-
Esta configuração cíclica, traz a noção de
nência, é um dos pilares fundamentais de qual-
fluxo. Como consequência, não é mais satisfa-
quer tentativa de estabelecer uma psicoterapia
de base humanista. tória a noção tradicional de "homeostase":
33. A esta noção são dadas numerosas definições, algumas mesmo contraditórias. F.E.Peters (1974, Greek Philosophical
Terms. New Y ork University Press) aponta as seguintes definições: discurso, razão, definição, faculdade racional, propor-
ção. Legrand. op.cit.. p.57. questiona: "O que é então o Logos? Enumerou-se uma quinzena de traduções: Norma de mundo
(Frãnkel), Relação (ou "Proporção" pitagórica), Explicação "discursiva" (o que faz de Heráclito um pseudo-Eleata..!) ou até
Razão (no sentido "racionalista', o que falseia gravemente o pensamento do efésio), Lei do Devir (Lassalle), Definição, Fór-
mula, Sentido da Fórmula, Enunciado, Narração, Lição, Coleção, Dizer (as exegeses de Heidegger parecem flutuar entre es-
ses dois últimos sentidos), "negligenciando" o sentido de Narração, ou o sentido de Mito, e, definitivamente, a tradução cristã
que assimila o Logos heraclítico ao do Evangelho segundo São João, via platonismo!".
34. Brun, 1988.
35. Citado por Clarkon, 1993.
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Saúde e doença em Gestalt-Terapia: aspectos filosóficos 41
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nos nos formam, nossas obras nos de vida, deve ser ofator mais impor-
edificam ".45 tante na psicopatologia, ou o que é
popularmente mal interpretada como
Na filosofia de Buber, a alternativa ao 'doença mental ".47
diálogo autêntico pode ser o monólogo ou o
mero palavreado.Neste último não há encontro, A questão da desconfirmação pode ser
não há mutualidade. Aí residea diferença. Só há encontrada em diversas teorias, como a de tera-
diálogo autêntico no falar-ao-outro, uma fala pia familiar de Boszormenyi-Nagy, ou outras
que se abre à descoberta do Outro. como Heinz Kohut, Harold Searles, Ronald
Laing, Helm Stierlin e Carl Rogers.
"Na conversação genuína, os
Confirmar o Outro é tomar a considerá-
dialogantes se confirmam mutuamen-
10 como um ser responsável por sua própria
te como pessoas, o que não significa
vida, é considerá-Io como tendo poderes sobre
aprovação do que o outro faz, mas de
suas relações, é afirmá-Io como existente. Esta é
perceber o outro como existente e
a mais profunda contribuição de Buber à psico-
confirmá-Io como tal, o outro "se vê
terapia. A reafilmação da responsabilidade.
atuante como fonte de um dinamismo
próprio ", o que permite que haja diá- "Responsabilidade no sentido
logo entre adversários. Confirmar- de "prontidão ", de "habilidade" a
mos o outro é aceitá-Io como um ser dar respostas. Responsabilidade
em devir, é constituir o outro como como uma ação mútua, uma ação de
parceiro de encontro, é acreditá-Io um Eu para com um Tu, e desse Tu
,,46
enquan to pessoa . para com um Eu, em completa reci-
procidade e alteridade ".48
Em suma, confirmar o Outro significa
acessar a plena totalidade do Outro. Considerar o O ser humano, como um ser histórico, é
Outro apenas em suas partes, desconsiderando o um ser total. O que a Gestalt- Terapia promove é
todo, o íntimo, o vivido, é "desconfrnná-Io". É um despertar do indivíduo à sua responsabilida-
considerá-lo por um prisma alheio à sua vivência, de, como um exercício de escolha e de tomada
é considerá-Io pela ótica do externo ou mesmo da de posse de sua própria vida. É a retomada da
regra, seja do "normal" ou do "patológico", mas ética do vivido. O ser-existente é o que se abre à
não é compreender o ser vivente. Assim, a patolo- responsabilidade frente ao outro, é o que se co-
gia é produto de relações limitadas do ser com o loca disponível ao contato, a presentificar e fun-
mundo, e, como assinala Friedman: damentar a si próprio e ao Outro. Uma relação
ética, antes de mais nada.
"Se a confirmação é central na
Se quisermos entender o fundamento da
existência humana e interhumana,
psicopatologia gestáltica, temos que considerar
então se segue que a desconfirmação,
a dimensão humana em sua intersubjetividade,
especialmente nos primeiros estágios
ou seja, toda relação humana é, essencialmente,
45. Buber. 1979: 18.
46. Amatuzi. 1989.
47. Friedman, 1985:123.
48. Holanda, 1998b: 121.
Adriano Holanda 44
.
inter-subjetiva. o Outro tem sua relação com a Holanda, A.F. (1992). Presença de Heráclito em Psi- i
realidade a partir da relação com a minha expe- coterapia, Insight-Psicoterapia, Ano lI, No.15,
Janeiro. 1
riência, num todo indissociável.
A proposta gestaltista para a psicopatolo-
gia reside numa mudança de enfoque: de uma
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j,
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Correlações entre Rogers e Buber, São Paulo: ,
tradicional, para uma visão que englobe a rela- Lemos Editorial. \
ção de complexidade que possuem estes fenô-
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menos, onde o básico para a determinação de
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