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Aula 2º

Filosofia e o processo
da Educação

Nesta aula, iremos estudar questões fundamentais essência ou uma natureza, até ao contrário, a fazer de
para o entendimento da Filosofia dentro do processo sua existência (sua ação, sua história) o ponto de partida
educacional. Todos os problemas educativos baseiam- de uma construção, de uma “nova” essência humana
se no caráter educável do homem e no sentido da (individual, social, moral), proclamando “a inocência do
educabilidade. devir (NIETZSCHE) e a necessária autoeducação da
A questão fundamental é saber se o caráter educável humanidade (CASTORIADIS)”. A essa questão está
do homem o conduz a recobrir ou a realizar uma associada aquela dos riscos e dos valores de tais empresas.
Boa aula!

Objetivos de aprendizagem

Ao final desta Aula, vocês serão capazes de:

• identificar as diferentes abordagens utilizadas pelos pensadores e os resultados por eles alcançados, na busca de uma
compreensão cada vez mais satisfatória do significado do universo e do ser humano dentro dele. identificar os conceitos e os
valores subjacentes ao processo de evolução da cultura universal;
• analisar e planejar ações, explicitando o referencial teórico utilizado.
Filosofia da Educação 14
atenção que Kant construiu ao redor da noção de respeito.
Seções de ESTUDO Essa preocupação concreta reúne prática e reflexão, coloca a
educação em situação e um olhar para outro e para a própria
1 - A educação como problema filosófico. ação situada na alteridade. A figura educativa é aquela da
2 - O outro e a complexidade na figura educativa. própria alteridade. Educar é, evidentemente, comunicar, ou
3 - Aspectos da complexidade: um novo espírito seja, entrar em relação com o outro para construir um sentido
científico. comum. Mas a alteridade é também a dimensão do outro que é
4 - A educação pós-moderna. si mesmo. Situar-se na alteridade talvez seja também o futuro.
Na “relação” consigo e com o outro delineiam-se múltiplas
1 - A educação como problema significações. O sentido da alteridade, tal como descreve a
filosófico fenomenologia, está além do caráter humano particular,
caráter constitutivo da consciência, num mundo aberto
irresoluto que se trata de repensar através da complexidade.
O outro, a existência e a situação pedagógica.

2.1 - A presença do outro: a proposta


fenomenológica

Disponível em: http://problemasfilosoficos.blogspot.com.


br/2011_07_01_archive.html. Acesso em: 02/03/2013.

Pode-se igualmente considerar essa questão por meio do


sujeito, ou de uma comunidade, tentar conceber as relações
humanas que aí se correspondem, “o sentido do outro” e os
saberes em tais hipóteses educativas. A perplexidade passa
então ao por que e também ao como nos educamos. Ela
introduz uma distância, uma consciência (Arendt fala de
vigilância) no seio dos fenômenos educativos; preservamos
realmente o homem no decorrer de nossas empresas
educativas, familiares e escolares? Como preservá-lo num
mundo “aberto”, no qual a liberdade humana aproxima-se
do risco da perda de sua liberdade?
A consideração do problema da educação concretiza-
se igualmente no próprio seio da Filosofia. Essa “educação Disponível em: http://direitosvioladosinfantojuvenil.blogspot.com.
filosófica“ é o primeiro elo entre a Filosofia e a educação. br/2011/11/taxa-de-analfabetismo-cai-mas-ainda_16.html. Acesso em:
02/03/2013.
Percorrendo as questões de Sócrates, a Filosofia nasceu
de uma exigência e de uma busca de conduta racional Falar sobre fenomenologia traz inevitavelmente a
do pensamento humano. Desde Platão, a educação do necessidade de localizarmos esta corrente de pensamento
pensamento é o próprio objeto da Filosofia. As “luzes”, no filosófico em um contexto, em um momento histórico em que
sentido do século XVIII, são representadas para Kant pela se encontram os motivos e/ou necessidades de sua gênese. O
máxima de sempre pensar em si mesmos. Elas tornam-se surgimento de outras correntes filosóficas como liberalismo,
o ideal de uma Filosofia educadora do homem (de todo o positivismo, depois o neopositivismo, pragmatismo, entre
homem) que descobre sua própria razão. Filosofar é aprender outras, que sem dúvida foram importantes pelas contribuições
a pensar e a educar a si mesmo, como educar a humanidade. deixadas à sociedade e pela possibilidade de, através destes se
Esse aprendizado não é forçosamente, previne-nos Kant, o alcançar uma evolução, colaboraram de certa maneira para
aprendizado pelas teorias filosóficas: “Não se pode aprender que Husserl, desse início a elaboração de um pensamento
nenhuma filosofia; pois onde está ela, quem a possui, e como com a preocupação de um questionamento da ciência e da
se pode conhecê-la? Pode-se apenas aprender a filosofar, filosofia. A ciência que, através seus movimentos parte para
ou seja, exercer o talento da razão na aplicação de seus uma autonomia, com a elaboração de métodos práticos para
princípios gerais a certas tentativas que se apresentam...” servir ao sistema vigente, levando os sujeitos a alienação e ao
tecnicismo, e que chega a uma objetividade que não mais é
2 - O outro e a complexidade na capaz de responder sobre o sentido, as vivências e a consciência
figura educativa  do homem.
É nesse contexto, como afirma Martins et al. (1984,
Educação do outro, educação para outro, estão ligadas p. 36) que a humanidade, no pleno desenvolvimento das
na mesma figura; a educação depende da pessoa e de uma ciências autônomas, fechadas em si mesmas, não tem recursos
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para compreender o sentido da própria vida e para guiar o professor em agente de má fé e se torna desonesto, uma
racionalmente a própria existência. O homem vive em um vez que nenhuma matéria é mais importante que outra, é o
mundo que já se tornou uma realidade estranha e inimiga, o aluno que vai adquirir o conhecimento pelo próprio esforço
homem vê desabar a sua fé na racionalidade. (NIELSEN NETO, 1988).
Diante dessa problemática é que Husserl proclama o seu Continuando, um dos representantes mais destacados
ideal. O fato da ciência absolutizar o método, que é tomado da fenomenologia na área educacional, o objeto de estudo,
em si de tal forma que deixa esquecer o mundo realmente o conhecimento codificado, não deve ser tratado com um
experimentado e experimentável, o mundo pré-científico, fim em si mesmo, nem como um meio destinado a preparar
que Husserl denomina de Lebenswelt – mundo de vida o estudante para uma profissão, mas, deve ser usado
(MARTINS et al., 1984). Assim, através da fenomenologia, antes, como um meio para o desenvolvimento pessoal e a
a unilateralidade da ciência, que esquece o sujeito é colocada autorrealização. Em vez de sujeitar o estudante à matéria, esta
em questionamento, para se voltar ao mundo pré-científico, ao deve ficar sujeita ao estudante. Devemos deixar o estudante
mundo vivido. “apropriar-se” de qualquer conhecimento que for objeto de
De acordo com Martins et al. (1984, p. 43), a volta ao seus estudos. Nesse sentido, segundo o autor, as matérias
mundo vivido como fonte de onde provém todas as ciências escolares devem, portanto, converter-se em instrumentos para
recoloca o sujeito no seu lugar e não permite que ele se torne a realização da pessoa, não disciplinas impessoais a que todos
objetivado por si mesmo, ou pelos outros, não permite devem ser submetidos indistintamente. Assim, a pessoa em
que o sujeito seja reduzido a um aspecto dele, tornando- desenvolvimento, o estudante, poderá elaborar mentalmente
se alheio a si mesmo. Todos esses aspectos serão mais bem verdades para si mesmo, não verdades em abstrato, mas suas
discutidos a seguir. O que consideramos importante ressaltar verdades.
é que por mais abstrato que possa parecer, esse pensamento Com isso, não se quer afirmar que as pessoas devem
tem sua origem histórica, política e cultural localizada num acreditar somente no que gostam, mas pelo contrário, a
momento de “ruptura”, poderíamos dizer com a aceitação dos busca pelo conhecimento irá despertar no estudante o desejo
métodos científicos como definição e definidores da ação dos para verificar se as coisas são verdadeiras. Assim, se o que
sujeitos. A fenomenologia está aberta ao questionamento, ao for verdade para alguns, para outros não se comporta da
inacabamento e, nas palavras de Heidegger) “compreender a mesma maneira será possível uma discussão sobre os fatos
fenomenologia é captar as suas possibilidades”. e sobre essas verdades, podendo gerar outras verdades. O
Partindo dessas considerações, objetivamos refletir estudante deve achar as verdades para si mesmo, verificar as
sobre a fenomenologia enquanto corrente de pensamento leis universais e estar apto a incorporar a sua visão pessoal do
relacionando-a com a área educacional, tratando mais mundo.
especificamente da Educação Física escolar e as contribuições Enquanto que, como a filosofia positivista, que
que esta poderá trazer ao compreendermos o movimentar-se predominou até a década de 70, presenciamos a reificação
humano tendo como pressuposto o paradigma da reflexão do conhecimento, transformando-o num mundo objetivo de
fenomenológica do movimento. Este pressupõe a compreensão “coisas”, com a fenomenologia, realizou-se a desreificação do
de que o movimento configura-se como um diálogo entre conhecimento (TRIVIÑOS, 1987, p. 47).
o homem e o mundo, carregado de sentidos e significados A reificação do conhecimento teve consequências
que dão base à construção do conhecimento pelos sujeitos extraordinárias para a elaboração do currículo escolar,
relacionando-o com seu mundo vivido. Para isso, inicialmente transformando o conhecimento numa soma de informações
faremos uma breve exposição sobre a fenomenologia, desde que era transmitida e devia ser assimilada pelo aluno. Assim,
sua origem até os principais temas em que se fundamenta. Num o currículo constituiu-se, e de certa forma ainda constitui-se,
segundo momento, tecermos reflexões sobre a fenomenologia como algo elaborado, terminado e alheio fundamentalmente
relacionando-a com a área da educação e por fim, trataremos aos sujeitos.
especificamente da educação física escolar tendo o paradigma Já com a fenomenologia, de acordo com Triviños (1987,
da reflexão fenomenológica do movimento como fundamento p. 47), fala-se de currículo construído, de currículo vivido pelo
para nossas reflexões. estudante, baseado nas experiências do mundo de vida dos
A educação, numa perspectiva fenomenológica, de acordo alunos. Segundo o autor ainda, a fenomenologia representa
com Nielsen Neto (1988, p. 92), deve mostrar ao aluno a vida uma tendência filosófica que, entre outros méritos, tem
tal como ela é na sua precária transitoriedade e estimulá-lo a questionado os conhecimentos do positivismo, elevando a
tomar consciência de si mesmo. Assim, toda a aprendizagem é importância do sujeito na construção do conhecimento.
realizada a partir da individualidade do aluno, pois o professor O enfoque fenomenológico, privilegiando a escola tem
é apenas aquele que tem a possibilidade de despertar na criança demonstrado que os estudos da sala de aula, da interpretação
a decisão sobre sua própria essência. O aluno é um ser para si, dos fenômenos como ocorrem, oferece a possibilidade de
cuja dignidade é o centro de sua própria existência. tratar-se de alguns elementos culturais, como os valores, que
Nesse contexto, o professor não é alguém que instrui que caracterizam o mundo vivido dos sujeitos. Nesse sentido, a
transmite ao aluno conceitos que devem ser assimilados. O construção do conhecimento e o conhecer depende do mundo
professor deve sim, apresentar diferentes pontos de vista sobre cultural dos sujeitos e de sua interpretação, enquanto forma
algo que expõe e deixar os alunos optar por si mesmos, não de interpretação na busca dos significados da intencionalidade
deve impor um modo de ver as coisas, muito menos formar dos sujeitos.
opinião. Agindo assim, o aluno seria convertido em objeto, e Dessa forma, devemos ver o homem que “se-movimenta”
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como um ser no mundo, rico em intencionalidade, possa ser apreendido na sua primeira originalidade. Cultura e
intencionalidade esta que dá sentido e significado às ações religião são a carne e os ossos do ethos historicamente vivido.
humanas, dando-se, com isso, sua relação com o mundo. Para É neste entrelaçamento de marcas originais, trabalhadas pela
tanto, precisamos buscar na concepção do “se-movimentar”, religião e pela cultura, que podemos apreender as aspirações
trazida por Hildebrandt-Stramann (2001), Trebels (1992), profundas testadas pela experiência de um povo.
Kunz (1991), a base teórica para uma proposição destinada Dentro desse contexto é de se notar a reverência com a
à ação em práticas educativas da Educação Física escolar, qual os gregos, os primeiros a pensarem sistematicamente seu
pretendendo ressignificar, a partir dessa forma de tratar o ethos, se referiam a ele. Quando pronunciavam essa palavra
movimento humano, o ensinar e o aprender em Educação, o faziam sempre com uma inusitada reverência: estavam
(re)significando as experiências dos sujeitos, pois conforme como que oferecendo a chave capaz de abrir as portas para
Kunz (2003, p.97), “oportunizar a criança e ao adolescente a os grandes segredos do “humanum”. O ethos era entendido
chance de vivenciar experiências bem sucedidas, que escapam como o último reduto do humano, onde humano e divino se
do sentido cotidiano das atividades obrigatórias, é contribuir encontram. Por isso mesmo, para os pensadores gregos, não
com a possibilidade de indivíduos críticos e emancipados”. eram os costumes vigentes que julgavam o ethos, mas o ethos
Assim, observamos que, para implementarmos qualquer que julgava os costumes vigentes.
mudança na prática educativa, além de conhecermos e Já deixamos subentendido na introdução, que Ética e
compreendermos as teorias acima colocadas, esse desafio valores são realidades tão próximas que, na prática, uma não
se constitui, também, na condição de ter uma orientação pode ser entendida sem a outra. Agora deveríamos acrescentar
objetiva para o desenvolvimento de um trabalho com o que Ética, valores e Educação, são realidades tão próximas que
movimento humano, isto é, uma intencionalidade clara do nenhuma das três pode ser entendida isoladamente. Entretanto,
trabalho pedagógico que será desenvolvido. tendo esclarecido o significado mais profundo da Ética e dos
valores, convém agora lançar um pouco de luz também sobre
2.2 - A educação como outro campo o significado mais profundo da Educação.
ético Com razão, desde há muito se remete nossa palavra

Ética
vamos falar “educação”, para duas palavras latinas: “ex-ducere”. A raíz “ex”
+ sobre significa sair para fora. Assim, por exemplo, “ex-spirar”, “ex-
sultar”, “ex-clamar”, nos revelam sempre esse movimento, de
dentro para fora. Daí a “educação” não consistir propriamente
num processo de implantação de algo que ainda não existe,
mas um processo de cultivo de algo que já está ali presente,
Disponível em: http://profwagnerbueno. embora em germe. Assim se entende o dito de Paulo Freire, de
wordpress.com/2011/08/25/qual-a-chance-
de-uma-pessoa-etica-ter-sucesso-na-vida-
que, a rigor, ninguém educa ninguém. As pessoas se educam
profissional/. Acesso em: 02/03/2013. no confronto com outras pessoas e com as várias realidades
Descreve Moser (2010), se formos à raiz semântica da da vida. A rigor não deveria existir oposição entre “educador”
nossa palavra “ética” nos deparamos com duas possibilidades de e “educando”, ou nem mesmo se poderia utilizar essa
tradução da palavra ethos: escrita com a letra grega eta, significa terminologia, por si só suspeita. O que deveria ocorrer seria
caráter; com a letra êpsilon significa costumes, mormente bons exatamente um certo confronto, onde um se espelha no outro.
costumes. Mas uma leitura mais acurada logo aponta para outro Mas de qualquer modo, o que deve ficar evidenciado é o papel
sentido subjacente na mentalidade grega: residência, moradia. ativo do “educando”. Ele ou ela deveriam ser considerados
Recolhendo estes significados etimológicos básicos se chega a os agentes primeiros. O chamado “educador” não deveria ser
perceber que o ethos aponta para um modo próprio de ser e de mais do que uma espécie de espelho, que leva o “educando” a
viver onde se “abriga” o humano. se olhar em profundidade.
O ethos é como que o alicerce sobre o qual se estrutura Pelo que foi dito até aqui sobre e Educação, fica claro que
o humano. Não é, porém, algo de estático; antes é como uma a tarefa do educador não é dar voltas na vida pelo educando;
fonte borbulhante que sustenta o humano e a partir da qual nem pretender conduzí-lo pelos mesmos caminhos de sempre.
os seres humanos buscam sempre de novo revigorar-se. O O bom educador acompanha o educando com um olhar
ethos é algo de tão profundo que radica além das normas carinhoso como o de uma mãe, mas como boa mãe deixa o
morais e até mesmo da própria diversidade das religiões. Não filho fazer ensaios para andar. Ou seja, o pressuposto é que se
só toda moral e toda religião se constituem na expressão tenha confiança na capacidade do educando. O que podemos
de um ethos, como até mesmo os ateus podem apresentar é oferecer subsídios, ajudá-lo a organizar suas próprias
dimensões éticas surpreendentemente profundas. Um dos experiências, levá-lo a um senso crítico em relação a elas. De
cursos mais interessantes que ministrei foi exatamente sobre a alguma forma, o que deveria acontecer entre o educador e o
concepção ética de Marx. Todos sabem que ele se proclamava educando, é que ambos fossem aprendizes, embora em estágios
ateu; mas talvez poucas pessoas sabem que desenvolveu toda diferentes. O que deveria ocorrer é uma troca de saberes, onde
uma concepção ética de uma impressionante profundidade e ambos têm algo a aprender e ambos têm algo a ensinar.
coerência. É aqui o momento de estabelecermos um confronto
O ethos é como que a marca primeira de qualquer ser entre uma educação libertadora e uma educação manipuladora,
humano, antes de qualquer outra marca cultural, ideológica ou ou opressora.
religiosa, mesmo que historicamente falando o ethos nunca Vimos que o ethos não se concretiza no abstrato, mas
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justamente no plano histórico. O mesmo se deve afirmar em direção ao outro”. Uma relação educativa não constitui,
com respeito à educação. E esse plano histórico aponta mas é constituída pelo outro e por si mesmo, segundo o
continuamente tanto para as pessoas, quanto para as sociedades, princípio fenomenológico da existência. A educação não é
tanto para o que já foi, quanto para o que vai sendo, tanto para a essencialmente uma mediação, baseada nessa similitude, que
tradição, quanto para a atualidade, tanto para a natureza quanto conduz a educar. Essa similitude dá espaço no qual se constrói
para a cultura. E na medida em que se evoca a cultura, não se a exigência ética, a visada à qual ela tenta responder ao mesmo
pode perder de vista que ela remete para vários campos, entre tempo em que constrói. Para que serviria educar o outro se si
os quais o religioso, o simbólico, o organizativo-social. O ethos mesmo não fosse o outro e o outro si mesmo? O eu educador
vem sempre expresso por esses múltiplos componentes, que é o si no reencontro com o outro.
vão se fecundando mútua e dialeticamente. Outro paradoxo é aqui levantado: o da autonomia. Através
Quando nos detemos diante dos múltiplos componentes da iniciativa conduzida pelo educador, o educando participa
do ethos, vamos nos deparar com ao menos três tentações: a da mesma visada, da mesma dimensão existencial da relação
primeira é a de tentar encontrar respostas prontas; a Segunda é com o outro, a autonomia é apenas então a reciprocidade
a de julgar que só nós hoje sabemos das coisas. E a terceira é a de si e do outro, é a própria visada, o “que também”, seu
de confundir ethos com norma. reconhecimento. O outro não é uma reduplicação de si, mas
As crises éticas, como as crises educacionais, remetem seu alter ego, outro verdadeiro. O modelo (o “como”) inclui
ainda para períodos de pluralismo cultural, quando várias a diferença, ele é a referência, o também é capaz de começar
culturas, por circunstâncias históricas, se veem confrontadas; alguma coisa no mundo, de agir com razões, de hierarquizar
pois todo grupo cultural apresenta também seu padrão ético suas preferências, de estimar os objetivos de sua ação, e desse
próprio. Seria possível estabelecer uma unidade ética num modo de estimar você mesmo como eu estimo. A autonomia
período de pluralismo cultural? Seria isto desejável? O fato é é essa capacidade partilhável.
que quanto mais primitiva uma sociedade, tanto mais rígida A educação torna-se assim educação para o sentido,
tende a ser na transmissão do seu paradigma ético, e quanto afirmação da solidariedade da consciência e da razão, do
mais desenvolvida, mais tende para a maleabilidade. existencial e da aquisição dos saberes humanos. O objeto
Poderíamos concluir estas reflexões sobre Ética, valores e da educação não seria o de dar sentido ao encontro com o
educação, da seguinte forma: o denominado educador não é o outro em atividades de “saber” (o especulativo), ocasião de
que fornece muitos conhecimentos ao denominado educando, um verdadeiro saber (presença), o do outro? Só que aprende a
por mais que esses conhecimentos possam ser necessários. O humanidade; mas não essencial.
educador é antes, uma pessoa experiente na ciência da vida, e
que introduz o educando nos caminhos da sabedoria. É isto 2.4 - Complexidade e educação
que se percebe nos dois incomparáveis educadores, ambos
mestres em “maiêutica”: Sócrates e Jesus Cristo. Nenhum A busca de uma natureza à qual a educação estaria
deles respondia propriamente a perguntas, mas conduziam o vinculada refere-se ao mesmo tempo à ordem do humano,
discípulo a encontrar a resposta através de outra pergunta. Tanto à ordem das coisas e ao saber, ou ainda à ordem da própria
Sócrates, quanto Jesus Cristo, compreendiam a educação como situação, como consideram os pragmáticos. Devemos opô-
uma espécie de parto, não operacionalizado através de uma las. Considerar a dinâmica global disso supõe considerar
cesariana, mas induzido, lentamente e seguramente. Ambos que o produto da educação escapa aos esquemas lineares de
compreendiam a Ética não como uma ciência que cria valores, produção social, psicológica ou uma pedagogia linear, e que a
mas como uma ciência que descobre os valores implantados no educação deriva de uma realidade complexa. A complexidade,
mais profundo do ser humano. E esta descoberta passa sempre que se trata de tornar inteligível, supõe um modo diferente de
por uma feliz conjunção entre o divino e o humano. pensamento que apresentamos na forma de proposição única.

2.3 - Educação e sentido 3 - Aspectos da complexidade: um


novo espírito científico
Proposições:

Crenças Conhecimento Verdade

Disponível em: http://glaucianecarvalho.blogspot.com.br/2009/03/


qual-e-o-sentido-da-universidade.html. Acesso em: 02/03/2013.
Crenças Verdadeiras
Nessa ética da presença que prestamos à dinâmica Crenças Verdadeiras e Justificadas (Conhecimento)
educativa, a relação com o outro descreve articulações: não
há educação sem dimensão do sentido do “outro como si Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/modules/
mylinks/viewcat.php?cid=10&min=290&orderby=titleA&show=10.
mesmo” e valores que estejam ligados a essa visada “de ir Acesso em: 02/03/2013.
Filosofia da Educação 18
Ao tratar da pedagogia científica, faz uma primeira comum e as outras formas de manifestação, o conhecimento
reflexão sobre a filosofia da ciência e apresenta uma vulgar, a sociologia espontânea, a experiência cotidiana são
concepção de conhecimento científico como um “processo opiniões, formas de expressão, que não representam e não têm
contínuo de retificação” movido pela superação dos o valor de conhecimento científico.
obstáculos epistemológicos. Apela por um diálogo entre A epistemologia bachelardiana fundamentada no
razão e experiência, por uma razão que procura desaprender, racionalismo aberto chama a atenção para o risco da não
por uma metodologia consciente, o que significa pensar cientificidade das impressões primeiras e do pensamento
uma pedagogia “em ruptura com o conhecimento usual”, simplista. Em Bachelard, epistemologia e pedagogia se
caracterizando, assim, por uma evolução metodológica, uma entrelaçam para formar um pensamento orgânico que se
mudança de lógica, um profundo exercício de “todas as renova e que não se conforma com as impressões primeiras
dialéticas”. É nesse sentido que se pode tomar a pedagogia e com os dados do senso comum e da apreensão da realidade
bachelardiana com uma pedagogia criativa que permite instituir por meios não científicos.
novos saberes a partir de rupturas com o senso comum, com A pedagogia científica instrui a prática e a cultura
a epistemologia cartesiana e permite pensar numa pedagogia científicas para a aquisição de uma forma de conhecimento e
dialética no sentido mais amplo. Uma pedagogia capaz de de pensamento que, na visão de Bachelard, pode se traduzir
orientar os passos de educadores para se livrarem das visões automaticamente numa reforma do espírito.
estreitas e de todo o pragmatismo ingênuo. O autor postula a construção de uma cultura a partir da
Para Bachelard (2000), a noção de obstáculo ciência como a grande estruturadora dessa nova pedagogia.
epistemológico pode ser estudada no desenvolvimento Tendo em vista tais referências, a epistemologia que
histórico do pensamento científico e na prática da Educação, fundamenta a prática científica contém uma filosofia e expressa
e nesta, afirma ele: uma visão de mundo sobre a problemática da produção de
Muitas vezes me tenho impressionado com o fato de conhecimento. A pesquisa se desenvolve com a formação do
os professores de ciências, mais ainda, se possível, do que os professor, da epistemologia e da concepção de conhecimento
outros, não compreenderem que não se compreenda. Muito ou de teoria do conhecimento nas quais sua prática está
poucos são aqueles que investigaram a psicologia do erro, da fundamentada. A compreensão epistemológica do professor
ignorância e da irreflexão. (p. 168) torna, sem dúvida, sua atividade científica mais consolidada e
Para ele, a tarefa do professor: permite fundamentar as bases da pesquisa como dimensão da
pedagogia consciente. O autor chama de pedagogia consciente
[...] consiste no esforço de mudar de cultura aquela que denota novas práticas científicas em rupturas com
experimental, de derrubar os obstáculos já os paradigmas cartesianos-lógicos-racionais e com a apreensão
amontoados pela vida cotidiana, de propiciar da realidade pelos dados do senso comum.
rupturas com o senso comum, com um saber
A ciência e a prática científica têm raízes em várias
que se institui da opinião e com a tradição
empiricista das impressões primeiras. Assim,
epistemologias (epistemologia lógica, genética, histórico-
o epistemólogo tem de tomar os factos crítica). No entanto, é no interior de concepções abertas e
como idéias, inserindo-os num sistema de dialéticas que o conhecimento pode encontrar a possibilidade
pensamento. (p. 168) de renovação, de construção e de reconstrução. Tais
concepções epistemológicas indicam ao professor a adoção
Um fato pouco compreendido ou mal interpretado de metodologias conscientes que privilegiem uma pedagogia
constitui um obstáculo, um contrapensamento. Assim, em constante ruptura com o conhecimento usual. “Chega uma
torna-se importante na formação do professor a reflexão e a altura em que o espírito gosta mais daquilo que confirma o
apreensão da concepção de conhecimento que fundamenta a seu saber do que daquilo que o contradiz, prefere as respostas
sua prática científica. Bachelard (2000) afirma que o problema às perguntas” (Bachelard, 2001 p. 167). É esse o risco de o
do conhecimento científico deve ser pensado com base na professor ensinar sempre as respostas certas. Na pedagogia
noção de obstáculo. A superação de obstáculos se inicia com científica, o erro se instrui a partir de uma dinâmica pedagógica
uma nova pedagogia, aquela que ele chama de pedagogia que coloque o conhecimento em permanente estado de crise,
científica, na qual o esforço do professor consiste em fazer criando sempre a necessidade de retificar-se.
com que os alunos se afastem da cultura científica adquirida Na visão de Bachelard, a formação do professor
e da percepção apreendida na vida cotidiana pelo senso contemplaria uma prática pedagógica, “uma metodologia
comum. É impossível educar por simples referência a um consciente” que privilegiasse uma pedagogia em ruptura com
passado de educação. É necessário pensar numa ciência em o conhecimento usual. Assim, “de um modo mais positivo,
mutação e num pensamento aberto que se renova. O “espírito apreender-se-á a essência da psicologia do espírito científico
científico” tem que se fundar, deformando-se. Assim, o na reflexão pela qual as leis descobertas na experiência são
conhecimento se estrutura na fronteira do desconhecido pensadas sob forma de regras aptas a descobrir novos fatos”
e do conhecido, instaurando a permanente necessidade de (Bachelard, 2000, p. 122). O verdadeiro espírito científico se
rupturas e abertura a uma dialética da descontinuidade, de forma na dialética estabelecida por tensões e na abertura integral.
olhares múltiplos para um mesmo objeto. Ainda no campo Assim, dialetizar o pensamento é aumentar a possibilidade de
da noção de rupturas epistemológicas, o autor afirma que a apreender e de criar cientificamente fenômenos complexos,
Ciência se opõe à opinião. Em ciência, a opinião está na esfera de regenerar novas dimensões não percebidas por meio do
de outros campos, nada é dado, tudo se constrói. O senso pensamento ingênuo e acrítico. A produção de conhecimento
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e os processos pedagógicos se justapõem. A dificuldade e a discussão fazem parte
A nova pedagogia científica pensada por Bachelard do dinamismo psicológico da pesquisa
é essencialmente crítica e estimula professores e alunos a científica. E não só da pesquisa, mas também
exercitarem o pensamento aberto na busca de fenômenos da pedagogia da ciência. Tanto o trabalho
e problemáticas complexas e na capacidade de formular científico de pesquisa quanto o de seu ensino
exigem que os pesquisadores e os educadores
questões-problemas e de construir objetos de pesquisa,
criem dificuldades para si próprios. O
“procurando no real aquilo que contradiz conhecimentos importante é que saibam criar dificuldades
anteriores” (Bachelard, 1991 p. 13). Poder-se-ia dizer que reais e eliminar os obstáculos falsos ou
Bachelard, ao tratar da pedagogia científica, trata também da as dificuldades simplesmente imaginárias.
pedagogia do pensamento. Com tal posicionamento, ele faz Devem sentir uma espécie de apetite pelos
um apelo ao exercício da prática da “filosofia do não”, a que problemas difíceis. (p. 73)
procede, em nós e fora de nós, uma atividade construtiva.
Essa filosofia afirma que o espírito é, no seu trabalho, um Enquanto Bachelard sugere uma pedagogia da superação,
fator de evolução. Pensar corretamente o real é aproveitar as uma epistemologia da pluralidade, da razão aberta para pensar
suas ambigüidades para modificar e alertar o pensamento “a “e para tentar desaprender muito daquilo que aprendeu”,
criar condições para a dialetização”. Tal pedagogia incentiva Weber (1982) apela para o que chama de integridade
relações pedagógicas construtivas e permitem desenvolver a intelectual do professor. No texto “A ciência como vocação”,
capacidade de autonomia intelectual, de construção de novos define a vocação científica como uma vocação íntima e
conhecimentos e de novas questões científicas que possam se enfatiza a tarefa do professor como aquela de “servir aos
contrapor à visão empiricista. alunos com o seu conhecimento e experiência e não impor
Uma pedagogia fundamentada numa epistemologia aberta suas opiniões pessoais”. Para este, não é possível demonstrar
e reflexiva fundamentará uma interpedagogia do ensino, o que, cientificamente o dever de um professor:
sem dúvida, propicia uma ressignificação da relação pedagógica
[...] só podemos pedir dele que tenha
e da prática científica. Isso estimula dinâmicas criativas. integridade intelectual de ver que uma coisa
A relação pedagógica implica interações humanas e é apresentar os fatos, determinar as relações
psicológicas, de confiança e de respeito intelectual. Desenvolve- matemáticas ou lógicas, ou a estrutura
se a partir do interesse do professor no crescimento intelectual, interna dos valores culturais, e outra coisa é
moral, ético e científico do aluno e, como assinala Bachelard, responder a perguntas sobre o valor, cultura
um desejo de que o aluno possa superar o mestre. Todo mestre e seus conteúdos individuais, e à questão de
deve formar seus discípulos. No entanto, a Educação carece como devemos agir na comunidade cultural
dessa dimensão que, aos poucos, está se perdendo devido e nas associações políticas. São problemas
à racionalidade, à burocracia acadêmica, ao controle pelo totalmente heterogêneos. Se perguntarmos
controle de um saber instrumental prático e pouco estimulante porque não devemos nos ocupar de ambos os
tipos de problemas na sala de aula, a resposta
do ponto de vista intelectual. A vida acadêmica e a intelectual
será: porque o profeta e o demagogo não
necessitam de predisposição afetiva e, ao mesmo tempo, de pertencem à cátedra acadêmica. (p. 172-173)
uma inquietação permanente de uma imaginação crítica e
reflexiva. A discussão da pedagogia científica e das bases
Para Bachelard (2001), toda cultura científica deve começar epistemológicas que a constitui teve como objetivos refletir a
por uma catarse intelectual e afetiva e pela compreensão de uma prática da pesquisa e apresentar referenciais para refletir sobre
“consciência em mutação” e “por um ensino não dogmático”. uma nova pedagogia centrada na epistemologia de Bachelard.
O que é um ensino dogmático? Que concepções e práticas Assim, é de fundamental importância desenvolver práticas
científicas esse ensino gera? São questões que interessam ao e metodologias que levem o aluno a pensar criticamente, a
campo da Educação e da Pedagogia. desenvolver sua própria autonomia intelectual, a desenvolver
Para a ciência e o conhecimento, entendidos como uma atitude de busca de aprender num processo contínuo
um processo contínuo de retificação, é tarefa pedagógica a partir de um pensamento dialetizante, a utilizar conceitos
do professor “colocar a cultura científica em estado de e novas elaborações, como instrumento de construção e
mobilização permanente, substituir o saber fechado e reconstrução de novos saberes.
estático por um conhecimento aberto e dinâmico, capaz de O pensamento crítico desenvolve práticas pedagógicas
se reconstruir e de se retificar. Segundo esse ponto de vista, também críticas, geradoras de novas questões, estabelecendo
a pedagogia da razão deve valer-se de todas as oportunidades diálogos multidisciplinares com outras áreas de conhecimento.
de raciocinar e de pensar, empregando todas as variações do Uma pedagogia crítica propicia as condições que dão ao
pensamento. Pergunta Bachelard (1991): “Que seria uma campo acadêmico e científico a oportunidade epistemológica
função sem possibilidade de funcionar? Que seria uma razão de formular, permanentemente, questões-problema. Assim,
sem possibilidade de pensar?” (p. 135). Devem ser aplicados o verdadeiro educador precisa reconhecer-se em estado de
todos os ensinamentos da ciência, por muito especiais que “infância cerebral”.
sejam, para a aquisição de uma forma de conhecimento que se Bachelard (2001) apela por uma razão aberta; por uma
traduza, automaticamente, numa “forma de espírito (p. 118). nova comunicação pedagógica; por uma escola que deve ser
Japiassu (s/d) complementa esse pensamento no sentido da contínua ao longo da vida; por uma educação permanente; e
renovação no campo da pesquisa científica: por uma pedagogia do descontínuo e da incerteza. Na prática
Filosofia da Educação 20
educativa, chama a atenção para dois aspectos pedagógicos:
o do mestre que, em um processo contínuo de aprender, se
converte em estudante, pois “permanecer estudante deve
ser o anseio secreto de todo mestre” e, por outro lado,
“aquele que aprende deve ensinar”, consubstanciando uma
interpsicologia do ensino.
O espírito cientifico é, essencialmente, uma retificação
do saber, um alargamento dos quadros do conhecimento.
Julga seu passado histórico, condenando-o. Sua estrutura
é a consciência de suas faltas históricas. Cientificamente,
pensa-se o verdadeiro como retificação histórica de um
longo erro, pensa-se a experiência como retificação da ilusão
comum e primeira. Toda a vida intelectual da ciência move-
se dialeticamente sobre esse diferencial do conhecimento na
fronteira do desconhecido. “A própria essência da reflexão
é compreender que não se compreenderá” (BACHELARD,
2000, p. 147).
Disponível em: http://umlugaraosom.blogspot.com.br/2012_07_01_
archive.html. Acesso em: 02/03/2013.
4 - A educação pós-moderna
Primeiramente, entre os saberes e suas aplicações
tecnológicas e culturais. A instrução, o exercício da razão
científica não bastam mais para assegurar o elo indispensável
entre os valores e o jogo das técnicas: de Hiroshima à
manipulação genética do homem, como assegurar essa
relação no mundo através do saber humano? Isso não
pertence ao saber, que falta educar. A ciência e a técnica não
são mais as servidoras do progresso: elas estão cegas. Como
lhes desenvolver suas “luzes”? A educação não é o lugar de
conhecimentos novos; isso supõe educar de modo diferente,
com o saber de uma humanidade que não é mais o mapa da
Disponível em: http://fabaprendendoaeducar.blogspot. natureza ou do progresso (outra natureza suposta da razão
com.br/2010/04/qual-importancia-das-tecnologias-na.
html. Acesso em: 02/03/2013.
técnica e histórica).
Um outro elemento da crise é a desordem de uma história
Como ligar nosso pensamento e nosso saber num contemporânea marcada pelo escândalo dos totalitarismos
mundo que não se pode satisfazer com a modernidade e dos campos de concentração que relativiza a capacidade
clássica? Voltemos para esse movimento para melhor do político de assegurar a ordem humana. Arent, sublinha
encontrar nele o lugar da educação. O postulado de um o risco de demissão do espírito e chama para uma educação
princípio universal e fonte de tudo (o ser em Platão) e o da consciência disso para enfrentar “a brecha”, “estranho
de um pensamento com conteúdo adequado e qualificado entremeio que se insere às vezes no tempo histórico”. A crise
(como razão ou como natureza) foram os princípios nos chama, na incerteza, para o combate: entre o passado terminado
quais se fundamentaram a filosofia ocidental e a autoridade e o futuro infigurável, é preciso assegurar a responsabilidade do
em educação. O mundo da pós-modernidade, que os sucede, mundo.
inscreve-se num duplo movimento, crítico, da perda das A perda da orientação é ainda a dos limites do conhecido,
orientações e da construção. Nos dois casos, as dinâmicas sempre rejeitados pela ciência e pela técnica, mas igualmente
educativas encontram nas passagens e nas rupturas novas pela consciência tomada pelo homem de sua própria
referências. humanidade.
Bachelard (2000) descreveu no próprio seio da razão
4.1 - Educação e a crise da científica esta abertura do conhecer em direção a novos modos
modernidade de pensamento e de real; Renunciaríamos, portanto, a um
conhecimento integral do homem e de sua situação no mundo, ao
A perda das orientações do ser, de Deus, da natureza princípio de universalidade, coração da modernidade, esquema
e da razão, elos da modernidade clássica, constitui a parte de educação. O mesmo esquema de desvinculação social ou
crítica da pós-modernidade. Essa perda é a das evidências se “aumento dos individualismos” marcaria a orientação
e das referências. É a encruzilhada da Gaia Ciência em que cidadã. A crise estaria expressa, com o término dos modos
Nietzsche proclama: “Deus está morto, nós o matamos: de pensamento identificatórios da ordem social e humana e
esse acontecimento ainda está a caminho, ele caminha e não na falta de fins unificadores, numa perda de consciência, um
chegou aos ouvidos dos homens”. À ruptura nietzschena “aumento da insignificância” (CASTORIADIS, 2004), uma
sucederam rupturas de consciência no pensamento do “era do vazio” (LIPOVETSKY, 2004). Então, em que sentido
mundo contemporâneo. educar o homem? Nietzsche (1972)
21
“A educação do homem, diz-nos Nietzsche, o movimento, a troca dialética entre a cultura científica e os
foi feita por seus erros; e de início ele nunca se âmbitos do pensamento, em “racionalismo aplicado”, tal
viu senão de modo imperfeito; em seguida, ele como o da complexidade. Esse indeterminado é igualmente
se atribuiu qualidades imaginárias; em terceiro o dos objetos ou dos mundos que as ciências e as técnicas
lugar, ele se sentiu em falsa relação diante da criam, assim como seus modos de interrogação; mundo da
natureza e do reino animal; em quarto lugar,
física, das novas tecnologias, novo enraizamento dos saberes
ele não parou de inventar tábuas do bem [...].
Ignorar o efeito desses quatro erros é suprimir
para educação. O fundamento é a construção: ela não exclui o
a humanidade, o humanitarismo”. risco, que se torna objeto de educação.
A abertura da relação entre verdade e liberdade (elo
Remete o homem à sua própria educação, fazendo um nietzscheano, mas também bachelardiano) se realiza na
princípio crítico: mas ele dá assim o elo fundador de toda ordem dimensão de “existência” do sujeito, novo intelectus, que
humana de verdade, o “humanitarismo”. Esses erros, sabemos Heidegger descrevia como revelação (aletheia). Em qualquer
disso, desde Bachelard (2000), instauram uma verdade de outra domínio, o homem refere seu saber à sua própria existência.
ordem. A perda das orientações, essa ruptura e essa crise, não Ele deve encontrar nela seus próprios fundamentos. Sartre
seriam a Gaia Ciências? proclama que a existência precede a essência; Heidegger,
na Lettre sur l´humanisme, sublinha a “preocupação” do
4.2 - A construção de um novo homem, como ele deve assumir o fato de ser-aqui e de ser-
humanismo o-aqui (existência e essência), ao mesmo tempo presença e
instância na verdade do ser e, portanto, o pensamento do ser.
O humanismo é este pensamento no universo da
imanência, “metafísico” e não antropológico, na medida em
que ele cria uma essência do homem, um pensamento do ser do
ente. Essa liberdade-verdade, essa autofundação da existência
e da essência é, no seio do pensamento filosófico, um ponto
de partida para pensar a humanidade e para nela educá-la. Para
Heidegger, a essência (o essencial) da verdade é a liberdade,
fundamento de sua possibilidade, não conformidade do
enunciado à coisa segundo o enunciado clássico da verdade,
mas caráter da abertura, “abandono à revelação do ente como
tal”.

O Humanismo pode ser definido como um conjunto de ideais e


Disponível em: http://www.infoescola.com/desenho/o-
homem-vitruviano/. Acesso em: 02/03/2013. princípios que valorizam as ações humanas e valores morais (respeito,
justiça, honra, amor, liberdade, solidariedade, etc.). Para os humanistas,
Michel Foucault (1947), descrevia o homem como os seres humanos são os responsáveis pela criação e desenvolvimento
“par empírico-transcedental”. Quais transcendências, quais destes valores.
fundamentos conceber para o homem na pós-modernidade para
uma razão educativa? Para qual mundo se educa? Orientações
novas emergem, para as quais o homem se autoeduca. Como nova orientação, o “humanismo do outro
Desde Bachelard (2000), o domínio do saber é marcado homem” proposto por Lévinas (2005), não se desvia pelo
por um novo tempo, o dos limiares epistemológicos, caminho do conhecimento, mas do re-conhecimento.
suspendendo o acúmulo indefinido de conhecimentos do “O absurdo consiste não no isolamento das significações
saber mantido. Um conhecimento por enumeração não é inumeráveis, mas na ausência e um sentido que as oriente [...]
mais a função fundadora da continuidade racional, esta não Roma para onde levam todos os caminhos” Lévinas (2005 ).
forma mais o espírito. Essa abertura pós-moderna supõe a É a alteridade que se torna o caminho e coloca-nos diante de
construção dos saberes e não a descoberta cartesiana de um uma situação filosófica nova, uma universalidade concreta,
mundo e de um sujeito já concebidos. Ela implica o homem a da face a face, do lugar concreto do outro, filosofia da
em seus fundamentos renovados e numa verdade ligada a Totalidade (e não da universalidade ou da neutralidade
uma epistemologia da ruptura como mudança pra uma razão heideggeriana).
autônoma. A epistemologia bachelardiana nos dá a figura Assim como o outro, a Totalidade é “movimento indo
de um saber que fabrica o mundo conhecendo-o e constrói- de fora do idêntico para um outro, para um Outro que é
se no mesmo movimento. A ruptura é, de Bachelard (2000), absolutamente Outro”, Uma filosofia da libertação mais que
da compreensão de nossa faculdade de conhecer, de “uma uma filosofia da liberdade Lévinas (2005 ). Esse novo saber
faculdade que se esclarece enriquecendo” e introduz na humano, essa nova finalidade, elo humanista (e não somente
educação uma ordem diferente da ordem racional e positiva, humanitário), acompanharia um saber de razão e seria o
uma relação com o saber, de uma razão que se constrói, ao objeto de uma educação do homem para o humano. A pós-
mesmo tempo para um sujeito e para uma “transcendência” modernidade marca a perda das certezas, não a dos valores;
nova. A “razão aberta” descreve o indeterminado (POPPER) reencontramos aqui uma epistemologia da construção. É na
e o localizado (um “que tal”, diz-nos Bachelard) assim como educação que a alteridade se delineia e se decide.
Filosofia da Educação 22
4.3 - Uma razão educativa aberta educar”), mas uma figura, a do “mestre humano” que, como
As rupturas observadas delineiam os contornos dos sublinhava Kant, é um mestre educado, aquele que exerce
modos de educação e os do debate educativo. Segundo uma o pensamento. Toda experiência, educativa, histórica, ética
expressão de SERRES (1994), “o ideal de conhecimento passa ou sociopolítica é vivida sob a forma de presença, momento
das leis gerais ao debate detalhado”. Mas a fragmentação, a de articulação do ser-aqui entre essência e existência. Essa
localidade não exclui um universal, pois “o universal aninha- presença é exigência de compreensão (de sentido), que se
se no particular”: ele é o terceiro instruído. traduz aos poucos como conhecimento.
Uma abertura da educação tal como a da razão O conhecimento faz parte da vida do homem, ele é apenas
bachelardiana se faz num mundo representado sumariamente consequência da presença, ele é sentido e deve ser relacionado
pelos laços que unem numa nova cultura o indivíduo-sujeito ao projeto de sentido. Em todos os casos, educar é partir dessa
e seu meio organizado com inteligência. A passagem é a presença para permitir a construção de um elo entre um saber
de um mundo físico (o mapa geográfico) para um mundo e um pensamento (o que os torna ambos indispensáveis). O
técnico cultural das trocas (ao mesmo tempo real e virtual). A papel crítico e construtivo da educação corresponde, assim, a
ruptura é a da physis que Popper representa como “mundo um mundo em que o homem se autoeduca.
3”, mundo do produto dos espíritos humanos, meio cultural
e tecnologia que se sobrepõe aquele, natural, no qual OBS: Não esqueçam! Em caso de dúvidas, acessem as ferramentas
concebemos o conhecimento. Esse mundo sobrepõe, à “fórum” ou “quadro de avisos”.
maneira do mundo da cidade, para as relações humanas e em
ligação com elas, relações com o saber de natureza nova ou
renovada. Nessa nova cidade, a metáfora do deslocamento, Retomando a aula
da viagem, une sujeito e mundo, o cibernauta sendo aquele
que governa o uso que quer fazer trocas com o meio,
périplo amplamente ligado a seu conhecimento pessoal,
autoformação ligada a uma nova reminiscência e a um novo Estamos terminando a aula, neste momento faremos um
diálogo, desvínculo e novo vínculo sociais. Como definir a memorandum, vamos lá.
educação nesse sentido?

1 – A Educação como problema filosófico


Saber ensinar não é transmitir conhecimento, mas criar a possibilidade
Gosto muito da palavra problema... Sempre coloco dois
para a sua própria produção ou a sua criação. O saber precisa de ser
pensamentos: o primeiro, o problema que vocês vão até ele, e
aprendido pelo professor(a) e pelos educandos na sua razão de ser-
nem sempre há possibilidade de responde-lo, um exemplo: o
antológica, política, ética, epistemológica, pedagógica, mas também
Código de Trânsito diz que a velocidade máxima é de 50 km,
precisa ser constantemente testemunhados vivido (FREIRE, 1997).
o motorista corre acima da velocidade permitida. Suponhamos
que a polícia o multe, este problema foi procurado por ele; o
Novos debates e novas tarefas educativas estão segundo problema é quando ele vem até nós, um exemplo:
vinculados à evolução das sociedades humanas e das técnicas. se vocês têm uma dúvida (problema), vocês irão “tirar” com
Assim novos contratos entre o homem e o mundo, tal como quem sabe responder, no caso o professor, neste exemplo
o “contrato natural” que Serres propõe entre o homem e a vocês trouxeram um problema para o professor, o problema
natureza, são opostas de transcendência para um novo homem veio até o professor, nesse caso, o professor que é especialista,
cidadão. Esse contrato toma apoio num saber científico tanto deverá suprir a dúvida. Portanto, sempre que a Filosofia colocar
quanto político – ele é a questão de direito – e baseia-se numa a palavra problema, lembrem-se de que é aquele que temos a
educação. O contrato da ética do futuro de Hans Jonas (1966) capacidade de responder, somos “especialistas” e, com isso,
requer igualmente um duplo saber, “objetivamente, um temos o dever de dar uma resposta qualificada e segura.
conhecimento de causas das causas físicas; subjetivamente,
um conhecimento dos fins humanos”. O próprio contrato 2 – O Outro e a complexidade na figura educativa
educativo deve ser examinado à luz da crise da educação. Os Este ponto (outro), chamamos na Filosofia de Alteridade:
contratos antigos, tais como os da socialidade e do político, O outro (“o” minúsculo) é aquele que depende do Outro
estão igualmente no coração dessa abertura da educação, (“O” maiúsculo). Explicando: outro significa que possuem
que acompanha os encontros que o homem cria através do o senso comum, não tem conhecimento filosófico e nem
mundo consigo mesmo. científico; o Outro, este possuem conhecimento, ele detém
Definir o objeto da educação, e aqui chegamos ao as possibilidades de respostas seguras. Devemos nos colocar
término desta obra, é interrogar o homem e sua existência, os como Outro, não pertencendo ao achismo, acreditar em tudo,
valores e as relações que ele constrói om (e por) os outros e os sem uma comprovação filosófica ou científica.
saberes. Não se cria nem se instrui sem educar, educar por um
elo, tal como aquele da Paidéia (processo de educação em sua 3 – Aspectos da complexidade: um novo espírito
forma verdadeira, a forma natural e genuinamente humana) científico
que une o indivíduo a uma cultura, uma comunidade; elo Como foi discutido, a complexidade é, portanto, em
social e político, e valores que o representam e lhes servem primeiro lugar, de ordem reconhecida, incerteza. Neste
como vínculo. A educação não é um conteúdo (o “para que ponto, quando falamos de complexidade, devemos abordar
23
algo maior, quando comentei (acima) sobre o conhecimento
totalitário é realmente isto, não aceitar como definido algo, ter a ninguém parece dar muita atenção aos seus sonhos. Ele gosta
certeza que encontrou uma resposta, sem pesquisar, conhecer de cores, peixes de aquário, cães e pipas. Tudo o que não é
e entender sobre aquilo que se fala o discuti. Nunca definam importante para o mundo dos adultos, mais preocupados
algo sem ter a verdade como critério de racionalidade. com o trabalho e ordem. Ocorre que Ishaan, por ser muito
sonhador, acaba não prestando atenção nas aulas da escola.
4 – A educação pós-moderna Os pais, preocupados, acham que ele deve ser disciplinado
Falar em Educação pós-moderna, é falar de educação e o mudam de escola. Num primeiro momento o garoto
atual, e falar em atualidade, não é “falar mal” da educação e, sofre o trauma da separação. Até que ele conhece seu novo
sim, construir um novo olhar. Ser pedagogo é ser atual, é ter a professor de artes, Ram Shankar Nikumbh, um homem
capacidade de olhar além do que está! É quebrar as barreiras que traz alegria e otimismo a todas as crianças. Menos
da mesmice. Lembro sempre da fala da Reitora Rosa Maria Ishaan. Nikumbh fará de tudo para descobrir os motivos da
D´amato D´dea (UNIGRAN), o educador, o pedagogo, o infelicidade do menino e assim abrir caminho para que ele
empreendedor deve ter um olhar de cinco anos para frente, realize seus sonhos.
não ficar olhando o que todos olham, é olhar para frente com
novas perspectivas, com novos olhares diferenciados dos • Escritores da Liberdade - Hilary Swank é uma
outros olhares, pois é assim que poderemos nos destacar dos jovem professora que tenta inspirar seus alunos-problemas
outros profissionais. Não lamentamos, construímos... a aprender algo mais sobre tolerância, valorizar a si mesmos,
investir em seus sonhos e principalmente dar continuidade a
Vale a pena seus estudos além da escola básica.

Minhas anotações
Vale a pena ler
<http://www.rieoei.org/rie33a03.htm>.
<www.helfenreabilitacao.com.br/artigos/filosofia_
educacao1.doc>.
< h t t p : / / w w w. p h i l o s l e t e r a . o r g. b r / i n d e x .
php?option=com_content&view=article&id=157:fpclorieri
&catid=35:sobre-a-fundacao&Itemid=299>.

Vale a pena acessar

<http://filosofiaeposmodernidade.blogspot.com.
br/2010/05/dicas-para-melhorar-os-templates.html>.
<http://www.cobra.pages.nom.br/filotemas.html>.
<http://educador.brasilescola.com/trabalho-docente/
filosofia-para-criancas.htm>.

Vale a pena assistir

• Desapego - O filme é uma crônica de três semanas nas


vidas de vários professores do ensino médio, administradores
e estudantes através dos olhos de um professor substituto
chamado Henry Barthes (Adrien Brody). Henry usa o
método de ensino dos conhecimentos vitais para seus alunos
temporários e é interrompido pela chegada de três mulheres
em sua vida.

• Toda criança é especial - Ishaan Awasthi é um


garotinho de oito anos de idade cheio de imaginação, mas

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