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FREIRE, Paulo.

 Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 59ª ed. – Rio de


Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2019. 
Resenha
A obra freiriana, “Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa”, é fruto de
intensas criações teóricas e uma das muitas publicações, cujo servem de referência nacional e internacional,
quando assunto é educação. Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 1921 na cidade de Recife – PE, onde viveu
uma vida pobre, aos seus 13 anos, morre seu pai. Lecionou Língua Portuguesa e formou-se em Direito pela
Universidade de Recife. Foi preso e exilado na Ditadura Militar (1964-1985), em meio a isso, constituiu seu
ideário mediante as experiências de sua vida. No dia 2 de maio de 1997, Freire morreu aos 76 anos. Foi
condecorado com 48 títulos honoríficos e mediante a Lei 12.612/12, considerado o Patrono da Educação
Brasileira.  
Este livro, é organizado através do “Prefácio” de Edna Castro de Oliveira, “Primeiras Palavras”,
“Capítulo 1: Prática docente: primeira reflexão”, “Ensinar exige rigorosidade metódica”, “Ensinar exige
pesquisa”, “Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos”, “Ensinar exige criticidade”, “Ensinar exige
estética e ética”, “Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo”, “Ensinar exige risco, aceitação
do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação”, “Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática” e
“Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural”.
O “Capítulo 2: ensinar não é transferir conhecimento”, “Ensinar exige consciência do inacabamento”,
“Ensinar exige respeito à autonomia do ser condicionado”, “Ensinar exige respeito a autonomia do ser do
educando”, “Ensinar exige bom senso”, “Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos
dos educadores”, “Ensinar exige apreensão da realidade”, “Ensinar exige alegria e esperança”, “Ensinar exige
a convicção de que a mudança é possível”, “Ensinar exige curiosidade”.
E o “Capítulo 3: Ensinar é uma especificidade humana”, “Ensinar exige segurança, competência
profissional e generosidade”, “Ensinar exige comprometimento”, “Ensinar exige compreender que a
educação é uma forma de intervenção no mundo”, “Ensinar exige liberdade e autoridade”, “Ensinar exige
tomada consciente de decisões”, “Ensinar exige saber escutar”, “Ensinar exige reconhecer que a educação é
ideológica”, “Ensinar exige disponibilidade para o diálogo” e “Ensinar exige querer bem aos educandos”.
No primeiro capítulo, o autor problematiza o conceito de prática docente, a relação teoria/prática,
defende a tese que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção ou a
sua construção. Faz uma reflexão profícua do ato de formar como a relação da di-docência no processo
formativo dos sujeitos. Referencia o seu ponto de vista democrático e metafísico na compreensão do homem
e da mulher como seres históricos e inacabados. Toma o ensinar inseparável do aprender e vice-versa.
Sinaliza que é somente na autenticidade exigida do ensinar-aprender que se constitui a formação integral do
sujeito. O caráter arqueológico da curiosidade epistemológica como processos autênticos do ensinar-
aprender. Nos aponta que é a força criadora do aprender que supera os efeitos do falso ensinar (ensino
bancário) e que possuímos a vantagem, enquanto ser humano, a de terem nos tornado capazes de ir mais além
dos condicionamentos. Freire, adentra nos subtítulos referenciando um termo, em especial, o pensar certo
enquanto uma das tarefas do professor, no seu processo de ensino.
No segundo capítulo, Freire expões os princípios sobre a afirmação de que “ensinar não é transferir
conhecimento”, argumentado, por ele, na investigação das razões de ser ontológica, política, ética,
epistemológica, pedagógica e, portanto, tais razões devem ser corporificadas pelo exemplo. Por sua vez, o
transferir conhecimento é um processo que implica a não extensão do conhecimento, cujo, frequentemente,
caem nas amarras da contradição e da imperiosidade formativa, pois trata-se de um problema de natureza
ética. Freire traz elementos da ontologia para explicar a consciência do inacabamento do ser humano e por
isso, reitera que mesmo sendo seres condicionados podemos ir mais além, já que não somos seres
determinados inexoravelmente (predeterminado, preestabelecido). A radicalidade da exigência ética nos situa
na existência condicionada pelo mundo, por isso, devemos insistir na ética como formação como preparação
técnica e científica. A possibilidade do desvio ético não pode receber outra designação senão a transgressão
da natureza humana e ruptura com a decência que é imoral. Afirma que não foi a educação que fez as pessoas
educáveis, mas a consciência de sua inconclusão é que gerou a sua educabilidade. É notório o respeito a
autonomia, identidade e a dignidade do educando como dialogicidade verdadeira que pressupõe seres
radicalmente éticos. O bom-senso, enquanto artífice do “corpo” da curiosidade, é a constituição ética do ser
humano, uma das esferas da prática docente. E a ética docente precisa mobilizar o cultivo da humildade,
tolerância e amorosidade à pessoa do educando, além de dignificar as lutas em defesa dos direitos dos
professores. O docente deve contribuir positivamente para que o educando vá sendo artífice de sua formação,
ou seja, na passagem da heteronomia para a autonomia. Inclusive, é importante não omitir a sua opção
política para o educando, assim como não pode desconsiderar o seu direito de rejeitá-la. A importância da
esperança, alegria, da raiva e rebeldia para a superação do domínio determinista e inexorável. Ademais,
compreender que a leitura de mundo dos diferentes lugares sociais são oportunidades dialógicas de
aprendizados para compreender que as difíceis realidades não são irrevogáveis. Ademais, a extrema
relevância de uma educação que instigue o conceito, formulado por Freire, de curiosidade e o processo
espontâneo para o epistemológico. E, por fim, a relação entre autoritarismo e licenciosidade (liberdade sem
responsabilidade) em contrapartida a autoridade e disciplina (liberdade com responsabilidade).
No capítulo 3, o tema, em questão, afirma que “ensinar é uma especificidade humana”. Um humano
que esteja seguro de si, ou seja da sua autoridade. Neste caso, não podemos confundir autoridade com
autoritarismo. Dessa forma, Freire sinaliza para os seguintes termos, a autoridade docente mandonista
(mesquinhez, arrogância farisaica/malvada, disciplina falsa/estagnadora) em contraposição a autoridade
coerentemente democrática (generosa, usufruidora da liberdade com responsabilidade, criadora da real
disciplina, não sente-se ameaçada pela rebeldia da liberdade, reconhece a eticidade, não se omite e é amante
da autonomia e autenticidade). O comprometimento docente envolve ser coerente com o seu fazer e o seu
dizer, assim como com a aparência e sua essência. A educação é uma forma de intervenção no mundo e ela
não é somente um reprodutora da ideologia dominante, nem só desmascaradora desta, muito menos atribui-
se, unicamente, o caráter da neutralidade. Esta forma de intervenção deve estar alinhada, coerentemente, por
princípios que sejam justos, morais e éticos, ou seja, princípios que validem a importância verdadeira do
professor na formação humana. A liberdade sem limite é tão negada quanto a liberdade asfixiada ou castrada,
pois ela não deve ser licenciosa nem autoritária. A liberdade deve estar orientada na autoridade ética, madura
e responsável, como no exemplo descrito por Freire na relação entre pais e filhos. Tal liberdade só fará
sentido se houver o direito de decisão entre seus pares, pois a decisão implica responsabilidades e assumir a
sua ética. Tal processo constitui o que chamamos de autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois
decidir, portanto, a importância da liberdade à decisão ética e respeitosa. Ninguém é dono da autonomia de
ninguém, porém, a autonomia, enquanto amadurecimento do ser para si, é processo, é vir a ser. Esse processo
tem muita relação com a característica política da educação, já que, ao contrário dos que pensam educação
como lócus da neutralidade política, a sua natureza é ser política. Se não fosse assim, se fosse neutra era
preciso não haver discordância nas relações humanas, era preciso não ocorrer divergência em face da fome e
da miséria, por exemplo. Freire diz que para que a educação não fosse uma forma política de intervenção no
mundo era indispensável que o mundo em que ela se desse não fosse humano. O momento de ser professor
deve ser consistente, portanto deve aprender e saber ensinar a relevância do saber escutar e escutando
aprendermos a falar. Esse movimento é extremamente genuíno e vai de encontro com o que chamamos de
“burocratização da mente” (fatalismos, determinismos, instrução e avaliação verticalizada, limitadora da
aventura do espírito). Saber escutar implica a disponibilidade permanente do sujeito que escuta à abertura da
fala do outro, não significa auto anular-se (autoritária) – diminuir-me sem o direito de discordar -, mas é
escutando bem que me preparo melhor me colocar ou melhor me situar no ponto de vista das ideias é
respeitar humildemente a leitura do mundo do outro. O desrespeito arrogante da leitura do mundo do outro
revela o gosto elitista, antidemocrático e incomunicativo da interlocução. A leitura do mundo do outro revela
a inteligência do mundo que vem cultural e socialmente se constituindo. Revela também o trabalho individual
de cada sujeito no próprio processo de assimilação da inteligência do mundo. Essa é uma das tarefas da
escola, trabalhar criticamente a inteligibilidade das coisas e dos fatos e a sua comunicabilidade. Tal momento
singular, a aventura do espírito, é a afirmação do educando como sujeito de conhecimento.
Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica. A ideologia tem relação com a ocultação da
verdade dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ao mesmo tempo que nos torna míopes ou surdos
diante as situações políticas e econômicas. A ideologia fatalista impôs o sistema capitalista de produção, a
globalização e, como consequência nos vemos na condição de negação de nós mesmos como seres humanos,
submetidos à fereza da ética do mercado. Freire defende que antes de compadecer-se a uma teoria da
transformação político-social devemos compreendermos a natureza humana, entender que o homem e a
mulher são produtores de história, seres de decisão, de ruptura, de opção, seres éticos e transgressores dela,
somos condicionados, mas capazes de mudar a realidade. A ideologia tem um poder de persuasão
indiscutível, pois nos ameaça de nos anestesiar a mente, de confundir a curiosidade, de distorcer a percepção
dos fatos, das coisas e dos acontecimentos. Portanto, a crítica enquanto resistência ao poder da ideologia
pressupõe estar sempre aberta aos demais, aos dados da realidade, assim como uma desconfiança metódica
que me defende de tornar-me absolutamente certo de certezas. O melhor caminho é recusar posições
dogmáticas, em que me admita como proprietário da verdade e estar disponível a tocar e ser tocado, a
perguntar e a responder, a concordar e a discordar, etc. É a minha disponibilidade permanente à vida que me
entrego de corpo inteiro, pensar crítico, emoção, curiosidade, desejo, que vou aprendendo a ser eu mesmo em
minha relação com o contrário de mim. Quanto mais me disponibilizo mais me conheço e construo o meu
perfil. Ensinar exige disponibilidade para o diálogo, ou seja, viver a abertura respeitosa aos outros e utilizá-la
como objeto da reflexão crítica. Significa a experiência de um ser consciente de seu inacabamento que se
configuram como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história. Assim
como o exemplo do professor que a dez anos ensinando na escola, nunca conheceu as redondezas da escola,
cujo acaba reconhecendo a precariedade da sua tarefa formadora na escola. E por fim, ensinar exige querer
bem aos educandos. Significa expressar a afetividade, o querer bem, a alegria, a seriedade docente, a
amorosidade a capacidade científica, o domínio técnico a serviço da mudança ou da permanência. O
educador progressista deve estar atento que ensinar é uma especificidade humana, ou seja, nada que diz
respeito ao ser humano passa despercebido pelo educador progressista. O nosso trabalho, independente da
faixa etária é feito com gente e, por ser gente, que entendi o quefazer docente. Portanto, jamais pude entender
a educação como experiência fria, sem alma, em que os sentimentos, os desejos e sonhos devessem ser
reprimidos por uma espécie de ditadura racionalista. Assim, como nunca a compreendi como experiência sem
rigor e disciplina intelectual, que não deve ser arrogante. Pois a arrogância não pressupõe competência. Para
os que acreditam nisso, lamento sua ausência de simplicidade que os fariam gente melhor. Gente mais gente.
Tal resumo da obra mobiliza em mim uma série de respostas, antes não respondidas, e uma série de
perguntas. Agora entendo o porquê Freire foi um dos maiores intelectuais reverenciados no século XX.
Porque ele, foi tão importante para a educação mundial. De fato, a cada frase, parágrafo e subcapítulo
dissertado por ele, provou a sua clarividência diante pautas tão difíceis e complexas presentes na realidade do
ser gente e constituir-se gente no contexto sócio histórico em que vivemos. Tal obra escancara com toda a
sua força intelectual e humana o difícil estar e ser professorx nas múltiplas realidades das quais vivemos, a
importância da democracia para a vida dos educadores e educandos, retrata, radicalmente, a natureza das
ideologias, da política, da economia, e, principalmente, da educação. Educação esta que apesar dos ataques e
processos limitadores tem no seu âmago a verdade, a ética universal do ser humano e a constante busca do
inacabamento do ser. Este livro, deve ser visitado e revisitado constantemente pelo educador, deve estar
situado nas interlocuções docentes e servir como estrutura primordial nas constantes situações da vida
humana (educadores e educando). É um grande desafio mensurar o quão significativo é tê-lo em minha vida,
magicamente, poder dialogar com freire mesmo morto. Este escrito me proporciona esperança, força,
determinação, auto avaliação constante e felicidade por ter tido a oportunidade de conhecê-lo. Com certeza,
representou o fim de uma era e o início de outra em minha vida, pois contribuiu não somente
profissionalmente, mas, também, me ajudou a superar problemas pessoais e outras ordens. Recomendo à
todxs xs seres humanos!

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