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capítulo 1 • 36

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A psicanálise
A psicanálise
No capítulo anterior foi tratada a importância da psicoterapia nas suas diferen-
tes práticas. Sinalizou-se que mesmo com essas diferenças técnicas, a psicoterapia
tem sido sempre um processo em que uma pessoa chamada de cliente e outra de
psicoterapeuta buscam, por meio de lembranças de fatos do primeiro, o resgate de
seus conteúdos inconscientes. Por meio de um profundo mergulho em si mesmo,
o uso das técnicas visa proporcionar ao cliente/paciente o entendimento daquilo
que lhe é mais íntimo. O psicoterapeuta, por sua vez, conduz a dialética para que
o paciente possa se reconhecer, a fim de se entender e conseguir responder às suas
próprias angústias e dúvidas e, dentro de suas possibilidades, encontrar as respos-
tas que procura na solução de suas dificuldades.
O psicólogo, porém, como cientista preocupado com o seu fazer, vai cada vez
mais controlando, verificando e ajustando suas técnicas para que cientificamente o
seu agir possa dar conta de que o seu cliente, de modo mais ou menos consciente
e sistemático, procure por formas e fórmulas para resolver seus problemas men-
tais. A psicoterapia, como forma mais sistemática de contato humano, pertence,
no sentido científico, aos tempos modernos, datando praticamente do início do
século passado. A psicoterapia não nasceu da medicina, e sim foi fruto de uma
apropriação sistematizada do campo de investigação científica da psicologia, e seu
objeto de estudo: a subjetividade.

OBJETIVOS
•  Rever os conceitos fundamentais da psicanálise;
•  Apresentar os fundamentos teóricos da prática psicanalítica;
•  Contribuir para identificação e reconhecimento do conteúdo teórico e clínico da psicanálise;
•  Determinar objetivos, alcances e limitações da prática terapêutica.

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Considerações preliminares

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Figura 2.1  –  Sigmund Freud.

Foi com o surgir da figura histórica para a psicoterapia de Sigmund Freud


(1856-1939) que podemos dizer que ela tomou forma e ganhou prestígio e respei-
to como uma prática para a saúde mental. Freud nasceu em Freiberg na Áustria
e depois morou em Viena, e por ter migrado para Inglaterra – para escapar das
perseguições nazistas, morre em Londres em 1939. De formação médica, com
especialidade no campo biológico-naturalista sempre esteve motivado pelos fenô-
menos neurológicos, os quais tiveram grande influência na sua formação de psi-
canalista. Logo Freud se interessa pelos estudos de casos neurológicos e identifica
alguns casos em que as explicações da neurologia não conseguiam cuidar de certas
manifestações ou sintomas histéricos.
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Figura 2.2  –  Josef Breuer.

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Descobre que os sintomas histéricos não eram casuais nem determinados por
aspectos neurológicos, e que eles “escondiam” forças dinâmicas e complexas que
precisavam ser estudadas profundamente. Trabalhando em parceria com o Dr.
Joseph Breuer (1842-1925), primeiramente com a hipnose, Freud veio a perce-
ber que os sintomas histéricos eram significativos a partir da história de vida do
paciente, pois não era sem razão que as manifestações histéricas se apresentavam
alternadamente em uma ou outra parte do corpo, fora as características compor-
tamentais típicas desta doença mental. Com a hipnose Freud constata que muitas
lembranças da infância, ou do passado histórico dos pacientes, tinham sido es-
quecidas, ou simplesmente expulsas da consciência. Mas quando estas memórias
eram recordadas, pela ausência da repressão consciente, o comportamento se mo-
dificava. Foi assim que Freud chega a ideia do inconsciente. Aos poucos Freud
abandona a hipnose, porque descobre que se mantivesse o paciente em estado de
relaxamento e deixando de lado toda a reflexão consciente para poder falar de ideia
livremente, o paciente experimentava um grande alívio de suas tensões psíquicas,
porque conseguia recordar fatos do passado bem distante. Ele então chama esse
método terapêutico de associação livre de ideias. No entanto, ele começa a ob-
servar uma tendência nos pacientes de se expressarem de modo muito intelectua-
lizado, repetindo imagens do passado de modo frio, como se estivesse resistindo a
entrar em contato com os sentimentos e emoções.
Freud dá o nome a este mecanismo de afastamento das emoções de resistên-
cia, e verifica na sua prática que quando ela se manifestava nenhuma mudança
se processava no comportamento posto que as emoções não eram consideradas,
e incorporadas ao relato. Começa então a também considerar como material de
tratamento e de análise essa dificuldade de unir as emoções com suas representa-
ções problemáticas contidas nas lembranças. Para Freud a simples comunicação
a um paciente de uma ideia reprimida por ele em determinada circunstância não
proporcionava de início efeito algum em seu estado mental, podendo até ser no-
vamente reprimida da consciência. Contudo, quando o paciente tendia a
reviver a situação nele por meio de sentimentos e percepções associados às figuras
parentais, ou pessoas significativas do passado, porque introjetou a figura do ana-
lista e projetando nele suas figuras do passado, a análise dessa situação resultava em
bom desempenho para o processo terapêutico ter continuidade.

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Seguindo com suas investigações, principalmente por meios da análise dos
sonhos, Freud descobriu a importância da sexualidade, sobretudo a infantil, na
origem psíquica (psicogênese) de processos patológicos. A sexualidade infantil
manifestada, sobretudo, pelo complexo de Édipo.

CONCEITO
O termo Complexo de Édipo, criado por Freud e inspirado na tragédia grega Édipo
Rei, designa o conjunto de desejos amorosos e hostis que o menino enquanto ainda criança
experimenta com relação a sua mãe”. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Com-
plexo_de_Édipo>. Acesso em: abr. 2018.

Freud vai chamar de "libido" a força psíquica de natureza sexual presente em


todas as pessoas, por ser a representante de todas as manifestações do instinto de
vida. Na compreensão da dinâmica da personalidade freudiana, o conceito de
instinto ocupa um lugar importante. Para Freud o instinto desempenha papel pre-
ponderante na atividade psíquica, e tem uma representação psicológica inata por-
que procede de uma fonte somática de excitação. A representação psicológica do
instinto se chama desejo, e a excitação corpórea que o causa se chama necessidade.
Ou seja, enquanto o desejo não tem um objeto concreto, pois é uma fantasia, a
necessidade ao contrário já se dirige a uma satisfação, por exemplo; sinto fome,
busco comida. Assim o instinto é Freud um quantum de energia psíquica, tradu-
zida em uma medida ou quantidade daquilo que a mente necessita para funcionar.
Todo instinto tem uma fonte, uma finalidade, um objeto e um impulso, havendo
dois grandes grupos de instintos: instinto de vida e instinto de morte.

CONCEITO
•  Quantum é uma palavra latina que designa quantia ou quantidade.
•  Instinto de vida é o portador de Eros, necessário para manutenção da sobrevivência e
sustentação da vida, e o de morte ou Thanatos se refere aos comportamentos autodestru-
tivos, ou à agressão e violência.

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A personalidade se edifica, na teoria freudiana, por meio dos estágios oral, anal
fálico e genital, e entre pulsões ou impulsos de vida e de morte. Tais estágios são
altamente significativos na estruturação da personalidade. Por meio deles, a pessoa
se percebe amadurecendo e se diferenciando das demais pessoas. No entanto o
indivíduo pode estacionar e ficar “fixado” mais em uma fase que em outra. Essa
situação de fixação traz consequências visíveis para o próprio processo de amadu-
recimento emocional.

CURIOSIDADE
Esse pequeno resumo da teoria da personalidade de Freud mostra como seu trabalho
indicou e continua indicando caminhos na análise e na compreensão do comportamento hu-
mano. A análise ou a psicoterapia de base analítica se utilizam desses conceitos na tentativa
de compreender toda e qualquer situação humana.

A psicanálise: do surgimento da hipnose à técnica psicanalítica

A psicanálise tem seu nascimento como teoria a partir do uso da hipnose.


Enquanto origem, podemos dizer que Freud, inspirado pelo hipnotismo, passou
da hipnose à catarse, e da catarse à análise como método de interpretar o discurso
do paciente. Freud inicia a teoria apoiado nos resultados de trabalho clínico, e na
anotação das observações sobre as suas intervenções, compondo o corpo de sua
teoria. Inicialmente, como já foi dito anteriormente, Freud começou a trabalhar
com outro médico, o dr. Joseph Breuer. Este último usava também a hipnose no
tratamento dos distúrbios histéricos. Em um primeiro momento, ambos tinham a
curiosidade científica de desvendar o papel essencial da palavra nas sessões de hip-
nose, pois ambos estabeleciam, com seus pacientes, conversas em que os levavam
ao reconhecimento do motivo psicológico causador do mal-estar. Surge a partir
daí o conceito de talking cure, dado a este método de “conversar”, mesmo hipnoti-
zado, fazendo da palavra um instrumento libertador e da suspensão dos sintomas.
Com essa observação do efeito da palavra na liberação do sintoma, Freud conclui
que se a palavra pode substituir os sintomas, logo essas manifestações só podem
ser substitutas de atos psíquicos normais. Por outro lado, Freud descobre que “esta
palavra recuperada” vem acompanhada de uma descarga emocional que estava
reprimida e, por tanto, o resultado desta libertação emocional é uma catarse.

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CONCEITO
Catarse significa uma purificação, mas na teoria freudiana, ganha o status também de
possibilitar o alívio da tensão psicológica pela limpeza simbólica que produz ao ser reproduzi-
da essa tensão, mas liberada da censura da consciência pelas palavras pronunciadas.

A partir destas deduções, vindas da experiência clínica, dois postulados teóri-


cos podem ser compreendidos por meio delas. Um deles é a hipótese de processos
inconscientes, da qual não se pode escapar pela evidencia vinda à tona produzida
pelas experiências. Outra questão colocada é que algumas representações mentais
(memórias, fantasias) não podem então ser expressas na sua totalidade na cons-
ciência. Em função disso, Freud argumenta a possível existência de um traumatis-
mo psíquico. Por esse trauma Freud vem a explicar como a dor do que foi vivido
deu lugar a esta substituição pelo sintoma. Apesar de seu companheiro Breuer
permanecer ligado a esta noção, Freud se afasta dela porque considera a raiz do
problema a presença de um conflito na mente do indivíduo, o qual se opõe às ten-
dências da vida psíquica, e que favorece uma recusa de encará-lo, formando uma
necessidade de retirar de alguma forma esta representação da consciência. Esta
noção de conflito, que leva em conta as representações inconscientes, introduz a
noção de inconsciente e o modo como Freud irá se referir ao fato de ser o compor-
tamento humano inconsciente para quem o produz, quando este se encontra to-
mado pelo conflito psicológico. Esta parte doente do próprio paciente é o produto
de um processo psíquico, o qual tem como fato psíquico as representações mentais
que precisam ser recuperadas pelo tratamento. Freud sai então do campo da
identificação da patologia, e cria a psicanálise tanto como um método de pesquisa,
como uma teoriae ao mesmo tempo método de tratamento.
Freud vai abolira distância entre o paciente e o médico. Quando usa a hipno-
se, a sugestão é sua ferramenta essencial. Ao recusar a hipnose, automaticamente
ele também recusa a sugestão. Ao se distanciar em relação ao tratamento com a
hipnose surgem a partir dessa questão dois parâmetros: o primeiro se situa na
pontuação de que o fato no estado hipnótico, há no paciente uma real amplifi-
cação das associações de ideias. Mas mesmo o pensamento não seguindo mais as
determinações impostas pela realidade, e pelo modo discursivo da consciência,
não é possível educar o paciente e fazê-lo comprometido a dizer tudo o que lhe
vem à mente. Nasce então a regra fundamental da técnica que é a associação livre.

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A postura semelhante e simultânea no psicanalista é a atenção flutuante, que exige
dele ausência de julgamentos, e de expectativa sobre o que vai dizer o paciente.
Nesta rede associativa, alguns traços, que eram até então lixos do discurso cons-
ciente, tornam-se mais soltos da censura imposta pela consciência.
Assim, Freud verificou a presença, por exemplo, dos lapsos de memória, das
ideias súbitas e incongruentes. Mas é sem dúvidas que a aplicação da técnica da
livre associação aos sonhos a que valoriza melhor a característica flexível desta téc-
nica e seus aspectos dinâmicos de estabelecer um diálogo entre o que se encontra
inconsciente no material consciente. Por meio da interpretação dos sonhos, Freud
consegue demonstrar como a livre associação permite um acesso ao inconsciente e
quais são os processos psíquicos que estão em jogo.
Num segundo momento, ou segundo parâmetro, Freud deixa claro que os
dois parceiros, o analisando e o analista, não se comportam como investigadores
direcionados a algo. O que ocorre e que permite o tratamento propriamente dito
é a relação particular que se estabelece entre ambos, e sem a qual a análise não
seria possível ocorrer o processo de cura da alma. É essa relação que mantém o
analisando em sua busca, bem como o analista em sua escuta, a qual Freud vai
chamar transferência. O problema todo será o de fazer com haja um despregar-se
da transferência, pois ela traz, por meio de um simples efeito de sugestão do tera-
peuta, o mesmo efeito conseguido por meio da hipnose, o que seria um retrocesso
ao tratamento psicanalítico.
Se certos pensamentos foram descartados da consciência devido a processos
como a repressão, tais como a rejeição e a negação, as forças presentes nessa “brin-
cadeira”, feita pela repressão, se manifestarão por meio de modos de resistência
que se opõem aos esforços para trazer de volta à consciência as lembranças do-
lorosas. É essa questão da resistência que se tornou um dos fatores essências no
tratamento das neuroses. No entanto, para “poder furar” essa resistência, o analista
deve proceder com interpretações, que não são sugestões de fazer isso ou aquilo,
por exemplo, muito conveniente como ação ao analista, mas sim de reconstrução
empírica – com base na história do paciente e em seus relatos do cotidiano – dadas
pelas associações e contemplando os conteúdos presentes nos sonhos, nos lapsos
de memória, e nos atos falhos. O fator da “sugestão” só cabe aqui no relativo às
tentativas do analista de persuadir seu analisando a prosseguir com o trabalho de
associação livre das ideias, para poder conseguir superar suas próprias resistências.
A forma como se realiza o tratamento, ou melhor, o enquadramento do
processo psicanalítico fica determinado pela presença do divã, pois com fins de

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estabelecer o relaxamento necessário da consciência, o analisando deve deitar-se
no divã e o analista deve se posicionar atrás do mesmo. Dessa maneira evita-se,
segundo Freud, o inconveniente do analisando se sentir “olhado e pressionado
com o olhar” de seu analista. Com também visa, com essa postura do divã, que o
analisando se despregue de todas as exigências do mundo exterior, e se concentre
em si mesmo.
O enquadramento também se faz por meio da determinação do número de
sessões semanais, e do pagamento dos honorários, e a união de todas essas condi-
ções forma o quadro ou o setting analítico.

Teoria e evolução da técnica

A teoria psicanalítica se sustenta no seguinte esquema de trabalho, o qual pode


ser seguido por todas as linhas e correntes:

Conflito psíquico forma a repressão. Essa por sua vez, a repressão, origina o retorno do
material reprimido, e esse material não integrado à consciência vai forma o inconsciente.

O conflito psíquico é sempre um produto, segundo Freud, das complicadas


interações entre desejos de natureza sexual com as necessidades adaptativas. Ele, o
conflito, é o edificante da estrutura psíquica humana, pois Freud parte da determi-
nação que a força sexual é a origem das neuroses. Em seguida ele reconhece qual
a parte determinante da sexualidade no desenvolvimento normal do ser humano,
incluindo em sua proposta o desenvolvimento infantil.
Esta noção de sexualidade é muitas vezes mal compreendida. Freud vai cha-
mar como o lado psíquico da sexualidade, enquanto impulso, de libido. Essa ener-
gia psíquica, a libido, pode tomar formas diversas e não são finalizadas no sentido
do ato sexual propriamente dito. A parte psíquica da sexualidade, como impulso
à ação, é definida por Freud como pulsão. Esta última gera desejos, os quais não
aceitam nem reconhecem as regras da realidade. Essa variável “o desejo” que não é
controlado por nenhuma regra social, cultural e moral, produz o conflito psicoló-
gico sempre quando esse desejo entra em contato com a realidade, e da “colisão”
entre ambos surgem à formação de fantasias, que ficam como fantasmas atormen-
tadores a vida psicológica. Assim, Freud substitui a ideia de traumatismo precoce,
aquele que, inicialmente em suas pesquisas com Breuer, era considerado a origem

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dos problemas mentais, pela ideia da função da fantasia, que age como um “fan-
tasma”, e sendo uma espécie de traumatismo imaginado.
Como foi dito anteriormente, Freud fala de uma edificação da psique. Por isso
ele fez a proposta para uma abordagem desenvolvimentista. Para tanto, o autor
postulou que essa construção psicológica se faz por meio de uma fonte chamada
por ele de psicossexual. Isto é, por psicossexual Freud quis dizer o seguinte: todo
bebê é colocado em situações de angústia em função de sua imaturidade biológi-
ca. Para amenizar essa situação a intervenção do outro se faz necessária, devido
a essa “incompetência” da criança pequena para poder resolver seu incômodo. A
pessoa que pode aliviar essa situação de desconforto é a mãe, que além de acalmar
a aflição, favorece com esse ato as primeiras satisfações sentidas pelo bebê, como
por exemplo a da fome. Essa intervenção externa ao bebê, a figura da mãe, se liga à
primeira relação do desconforto do bebê com a consequente experiência do prazer
por ele sentida. E ela vai se constituir como a primeira representação da presença
do outro, como também em uma forma definitiva de experiência de prazer. A
mãe, enquanto a portadora do prazer, se torna o objeto de desejo do filho.
No entanto a temporalidade dos desejos não é linear, isto é, não está em uma
relação direta de causa e efeito; pois eles, os desejos, por serem inconscientes,
podem perdurar por toda a vida do indivíduo, e com eles suas características “in-
fantis" na vida psíquica. O que ocorre é que as experiências posteriores vão se as-
sociando às experiências primeiras e infantis, dando-lhes secundariamente um ou
vários significados em rede, formando os complexos. Logo, para a prática da psi-
canalítica necessita da reconstituição, na relação terapêutica, da história infantil.
Esse resgate é um objetivo importante da técnica psicanalítica, porque possibilita a
cura da alma, realizada pelo entendimento estabelecido entre os laços criados com
o momento atual da vida psicológica do indivíduo e sua história infantil, dando a
possibilidade de constituir uma experiência de cura.

CONCEITO
Complexo é o que contém muitos elementos ou partes, formando conjunto de circuns-
tâncias ou atos ligados ou relacionados os quais podem ser considerados na psique sob os
mais diferentes significados.

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A repressão como mecanismo de formação do inconsciente

Quando persiste na psique, a presença de desejos correspondentes a questões


de natureza infantil, esse fato explica a causa dos conflitos psíquicos. Desse modo
é como surgem tanto a repressão por um lado, como por outro, o fracasso parcial
da intenção para a realização do desejo, como os dois efeitos correspondentes à
aderência aos motivos infantis. Assim, o inconsciente vai se formando, já que
para Freud a repressão corresponde ao mecanismo de censura responsável por sua
origem; e este (o inconsciente) só poderá ser conhecido por meio de inferências,
ou indícios.

Portanto você aluno pode deduzir, ou fazer a seguinte inferência, que a prática da
psicanálise só pode ser executada se for considerada a existência e os efeitos do
inconsciente.

O inconsciente, então, deve ser entendido como toda a situação que não é
consciente, mas principalmente, segundo as pesquisas psicanalíticas, por meio de
sua formação do material reprimido. Freud também verificou ser o inconsciente
um sistema organizado, instituído por regras próprias, e com conteúdos inacessí-
veis à consciência, a menos que pelos seus indícios.
Como o conhecimento do material inconsciente só pode ser feito a partir
daquilo que é produzido pela própria ação do indivíduo, e que aparece nos seus
comportamentos, em função da repressão ter fracassado, mesmo que parcialmen-
te, em sua função: a de afastar do estado consciente os conteúdos considerados
materiais inapropriados.
O retorno do reprimido a consciência se manifesta, segundo o autor, em pen-
samentos e atos, que por serem de origem inconsciente, são os que podem realizar
ditas inferências, já que eles são a expressão dos desejos represados anteriormente,
mesmo quando ainda há forças de censura que se opõem a esta expressão.
Logo, a melhor técnica considerada como mais eficaz e usada por Freud foi
consideravelmente a análise dos sonhos, já que estes são expressões de tudo como
esteve envolvido na formação do inconsciente.
O sonho exprime um desejo inconsciente de modo disfarçado, o que o faz
ter um aspecto incongruente e incompreensível na maioria das vezes. Sua forma-
ção se dá por mecanismos, chamados pelo autor, de condensação, deslocamento
e figuração.

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Na condensação, o sonho tem a função de unir, juntar, integrar ou “con-
densar” pensamentos apresentados sob a forma de um elemento só formando a
imagem onírica. Essa última, por sua vez, tem um cenário composto por figu-
rantes. Dessa forma a imagem conjuga muitas vezes vários elementos que estão
inconscientes para o sonhador, mas nos quais os significados estão ocultos nos
componentes do sonho.
O deslocamento já é considerado para Freud como processo essencial do so-
nho; pois ele é o responsável por transportar para um elemento considerado como
de mínima importância para a consciência, para escapar de sua censura, uma in-
tensidade afetiva que caberia de fato a outro objeto desejado. Como os processos
de figuração são numerosos, para entender seus significados, ou o que querem
“dizer”, são necessários, por exemplo, estabelecer associações lógicas para com as
expressões oníricas manifestadas, buscando por meio delas o entendimento de
"quando", “porque" “como “algo aconteceu para o sonhador”.
O sonho pode de fato utilizar diferentes processos, por exemplo, mudar uma
imagem para outra, de modo que essa nova representação imagética possa traduzir
determinada situação, sem sofrer a censura da consciência; como pode também
arrumar um outro tipo de vínculo lógico.

Assim, a sucessão de cenas no sonho algumas vezes pode ser lida como encaixes de
peças representantes de uma situação, a qual está subordinada a uma outra proposta
principal.

Freud também vai dar evidência aos processos utilizados pelo psiquismo, mas
que se apresentam de outro modo diferente dos sonhos. São eles os lapsos de
memória, os atos falhos e as fantasias. Ele consegue mostrar que os sintomas neu-
róticos dependem dos mesmos processos inconscientes e, portanto, podem ser
considerados como material reprimido pela censura, bem como as memórias da
infância que condensam elementos reais e imaginários.
Entre as fantasias particularmente importantes estão aquelas que se referem ao
que Freud definiu como o Complexo de Édipo, forma mais difundida da estrutu-
ração pré-consciente da personalidade. Um dos componentes centrais do comple-
xo de Édipo é nos meninos a angustia da castração.

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A sexualidade infantil: o trauma como imaginação

Freud inicialmente buscou determinar a origem das neuroses (ou etiologia da


neurose) qual era a sua causa. A princípio, Freud pensou que a neurose seria causa-
da pelas experiências sexuais muito precoces. Com o passar do tempo, verifica que
essa constatação se torna muito repetitiva para ser real, o que lhe faz desistir desta
hipótese e lança a ideia de tornar evidente que a criança dispõe de uma sexualida-
de. Ele percebe e formula que de fato não se encontram lembranças de experiência
vividas que tenham provocado este tipo de traumatismo de experiência sexual de
fato, mas sim da existência de fantasias que levam a Freud a estabelecer que o tema
da sexualidade infantil continue sendo o ponto fundamental de sua teoria. Mas é
preciso constatar que Freud não observava diretamente as crianças e que todas as
descrições que ele vai dar sobre esta sexualidade na infância são inferidas, de um
lado, de relatos feitos pelos pacientes durante o tratamento e, de outro lado, de
conhecimentos sobre a criança propostos pelos especialistas de sua época.

ATENÇÃO
O termo Complexo de Édipo criado por Freud e inspirado na tragédia grega do Édipo
Rei. Mas em Freud, a tragédia grega serve para ilustrar como o filho pode ter desejos amo-
rosos e hostis que experimentado ainda criança com relação a sua mãe. Esse fenômeno
psíquico também ocorre nas meninas com relação ao pai.
Disponível em: <:pt.wikipedia.org/wiki/Complexo_de_Édipo>. Acesso em: abr. 2018.

As fantasias, ou as simbologias em jogo no Complexo de Édipo, por exemplo


se originam como tentativa da psique de organizar todos as manifestações sim-
bólicas associados à mesma temática edipiana. É interessante ver os elementos
principais da estrutura fantasiosa configuradas em um só complexo. Por exemplo
imaginemos um jogo de lego pelo qual pequenas peças começam a ser encaixadas
e dão origem a uma construção. Então, o complexo seria esse conjunto de afetos,
originados por diferentes desejos reprimidos vão dando lugar a uma estrutura, que
tal como o lego, permitem que os afetos contidos nos desejos possam ser mon-
tados, desmontados e representados de diversos modos, porém conservando, ao
mesmo tempo que essas mudanças ocorrem, os seus mesmos elementos afetivos.
Assim se entende que tal lembrança ou tal cena fantasmática, no sentido de ser

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uma imaginação e não uma vivência real, pode ser "compreendida" de modo di-
ferente de acordo com os diferentes momentos em que se apresenta tal fenômeno
complexado, pois o fato psíquico será exposto segundo o lugar que o analisando
atribui aos personagens, e as suas ações incluindo-se como proprietário do lugar
no cenário. Além disso, os afetos que aparecem neste cenário são móveis, associan-
do muitas vezes prazer e desprazer, sofrimento e bem-estar, e podem fixar-se de
modo reversível a este ou aquele aspecto do cenário.
Toda a atividade mental, portanto, é acompanhada, mantida, animada, in-
fluenciada e apoiada pelas fantasias inconscientes e, por conseguinte, como não
podem ser constatados procura-se pela psicanálise de reconstruir a situação trau-
mática, a partir de fantasias conscientes com as constantes nos sonhos, e associações
do paciente. Em princípio, para Freud os complexos estão centrados em torno de
dois eixos: o do domínio sexual ou agressivo, relativos à relação de uma figura de
autoridade sobre outra sem poder. As fantasias inconscientes podem ser ativadas
por experiências reais ou encontros que atraem os afetos reprimidos e complexa-
dos, frutos de outros desejos não logrados, e produzir então novos desejos e seus
consequentes comportamentos cuja proveniência o sujeito não compreende.
Seguindo suas observações clínicas e os resultados que estava conseguindo
com seu trabalho, Freud elabora uma teoria do funcionamento psíquico, o qual
explica certo número de fenômenos descobertos por ele de modo bem coerente.
Ao escrever seu projeto para uma psicologia científica, Freud cria dois "tópicos",
com o auxílio das ciências de sua época, reescrevendo suas observações clínicas de
modo a ajustar e verificar suas teorias do momento.

Os tópicos freudianos

O autor elabora, primeiramente, dois tipos de diferenciação do aparelho psí-


quico que ficaram conhecidos como sendo tópicos. A primeira versão do funcio-
namento psíquico foi apresentada no Projeto para uma psicologia científica que
data de 1895. Resultam deste trabalho os dois tópicos elaborados por Freud.
O primeiro tópico foi apresentado no livro A interpretação dos sonhos, pu-
blicado em 1900 e o segundo, no artigo “Além do princípio do prazer” datado
de 1920. O primeiro tópico está fundado na noção de repressão que já foi ex-
plicada aqui nesse capítulo. Por ele o aparelho psíquico é diferenciado entre o

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inconsciente, como o lugar das representações das pulsões reprimidas; já o pré-
consciente seria o local na psique das representações não reprimidas, por isso são
possíveis de serem atualizadas; e, por último, e não menos importante, ele concebe
a noção do consciente, pelo qual se dá a atividade de consciência, no seu sentido
mais comum do termo, definida como a função que pode ser assimilada ao ego,
como lugar de síntese e de organização da subjetividade.
Neste primeiro esboço sobre a estrutura psíquica, o tópico faz o consciente
e o pré-consciente serem os responsáveis pelo exercício de forças sobre algumas
representações, de maneira que elas permaneçam inconscientes, isto é, reprimidas.
Entretanto, Freud fez algumas descobertas que o levaram a pensar que o pro-
cesso de repressão não é voluntário e consciente, mas que ele acontece sem o
conhecimento do paciente. Isso se manifesta, por exemplo, na reação terapêutica
negativa, pela qual o paciente, mesmo com uma vontade de mudar, resiste de
maneira inconsciente a esta mudança esperada por ele. Também verifica certo
comportamento repetitivo, o qual ele chama de compulsão de repetição, e que
leva o paciente a sempre repetir as mesmas sequências nas relações e nas situações.
Aliado a essa compulsão fica evidente, para Freud, uma pulsão fundamental e mais
forte que a busca de prazer, a qual ele define como pulsão de morte.
A partir destas constatações, o segundo tópico surge reconsiderando o con-
ceito do ego como possuidor de uma parte que não pode ser assimilada à cons-
ciência. A partir dessa colocação, o ego torna-se uma instância psíquica mista. O
inconsciente é reconsiderado, pois não é mais um "lugar" e sim uma qualidade
que é atribuída às diferentes instâncias do aparelho psíquico. Essas instâncias são
definidas neste segundo tópico como sendo ego, id e superego.
O id é uma noção mais figurada, porém detentor de forças associadas ao as-
pecto biológico do ser humano (instintos). O id se liga aos instintos que, por
fazerem parte do psiquismo, recebem o nome de pulsões e também aos aspectos
associados à autopercepção perceber em si mesmo as flutuações das pulsões, que
ocasionam estados de tensão interna, que podem tanto trazer a satisfação como a
insatisfação. Já o superego vem a ser a incorporação da imagem paterna, a partir
da passagem pelo Édipo. O superego é, então, uma instância em que os processo
agem na moral, na melancolia ou na consciência moral.

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CONCEITO
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O termo narcisismo vem do mito grego


sobre a história NE Narciso. Segundo a mito-
logia, Narciso, ou o autoadmirador correspon-
de, na mitologia grega, a um jovem famoso
por sua beleza e orgulho dessa qualidade de
ser belo. Segundo a lenda, Narciso morre afo-
gado após ver sua própria imagem no espe-
lho d’água de um lago.
A imagem a seguir, do pintor renascen-
tista Caravaggio, retrata o momento anterior
a sua morte, quando Narciso fica deslum-
brado com sua própria imagem, e, por estar
totalmente tomado por ela, quer beijá-la e tê-la para si a todo custo, pensando ser uma pes-
soa. Como não consegue, acaba se afogando ao buscá-la sob as águas.
Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Narciso>. Acesso em: abr. 2018.

O narcisismo

O termo narcisismo se tornou uma palavra-chave da psicanálise e da lingua-


gem comum. Por isso é importante explicá-lo como conceito.
O autoerotismo é uma satisfação conseguida pelo indivíduo em contato com
seu corpo, sem precisar da presença de um outro na situação interativa. Assim,
o prazer que o bebê sente, por exemplo, quando ele suga o seu dedo. Contudo,
Freud, primeiramente faz distinção entre o autoerotismo e o narcisismo. Mais
tarde, ele voltará a esta diferenciação falando de um narcisismo primário, caracte-
rizado por um estado de indiferença total frente a todos que o cercam no seu meio.
Como também vai falar da confusão estabelecida entre o ego e o id, o que faz o ego
ser completamente investido pelas pulsões. Isso seria também uma primeira forma
de unificação do sujeito, de constituição de um ego primário.
Sabe-se que todo objeto relacional se constrói por meio das relações estabelecidas
pelo bebê com o outro. Esse objeto se configura como parcial, ou seja, como uma
espécie de complemento à necessidade de satisfação da tensão pulsional dirigida

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ao seio como aquele que tem poder de satisfazer a pulsão oral. Mas é também um
objeto-pessoa, porque o bebe vai incorporar, pela sua identificação com o objeto de
prazer – o seio –, uma imago encarnada por todas as pessoas que se ocupam dele,
mas estando sempre em primeiro lugar a mãe. O narcisismo é antes de tudo a iden-
tificação com este outro, a imagem como a de um espelho, que o sujeito adquire de
si mesmo por interiorização do modelo do outro. Portanto é uma interiorização ao
ego do bebê, que se constitui neste momento, por meio do investimento do objeto.
Porém este retorno ao agora, pelo qual não há diferença entre autoerotismo e narci-
sismo, esse retorno ao ego passa a ser considerado como um narcisismo secundário e
vai fazer uma cisão na libido entre libido do ego, e libido do objeto.
O termo narcisismo vai designar as diferentes formas de amor de si mesmo
como objeto sexual que pode descrever no ser humano. O narcisismo também
está ligado às manifestações patológicas de personalidade, primeiramente às psi-
coses, na paranoia, por exemplo, este investimento narcísico do ego é extremo e
coexiste com um rebaixamento dos outros do objeto; em segundo lugar, às per-
sonalidades com traços perversos, como é o caso daqueles que são chamados na
atualidade de narcisistas perversos.

A prática psicanalítica

A psicanálise tem como finalidade fazer o paciente regredido realizar a partir das
cadeias associativas do que é manifesto em sua linguagem para descobrir o conteúdo
latente que subjaze por detrás das palavras-imagens. Por exemplo, ao analisar um
sonho, o terapeuta deve seguir as indicações dos elementos que o compõem, fazendo
o analisando confiar em suas associações de ideias e chegar assim aos pensamentos
latentes que formaram o sonho, sempre com a ajuda do psicanalista. O sonho é
formado, como já foi dito, por fatos do dia anterior, símbolos etc.
De posse desses dados trazidos pelo paciente, o analista fará a interpretação
deles, pois é a partir dela (a interpretação) que se constitui a técnica essencial do
psicanalista: a análise do discurso. Outro elemento importante para essa técnica é
a análise da transferência. Por transferência Freud entendeu a projeção de desejos
inconscientes sobre representações pré-conscientes, estabelecendo com essas ima-
gens relações afetivas desvirtuadas de seu real destino. Isso ocorre porque essas
conexões focam os afetos, as emoções, dirigidas a outras ideias secundárias ao
conflito psíquico.

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Explicando melhor, se uma pessoa encontra outro sujeito, ou outra situação
que possa receber estas ligações desvirtuadas de seu objeto original de investi-
mento, mas que por serem tentativas semelhantes ao material reprimido se conse-
gue obter, para Freud, a cura psicanalítica.

É por conta da relação terapêutica que no andamento da análise os desejos inconscien-


tes se projetam sobre a pessoa do psicanalista.

Logo, se essas transferências são muito fortes enquanto intensidade afetiva e,


se não são interpretadas pelo analista, elas podem impedir a progressão do traba-
lho psicoterapêutico. O psicanalista deve, portanto, utilizar de maneira adequada
sua própria pessoa e as características do setting, de modo que a psicanálise, como
método de trabalho, se realize por meio do confronto, por meio dos dois parceiros
colocados frente a frente.

Características e limites da psicanálise

Podemos dizer que os problemas com os quais se defrontam todos os psicana-


listas estão associados aos seguintes fatos: o espaço em que se dá a relação, o ma-
nejo da transferência a técnica da interpretação. Como também podemos incluir
aquelas questões relativas ao que Freud chamou de limites do analisável, a duração
do tratamento e seus fins assim como a transmissão e a formação dos psicanalistas.
Por limites do analisável se entende o fato que ocorre quando a relação parece estar
comprometida em seu efeito.
Não é apenas uma interrupção do processo analítico, o qual costuma ocorrer
quando este processo (o terapêutico) fica emperrado ou estancado, mas sim um
estado de impasse estrutural na situação terapêutica, e gerando um fracasso do
tratamento. Como a relação se torna um campo de forças, devido à união da in-
tensidade afetiva, contida na transferência, com a reação repentina decorrente da
reapresentação no setting de algo da história do sujeito na situação em questão,
o terreno da percepção e da experiência, aos quais são necessários ao trabalho
psíquico, para ampliar o repertório psíquico do sujeito, o analista, ao se colocar
como apoio ao recuo do paciente em direção à interioridade daquele faz ocasionar,
pelo transporte, a convocação à cena das representações investidas de afeto. Esta
situação autoriza a manifestação da loucura pessoal, e com ela – loucura pessoal
– a possibilidade do fracasso ou da anulação do tratamento, em função de novas

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configurações na psique do paciente que podem provocar resultados como a psi-
cose, nos quais se apresentam episódios de alucinação ou de vivências de mutila-
ção; como podem ser vistos nas somatizações das manifestações psicossomáticas;
e como também na psicopatia por meio de comportamentos que passam de um
simples agir ao ato propriamente dito.
Assim é pelo manejo da transferência e seu uso para fins terapêuticos, que se
caracteriza a psicanálise como um instrumento que possibilita a cura, porque per-
mite captar os afetos ocultos. O número de técnicas a disposição do psicanalista é
limitado, pois temos que excluir os conselhos e as sugestões que o analisando de-
manda. A distinção entre a interpretação e a sugestão não é muito clara, mas é bem
necessária para determinar especificamente o que é a técnica. A interpretação tem
o objetivo de que o analisando reconstrua sua própria história, isto é, que por meio
de suas lembranças consiga penetrar naquelas memórias, em que há repressão e
formações do inconsciente. Ao lado das interpretações, a linguagem do terapeuta
tem base no uso de metáforas.
Outro tipo de interpretação importante é a construção e reconstituição de
períodos esquecidos da infância, a fim de determinar os períodos de vida, antes
configuradas de modo desorganizado e confuso, para unir aos respectivos e dife-
rentes pensamentos até então existentes sobre os fatos causadores dos conflitos.
Logo a psicanálise exige um trabalho que necessita de tempo para o analista
poder executá-lo, mas também dependente do processo do analisando.

Os limites do analisável

Muito embora, com toda a interpretação e tentativas de construção da vida


afetiva, auxiliadas pela análise da transferência, é bem verdade que uma parte da
vida psíquica ainda fica fora do alcance da consciência. Isso acontece em função
do que Freud chamou de estrutura psíquica e não um fracasso da técnica psicana-
lítica. Trata-se de uma parte do material reprimido continuar fora do resgate da
memória, e que ao mesmo tempo persiste, mas que se evidenciam sob a forma de
repetições. Freud chamou este fenômeno de repetição de automatismo psíquico,
porque ele é diferente das formações do inconsciente (apesar também de serem
feitos da repressão de desejos) porque ele não atende a necessidade da satisfação de
pulsões inconscientes.
A aparição desses “automatismos” Freud vê como uma manifestação seme-
lhante à pulsão de morte. Porém, são estes automatismos de repetição – depois

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chamados de compulsões – os responsáveis por questões essenciais da história do
analisando. Estes são as chamadas resistências, que são muito difíceis de vencer.
Logo o processo de análise também passa a englobar a análise das resistências.
Portanto, a técnica psicanalítica se difere, segundo os psicanalistas, de outras
psicoterapias porque não visa apenas ao desaparecimento dos sintomas. Cada sin-
toma para a psicanálise tem um valor próprio que só será reconhecido no curso
da psicanálise. É por isso também que não se pode determinar a duração do
tratamento, bem como quando será o seu término, já que ambas decorrem em
parte das considerações precedentes. Contudo, como toda técnica nova, após al-
guns períodos de grande eficiência de seus resultados, percebe-se que nem todas as
aplicações da psicanálise se revelam eficazes, ou mais longas.
Em certos casos, é a própria exigência do paciente de querer o desaparecimen-
to de seus sintomas acabou por acarretar demandas mais difusas, a busca pelo que
é mais "essencial" acaba fazendo o paciente questionar a prática e a interromper
seu processo. No entanto, se verificaram fracassos em muitos outros casos, medi-
dos pela persistência dos sintomas e de sua repercussão na vida do sujeito.
Como no começo do tratamento não é fixado exatamente o término, e como
objetivo do tratamento não é claro para o paciente, este acaba por desistir. Contudo,
por ser uma abordagem científica, é claro que estes contratempos começam a preo-
cupar seus adeptos, como os levam a elaborar e a buscar sobre como seria a deter-
minação para um fim ideal de uma análise. Surgem, das discussões que se seguiram,
os seguintes parâmetros para as definições de término: o desaparecimento dos sinto-
mas, o desabrochar das relações afetivas e a adaptação social como principais fatores
a serem observados. Freud, no entanto, vai determinar que um processo analítico
efetivo necessita prover o indivíduo de condições psicológicas mais favoráveis às
funções do ego, e somente aí se pode considerar sua tarefa como cumprida.
Logo começam também, entre os estudiosos da psicanálise, a preocupação
relacionada às questões de transmissão do conhecimento e prática psicanalíticos,
portanto precisamente da formação de um psicanalista.
A formação passa forçosamente pela experiência pessoal do tratamento, ou
seja, pela própria análise do futuro terapeuta, chamada de análise didática, bem
como pela supervisão dos seus primeiros casos em atendimento. Mas a essa forma-
ção pessoal se vincula o necessário e indispensável estudo aprofundado da teoria e
da parte clínica, que inclua os aspectos principais do trabalho freudiano, as demais
correntes da psicanálise, e também conhecimentos sobre a psicologia em geral,
sobre as doenças mentais e a psicopatologia.

capítulo 2 • 56
Indicações da psicanálise

Freud, com relação às indicações para psicanálise, enumerou no início de sua


teoria alguns casos nos quais ele a considerava impossível de ser aplicada. Porém
foi com seus seguidores que aconteceu uma aplicação mais ampla do método.
Então da estruturação do tratamento clássico aparecem as indicações e contraindi-
cações. Critérios de inclusão à técnica e de exclusão a mesma passam a ser tratados
segundo as seguintes classificações: com relação ao diagnóstico, à estrutura, ao
problema da idade e ao tipo sociocultural.
Os critérios diagnósticos passam a ser validados pelas indicações, por exemplo,
às neuroses e, particularmente, às chamadas "neuroses de transferência", como a
neurose de angústia, histeria, neurose obsessiva, neurose fóbica.
As contraindicações são estabelecidas nos casos psicóticos e nas perversões,
ainda que, como veremos, a psicanálise se aplique em certas condições a estados
psicóticos ou perversos.
Um critério mais considerado com mais frequência é o estado relativo à carac-
terística aguda ou crônica de alguma patologia. Em geral, os estados tidos como
agudos não são tratados na psicanálise. No entanto, alguns pedidos de análise
podem ser formulados nessas ocorrências. Mas se forem constatadas situações
emergenciais, o psicanalista deverá avaliar os riscos que poderão acontecer se ele
começar a fazer o tratamento naquele momento.
Os critérios estruturais devem ser avaliados por ocasião das entrevistas preli-
minares ao tratamento. Por meio dessa técnica, o terapeuta deverá avaliar as capa-
cidades de insight de seu paciente, como é a dinâmica pessoal do paciente, se ele
tem ou não capacidade de suportar as frustrações, de aguentar a angústia, o desejo
de mudança e os limites previsíveis à mudança, ou prognóstico do caso. Para esta
visão diagnóstica, o terapeuta deverá ser hábil em verificar as seguintes questões
que o paciente costuma recorrer:
a) Ao ponto de vista tópico nas relações entre ego-superego-id;
b) Ao ponto de vista econômico, percebendo como se dão as relações ob-
jetais e a presença da estrutura narcísica;
c) Ao ponto de vista dinâmico, por meio da importância e flexibilidade e
mobilidade possível dos conflitos.

capítulo 2 • 57
Já foi falado da necessidade de verificar a força ou a fraqueza do ego como
fator de avaliação. Hoje em dia, a questão de saber se o ego é ou não é frágil não é
mais questão determinante para o início de um processo psicanalítico.
A determinação estrutural começa por ocasião das entrevistas, pelas quais per-
mite ao terapeuta “enxergar” para além das aparências de uma manifestação, ou
queixas, sintomáticas para poder reconhecer se o paciente para estabelecer a dife-
renciação de personalidades, isto é, se o paciente é portador de estrutura neurótica,
psicótica ou perversa. Porém muitas vezes é bem difícil estabelecer essa distinção.
Foi então que surgiram novas denominações para ampliar aqueles conceitos ante-
riores de neurose, psicose ou perversão. Os novos nomes, conceitos, passam a se
referir às estruturas, ou transtornos de personalidade conhecidos por narcísicas,
borderlines ou fronteiriços (estados limites), e aqueles referentes a sentimentos de
grande angústia por abandono, ou de necessidade de segurança – proteção.
Inicialmente Freud considerava muito os critérios de idade como um fator
complicado e difícil para a psicanálise. Com o passar dos anos, os seguidores dessa
prática verificaram e passaram a não considerar uma idade limite para ser fixada
como padrão.
Os critérios socioculturais não estão relacionados à exclusão social de pacien-
tes com base em critérios econômicos. Porém eles estão dirigidos à necessária si-
tuação de abertura pessoal, de um comprometimento com o reconhecimento de
suas questões psicológicas, a fim de dar início e continuidade ao tratamento de
base psicanalítico.
Quanto às variações de cura nas psicoterapias psicanalíticas, partindo inicial-
mente da ideia de cura dada por Freud, há algumas distintas possibilidades tra-
tadas por outros psicanalistas considerados como dissidentes ao freudismo. Essas
discordâncias vieram ou de uma base teórica, ou com relação às variações quanto
às indicações e à condução do tratamento.

As principais dissidências

A dissidência que causou grande impacto em Freud foi a estabelecida entre ele
e o psiquiatra suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Esse último criou seupróprio
método, quando abandona a teoria psicanalítica e dá o nome à sua abordagem de
Psicologia Analítica e a prática de psicoterapia analítica. Fundamentalmente Jung,
entre outros conceitos, formula como base de diagnóstico e tratamento a análise
de uma tipologia e a noção de inconsciente coletivo.

capítulo 2 • 58
Ao estudar os complexos, Jung descobriu outro nível da psique, ao qual chamou de
inconsciente coletivo. Rompendo com a noção de que tanto a mente consciente como
a inconsciente eram originárias da experiência, Jung demonstrou que a evolução e a
hereditariedade determinam a linha de ação da psique, assim como o fazem com o
corpo físico. A mente, por meio de seu mediador, o cérebro, herda as características
que determinam de que forma uma pessoa reagirá às experiências de vida, configu-
rando-a previamente pela evolução. O homem está ligado ao seu passado pessoal,
ao passado de sua espécie e à longa cadeia da evolução orgânica. O inconsciente
coletivo é o depósito das imagens primordiais, que se referem ao primeiro, ao mais
primitivo desenvolvimento da psique. Os conteúdos do inconsciente coletivo ativam
padrões pré-formados de comportamento pessoal, que a pessoa seguirá desde o seu
nascimento. Um exemplo: Temos no inconsciente coletivo uma “imagem primordial” de
“mãe”. Esta imagem expressar-se-á assim que o bebê tiver a percepção de sua mãe
verdadeira, e a ela reagir. A imagem de “mãe” que está no inconsciente coletivo é a
responsável pela nossa fácil identificação da figura materna e como reagimos a ela.

LEVY, Edna. Disponível em: <http://sandplay.jogodeareia.com.br/psicologia-a-


nalitica/inconsciente-coletivo/>. Acesso em: abr. 2018.

A análise dos tipos psicológicos parte da distinção entre dois tipos possíveis
de atitudes como características pessoais, os dos caracteres introvertidos e os dos
caracteres extrovertidos. A partir desta consideração, Jung passa a empregar uma
técnica que leva em conta o funcionamento adaptativo do paciente, mas, ao mes-
mo tempo, como aquilo que faz parte do sintoma. Ele é o primeiro a falar em
psicoterapia breve ao destacar o sinal sintoma, ou melhor, o sintoma como uma
imagem da realidade psíquica dos pacientes. Quando levanta a tese do incons-
ciente coletivo, Jung traz e introduz com ele a ideia do arquétipo, como estruturas
inatas presentes em todos os indivíduos desde sua formação.

Mitólogos e antropólogos vêem os mesmos temas, situações e histórias sendo repre-


sentados sempre e sempre, ao longo do tempo e em todo o globo. Eles defendem
que os vários mitos e arquétipos são basicamente expressões do drama íntimo do ser
humano e podem ser entendidos como diferentes expressões do impulso eterno para
encontrar um significado humano no mistério da criação.

capítulo 2 • 59
Disponível em: <https://pt.slideshare.net/samanthacol/o-heri-e-o-fora-da-
lei-1-13891806>. Acesso em: abr. 2018.

Os arquétipos são como padrões de comportamento que permitem as pessoas


terem em si mesmas as representações, ou as possíveis imagens transcendentes à
existência pessoal. Conforme a ilustração apresentada, os arquétipos são expres-
sões – como caráter coletivo – da presença da humanidade no indivíduo. Para
Jung, os homens já nascem com um psiquismo, e este é determinado pela filogê-
nese e a ontogênese.
Na terapia de abordagem junguiana, analista e paciente sentam-se frente a
frente. Jung aboliu o divã porque achava necessário um confronto direto e pessoal.
Para Jung, a formação de uma analista é muito importante, e deve compreender
domínio teórico profundo, práticas clínicas supervisionadas, e trabalho de análise
pessoal com um profissional mais experiente. Um bom analista deve estudar o má-
ximo e aprender tudo que puder. Contudo, quando ele estiver em contato com o
paciente, esse terapeuta deve estar disponível e aberto para a realidade singular que
se apresenta a cada sessão de terapia. Nada deve ser trabalhado sem que o paciente
tenha trazido a sessão. Não se visa ao que foi falado na sessão anterior, a menos
que seja o próprio paciente que traga alguma questão de lá. Essa postura tanto
humaniza a terapia, como também traz o envolvimento emocional na relação, que
segundo Jung é fundamental e essencial na terapia.
A abordagem terapêutica junguiana visa relacionar os aspectos inconscientes
aos aspectos já conscientes da personalidade. Para tal se utiliza de métodos como
análise de sonhos, técnicas expressões, imaginação ativa, entre outros. A finalidade
destas técnicas está em buscar a revelação dos sentidos e significados das imagens
que surgem ao analisando, a fim de que cada vez mais conscientes de si mesmos,
os pacientes possam se sentir mais plenos e reais proprietários de suas vidas.

capítulo 2 • 60
Um outro dado importante na prática junguiana consiste no desenvolvimento
e fortalecimento do potencial pessoal, da criatividade e da capacidade de lidar com
os problemas de maneira mais tranquila e segura.
Portanto, a psicoterapia junguiana consiste na análise dos símbolos presen-
tes nos atos, na linguagem, nos sonhos, nos devaneios, já que eles carregam a
possibilidade da investigação "alma" humana. Para captar melhor a simbologia
da “alma”, tal qual um registro ou um “mapa da alma” de seus pacientes, Jung
introduz o uso de práticas e modalidades expressivas como ferramentas de inves-
tigação técnica, conforme já foi dito anteriormente. Assim ele trata os conflitos
psicológicos por meio de desenhos, modelagens, sonhos do paciente, entre outras
expressões verbais e não verbais. As sessões se realizam face a face, e com bastante
uso de intervenções metafóricas por parte do analista, como meio atraente e su-
portável de abordar os conflitos psíquicos.
Para Jung, os conflitos psíquicos são resultados de problemas que precisam ser
encarados como oportunidades de retorno a si mesmo, de modo a que se encontre
um meio de conviver melhor com nossas qualidades e defeitos.
A psicoterapia analítica parte do princípio de que sempre há um sentido para
tudo o que ocorre na vida de cada um. A busca pelo sentido é, para Jung, a realiza-
ção de um propósito maior, ou uma meta, em nossa existência que ele denominou
de individuação. À medida que a terapia avança, pode-se aproximar cada vez mais
daquilo que verdadeiramente se é, e veio para ser, ou seja a realização da natureza
essencial do homem. Esta possibilidade é o que permite o encontro íntimo e sagra-
do com o si mesmo e traz a sensação de uma realização pessoal, de um sentimento
de integridade pessoal, de unidade com a vida.

Figura 2.3  –  Carl Gustav Jung.

capítulo 2 • 61
Alexandre Adler (1870-1937) também rompe com Freud por não aceitar ser
a libido (energia psíquica) unicamente de origem sexual. Ele foi o primeiro dis-
cípulo de Freud a se separar do grupo psicanalítico em 1911. Adler desenvolveu
um método chamado de psicologia individual e comparada. Nesta teoria ele
embasa suas observações criando a tese segundo a qual uma inferioridade orgânica
é compensada, seja pela utilização de outro órgão, seja por um esforço particular
imposto ao órgão deficiente. Assim ele traz um importante conceito para a psica-
nálise que é o da compensação.

©© WIKIMEDIA.ORG

Figura 2.4  –  Alfred Adler.

Por compensação Adler apresenta um modo positivo derivado do complexo de


inferioridade, termo também muito difundido na psicologia popular. O conceito
de inferioridade diz que todo ser humano possui um sentimento de inferioridade
que se origina na infância, no momento em que o indivíduo se sente pequeno e
fraco diante do adulto, que reforça esse sentimento de inferioridade em função de
atitudes minimizantes diante dos filhos. Por exemplo, quando o recém-nascido
vem ao mundo, ele nasce em um estado de total insuficiência e incapacidade de se
manter, se não tivesse uma família para olhar por ele. Assim, a criança, que toma
consciência de si mesma, vai primeiramente, segundo Adler, incorporando duran-
te sua formação a noção de ser um ser inferior.
Mas, o sentimento de inferioridade é o responsável pelo despertar de um de-
sejo compensatório de superioridade, de dominação e de poder o qual pode con-
duzir o indivíduo a alguma forma de sucesso pessoal. Porém essa compensação da
inferioridade pode gerar desejos irrealistas e procura por metas irrealizáveis, ambos
característicos das neuroses. Se a criança tem grande dificuldade de impor seu ego

capítulo 2 • 62
diante do mundo exterior, seu desejo natural de poder se transformará em obses-
são, fazendo o desejo de superioridade se transformar em doentio.
É deste modo que Adler vai conferir a vontade de poder à manifestação da
libido, por ser a força motora de toda ação humana para ele. A libido sexual, como
designa Freud, e a sexualidade não podem para ele ser a causadas neuroses e sim a
vontade de poder. Pois, seguindo o pensamento de Adler, o próprio ato sexual se
origina de uma procura de superioridade sobre o parceiro.
O método terapêutico de Adler, frente à diversidade dos conceitos freudianos,
se caracteriza por uma ausência da atitude que busca as causas iniciais da neurose.
Ele passa a definir a neurose como sendo o resultado de procura de metas inadap-
tadas, e por meio de uma ação educativa e reeducativa, ele visa à correção dessas
metas dando-se a ação terapêutica. Portanto, o foco da psicoterapia adleriana não
visa às profundezas do inconsciente, e o tratamento pretendido é de curta duração.
Adler adota uma perspectiva de adaptação do indivíduo a seu meio familiar e
social, e é para alguns autores uma perspectiva mais psicopedagógica do que uma
psicoterapia.

A máxima da Adler consiste em levar em conta os fracassos do paciente, mas dando


importância às suas tentativas e a seus esforços na recondução a níveis de aspiração
mais realistas.

Hora da revisão: esse é o seu momento de compreender os principais pontos


que foram tocados nesse capítulo.

RESUMO
•  A psicoterapia de orientação psicanalítica coloca em ação um método de conhecimento
estudado por Freud que contempla o mundo psíquico do paciente.
•  A relação estabelecida entre paciente e terapeuta (relação terapêutica ou aliança terapêu-
tica) é a base sobre a qual o trabalho psicoterápico se desenvolve e a possibilidade de que
ocorra uma mudança psíquica, já que o tratamento se apoia totalmente nela.
•  A possibilidade de relação paciente-terapeuta é definida pelo setting, que tem como um de
seus principais constituintes a atitude de neutralidade e continência das emoções do tera-
peuta, além dos aspectos formais, como o respeito pelo paciente, por exemplo.
•  O tratamento está calcado na comunicação paciente-terapeuta, e nessa comunicação são
considerados os aspectos não verbais e verbais.

capítulo 2 • 63
•  A interpretação relacionada à manifestação do conflito na presença de um sintoma é o
instrumento preferencial e, apesar de ser uma verbalização, também comunica aspectos não
verbais, porém a ênfase é sempre mais dirigida aos fatores afetivos que aos cognitivos.
•  O acompanhamento dos fenômenos transferenciais é essencial, mesmo quando as inter-
pretações transferenciais não são priorizadas, porque é o que determina a intensidade afetiva
que se apresenta no tipo de relacionamento que se está estabelecendo.
•  A possibilidade de o paciente se identificar, ela transferência, com seu terapeuta é o prin-
cipal fator de percepção do clima emocional da sessão, o qual (clima ou intensidade afetiva)
for conscientemente percebido pelo analista, por meio de seus sentimentos contratransfe-
renciais, vai se tornar uma ferramenta norteadora do trabalho da ação terapêutica enquanto
a escolha da melhor forma de interpretar.
•  A probabilidade de que vários elementos entrem em cena na determinação dos modos
de ação da psicoterapia, tais como a ênfase no relacionamento, a ênfase no resultado das
elaborações ou o insight e a formação de cada terapeuta (teórica, prática e pessoal) são os
determinantes que conduzem o processo para o seu êxito, isto é, a cura da alma.
•  As características e a sensibilidade de cada paciente também vão determinar um ou outro
modo de conduzir a ênfase na relação terapêutica.

Uma breve descrição de um caso clínico

A paciente de 32 anos procura atendimento por problemas conjugais, uma


queixa frequente em adultos, já que é no trabalho e nas relações afetivas que mais
se manifestam as consequências de conflitos mal resolvidos. Apresenta-se com
uma profusão de queixas, repetidas exaustivamente, que procuram mostrar como
o marido não a valoriza, não faz planos conjuntos, trata apenas de seus próprios
interesses, vive para o trabalho, escuta mais os colegas do que ela, e assim por
diante. Mesmo que seu relato apresente o marido como alguém que não a trata
bem, o terapeuta sente certa irritação, já que parece não ter outra saída além se
aliar a ela na constatação de que o marido a maltrata. O terapeuta sente-se pres-
sionado a tomar um partido e é possível que essa seja a intenção inconsciente
inicial da paciente. Apesar de seu sofrimento com a situação e do desejo de que
possa haver uma melhora, é evidente que a única saída que procura é que o tera-
peuta corrobore sua teoria de que o problema é o marido que a desvaloriza, e que
ambos possam mudá-lo e fazê-lo adaptar-se às suas expectativas. Não há ainda a

capítulo 2 • 64
possibilidade real de ela pensar de forma mais ampla sobre detalhes de sua situação
conjugal e muito menos de sua participação nas dificuldades que enfrenta, já que
não tem a menor crítica sobre suas atitudes em relação a ele, claramente despóticas
e controladoras. É evidente que a paciente não tem consciência de todo esse pro-
cesso. Manifestamente está procurando alguém que a ajude nos problemas com o
marido, o que corresponde a determinado nível de seu desejo. Em outro nível, o
desejo é não pensar. Um dos guias importantes para o terapeuta é a irritação que
suas queixas provocam, apesar do conteúdo parecer plausível. O terapeuta precisa
realizar a tarefa inicial de conter, não atuar esse sentimento para poder pensar so-
bre ele, ou corre o risco de maltratar a paciente. Qualquer tentativa de fazer com
que pense sobre si mesma é, de início, rechaçada, com a queixa de que o terapeuta
está do lado do marido e duvidando do que ela conta. É necessária outra vi, que
justamente mostre como ela está assustada com a possibilidade de pensar no que
está ocorrendo, procurando, portanto, um aliado nas queixas, alguém que lhe dê
razão. É importante que a paciente saiba que acolhemos seu sofrimento, mas que
talvez ele não provenha da fonte que lhe parece mais provável. A solução que pro-
cura não existe, pois não poderemos mudar o marido e fazer com que corresponda
às suas expectativas. Muito tempo de trabalho foi necessário para que percebesse
seu desejo de poder onipotentemente controlar a realidade e as pessoas, como uma
forma de se sentir protegida, já que parecia não se sentir capaz de enfrentar o mun-
do sem esse recurso. O foco inicial da psicoterapia foi amplo: suas dificuldades
conjugais. Dentro desse foco, foram necessários níveis de abordagem diferentes,
começando pelo que parecia a resistência mais presente: a dificuldade em aceitar
que não poderia onipotentemente modificar tudo e todos que lhe causassem so-
frimento. Assim, pode-se conhecer, aos poucos, os anos que passou tentando, das
formas mais variadas e descabidas, evitar que o pai, psicótico, tivesse surtos, e a
dor de reconhecer que não tinha esse poder. Podia ajudar o pai, mas não fazer com
que se transformasse em outra pessoa. Da mesma forma, foram ficando mais per-
ceptíveis sua intensa desvalia e a fantasia de que o casamento com um homem de
nível socioeconômico mais alto que o seu a resgataria dessa família profundamente
desvalorizada por ela. E a queixa de que ele, como era de se esperar, não cumpriu
essa missão e era apenas uma pessoa como qualquer outra, com seus defeitos e
qualidades. Assim, aos poucos, foi se delineando um esboço de uma teoria que não
era consciente para ela, mas estava atuante: “sou uma pessoa sem valor e incapaz,
porque não consegui fazer com que meu pai e minha mãe fossem outras pessoas,

capítulo 2 • 65

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