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Jogando na
Anâlise de CrtanÇas
Intervir-inte rpr etar nLL
Aborclagem \üTinnicottiana
Casa do Psicólogot
cepÍturo z
A INrnnpnnreçÂo
Hrsróruco Do coNcErro
A capacidade de compreender a estrutura do sonho aumen- "arte da interpretação" para superar a resistência provocada pela
tou a habilidade de Freud para interpretar. Posteriormente, pas- repressão.
sou a se apoiar na produção espontânea do paciente e, utilizan- Outra alteração do nrétodo ocorreLr a partir do conceito de
do-se das interpretações, chegou até as lembranças reprimidas. transferência. Em uma nota do texto de 1914, aponta-se que o
Em l9l l, no texto O manejo da interpretação dos sonhos tópico da transferência fbi posto em debate no pós-escrito do
na psicanrílise, Freud integrou a interpretação na dinâmica do Caso Dora (1905). A paciente teria abandonado o tratamento
tratamento, dizendo como o analista devia utilizar a arte da inter- porque Freud não teria sido capaz de analisar os múltiplos ele-
pretação dos sonhos no tratamento psicanalítico dos pacientes: mentos transferenciais que surgiram em seu tratamento.
"tt interpretuç'ão de sonhos não deve ser perseguida no trctta- A transferência é apresentada por Freud como "compulsão
nlento ctnolític<t como o ctrte peLct erte, mas que seu maneio det,e à repetição", no texto Recordar, repetir e elaborar de 1914: "o
submeter-se ricluelas regros técnictrs qLte orienÍctm a direção do que nos inÍeressa, acima de tttdo, é, naturalmente, a relação des-
tratanxento cotlto wn todd' (p. 124). sa compulsão à repetição com a transferência e com a resistên-
Freud acrescentou que, para interpretar Llm sonho ou elucidar cia" (p.197).
um sintoma, devia-se apreender os seus diferentes signiÍicados e Mais adiante, Freud diz que o "instrumento principal para
contentar-se caso a tentativa de interpretação trouxesse à luz um reprimir a compulsão do pociente à repetição e transformá-la
único impulso patogênico de desejo. num motivo para recorular reside no man,e.jo da transferência"
Estes fbram os "primeiros momentos" da interpretação na (p.201).
psicanálise. A técnica psicanalítica sofreu mudanças. No texto A transferência passa a ser uma das fbntes de material mais
Recortltr4 repeÍir e eLuborar (1914), Freud sintetizou :rs altera- valiosa para o trabalho analítico, a ênfase passa a ser tornar o
ções sofiidas pela técnica psicanalítica desde o seu início. A pri- inconsciente, consciente, na transÍ'erência.
meira fase, a da caiarse de Breurer, consistia em focalizar o mo- Etchegoyen (1987) cita o trabalho "Elementos de una teoria
mento da Íbrmzrção do sintoma e em esforçar-se para reproduzir de la interpretación", no qual D. Anzieu (1979) acompanha as
os processos mentais envolvidos nessa situação para dirigir-lhes
concepções freudianas sobre o aparelho psíquico e as conseqüen-
a descarga ao longo do caminho da atividade consciente. O que
tes mudanças no tratamento. Na primeira concepção, que com-
se visava era recordar e ab-reagir com auxílio.
preende os Estudos sobre a histeria (1895), o sintoma é o equi-
Com o abandono da hipnose, a tarefa passou a ser desco- valente a uma lembrança desprazerosa e é resolvido quando o
brir, a partir das associações livres do paciente, o que ele deixava trâtamento (catártico) recupera a lembrança. A interpretação é
rlc recordar. A resistência deveria ser contornâda pelo trabalho um ato intelectual que comunica à consciência.
ila interpretação. A técnica passor.l a ser a interyretação da resis- Na segunda concepção, o sintoma serve aos interesses do
ti'rrcilr. tonurndo-a corrsciente ao pacierrte. sujeito e sua resolução exige um deslocamento das catexiets que
Ncste ponto, acontece uma alteração na Í'orma de se conce- hão de mudar seu objetivo e seus modos de satisfação. Agora, a
lrt'r' o pr«rcesso analíticcl, a ab-reação dos aÍ'etos dá lugar para a
interpretação traz uma representação de palavras, e a rcprcscnta-
srrpt'r'lrr,:i-io rla rmnésia. A resistência passa a ser um elemento
ção patológica é reprimida e inconsciente. Ac;tri a intcrprctação
t t'rrlr;rl tlcnlrrr cla teoria psicanalítica e o analista deveria usar a
leva em consideração os processos transl-crcnciais. Alérn da in-
+()
4l
Lr rzmxr Zlr:cuÉ: Avsl-r-au
Joc,rN»o N,t ANÁlrsr »t Cnunçes
terpretação, operam a atitude do analista na situação analítica,
A essas interrogações, Freud responde: "somenÍe após uma
seu silêncio, suas intervenções, honorários, horários, como igual-
transferência efical" (p. I82). Posteriormente, "condena toda linha
mente importantes e inclusive com freqüência decisiva.
de conduta que nos levasse a dar ao paciente uma tradução de seus
A terceira concepção leva em consideração o automatismo
sintomas assim que nós próprios a adivinhássemos, ou mesmo a
de repetição e os sistemas de identificação que intervêm na estru-
considerartiunfo especial lançar-lhe essas "soluções" ao rosto na
tura do aparato psíquico. A interpretação opera se a compulsão à
pimeira entrevista" (p. 183). Tal postura seria considerada inade-
repetição é entendida como uma tendência restitutiva. portanto, a
quada e sem nenhum valor para o trabalho analítico levando ao des-
interprettrção tem que dar conta desses dois aspectos: do
crédito e ao desencorajamento do paciente. Essa postura também
automatismo da repetição e da possibilidade da restituição. Se a
seria condenada nos estágios posteriores da análise.
repetição pulsional é entendida como uma tentativa de voltar a um
estado anterior, de recuperar o objeto perdido, então a interpreta-
ção tem que se dirigir ao plano arcaico das primeiras relações.
A evoruçÀo Do coNCErTo
Do ponto de vista da utilização da interpretação no trabalho
analítico, ressaltamos o texto de Freud, psicancílise silvestre
Como vimos, historicamente, a interpretação constitui o tri-
(1910) em que ele aborda o ponto das informações que devemos
pé que sustenta o processo analítico junto com as associações
fornecer ao paciente:
livres (no caso de pacientes adultos) e os processos transfercnciais.
Ao longo do tempo, vamos acompanhar uma evolução do
o informar ao paciente aquilo que ele não sabe porque
conceito e da técnica interpretativa. As diferentes teorias psica-
ele reprimiu é apenas um dos preliminares necesstirios
nalíticas, junto ao estilo pessoal do analista, determinam a fre-
ao tratamento. Se o conhecimento acerca do inconsci_
qüência, o timing, a maneira de se formular, veicular e transmitir
ente fosse tão importante para o paciente, como as pes-
a interpretação ao paciente.
soas sem experiência de psicantilise imaginam, ouvir
Racker (apud Etchegoyen ,1987), afirma que as escolas di-
conferências ou ler livros seria suficiente para curá-lo.
vergem no que diz respeito a quanto, quando e como interpretar.
This medidas porém tem tanta influência sobre os sin-
Com relação a quanto interpretar, Racker afirma que o que
tomqs da doença nervosa, como a distribuição de car-
ocoffe é uma contraposição entre a técnica clássica e as técnicas
dápios numa época de escassez de víveres tem sobre a
atuais. É cornu* atribuir-se a Freud o adjetivo de analista silen-
fome. (p.2ll) cioso. O autor aponta dois trabalhos de Freud para sustentar uma
afirmação contrária a esta, em O homent dos ratos (1909), Freud
Também em Novas recomendações sobre a técnica da psi-
dialoga, informa e explica. Assim como em El análise prcfano
canálise (1913), Freud faz algumas advertências:,,euarudo de-
(1926), Freud diz que "o analista não faz mais do que trovor u,n
vemos comeÇar afaTer nossas comunicações ao paciente?
eual diálogo com o paciente". Racker afirma que, em seus historiais,
é o momento para revelar-lhe o signfficado oculto clas icléias que
Freud realmente dialoga com o seu paciente. Mesrno assim, du-
lha ocorrem, e para iniciá-lo nos postulados e procedimentos
rante muito tempo, os analistas que se diziiun íier"rdianos íhla-
tt;t'rticos tla análise?" (p. 182).
vam muito pouco.
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Lttzr,rxe Zecctrl Avrllen -Jrt<teNno ire ANÁr-rsn »l: CruaNçes
Os analistas que seguem Anna Freud, afirma Racker, A mrnnpruTAÇÀo E ouTnos rNSlliuMENTos
têm, como regra geral, fazer pouco uso da interpretação, so-
bretudo no início do tratamento. Observações e comentários Mesmo sendo o fundamento da técnica analítica, o analista
podem ser feitos, não interpretações. O analista deve ser mais não se restringe à atividade interpretativa. Ele utiliza outros ins-
silencioso. trumentos: a informação, o esclarecimento e a confrontação fa-
Ainda segundo Racker, o grupo que segue Melanie Klein zem parte do instrumental de que o analista dispõe para auxiliar
faz muito uso da interpretação, utiliza a ansiedade do pacien- o seu trabalho. Alguns autores como Loewenstein (1951) e
te para assinalar o ponto de urgência, determinando o timing Greenson (1967) consideram esses instrumentos como prepara-
da interpretação. A interpretação também é utilizada quando tórios para a interpretação e esta é o procedimento técnico mais
o fluxo associativo é interrompido pela resistência. importante.
O mesmo zrutor afirma que os analistas inspirados por Lacan Etchegoyen (1987) postula que a interpretação "se refere
deixam o paciente falar para que ele desenvolva o seu discurso e sempre a algo que pertence ao paciente, mas do que ele não tem
possa íàlar significativamente. Nesta perspectiva, o analista pon- conhecimento" (p. 178). Para ele, a finalidade da interpretação é
tua o discurso para marcar a importância do que foi dito. O ana- informar. É uma maneira especial tle informar, repartir conheci-
lista é silencioso e passivo. mento, por isso deve ser desinteressada, veraz, pertinente e dada
Não podemos falar de uma "escola winnicottiana", isto em um contexto no qual possa ser operativa, mesmo que final-
porque Winnicott criticava a aderência rígida do analista a um mente não o seja.
único autor. Mas, é cada vez maior o número de analistas que Etchegoyen (1987) cita o trabalho de Loewenstein (1951)
utilizam sua obra pafa "criat" ou "repens ar" o fàzer clínico, e no qual este afirma que a interpretação "é Ltma informação (co-
é nesse sentido que queremos assinalar o modo próprio que nhecimento) que se dá ao paciente, que se reJere ao paciente e
tinha de fazer as interpretações nas análises que conduziu. que provoca as mudanças que conduzem ao insight" (p.225).
Partia de sua teoria do amadurecimento humano para ter uma Mesmo concordando com a definição de Loewenstein,
compreensão das "imaturidades" do indivíduo. A partir de um Etchegoyen diverge quanto ao aspecto de que a interpretação deva
diagnóstico preciso, o analista detecta as necessidades do pa- conduzir ao insight, pois esta relação é complexa, uma vez que
ciente para que este possa dar continuidade ao seu processo nem todas as interpretações produzem insights. Também, ao as-
de desenvolvimento. Mais do que interpretações precisas, o sumir o desejo de que a interpretação produzisse insight, o ana-
analista deve possibilitar que um campo de experiência seja lista estaria ferindo a regra da imparcialidade. Prefere dizer que a
aberto no setting analítico que funciona como meio ambiente interpretação está destinada a produzir insight, mas não tem de
para que os aspectos psíquicos que não puderam ser constitu- produzi-lo, pois até a interpretação mais perfeita pode ser
ídos ao longo do desenvolvimento possam sê-lo na análise. inoperante. De todo modo, o que o analista pode fazer por meio
Outros autores concordam qte o setting deva ser modificado de sua interpretação é encorajar o paciente afazer mais trabalho
prra qlre se possa tratar de questões provocadas por um meio analítico - elaborar.
irrnbiente inadequado. É o caso de Balint (1937),Milner (1952) Na tentativa de definir a interpretação em uma oLltra pers-
r: Kharr ( 1969). pectiva, Liberman (apud Etchegoyen,l9ST) aflrma q\e"o ana-
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Jot;,trrrr>o N,t ANÁt,rsl nr Ctlrlr:es
Luzr,tNr,: ZeccuÉ Avrt.lln
interpretações tão cruas dos jogos infantis.2 Segundo Klein, a cri- mesma manifestação por parte clo analista, com a intenção de
ança expressa material psíquico por vários meios, e, se o analista acentuar uma similaridade de expressão que supostamente deva
observa qlle as atividades da criança são acompanhadas de senti- se estabelecer entre o terapeuta e a criança para que possam se
mentos de culpa ou ansiedade, isto deve ser interpretado ligando o comunicar. Acrescenta que as situações ,nalíticas com as quais o
fenômeno ao inconsciente ou à situação analítica. Então, as duas analista de criança se depr.rra sempre irnplicarn uma ,.ação,, de
técnicas também divergem quanto à questão da utilização do bnn- sua parte. Nos casos de grande inibição da criança para jogar, o
car e sua interpretação na análise de crianças. analista toma a iniciativa, mobilizando jogos que possarn ter re-
Como conclusão, podemos dizer que Anna Freud desenvol- lação com o conflito da criança, ou, quando há necessidacle de
ve sua teoria da interpretação não só pela dificuldade de as crian- conter a criança fisicamente, quando esta se coloca em risco.
ças fazerem associação livre, mas também por manter-se fiel às A questão é: quando podemos considerar estas ações por
concepções de Freud sobre o complexo ae Édipo. Neste caso, a parte do analista como fatores terapêuticos? De outra maneira:
interpretação flcaria limitada porque a criança supostamente não qual o efeito terapêutico dessas ações? A. J. Campo diz que, se
seria capaz de desenvolver a neurose de transfêrência porque seu aceitamos que a criança pequena se expresse predominantemen_
objeto original de amor, os pais, ainda existe como objeto concre- te pela ação e o analista de crianças também a utiliza para colo_
to. Melanie Klein, por sua vez, considera o aparecimento da situa- car-se no mesmo nível, deveríamos aceitar que a capacidade de
ção edípica precocemente. Desde bem pequena, a criança teria identificação que este último tem com seu paciente é a de utilizar
capacidade de desenvolver uma neurose de transferência resultan- estâ mesma linguagem arcaica que é a ação = que nem sempre
do na necessidade de interpretá-la na situação analítica. está sob o domínio consciente como no adulto.
A técnica kleiniana de interpretação consiste em interpretar Estamos de acordo com o autor de que não se trata de dimi_
tão logo quanto for possível: a demora na interpretação pode levar nuir a importância da interpretação na análise de crianças, mas
a situações de angústia e resistência, e, no caso de surgirem, tam- de inserir a "ação" do analista como um fator terapêutico, consi-
bém devem ser interpretadas com o objetivo de aliviar a angústia e derando interpretação e ação como fatores que contribuem para
reduzir a resistência, facilitando o acesso ao inconsciente. A técni- promover o processo analítico. O analista, de sua parte, deve es-
ca de Klein é baseada ainda nos fatos de a criança ter capacidade tar atento para avaliar quando isso é possível.
eueremos chamar
para compreender o valor semântico da intelpretação; de que a atenção também para o fato de que A. J. Campo propõe agregor
interpretação deve remeter os símbolos à sua origem; e da necessi- à interpretação um outro detalhe técnico: a ação, para que se
dade de se dizer à criança a versão sem ocultamentos: os símbolos mobilizem jogos que se supõe estarem em relação estreita com o
devem ser interpretados sem euf-emismos. conflito da criança. Portanto, neste contexto, a ação não é uma
Em um artigo pioneiro, Alberto J. Campo (1957) discute a intervenção. Só o será se vier acoplada à interpretação verbal, ou
"ação" na análise de crianças. Afirma que tanto Freud como M. seja, para este autor, a ação complementa a interpretação. O que
Klein utilizam o termo ação pzLra designar as expressões não ver- estamos propondo neste trabalho é uma perspectiva dif'erente.
bais rla criança. A. J. Campo utiliza o termo ação para designar a E. Rodrigué ( 1963) examina as distintas qualiciades c possi_
bilidades dos diferentes meios expressivos da criança c como
Irr: Sirrrptisio sohre a análise infantil ( 1927). p.204. estes permitem que o analista construa a interprctaçãr. o aut,r
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Lr-rzraNl: Z.cccHÉ AvHlian
Jor;nN»o xa AnÁr.rsn »e Cnre.Nces
entende que o jogo é um meio de a criança expressar suas fanta-
Essas idóias passaram a ser incorporadas ao cotidiano do
sias inconscientes: "a cada modalidade expressiva do paciente
analista de crianças. Em nosso trabalho clínico utilizamos: a in-
corresponde uma modalidade da cttenção do terapeuta". A aten-
terpretação verbal, a interpretação lúdica e a ação interpretativa
ção flutuante ou lúdica são partes que constituem a interpreta-
como parte de um processo que etrl seu conjunto constitui a prdxis
ção. São o primeiro passo da ação interpretativa e o produto fi-
do analista de crianças.
nal, as palavras ditas ao paciente estarão de certa forma determi-
A nossa concepção de interpretação difere dos autores que
nadas pela nossa atitude ao colecionar o material. Assim, a atitu-
viemos apresentando até aqui e está pautada principalmente nas
de lúdica na captação do que é dito pelo paciente tem uma conse-
idéias de D. W. Winnicott. Em que ela se diferencia? Os traba-
qüente atitude lúdica na interpretação dada à criança.
lhos de A. J. Campo (1957) e Rodriguó (1963) têm como pano de
Para o autor, a interpretação lúdica começa com uma toma-
fundo a interpretação. Ambos consideram que os aspectos por
da de contato, direta e sensorial com o material empregado pela
eles levantados antecedem um trabalho interpretativo - as ações
criança. E, nesse sentido, está orientada desde o meio de expres-
do analista, a interpretação lúdica e as ações interpretativas não
são não verbal, plástico, até a comunicação verbal. Esquema-
têm o valor de uma interpretação, elas funcionam como um meio
ticamente, constam dois tempos: no primeiro, o terapeuta imita o
de facilitar que a interpretação atinja o paciente. O objetivo, como
jogo da criança, e, no segundo, transmite sua impressão verbal-
disse Rodrigué, é tornar a interpretação mais veraz, mais dramá-
mente, valendo-se dos meios plásticos de expressão que foram
tica e mais convincente para a criança. Nos dois trabalhos, há um
empregados. Essa atitude implica dramatizar ainterpretação. Mais
predomínio da interpretação verbal.
adiante, Rodrigué diz que o objetivo é tornar a interpretação mais
Em nosso trabalho, acreditamos que na sessão o analista
veÍaz, mais dramática e mais convincente para a criança.
espera a criança fazer um movimento e solicitar interlocução. As
Tanto A. J. Campo quanto E. Rodrigué concordam que a
intervenções e as interpretações do analista são oferecidas para
disposição lúdica do analista permite que a contratransferência
que se abra um campo de experiência no espaço analítico, pre-
funcione de maneira mais fluida. No entanto, pode também ter
servando a capacidade criativa da criança e tendo cautela para
um "efeito colateral", pois é na ação que podem escapar, com
não interromper seu jogo com interpretações inoportunas. Mui-
maior facilidade, os conteúdos reprimidos do analista, provocan-
tas vezes a interpretação verbal não é a mais adequada, pois o
do confusão no processo analítico da criança.
foco do nosso trabalho não é interpretar o conteúdo da brincadei-
A interpretação verbal, a interpretação lúdica e a ação
ra. O objetivo é o brincar em si. A intervenção é brincar, abrindo
interpretativa são instrumentos diferentes com os quais o analis-
um campo de experiência na sessão para que o paciente possa
ta de crianças pode contar. Para Andréa Pereira e Silvia
vivenciar situações emocionais significativas dentro de um espa-
Rajmanovich (1997) "assim como há processo analítico, há um
processo interpretativo, considerando processo, como progres- ço de confiabilidade.
Na perspectiva winnicottiana, o brincar é constitutivo, é um
so, transcurso de tempo, conjunto de fases sucessivas de um fe-
aspecto fundante da condição humana. Para Winnicott (1971),
nômeno, ação de ir adiante" (p. 141). Então, para estas autoras,
"é no brincar que o indivíduo pode ser criativo e utiliz,ur sutr
Í'azem parte do processo interpretativo: a interpretação verbal, a
personalidade integral: e é somente sendo criativo que o intliví-
lúrlica e a ação interpretativa.
duo descobre o seu eu self " (p. 80). Brincar é a possibiliclacle de
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Lr,zt,rxt, Z:\(t(tt IIi Avtit.t.,\R
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_ @ 2004,2011 Casapsi Livraria e Editora Ltda.
Ê proibida a reprodução total ou paÍcial desta publicação, para qualquer finalidade, sem
autorização por escrito dos editores.
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2004
1" Reimpressão
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Produção Gráfica
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Editoração Eletrônica
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Sobre ilustração de Wassily Kandinslcy
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auhres, não necessariamente correspondendo ao ponto de vista da editora.
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.lo<lnllro N,l ANÁusr »r.: CuelÇas
Ltrzr,l,Nn Z^ccl IÍt Avl)-LAlt
cuidou de bebê, leu sobre cuidados fornecidos a um bebê. Por A elaboração imaginativa dos elementos sensoriais e do fun-
seu lado, o bebê está experienciando pela primeirayez o que é cionamento do próprio corpo possibilita a personalizaçáo. A mãe
ser um bebê. Para ele, o que prevalece no momento são suas e os cuidados que ela presta ao bebê são fundamentais para a
caracteísticas herdadas e as tendências inatas para o desen- constituição da personalizaçáo por meio das repetidas experiên-
volvimento. cias de cuidados corporais. A mãe banha, maneja, ,Junta", .,reú-
O nascimento da subjetividade se dá em presença de alguém. ne", envolve o bebê em seu colo, favorecendo assim o fenômeno
O bebê sente a presença continuada da mãe através dos cuidados da personalização no bebê.
que ela lhe atribui (o bebê ainda não sabe da existência da mãe). A corporeidade da criança é permeada pelo interjogo do
São estes cuidados que humanizam o bebê, pois não se trata da encontro mãe-bebê, um encontro que significa. Se há, ffumeza
técnica do cuidado, mas de um cuidado que é humanizador. A nos cuidados e se houver confiança, o bebê pode se entregar aos
primeira organizaçáo temporal da criança é a de continuar a ser cuidados da mãe. Quando cuida, a máe precisa saber que, no
na presença da mãe. corpo do bebê que ela cuida reside uma pessoa.
As experiências da criança com a mãe continuam. Passam a Residir no corpo implica ocupaÍ espaços. pouco a pouco
ser experiências de presenças e ausências. As ausências devem surge um corpo que significa e expressa o ser, que interfere no
acontecer na medida do suportável para o bebê, e somente a mãe ambiente, que altera a relação do indivíduo com o mundo, que
é capaz de identificar quanto tempo é possível ausentar-se sem regula proximidades e distâncias. A criança vai encontrando um
causar prejuízos ou descontinuidades do ser no bebê. enraizamento em um corpo da vontade e do querer. Um corpo
Para suportar os períodos de ausência, o bebê tem um reper- que significa e expressa o ser.
tório sensorial constituído partir de seu encontro com o corpo da
a Temos, então, gradualmente, a presença do bebê alterando
mãe. Os sons, os odores, as nuances úteis instrumentalizam o bebê o meio ambiente. O corpo do bebê passa a ser utilizado como um
a suportar a ausência da mãe sem risco de dispersão. Nesse mo- instrumento do querer, de ir e vir, e de modular as relações e
mento, o cuidar constitui-se basicamente de segurar. Respeitando pode dar significado para as separações, pela possibilidade de se
o ritmo da criança, permitindo que as experiências sejam repetidas dirigir com esse corpo a um objeto, "um corpo que pode ir em
tantas vezes quantas forem necessárias, a mãe possibilita que o direção a um outro corpo". Aos poucos, o bebê adquire a capaci-
bebê tenha experiências totais, com começo, meio e fim. dade de se relacionar com a realidade externa. É preciso lembrar
O sentimento de integração é fundamental e é uma conquis- que, no início, o bebê não tem nenhum sentido de realidade ex-
ta do desenvolvimento. Igualmente fundamental, é o sentimento terna porque ainda não desenvolveu capacidade de percepção para
de que o psiquismo habita o corpo. Fenômeno que Winnicott que possa se relacionar com objetos (objetivamente) percebidos.
denominou personalizaçâo e assim o descreveu: "quando tudo Progressivamente, o bebê conquista o acesso ao sentido de reali-
vai bem, é que a pessoa do bebê começa a ser relacionada com o dade, que no princípio é a realidade do mundo subjetivo. euan-
corpo e suas funções com a pele como membrana limitante" do a dependência absoluta começa a se transformar em depen-
(Winnicott, 1962b, p.58).Apele como elemento de contato mãe- dência relativa, bem no início, ainda não existe um ..eu', separa-
bebê, como elemento de revestimento das marcas de fronteiras do do "não-eu". O objeto, nas relações primitivas, ainda é para o
de diferenciação Eu, Não-Eu, a pele como continente. bebê indistinguível do seu próprio "eu". 'Winnicott chamou este
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Luzr,A.Nl Zlccr rt Avpr.u.n Jctc.lNt>ct Na ANÁ_rsr-t »n CntirxÇirs
objeto de objeto subjetivo em oposição a um objeto objetiva- Para que a experiência da ilusão se produza na mente do
mente percebido. bebê, é necessário que um ser humano "traga", o tempo todo, o
O objeto subjetivo é o objeto criado pelo bebê, encontra-se mundo até o bebê de forma adequada às suas necessidades. Se a
na área de sua onipotência. O bebê vai ao encontro do objeto por mãe atende à onipotência de seu bebê e é capaz de fazer sentido
meio de um gesto seu. Um ambiente suficientemente bom forne- dela, ela fortalece a estrutura mental em desenvolvimento no bebê,
ce as condições para que o objeto seja encontrado pelo movi- que se torna capaz de "criar" inúmeras outras coisas, inclusive
"criar alucinatoriamente a mãe". O bebê se desenvolve pela oni-
mento do bebê.
Para entendermos melhor, vale a pena citar integralmente potência.
Winnicott ( 1965a): Winnicott denominou ttpresentação de objeto a função da
mãe de trazeÍ o mundo em pequenas doses ao bebê, de cuidar
para que o ambiente seja previsível, protegendo o bebê de acon-
imaginemos um bebê clue nunca tivesse sido alimenta-
do. A.fome surge, e o hebê est(r pronto para imaginar tecimentos que ainda não são passíveis de serem por ele compre-
algo; a partir da necessidade, o bebê está pronto para endidos. Aos poucos, a mãe apresenta o mundo ao seu bebê, na
criar uma fonte de satisfaÇão, mas não existe uma ex- medida do que ele pode compreender, facilitando-lhe as primei-
periência prévia para mostrar ao bebê o que ele tem de ras relações de objeto.
ex,atamente a coisa que J'oi criad.a pela necessidade, pela formulada. A mãe, em se adaptando, apresenta um ob-
jeto ou uma manipulação que satisfaz as necessidades
voracid.ade e pelos primeiros impulsos de amor primi-
tivo. A visão, o olfato e o paladar registram-se algures do bebê, de modo que o bebê comeÇa a necessitar exa-
e, passado algum tetnpo, o bebê poderri estar criando
tamente daquilo que a mãe apresenta. Desse modo o
algo semelhante ao próprio seio que a mãe tem para bebê começa a se sentir confiante em ser capaz de criar
oJbrecer. Um milhar de vez.es houve a sensação de que objetos e criar o mundo real. A mtÍe proporciona ao
bebê um breve período etn que a onipotênc'ia é um fato
o que ero querido era criado e constatodo que existicr.
Daí se desenvolve uma convicção de que o mundo pode da experiência. (Winnicott, 1962b, p. 60)
conter o que é querido e preciso, resultando na espe-
rança do bebê em que exisÍe uma relação viva entre a Só após a experiência da ilusão, o bebê começa a aceitar a
existência do mundo externo. Com o tempo, toma conhecimento
recrlidade interior e a realidade exterior entre a capa-
da realidade externa e de que ela sempre esteve ali. Mas perrna-
cidade criadora, inata e primária, e o mundo ern geral,
nece nele o sentimento de que o mundo é criado por ele. Winnicott
quc é compartilhado por Íodos. (p. 101)
5ii >9
LL'zt,lNn Z.t«:uÍ: Avr.lr.,rtr or;..rNrxr r,r AxÁlrsr nl. CnrrNc.,ts
,f
l,
afirma que há um paradoxo para o bebê: "eu criei o mundo, mas Ele é potencial porque nele podem ser incluídas as experi-
ele já estctvct ali para ser criado", embora esta não seja uma ques- ências do indivíduo, a atividade lúdica, a psicoterapia, a religião
tão que deva ser colocada para o bebê. O parâdoxo não é para ser e a experiência cultural. É uma área intermediária que é produto
resolvido, é para ser tolerado. das experiências da pessoa individual em qualquer momento da
O bebê caminha em direção à independência relativa.Ini- vida, pois são experiências clue ocupam um tempo e Llm espaço,
cia-se umar Íase de desadaptação materna. Pequenas falhas da que vinculam o ser no passado, presente e futuro.
mãe surgem e estas se diro na medida do suportável para o bebê O espaço potencial é fundamentado na experiêncict de c'on-
contribuindo para os processos de desfusionamento (da unidade ficmça, eqterintenteukt por run período suJiciententenÍe longo, no
mãe-bebê) e de separação, que culmina com uma integração do estágio da separação entre o não-eu e o eu para o estabelecimen-
Eu separado do Não-Eu. O desilusionamento constittti o aspecto to de um eu autônomo.
mais amplo do rlesmame.
O processo de desilusão só ocorre se a experiência da ilu- Oncle hti c'onfinnça fidedignidade htí tunbém utn es-
e
são tiver sido bem- estabelecida. Com o tempo, o bebê compre- paÇo potencioL, espaço que pode tornor-se umu tírea
ende que o mundo por ele criado sempre esteve lá e continuará infinitcr tle separcLção e o bebê, a criança, o adolesc'ente
após sua morte. Permanece a capacidade de ilusão, a capacidade e o cttluLto ltodem preenchê-la critrtivamente com o brin-
de "criar mundos". car, qLte com o tempo transforuta-se no .f'ruição du he-
Da dependência absoluta para a dependência relativa, exis- rança c'ulturcrl. (l9ll, p. 150)
Íem os fenômenos transicionais e o objeto transicional, que inau-
gura o primeiro lugar de separação entre a mãe e o bebê, até A experiêncizr constitui a possibilidade de se criar significa-
então fusionados. A este primeiro espaço, Winnicott chamou es- dos pessoais, do si próprio criar símbolos, é a singularização que
paço potencial. irá se somar à experiência cultural. Para o indivídLro, o espaço
E;mvez da dicotomia interno ou externo, Winnicott (1971) pro- potencial pode ser visto como sagrado, porque nele experimenta
põe a existência de uma terceira fuea: "O espaço potencial é a área o viver criativo.
hipotética que existe (mas não pode existir) entre o obieto (mãe ou No prefácio à edição francesa de O brinc'ar e u realidade,
parte destct) clurunte tlo repúdio do ob.jeto como nen-eu: isto
u JLrse Pontalis (apud Lins e Luz, 1998), afirma:
é, aofinal daJuse de estarfundido ao objeto" ( p. la9).
A uma certa altura do desenvolvimento, o bebê estabelece o espaÇo potenc'iol não é untct c'erut tlruntúticu.freudiuna,
um eu (se1fl inteiro. De um estado de sentir-se fusionado à mãe, na qual se confrunttmt as figuros porantui.\ e se repeÍe
o bebê passa a separá-la do eu (selfl. Como produto desse pro- inc e s sa nt e nte nl e o o ri g iná rio .fcr n Í ct s rnri t i t' o. N ão s e t ra -
cesso de separação, passa a existir o interior e o exterior. O ta tampouco do receptáculo kleiniqno de lnns e maus
primeiro espaço que se abre na separação da unidade mãe-bebê ob.jetos clestinados à infinita combinuÍririu de projeções
pirra ser mãe-e-bebê é o espaço potencial: "A separação que e introjeçõe.s. O e,spctço ltotenciul é utn tarreno de jogo,
rrão ó uma separação, mas uma .f'orm,a de união" (Winnicott, de fronÍeircts incletermirutdas, clue .fu?. u nossct realicla-
1 97 1, p. 36).
1 de. (p. 151)
60 61
LuzreNe ZeccnÉ Awlmn
JocaNoo N,t ANÁusu or CrueNÇa.s
64 h5
LuztaNl: Z.tccHÉ AvEt-lrrt Jot;eN»o rva AsÁr-rsc oe Cnr,rNçns
sessão. Uma melodia que antes era emitida e encontrava o vazio Após o desilusionamento, e com o abalo da onipotência, o
agora encontrava presença humana, que a reconhecia e a devol- bebê prosseglle para viver no sentido da realidade compartilha-
via - reconhecia o ser como presença singular no mundo. da, é um passo difícil no processo do amadurecimento humano
No texto "O papel de espelho da mãe e da família no desenvol- e igualmente na situação de análise, pois se trata da percepção
vimento infantil" (1967), Winnicott diz que a tarefa terapêutica pode do objeto pelo sujeito como um fenômeno externo. ,,Este tra_
ser pensada como "o espelho da face da mãe" - com um analista que balho por parte do cmalista, para surtir efeito, precisa relacio_
procura refletir a pessoa que está ali buscando comunicar-se. O ana- nar-se à capctcidade do paciente de colocar o analista.fora da
lista devolve ao paciente, em longo prazo, aquilo que ele traz. Desta órea dos .fenômenos s,bjetivos,,, fenômeno que Winnicott de_
forma, auxilia o paciente a descobrir seu próprio eu. A presença nominou uso clo objeto (Winnicott, 1969c, p. 122).Isto implica
humana do analista reconhece no gesto do paciente um gesto cria- a colocação do objeto fbra da iárea de seu controle onipotente _
dor. É necessário que o analista se reconheça em slla própria história o sujeito destrói o objeto; a entrada no princípio de realidade
para que possa reconhecer no gesto de seu paciente um gesto huma- implica uma cefta destruição. O sujeito cria o objeto no sentido
no, um gesto criativo que o recoloca em sua própria história e em de descobrir a externalidade. Neste contexto é importante com-
sua história com outros.3 A partir do momento que o indivíduo é preender que a experiência depende da capacidade do objeto
recoúecido pelo outro, no jogo da especularidade, o mundo pode sobreviver, não retaliar. Se isso está acontecendo na análise, o
vir a ser criado e conhecido com satisfação. analista e o cenário analítico devem sobreviver aos ataques
Durante o processo maturacional, a entrada nos fenômenos destrutivos do paciente. Estes movimentos devem .".
transicionais inaugura novas possibilidades na vida do bebê. A "o*p."-
endidos pelo analista como a tentativa do paciente de colocar
o
passagem de uma realidade subjetiva para uma realidade analista para fora da área de seu controle onipotente, isto é,
transicional assinala características diferentes das intervenções para fora, no mundo.
na clínica. A intervenção transicional precisa ser construída pelo o trabalho analítico neste momento é basicamente o analis-
par analítico. Ela fmi de um para outro, ela não está dentro, nem ta poder suportar os ataques destrutivos do paciente e compreen_
tampouco fora, ela está no entre, na área da ilusão. Seria uma der que o que está sendo constituído é a qualidade da
boa interpretação aquela que o paciente sente que a criou, assim externalidade, do paciente abrir-se para o mundo. "A interpreta-
como para o bebê foi ele que criou o objeto que lá estava para ser ção verbal nesse ponto não é o aspecto essencial.... O aspecto
criado. Muitas experiências desse tipo possibilitam ao paciente essencial é n sobrevivência do analista,, (1969c, p. l2g).
desenvolver o sentimento de confiança tão necessário, possibili-
tando ao indivíduo transformar o não familiar em familiar.
A Tronra Do AMADLTRECTMENTo HuuaNo E os ,,Trpos
r Sobre este ponto, vale citar Safra (1999): "Ao tralar tla questão tlo estabelecimento do
DE PSICOTI]RA.I'IA,,
público e do privudo como senÍido de si mesmo, alirma clue a criação da singuhridade
de si no nuntlo com ouÍros e a critrção dos 'nuiÍos'em si no ccunpo da sirtgLtlaridade do
sel[. Unn vez que o self e,steja benx-cot'tstituído, en1 um rcgistro, a pessoa é única e
.tinguln4 enquanÍo, em outro, ela é muitos. Esses 'muitos' são seus ulcestrois, sua história
um trabalho clínico, que considere a teoria winnicottiana,
ttnr kxl.os tlue auúlirtram, conl sud.\ prusenÇ.ts otuois ou simhólicus, na constituiçtio de deve identificar em qual momento do «lesenvolvimento do indi-
.ri rrrr.rrrra " (p.145). víduo houve um obstáculo que impediu o seu desenvolvimento.
6B 69
Luzre.ur ZeccHÉ Avsr-r-Arr
.)ocaN»o NA ANÁLrsE rtr CnrarqÇas
Para prosseguiÍmos no propósito desse estudo, cabe escla- terno, "o setting da análise não é importante em comparação
recer o que são os processos de saúde e doença dentro da pers- com o trabalho interpretativo,,( 1955_6, p. ag6).
pectiva desse autor. A saúde é maturidade no tempo certu. É a Ao contriírio dos casos em que o ego do paciente ainda não
realizaçáo da tendência ao desenvolvimento - pode-se dizer que pode ser encarado como uma entidade estabelecida, o
analista
a saúde significa uma maturidade relativa à idade do indivíduo" deve se preocupar em preparar um setting que forneça
cuidados
(1967a, p.4) - tem relação direta com a provisão ambiental. suficientemente bons, ao modo daqueles oferecidos pela mãe
no il
A doença é a intemrpção do processo de amadurecimento início do desenvolvimento do bebê. Nestes casos, o analista faz
individual e se refere ao momento do desenvolvimento em que o t,
uma adaptação à necessidade do paciente de maneira que
ele,
disnírbio teve origem. Baseando-se nessas noções, Winnicott pro- gradualmente, perceba esses cuidados,,oé algo que I'
põe uma classificação básica dos distúrbios psíquicos, que se dis- fa7 nascer a
esperança de que o self verdadeiro possa
finalmente ser capaz
tancia da classificação feita pela psiquiatria tradicional. de assumir os riscos que o início tla experiência de viver impli_
Os distúrbios psicológicos são classificados por Winnicott ca" (op. cit. p. 486). para estes pacientes, Winnicott considera
de acordo com a imaturidade pessoal. Encontramos essa classifi- que o setting é mais importante do que o trabalho interpretativo,
cação em dois textos "Variedades clínicas da transferência" (1955- o que significa, a soma de todos os detalhes do manejo.a
6), e "Tipos de Psicoterapia" (1961a), Neles, são descritos três Esses indivíduos sofreram uma falha nos estágios iniciais
tipos de casos, assim como, o tipo de psicoterapia sugerido para do desenvolvimento infantil, farhas na construção de sua perso-
cada um deles. nalidade: "Os pacien.tes dessa categoria jamais
Nas psiconeuroses, ele inclui aqueles indivíduos que foram
suficien_ foram
temente saudáveis para tornarem-se psiconeuróticos,, (196la,
relativamente bem-cuidados durante os primeiros estágios, de tal p. 96). Não alcançaram uma organização de pessoa total neces_
forma que se encontram numa posição de desenvolvimento em sária para se relacionarem com pessoas totais. Estão em
busca de
que falham e às vezes conseguem ser bem-sucedidos diante das constituir uma totalidade.
dificuldades de uma vida plena, uma vida na qual o indivíduo A psicose está relacionada à farta de cuidados recebidos pelo
comanda os seus instintos e não é comandado por eles. São as bebê durante os estágios iniciais do desenvolvimento. para
variedades mais "normais" da depressão (l96la, p. 96). Winnicott, a psicose tem origem em uma falha da provisão
Nestes casos, pode-se falar de um psiquismo estruturado, ambiental que foi traumática para o bebê. No estágio da depen_
de uma personalidade integrada ou o que Winnicott chama de dência absoluta, o bebê não tem condições de se defender contra
pessoa total. O indivíduo já tem uma personalidade integrada
uma falha na provisão ambiental. Em um texto de 1963, ..0
que lhe permite relacionar-se com o ambiente externo. Segundo medo
do colapso", define a psicose como uma organizaçáo defensiva
a concepção de Winnicott, o indivíduo precisa ter saúde sufici-
contra uma agonia impensável. As agonias impensáveis são as
ente para ter uma neurose. Nesses casos, o tratamento sugerido é
agonias que não se pode nomear, que não têm registro na presen_
fornecer psicanálise em um contexto profissional de confiabi-
lidade ampla, de forma que o inconsciente possa se tornar cons- a Em unr texto de 1964:' A hnportiinci, do setting no Encontro c.m a
Regressão rta
ciente como resultado da transferência, como ensinou Freud. O Psicanálise, winnicott vorta a afirmar: "Em argtuts pacientes cont
unt certo tipo (re
diagnóstíco, tr provisiÍo e o mo,tuÍenÇã.o íro setÍit1g síto,tuis import(tnÍes
analista não precisa se preocupar com detalhes do cuidado ma- qrrc o rr.;boho
inÍ e rp re Íativ o" (p.'l 7 ).
70
71
Luzr,rNe ZaccuÉ Avurur
Jo<;,tNoo Ne AnÁrrsr os CtnuÇas
ça do outro e são vividas no absoluto. É o risco da não existên- tempo (l96la, p.97). Na base da tendência anti-social, estão o
cía. Winnicott fala do "cair para sempre, da perda dos limites do
abandono e a privação. O indivíduo reivindica aquilo que lhe
cotpo, do despedaÇar-se, é o medo da morte". Em termos da
foi dado e depois tirado pelo ambiente: "A privação e o sofri-
técnica, o analista "deve abrir caminho para que a agonia seia
mento que essa falha produz não estão disponíveis na consci-
experienciada na transferência, na reação às falhas e equívocos
ência, em vez de palavras, encontramos na clínica uma tendên-
do analista. Em doses que não sejam excessivas..." (p.73).
cia anti-social e que pode se cristalizar em delinqüências reci-
Nestas situações clínicas, há um momento de grande de-
diyas" (l96la, p.97).
pendência, e o paciente se encontra profundamente regredido. É
Na tendência anti-social, também houve uma falha
um momento de muita dor, pois ao contrário do bebô na situação
ambiental, assim como na psicose. Mas, nesse caso, o indivíduo
original, ele sabe dos riscos que está correndo. Este é um aspecto
se encontra "amadurecido" para perceber que houve a falha. Nesse
importante para se trabalhar a transferência, pois aqui se deve
tipo de paciente, o processo maturacional caminhou o suficiente,
permitir que o passado do paciente seia o presente, afirma
de maneira que o indivíduo teve condições de perceber as priva-
Winnicott. Isto é necessário para que o ego do paciente possa
ções como úaumáticas. O extremo mais grave da tendência anti-
recordar os fracassos originais.
social é a psicopatia.
O analista suficientemente bom prepara o setting para que
É Oiffcl determinar o padrão pessoal dos pacientes com ten-
o paciente possa recordar os fracassos originais e, desta ma-
dência anti-social. Eles podem ser normais, neuróticos ou até
neira, ter uma experiência de raiva; a experiência de ruptura
mesmo psicóticos, afirma Winnicott. Mas sempre que a esperan-
transforma-se na experiôncia de raiva. Para isso, o paciente
ça se acende, produzem um sintoma, forçando o ambiente a "de- ll
utiliza-se das falhas do analista, que acontecem porque não
volver aquilo que lhes foi subtraído". Ao invés de ações puniti-
se pode ter uma adaptação perfeita. Winnicott (1955-6) escla-
vas, deve-se proceder a uma pesquisa detalhada da história dos
rece que "o fracasso do analista está sendo utilizado e deve
sintomas anti-sociais daquele indivíduo para encontrar a chave e
ser tratado como Ltm fracasso passado, que o paciente pode
a solução. Nesses casos, o tipo de psicoterapia realizada asseme-
perceber e abranger, e com relação ao qual ele pode se zan'
lha-se com a amizade. A diferença é que o terapeuta está sendo
gar agora" (p. 481).0 analista se responsabiliza pelos seus
pago, só vê o paciente em horas marcadas e por um tempo deter-
erros, atribuindo-lhes um significado, de acordo com a histó-
minado. Os pacientes, quando muito comprometidos, pressio-
ria do paciente. Este aspecto tem relação com a resistência,
nam muito a integridade do terapeutâ, uma vez que necessitam
pois, sempre que há uma resistência no paciente, o analista
de contato humano e de sentimentos reais.
deve se interrogar sobre seus próprios erros, u-tilizando-os para
O trabalho clínico em uma perspectiva winnicottiana pafie
fazer suas intervenções, o que possibilita ao paciente se de-
sempre de um diagnóstico das necessidades do paciente. O diag-
frontar e reagir ao fracasso dos cuidados que, na situação ori-
nóstico possibilita um maior rigor das intervenções do analista,
ginal, provocaram ruptura.
incluindo a compreensão da história do indivíduo nos primeiros
Nos distúrbios denominados "tendência anti-socia1", in-
estágios de seu desenvolvimento. É com base na história dos es-
cluem-se os indivíduos que começaram bem, mas cujo ambien-
tágios iniciais que o analista identifica as necessidades do paci-
te falhou em algum ponto, durante um período prolongado de
ente e contempla o seu aparecimento no setting analítico.
72
73
I
I
t
LuzreNr ZaccuÉ Avnlul Joo,rNoo Na ArçÁrrss »n CnrarvÇ,q.s i
O tratamento visa remover o obstáculo ao desenvolvimento A seqüência normal do que se passava era a seguinte:
emocional do indivíduo, para que possa ser retomado a partir Estágio 1 - O período de hesitação. O bebê é atraído pela
daquela área em que ele estava estagnado. A psicoterapia visa a espátula, estende a mão para a espátula e, em seguida, percebe
remoção do obstáculo ao desenvolvimento psíquico: "As tendên- que a situação merece ser considerada. Instaura-se um dilema, o
cias de crescimento estão presentes o tempo todo, em toda e qual- momento é de expectativa e imobilidade. Nenhuma intervenção
quer pessoa, a não ser quando a desesperança (causada por fa- deve ocorrer nesse momento.
lha ambiental repetida) tenha conduzido a um isolamento Estdgio 2 - O bebê põe a espátula na boca e mastiga-a com
estruturado" (1961a, p. 100). as gengivas. Ao invés de expectativa e imobilidade, surge
O fato essencial pÍra o autor é basear o seu trabalho no di- autoconfiança acompanhada de livre movimentação corporal,
agnóstico preciso das necessidades do paciente: "Continuo a ela- relacionada à manipulação da espátula. O bebê está de posse da
borar um diagnóstico individual e outro social, e trabalho de espátula e parece sentir que ela está sob o seu domínio, à disposi-
acordo com o mesmo diagnóstico" (1962c, p. 15a). ção dos seus propósitos de auto-expressão.
No conjunto, essas descrições funcionam para orientar o es- Esdigio 3 - O bem deixa cair a espátula como que por engano.
tabelecimento do setting e a preparação do analistapara que pos- Se ela lhe é devolvida, diverte-se, livrando-se dela agressivamente.
sa oferecer os cuidados de que o paciente necessita, fornecendo a Em seguida, vai para o chão e diverte-se com outros objetos.
possibilidade de terem uma experiência total. No texto "Observa- Para Winnicott, o terapêutico desse trabalho está no fato de
ção de bebês em uma situação estabelecida" (1941), podemos o desenvolvimento completo de uma experiência ter sido permi-
depreender os princípios da técnica de análise de Winnicott. tido, com o mínimo de intemrpção possível e a evolução desse
jogo acontecer segundo o ritmo do paciente.
A analogia que se faz entte o "Jogo da Espátula" e a experi-
O .Joco DA ESPÁTULA,, CoMo PARADIGMA DA CLÍNICA ência em psicoterapia e psicanálise se deve ao fato de ambos
\TINNICOTTIANA: RITMO E TEMPORALIZAÇÃO DA SESSÃO acontecerem em um setting em que o paciente estabelece o seu
ritmo e a experiência que pode ter. Do seu lado, o analista verifi-
O Jogo da Espátula, descrito por Winnicott em um artigo ca até que ponto a análise que está conduzindo pode ser pensada
de 1941, apresenta sua experiência de observação de crianças nos mesmos termos da "situação estabelecida" descrita. A psica-
pequenas entre 5 e 13 meses, em sua clínica no Paddington Green nálise difere da situação descrita pelo fato "de o analista estar
Children's Hospital. Nesse artigo, já encontramos delineados os tateando, buscando seu caminho através da massa de material
princípios de sua clínica. que lhe é oferecida, tentando descobrir qual é o momento, a for-
Winnicott descreveu como as crianças se comportavam em ma e a maneira daquilo que ele tem a oferecer ao paciente e que
uma situação dada, que ele chamou de "situação estabelecida". ele chama de interpretaçdo" (1941, p.159).
A mãe, com o bebê em seus joelhos, sentava-se do lado oposto Na situação analítica, o paciente vai ao encontro de um novo
ao que Winnicott se encontrava. Na beirada da mesa, em ângulo objeto que supra suas necessidades psíquicas, para que ele possa
reto, estava um depressor de língua brilhante. O bebê inevitavel- resgatar aspectos do seuet (selfl que ainda não puderam evoluir.
mente era atraído pela espátula. Na situação com o analista, o paciente busca o desenvolvimento
74 75
Luzr,rNn ZeccHÉ Avsr.r-,,rn J<x;eNno N,q. ANÁr-rsr.: DB CRIÁNÇAS
de uma experiência completa, com um ritmo muito próprio. O Desenvolver uma experiência completa, sentir-se atraído
fenômeno de "criar" a espátula é semelhante ao estabelecimento pela espátula, apossar-se dela, jogar com ela e poder livrar-se t
do fenômeno da ilusão. São fenômenos que acontecem durante a dela sem alterar a estabilidade do meio ambiente, tem um grande
análise e ao longo da vida, quando uma nova dimensão de mun- valor terapêutico porque permite que a criança estabeleça a con-
do, um novo aspecto da realidade precisam ser encontrados e fiança nas pessoas e a crença de boas relações internas, constitu-
integrados ao self. indo uma lição de objeto.
M. Khan (1975), prefaciando o livro Da pediatria à psica- As mães sabem o valor de uma experiência completa, na
nólise, de Winnicott, diz que o período de hesitação favorece a medida em que evitam a intemrpção do sono, da mamada ou da
emergência de um gesto criativo, além de introduzir uma novi- brincadeira do seu bebê. As muitas experiências desse tipo têm
dade na maneira de se conceber a resistência do paciente. Aquilo valor cumulativo para o estabelecimento da saúde psíquica do bebê.
que é deÍinido classicamente como resistência, pode ser definido Para Safra (1995), na clínica,
em termos da busca do paciente por uma intimidade com a situ-
ação analítica, para que possa dar sua contribuição verbal ou o conceito de lição de objeto tem implícito a idéia de
gestual e posteriormente viver com o analista uma experiência que o paciente tem um conhecimento inconsciente de
1i
completa juntos. experiências que necessitam ser encontradas para que
Quando o analista leva em conta a fase da hesitação, abre- ele possa trazer à tona aqueles aspectos de sua perso- I
se a possibilidade do estabelecimento de tm setting confiável, a nalidade que necessitam ser integrados. Assim, o paci-
fase da hesitação é o momento em que se gera a ârea de ilusão ente usa o analista, inclusive seus erros, para represen-
que possibilita o brincar na situação analítica. Esta idéia se rela- tar uma relação conflitante com o objeto e elaborá-la
ciona com o conceito de apresentação de objeto. Se o analista na relação transferencial. (p. 135) ii
I
consegue fazer uma adaptação às necessidades de seu paciente, I
ele saberá a forma e o tempo em que deve fazer as suas interven- O analista deve conduzir a situação de análise de maneira I
ções. Em respeito àhesitação, o analista preocupa-se em não ser que se aproxime do "Jogo da Espátulao'. Assim, em cada ses-
são, abre-se a possibilidade de se jogar o "Jogo da Espátula".
I
78
LrrzraNn Z rrccu Í: Avt':Lurn Joc;,lN»o Ne ANÁr-rss oe Cur,qltÇ,ls
seu processo de desenvolvimento, sempre está em busca do ob- analítica a possibilidade de pôr em marcha o seu processo de
jeto subjetivo. Trata-se de uma concepção de transferência que desenvolvimento- Desde o primeiro encontro, o analista precisa
se baseia não só no acontecido que pode ser repetido, mas tam- diagnosticar qual é a necessidade psíquica do paciente para não
bém no não acontecido que busca realização. No artigo de 1963, repetir a falha ambiental no setting da análise.
"O medo do colapso", Winnicott afirma que: Winnicott (1955-6) afirma que, quando o desenvolvimento
primitivo falha, o que o analista pode fazer éoferecer ao paciente
O paciente precisa "lembrar" isto, mas não é possível a oportunidade de reparar esta falha. No caso dos pacientes neu-
lembrar algo que ainda não aconteceu, e esta coisa do róticos, pode-se manter a técnica clássica. Mas, para aqueles paci_
passado não aconteceu ainda, porque o paciente não entes que não tiveram "cuidados maternos suficientemente bons',
estava lá para que ela lhe acontecesse. A única manei- em sua história inicial, deve, o analista, adaptar-se às necessida_
ra de "lembrar", neste caso, é o paciente experienciar des específicas do paciente, fornecendo aquilo que faltou. De
esta coisa passada pela primeira vez no presente, ou maneira que o paciente reconstrói sua história psíquica usando o
seja, na transferência. (p.74) setting preparado pelo analista. É um processo que possibilita o
indivíduo recuperar sua criatividade constituindo aspecto s do self.
A transferência só deve ser trabalhada no espaço potencial. Os elementos que estão presentes na mãe devotada que aguarda
Antes de se fazer qualquer intervenção, deve-se auxiliar o paci- um gesto criativo em seu bebê devem estar presentes na sessão.
ente na criação do espaço potencial, pois é nele que ocoÍre a Esta característica retira qualquer possibilidade de haver algo
comunicação transformadora. A intervenção que ocolre fora desta semelhante a um planejamento técnico, pois todo o processo é
área é doutrinação e produz a submissão do paciente. Para Green pautado na espera do analista, sustentando a situação no tempo
(1988), "a comLtnicação entre o analisando e o analista é um para que o paciente possa fazer um gesto necessário em direção
objeto constituído de duas partes" (p. 291). E este se localiza ao objeto de sua necessidade: "É preciso esperar para que o ges_
numa área de superposição demarcada pelo contexto analítico. to criador possa emergir promovendo o acontecer do self, (Sa_
A primeira intervenção é capacitar o paciente a brincar. O fra, 1999a).
paciente fazum movimento para buscar o analista. Do seu lado,
Quando a mãe teve uma adaptação falha, o bebê é forçado a
o analista faz um movimento de deixar-se encontrar a partir da desenvolver umfalso self, que oculta as falhas de adaptação da
sua subjetividade. Em termos da transferência, significa que o mãe. Na situação analítica, o paciente regride aos estágios inici-
analista e o paciente estão sendo "criados" e "descobertos" mú- ais de seu desenvolvimento. o analista reconhece as necessida-
tua e reciprocamente. Trata-se de mutualidade e reciprocidade des apresentadas e acompanha o paciente, colocando-se no lugar
no espaço analítico. Muitas vezes isso implica uma comunicação das funções que não foram constituídas. Esse trabalho é fundado
sem palavras. O passo seguinte da análise é a destruição do ana- na crença de que o indivíduo está em busca de completar o seu
lista como objeto subjetivo. Neste contexto, o analista precisa desenvolvimento, desde que condições adequadas sejam
sobreviver: o que significa não retaliar. fornecidas.
A análise se funda no objeto de necessidade do paciente, Assim como a mãe suficientemente boa falha, o analista tam_
"necessidade de vir a ser", necessidade de encontrar na situação bém o faz, e nisto reside a possibilidade de o paciente reagir ao
82
B3
Llzt..t.n tt Za<;cl tti Avt':t,t.,q.l Joc;,,rNoo Na AruÁusE »ti CrulNç,rs
eÍro ou à falha de adaptação. Há um paradoxo: o paciente está publicação dos trabalhos de Paula Heimann ( 1950) e H. Racker
reagindo a uma falha de adaptação do ambiente nos estágios
ini- (1968). Esses autores passam a compreender a contratransferência
ciais, e está reagindo a uma falha real do analista' A intervenção como um instrumento sensível para auxiliar no progresso do tra-
adequada se dá quando o analista reconhece que falhou
e com- balho analítico e para ajudar no estabelecimento do enquadre.
preende a reação do paciente, sem intetpretá-la como um ataque' A contratransferência permite que a relação analítica se
estruture de maneira particular, com papéis definidos: o de ana-
Nesse trabalho, é mais certo dizer que o presente volta lista e o de paciente. Cabe ao analista manter um equilíbrio mai-
parct o passatlo' e é o passado' Desse modo' o analista or, permanecendo dentro dos parâmetros profissionais. Neste sen-
é conJrontado com o processo primário do paciente no tido, vale destacar a necessidade de ter um conhecimento acerca
setting dentro do qual este último foi originalmente va- de seus próprios sentimentos (dado por sua análise pessoal) para
lidado. (Winnicott, 1955-6, P' a86) que possa compreender aspectos psíquicos importantes de seu
paciente, intervindo na forma e no tempo adequados.
Este não é um trabalho fácil, o analista precisa ter muita Os processos que ocorrem no interjogo da transferência e
sensibilidade para compreender as necessidades do paciente contratransferência pennitem uma visão ampliada do que se pas-
e
que sa no setting, dando condições ao analista de captar, de maneira
oferecer um setting adequado. Ao mesmo tempo, sempre
surgir a resistência, deve interrogar-se sobre seus eÍros' que sem- mais sensível, as necessidades psíquicas do paciente. Esta visão
pre existirão. mais ampliada da relação analítica permite ao analista utilizar
seus conhecimentos e sua intuição na compreensão do conteúdo,
da forma e do momento de fazer suas intervenções.
Safra ( 1999) auxilia-nos a compreender a utilização da intui- te trabalho me permito ser espontâneo e impulsivo,, (p. 169),
ção pelo analista no contato com o paciente, afirmando que não afirma Winnicott em um de seus relatos do Jogo de Rabiscos.
se trata de algo enigmático, que dependeria de um estado de gra- Acreditamos que estas concepções diferenciam a análise
ça, ou da apreensão de um conhecimento sem intermediação. winnicottiana das de Freud e Krein, que consideram o analista
Trata-se da capacidade de uma pessoa apreender e compreender como objeto de deslocamentos e projeções.
os símbolos de self, símbolos-estéticos que se organizam na os processos da transf'erência e contratransferência, possi-
sensorialidade, por meio de processos identificatórios. É a possi- bilitam a constituição do espaço potenciar. o trabalho analítico
bilidade de se fazer uma leitura a partir da corporeidade da pes- está inserido no espaço compartilhado de jogo. para winnicott
soa e, desta forma, apreende os símbolos do self. O que é chama- (197r), a psicoterapia se realiza na intersecção das duas
áreas do
do de intuição e de apreensão não sensorial é, para o autor, uma brincar, a do analista e a do paciente.
leitura estética da maneira como a pessoa se aloja no corpo. Na A constituição do espaço potencial na análise permite que o
sessão, o analista é afetado pela maneira de o paciente se organi- paciente crie o objeto de sua necessidade. André
Green (lbgg)
zaÍ no tempo, no espaço e pelos seus movimentos corporais no contribui com esta questão afirmando que a comunicação entre
o
setting. Mesmo quando o analista não tem a consciência destes analisando e o analista é um objeto constituído de duas partes
eé
fenômenos, lê esteticamente as situações criadas pelo paciente a fundado na possibilidade de se criar um objeto analítico, que,
partir do próprio corpo. São aspectos que nos auxiliam a com- segundo ele, não é nem interno (para o analisando ou para
o ana_
preender a contratransferência no processo analítico, dentro des- lista), nem externo (para um ou outro), mas está situado entre
os
ta perspectiva. dois. Afirma ainda que o discurso analítico é a relaçãoentre
dois
Em 1947, Winnicott dá sua contribuição a esta questão com discursos que não pertencem nem ao campo do real nem ao
ima_
o texto "O ódio na contratransferência", ao afirmar qu,e "o ana- ginário, o que ele chama de relacionamento potencial.
lista por mais que ame seus pacientes, ele não pode evitar odiá- Quando WinnicottTbga o Jogo de Rabiscos com as crianças,
los e temê-los e, quanto melhor souber disto, menos o ódio e o indica um caminho para se compreender a intervenção na análise,
temor determinarão suas ações sobre os pacientes" (p.342).Com na medida em que o significado é criado pelo par analítico.
Não é
este texto, ele abre a possibilidade de haver um debate mais fran- correto pensar em intelpretação que decifra significados, porque
o
co dentro da psicanálise sobre os sentimentos do analista no con- significado é criado na situação analítica _ nojogo, que, após
inici_
texto terapêutico. Mas sua contribuição não se restringe a este ado deve ser sustentado, sem ter o domínio daquele que
conduz a
aspecto, pois, nas Consultas terapêuticas, apresenta-se como um sessão, a condição de igualdade é fundamental. A intervenção visa
analista que participa com sua própria história pessoal, aspecto facilitar o brincar e criar significados pela dupla.
que favorece a constituição do espaço potencial; neste trabalho,
podemos dizer que analista e paciente jogam juntos, "ambos ten-
do a oportunidade para ser criativo" (p. 198). Dessa forma, a Srtrrwc
condição de neutralidade do analista fica impedida. O analista
entra no processo como pessoa e se vê às voltas com as tarefas de Durante muito tempo, predominou na psicanálise a idéia
de
cuidar, preocupar-se e estar presente atenta e sensivelmente. "Ne,s- um sefiing muito rígido. A sessão analítica era comparável a
um
B6
8f
Luzr,rNl Z,tccuÉ AwLt-,cR Joo,r.Noo Na ANÁlrsB ou CRrINçes
transcorra no modo e no ritmo do paciente, sem nenhuma altera- sidades do paciente (que são singulares) e de sua história pes-
ção do mesmo, sempre que for possível. soal e social.
O manejo possibilita ao analista fornecer as condições ne-
O princípio básico é o fornecimento de um setting hu- cess:árias paÍa a constituição do seff'verdadeiro do paciente. Com
mano e, embora o terapeuta.fique livre para ser ele pró- alguns pacientes, "aqueles que ainda não ating,iram em seu de-
prio, que ele não distorça o curso dos acontecimentos senvolvimento um sentido de unidade, o trabalho analítico co-
porfazer coisas por causa de sua própria ctnsiedade ou mum deve ficar em suspenso, dando ênfase apenas ao manejo",
culpa, ou sua própria necessidade de fazer sucesso. O afirma Winnicott (1954, p. 460). As principais funções que o
piquenique é do paciente, e até mesmo o tempo que faz analista deve fornecer ao seu paciente pelo manejo sáo o holding,
é do paciente. (Winnicott, 1965b, p.247) a manipulação (handling) e a apresentação de objeto.
No início do processo do desenvolvimento psíquico, o indi-
O piquenique é do paciente e o analista deve poder ajudar víduo está em uma situação de dependência absoluta. Em uma
para que as coisas coÍram bem. O analista não deve se preocupar situação de regressão, esta dependência se manifesta em relação
em dar mostras de sua habilidade técnica, uma vez que não há à figura do analista. Nessas situações, o manejo é fundamental.
técnica preconcebida. Toda técnica da qual o analista precisa lan- A técnica analítica, que era descrita em termos de interpretação,
precisa ser modificada, no sentido de incluir a possibilidade do
çar mão decorre do seu contato humano com o paciente durante
a sessão. O ser humano precisa acontecer na presença do outro. manejo de situações regressivas no setting analítico.
Esse encontro deve abrir a possibilidade de o paciente encontrar Massud Khan, no já citado prefácio do livro de Winnicott
significados próprios para sua existência. O analista precisa re- Da pediatria à psicanálise, deftne o manejo:
conhecer, nos desejos de seus pacientes, necessidades e fornecer
cuidados. O manejo é, na verdade, o provimento daquela adapta-
Em O brincar e a realidade, de 1971, Winnicott enfatizaa ção ambiental, na situnção clínica e fora dela, que fal-
capacidade de brincar do analista, que sustenta o enquadre. O tou ao paciente no seu processo de desenvolvimento e
analista trabalha na área da transicionalidade, mesmo que seu sem o qual tudo o que ele pode fazer é existir pela ex-
paciente ainda não tenha constituído o objeto subjetivo. A análi- ploração reativa de mecanismos de defesa, assim como
se só tem início quando se cria o espaço potencial no enquadre pelo seu potencial do id. Só quando o maneio.foi eficaz
analítico. O analista deve capacitar o paciente para brincar. para o paciente é que o trabalho interpretativo pode
ter valor clínico. O manejo e o trabalho interpretativo
muitas vezes caminham lado a lado, apoiando-se mu-
tuamente, um facilitando a ação do outro na experiên-
Me.xsJo
cia de vida total do paciente. (p. 28)
O manejo é uma forma especializada de cuidar; são inter-
As principais características do manejo são: criar um setting
venções realizadas no setting objetivando promover o progres-
protegido de invasões; propiciar ao paciente aquilo de que neces-
so psíquico do paciente, intervenções feitas a partir das neces-
91
Lt rzr,qNR Za.ccuÉ Avr.:r.r.an
Jocarv»o Na ANÁrrsr on CnuNças
sita: ausência de intrusão pela interpretação, presença corporal sobre o peito. E o paciente disselhe: ,,se você começar a inter_
sensível; permitir que o paciente se movimente livremente pelo pretar esse tipo de coisas, vou ter de transferir esse tipo de ativi-
consultório e faça o que sentir necessidade; e, pelo manejo, propi- dade para outra coisa que não apareça,, (p.163). Winnicott en-
ciar aspectos de cuidado que o ambiente familiar e social não tendeu que só caberia a ele interpretar se o paciente verbalizasse
proporcionariam. sua comunicação. Prossegue: "naforma mais simples, o analis_
Com alguns pacientes, aqueles que sofreram falhas nos es- ta devolve ao paciente o que este comunicou. Muitas vezes, a
tágios iniciais do desenvolvimento, o manejo é mais importante comunicação se dá no silêncio da sessão (...) O propósito da
do que o trabalho interpretativo, o analista fornece adaptação interpretação deve incluir um sentimento que o analista tem de
ambiental sensível e adequada às necessidades do paciente. Como que foi feita uma comunicação, que precisa ser reconhecida
conseqüência, hâ a possibilidade de um trabalho interpretativo (p.164), e que o analista está tentando alcançar corretamente o
bem-sucedido. Manejo e interpretação podem ser complementa- sentido daquilo que foi comunicado.
res no trabalho analítico. O enunciado é simples; se for seguido, evita-se ocorrer o
I
erro de se dar maior importância à urgência do analista de inter-
pretar do que aceitar uma comunicação feita pelo paciente ain_
INrenrnrreçÀo da que seja uma comunicação silenciosa; para entendermos esta
idéia, é importante compreendermos que para Winnic ott(1963a,
Winnicott foi um autor constantemente comprometido p. 169), cada indivíduo se constitui como um isolado, como
com a reavaliação dos princípios básicos da técnica psicanalí- conseqüência, pode não se comunicar, devendo ser respeitado.
tica, assim como dos diversos elementos abordados pela téc- Quando a criança está estabelecendo um eu privado que não se
nica clássica. comunica, e ao mesmo tempo querendo se comunicar e ser en_
No texto de 1968, "A interpretação em psicanálise", contrada. (...) é uma alegria estar escondido mas um desastre
Winnicott afirma que o termo "interpretação" implica a utlliza- não ser achado.
ção de palavras e retoma a regra básica de maneira simplificada: A questão principal é compreender qual é a comunicação es_
os pacientes devem dizer tudo que lhes vem à mente. E reconhe- sencial que o paciente está fazendo naquele momento da sessão e
ce que grande parte da comunicação entÍe paciente e analista não devolvê-la de uma maneira que ele possa ouvir e reconhecer.
rtl
é verbalizada. A comunicação essencial se dá no espaço potencial porque
Em seguida, afirma que os analistas se descobriram inter- é aí que o indivíduo busca aquilo que atende às suas necessida_
il
pretando silêncios e movimentos, um grande número de detalhes des desenvolvimentais. E o analista proporciona o ambiente ne_ lrr
l'
comportamentais que se achavam fora do domínio da cessário paÍa que esta comunicação aconteça. A confiabilidade é
lr
verbalização. Quando isso funciona, diz Winnicott, há vantagens condição para esse tipo de trabalho. i,r
óbvias, pelo fato de o paciente não se sentir perseguido pelos A interpretação pode ser transicional e deve ser construída x
olhos do observador. pelo par analista-analisando. Ela flui de um para outro, ela não
Relata uma situação que interpretou o movimento dos de- está dentro, nem tampouco fora, ela está no entre, na área da
dos de um paciente, enquanto suas mãos repousavam entrelaçadas ilusão. É uma boa interpretação, a que o paciente sente que criou.
92 93
Luzaue ZACCHÉ AvELrÁR
JoceNoo N,r ANÁrrse oe CnrANÇ,A.s
Muitas experiências desse tipo possibilitam ao paciente desen- É fundamental pensar qual é o tempo de se oferecer a inter-
volver o sentimento de confiança tão necessário' pretâção ao paciente e o estilo que o analista utiliza para formu-
Winnicott (1911) diz que: lar a interpretação. Nem sempre o paciente está pronto para rece-
ber a interpretação no tempo e na forma que o analista oferece. 0
interpretação fora do amadurecimento do material é conceito de apresentação de objeto define que o tempo e a forma
rloutrinação e produz submissão' A resistência surge de se oferecer a intervenção ao paciente estejam subordinados às
da interpretação dada fora da área da superposição do suas necessidades psíquicas.
brincar em comum com o paciente e analista' Interpre- A apresentação de objeto articula-se com o tempo de uma
tar quanclo o paciente não tem capacidade para brin' subjetividade, e a intervenção analítica precisa ser coerente corn
car; simplesmente causa coffisão' (p' 76) esse tempo. A intervenção deve ser dada no momento em que o
paciente pode se apropriar dela e na forma adequada para aquele
A interpretação fornecida dentro do espaço potencial é pas- paciente, por isso muitas vezes a interpretação verbal não é o
sível de simbolização. É muito imporlante nesse processo a ca- aspecto essencial. Safra (1995) afirma que as intervenções de-
pacidade do analista de fornecer o holding ao paciente' Essa ca- vem acontecer no momento em que há a possibilidade do encon-
pacidade reflete na forma como se oferece a interpretação ao pa- tro da necessidade com o objeto procurado.
ciente, no tom de voz, no gesto, no silêncio etc' Em alguns casos' Assim como a mãe que está adaptada adequadamente às
ao oferecer a interpretação, o analista se põe no lugar da mãe necessidades de seu bebê e coloca o objeto no Iugar da necessi-
suficientemente boa que apresenta o seio para ser criado e
não dade do bebê, também o analista precisa tazer esse movimento,
reverenciado. por estar sempre diante de angústias que o paciente não pôde
O analista cuida para que possa surgir a comunicação do elaborar durante o seu desenvolvimento. Essa é arazão que jus-
pa-
paciente. Ele sabe, por meio do diagnóstico, aquilo de que o tifica a necessidade da intervenção analítica ir ao encontro da
ciente precisa, sabe qual foi a falha ambiental que necessita
ser necessidade do paciente.
suprir essas necessi- Um outro aspecto que está em jogo
suprida. E, tão logo quanto possível, busca é a confiabilidade. Quan-
Winnicott examina uma fase de silêncio ou uma sessão silencio- Ao cuidar do bebê, a mãe precisa reconhecer que nele há
sa do paciente e afirma que o silêncio muitas vezes está represen- um ritmo próprio, que é marca de uma singularidade. A mãe tam-
tando uma conquista de desenvolvimento do indivíduo, a con- bém possui o seu próprio ritmo - os batimentos cardíacos e a
quista dtt c'apucidade de estar só. freqüência respiratória, são desde muito cedo reconhecidos pelo
Khan (1963) discute a função comunicativa do silêncio em bebê, como ritmos tranqüilizadores.
um relato clínico de um paciente adolescente. No relato, Khan No início, para o bebê, o tempo é marcado pelo interjogo de
demonstra que a Íünção do silêncio era comunicar, por meio da seu ritmo com o da mãe. Quando esta é capaz de se adaptar ao
transf'erência e do processo analítico, um relacionamento que o ritmo do seu filho, hír urna dança, a mutualidade e a constituição
paciente tivera conr a rnãe no início de seu desenvolvimento, tendo de um tempo subjetivo pennitindo ao bebê a experiência de con-
dado origem à difusão de identidade. Na sessão, o paciente apre- tinuidade.
sentava negativismo e apatia, que, ao longo do trabalho, fbram O interjogo da presença e ausência materna é dado pela
diagnosticados como um pedido de socorro; o "idioma principal sensorialidade, pelo encontro do corpo da mãe com o corpo da
do pttciente paro comunicar-se erer o silêncio". A partir desta criança de maneira que esses registros sensoriais funcionem como
compreensão, o silêncio deixou de ser interpretado exclusiva- repertório mnêmico dos períodos de ausência. E é na conjugação
mente como resistôncia, mas como uma forma de comunicação. da ausência e presença da mãe, que vai haver uma organização
Safra ( 1995) entende os atos dos pacientes nas sessões como temporal que é a do tempo no encontro com o outro.
crtcts simboli«tdores, que modificam a forma de o paciente se Safra (1999) afirma que dif'erentes vivências temporais se
ver, de ver o mundo e suas relações objetais. O importante nesse organizam ao longo do processo maturacional. O tempo subjeti-
caso é que o ato seja reconhecido por um outro como um gesto yo se constitui a partir do ritmo singular do bebê , Íaz parte do
constitutivo, um gesto criador. O autor chama atenção para que o seu sef e possibilita a vivência de duração de si mesmo e de sua
analista esteja atento aos movirnentos do paciente na sessão, que existência.
presentificam nec'e ssidcrdes tlo sell am tlevir, qte apresentam uma Uma outra vivência de tempo experienciada pelo bebê é
parte cle sLra história. São atos que buscanr sentido, sentido hu- quando este já desenvolveu o não-eu, - é o tempo comportilhado
mano, que não se constitui quando o analista os entende como - que se constitui no interjogo das presenças e ausências da mãe;
resistência. sendo que, a ausência, não pode ultrapassar o que é possível de
ser tolerado pelo bebê. Estas vivências dão acesso à possibilida-
de de o tempo ser vivido como passagens ou como rupturas no
O unNqo I)o lnNro self. As rupturas colocam o indivíduo diante das angústias
impensáveis. Só mais tarde, em algum momento do processo
Para se pensar o manejo do tempo nessâ perspectiva é pre- maturacional, a criança tem a vivência do tempo convencionado
ciso entender o sef como um processo que se dá no tempo, por- e a organização do seu tempo conforme parâmetros estabeleci-
tanto, sempre existirão aspectos aguardando serem constituídos dos pela cultura.
em presença de um outro. A metáfbra da relação mãe-bebê nos Há ainda um outro sentido de tempo, descrito pelo autor, o
a.iuda a pensar esta questão no trabalho analítico. tempo transicionaL Se as ausências maternas acontecem den-
9il L)L)
À
l,rizranr Zl«;r rr Avr,r.r.,r.H
.for;,rN»o N,r ANÁr.rsu nn CtraNc,rs
tro do que é possível para a criança tolerar e se a criança consti- atrasa, adequando o tempo ao sell ritmo ou pode ser pouco e o
tui de maneira satisfatória o tempo subjetivo, ela passa a preen- paciente fica mais tempo. Ele usa o tempo conforme o seu ritmo,
cher os períodos de ausência usando sua imaginação. Esta é uma e é importante o analistzt pocler compreender dessa forma.
maneira criada pelo bebê para tolerar as alternâncias de presen- O "Jogo da Espírtula" é um paradigma para pensarmos o
ças e ausências maternas. O acesso ao tempo transicional permi- ritmo e a temporalizaçiro da sessão e da organização do processo
te à criança usar os diferentes sentidos de tempo, pois a vivência analítico como um todo, é algo que tem um começo, um desen-
clo tempo é colocada sob o domínio de sua criatividade sem que volvimento e um f im. Safia ( 1999b) afirma que este é o paradigma
ela perca o sentido de continuidade de ser da existência humana! O nascimento, o acontecer e a morte. Na
O "tempo ders potencictlidades é uma concepção impor- sessão. temos os três momentos, como no jogo: a hesitação, o
tante para o trabalho analítico pois assinala o porvir do self, "mes- desenvolvimento e o período Ce finalização. O período de hesi-
mo quando o self aconteceu scttis.fatoriamente, sempre have- tação requer muito poucâs intervenções ou interpretações, per-
rtÍ elementos e características que e,starão à espera de reali- mitindo que o paciente organize e comunique a questão humana
z.ação no encontro com o outro" (Safra, 1999, p. 64). que ele irá trabalhar na sessão. A sessão caminha para um mo
Estas concepções de tempo irão nortear a duração da sessão mento que a questão comunicada pelo paciente fique evidente
analítica e do processo analítico. O analista precisa compreender para o par analítico. Há um período em que o analista faz suas
o ritmo de seu paciente e conjugá-lo com o seu próprio ritmo, intervenções e, enfim, a sessão caminha para a finalização, quan-
para que haja a mutualidade, e para possibilitar a emergência e a do o paciente já não precisa mais do analista naquela hora e a
constituição dessas dif'erentes concepções de tempo na análise. sessão termina. Estes momentos precisam ser observados na aná-
A mutiralidade é fundamental para que possa acontecer Llma "dan- lise como um todo, de maneira que o final da análise se configura
ça" na sessão, que parte do reconhecimento do ritmo do paciente desde a primeira sessão. O final de um processo de análise rela-
pelo analista, e do reconhecimento do momento adequado para ciona-se com o 'Jogar a espátula", com a aceitação da mofte do
se fazer as intervenções necessárias ao processo. analista e da própria morte como parte do processo maturacional.
Algumas situações de impasse no processo de análise são Vale lembrar que estes aspectos precisam ter sido constitu-
geradas pelo fato do analista fornecer uma interpretação em um ídos na análise do analista para que ele possa permitir ser destruído
momento que o paciente não pode se beneficiar dela. A freqüên- pelo paciente e não prolongar o processo de análise que está con-
cia das interpretações e o tempo de duração da sessão devem ser duzindo por mais tempo do que o necessário. O manejo do tem-
pensados a partir do ritmo do paciente. po da sessão tem relação direta com o manejo da transferência.
Quando Winnicott (1941) faz o paralelo entre o "Jogo da Se o analista finaliza a sessão de acordo com o tempo convenci-
Espátula" e a situação analítica, diz que o importante é permitir à onal, ele coloca o paciente em uma situação transferencial, de
criança uma experiência completa. Ora, se pensarmos o mesmo maneira que o paciente irá precisar do analista durante o interva-
paÍa a situação analítica, não temos como prever quanto tempo o lo de tempo até a próxima sessão. O analista torna-se excessiva-
paciente precisa para ter uma experiência completa ali na sessão. mente necessário para o paciente, configurando-se com freqüên-
Portanto, os 45 ou 50 minutos podem não corresponder àquilo de cia uma dificuldade na finalização da análise. Ao contrário, se a
que o paciente necessita. Pode ser tempo demais, e o paciente se finalização da sessão se dá no momento que o paciente finaliza o
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