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A interpretação transferencial – Schimitt

Relato de caso

“Espíritos infernais” e “astutos


encantamentos” em psicoterapia de
orientação psicanalítica: a interpretação
transferencial*

Regina Lopes Schimitt**

INTRODUÇÃO: COMENTÁRIOS A RESPEITO At é se ap erc eb er da d ime ns ão


DO CONCEITO DE TRANSFERÊNCIA comunicativa da transferência, Freud a encarou
puramente como expressão da resistência,
Nos dias de hoje, é quase inconcebível um a ten dê nci a a repe ti r p ad rõe s de
redigir um texto sobre técnica psicanalítica sem relacionamento que as pessoas traziam para
le va r e m c on sid era çã o o c onc eit o de dentro da relação terapêutica, a fim de impedir
transferência, fundamental, até mesmo, para o acesso ao material mais profundamente
descrever o processo psicanalítico. Constitui reprimido.
uma das principais descobertas de Freud e Ao descobrir, num giro lógico genial, que
está para a técnica como o conceito de onde estavam as dificuldades também residiam
inconsciente está para a teoria. as m aio res p oss ib ili da des , F re ud pô de
Apesar disso, o conceito de transferência co mp ree nde r, de fo rm a m ai s a mpl a, o
não estava estabelecido desde o início da funcionamento do inconsciente. Compreendeu,
psicanálise. Freud detectava a presença do também, que as enfermidades não dizem
fenômeno, mas as metáforas utilizadas por ele respeito a acontecimentos de um passado
de nu nci av am a eno rm e d ificu ld ade q ue mo rt o e e nt errad o, ma s que e ss es
encontrava em lidar com isso. A transferência acontecimentos do passado são trazidos para
era “o inimigo”, “a força explosiva”, “o espírito dentro do campo terapêutico com força atual e
dos infernos”, algo que provocava susto e vivenciados pelo paciente como algo real e
precisava ser combatido como obstáculo ao contemporâneo 1 . Descobriu que o paciente
trabalho. atua naquilo que está esquecido e reprimido e
que, por não conseguir recordar, repete sem
compreender o significado de sua ação 2.
* Referência utilizada por Freud na obra Observações sobre o amor
transferencial (1915). O de sdo bram ent o nat ural de ss as
** Psicóloga, especialista em Psicoterapia de Orientação Analítica pelo observações foi o estabelecimento do conceito
Centro de Estudos Luís Guedes, Porto Alegre, RS. de t ran sf erê nc ia, c uja s olu çã o F re ud

Recebido em 16/11/2004. Revisado em 19/11/2004. Aceito em 14/02/2005. 211

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considerava uma das principais tarefas do A i nterpret ação é o mais imp orta nte
tratamento 3. Mais ainda, Freud descobriu que, recurso técnico do psicoterapeuta. Muitos
apesar de o fenômeno ser verificado em todas autores consideram que todas as outras formas
as relações, a natureza da transferência na de intervenção estão subordinadas a ela.
psicanálise, pela forma como o analista conduz Jam es St rach ey 6 a pon ta a in terpre taç ão
o trabalho, não encontra paralelos em nenhuma transferencial como a única capaz de produzir
outra situação: efeito de mudança psíquica. As interpretações
mutativas são, portanto, aquelas que incidem
“É tão desastroso para a análise que o so bre o ma te ria l q ue di z res pei to à
anseio da paciente por amar seja satisfeito transferência.
quanto que seja reprimido. O caminho que o Porém, assim como a interpretação pode
analista deve seguir não é nenhum desses, é promover mudança se os conteúdos trazidos
um caminho para o qual não existe modelo na pelo paciente são sentidos pelo terapeuta como
vida real.” 4 perigos, é principalmente nas interpretações
que sua ansiedade irá se revelar. De acordo
Ou seja, a transferência é produto da com Grinberg 5, a psicopatologia do terapeuta
compulsão à repetição e tende a se manifestar pode levá-lo a fazer interpretações prematuras
em qualquer relação. O que faz a diferença em para proteger-se dos conteúdos dolorosos do
psicanálise é a posição do psicanalista frente a pa ci ent e. A int erpre ta ção im ed iat a da
isso. É a técnica psicanalítica que faz dessa transferência pode revelar falta de continência.
uma relação sem paralelos, que institui uma Nessa situação, a interpretação transferencial
assimetria que não se verifica em outras pode revelar uma “falta de disponibilidade para
relações. pe ne tra r nos n íve is ma is prof und os e
Hoje, a transferência não é mais regressivos da transferência” (p. 20), tanto
considerada um obstáculo ao tratamento como a atitude de nunca interpretá-la, podendo
psicanalítico, mas os psicanalistas, no melhor constituir-se, assim, em uma faca de dois
dos casos, ainda admitem o temor que ela gumes, que tanto pode possibilitar ao paciente
provoca. Apesar de estar no centro do trabalho emergir de sua psicopatologia como, se mal
terapêutico, a transferência, quer se reconheça, empregada, acrescentar a este o fardo da
quer não, continua a ser um “espírito infernal” na psicopatologia do terapeuta.
relação terapeuta-paciente. Soma-se a esse cuidado, em psicoterapia
Leon Grinberg explica que isso acontece de orientação psicanalítica, o fato de que esta,
porque o adequado manejo da transferência de a co rdo c om Ma bi ld e 7 , te m obj et iv os
exige do terapeuta uma capacidade para se diferentes dos da psicanálise. Para esse autor,
deixar invadir pelas projeções dos pacientes, e a psicanálise visa à elaboração do conflito
não apenas ser continente, mas “despi-los de infantil, primitivo, mediante o estabelecimento
seus elementos patogênicos e devolvê-los, no da neurose de transferência pela via da
tempo adequado, por meio de interpretações interpretação transferencial sistemática. A
apropriadas”5 . psicoterapia de orientação psicanalítica não
busca mudar a estrutura caracterológica do
O USO DA INTERPRETAÇÃO paciente, mas tratar o conflito atual.
TRANSFERENCIAL EM PSICOTERAPIA DE Os a ju ste s téc ni co s e fe tua do s no
ORIENTAÇÃO PSICANALÍTICA referencial psicanalítico, que é a base teórica
da psicoterapia de orientação psicanalítica,
Como Freud mesmo assinalou, criar toda re pe rcu tem n a t ra nsf erênc ia. C onf orme
uma situação propícia ao estabelecimento da Ma bi lde , em ps ic aná li se há , no
transferência e não trabalhar com ela seria o de se nvo lv ime nt o d a tra ns ferên cia , um
eq ui val en te a ev oca r esp írito s in ferna is predomínio do processo primário. O grau de
mediante astutos encantamentos e despachá- regressão é, portanto, muito maior do que em
lo s s em fa zer p erg unta nen hum a. A psicoterapia, em que há um predomínio do
transferência desencadeia toda uma rede de processo secundário.
outros fenômenos que guiam o terapeuta em Contudo, superados os receios de seu uso,
seu trabalho, caso ele esteja advertido para hoje a interpretação transferencial faz parte do
isso como conseqüência de seu tratamento ac ervo de re curso s d a psi cot erapi a de
pessoal e os conhecimentos teóricos e técnicos orientação psicanalítica, embora os objetivos
de que dispõe, dentre os quais, vale destacar, de st a s eja m mai s m od est os qu e o s da
212 a interpretação é a principal ferramenta. ps ica ná lis e 8 . Co nfo rme o au to r, exi st em

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si tu açõ es , i nc lus iv e, em qu e a ú ni ca retirar o dinheiro do pagamento, mas esquecera


intervenção cabível e eficaz é mesmo a a senha. Mantinha-se prolixa durante as
interpretação transferencial, quais sejam: ses sões , se m ir, ent reta nto, aos pon tos
- No in íci o d o tratam ento, qua ndo o importantes. Na hora de ir embora, porém,
paciente se acha invadido por intensa diante da porta de saída, fazia tentativas de
an si ed ade p ara nó id e, e no fi m do prolongar-se no horário, alegando lembrar-se
tratamento, quando há um incremento de de coisas importantes que não havia dito,
ansiedades depressivas. aceitando a contragosto os limites impostos,
- Quando a transferência assume um para depois esquecer tudo na sessão seguinte
aspecto de resistência, ocasionando uma e retornar ao discurso estéril.
interrupção do fluxo associativo.
- Como recurso para ten tar desf azer Primeiro exemplo
situações de impasse terapêutico.
- Quando a resistência se apresenta sob a No trecho a seguir, ela toca no assunto do
forma de ataque ao contrato terapêutico. dinheiro, pois está para receber o 13º salário, e
- Qu an do si tu açõ es d a v id a rea l do pergunto a respeito de sua vida financeira.
ps ico te rap euta inv ade m a s itu aç ão
terapêutica de forma a serem percebidas L: Eu deixei acumular aqui para ti, mas não
ou sabidas pelo paciente. estou com dívidas.
- Como recurso para melhorar o nível de Eu: Tu não vais receber o 13º?
insight do paciente. L: A empresa está com muitas dificuldades
financeiras, eles estão com dificuldades de
ILUSTRAÇÃO CLÍNICA comprar tinta para as impressoras e óleo para
as máquinas e as pessoas estão indo só para
O excerto de sessão a seguir ilustra uma cumprir horário e ficar olhando uma para a cara
situação em que foi utilizada uma interpretação da outra, porque, sem combustível, não dá para
transferencial a fim de trazer à luz uma questão fazer nada.
que estava esterilizando a situação terapêutica, Eu: Tu achas que essa questão do dinheiro
qu al se ja , o s sen ti me nto s amb iv ale nt es pode, de alguma forma, influir no nosso
negados pela paciente com relação à terapia. trabalho aqui?
Laura, 56 anos, divorciada, tem sete filhos, L: Eu estive para te pagar, eu vim retirar
todos adultos, com os quais mantém um dinheiro, mas não retirei porque não queria
relacionamento conturbado. Os filhos mais andar por aí com muito dinheiro. Eu pedi para a
jovens não freqüentam a casa e acusam-na de minha afilhada fazer isso, só que eu me enganei
preferir o filho mais velho, com quem não se e dei para ela a senha errada, daí ela tentou,
relacionam. Laura é vitimizada por dores tentou, no caixa eletrônico, e o meu cartão
crônicas devido a vários problemas de saúde, ficou bloqueado.
que lhe causam muitas limitações. Estas, Eu: Eu te digo isso porque tu já tiveste
somadas à desagregação familiar e ao avanço várias situações em que tu ias me pagar e não
da idade, acarretam sucessivos episódios o fizeste, como essa da tua sobrinha, como
depressivos. aquela do IPTU. Eu fico pensando se, daqui a
O o bjetivo do tratam ento vei o a ser pouco, tu não crias uma situação de a gente vir
me lh ora r sua q ual ida de de v ida e o aqui cumprir horário e “ficar olhando uma para
relacionamento com os filhos, principalmente o a cara da outra” e a terapia ficar “bloqueada”
mais velho, com quem mantinha uma relação porque tu não consegues dizer o que queres, e
de controle e dependência mútua, com muitas chegas ali na porta e lembras de uma porção
brigas. de coisas que querias ter dito.
Por ocasião do trecho de sessão aqui L: É verdade.
relatado, havia uma melhora geral no seu
qu adro. Mo strav a-s e, ne sse po nt o, Segundo exemplo
inconscientemente ambivalente com relação à
terapia e devendo algumas consultas, sem, O fragmento de sessão a seguir se passa
porém, tocar no assunto durante as sessões. em um momento da terapia em que já se estava
Uma vez anunciara que trouxera o dinheiro discutindo alta. A sessão é posterior a um
para efetuar o pagamento, mas que não iria episódio em que a paciente atua para não ter de
fazê-lo naquele dia porque iria pagar o IPTU. se confrontar com os sentimentos penosos de
Outra vez, dissera que havia ido ao banco para separação. As interpretações transferenciais, 213

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aqui, têm por objetivo trazer de volta para o até teve vontade de ir, mas acabou comprando
setting a questão e evitar a repetição do padrão o presente e escrevendo um a coisa pro
de comportamento da paciente frente a Marcelo ler pro Jonas e guardar pra quando
situações de separação, um padrão de rupturas ele souber ler. Ela disse: “A Kátia não pense
bruscas, maníacas. que ela vai fazer comigo o que ela faz com o
Laura ligou-me às 17h do dia anterior a meu irmão, que ela manda nele e ele vai atrás
essa sessão, dizendo: “Regina, eu fiz uma que nem um cachorrinho. No almoço lá em
coisa que eu não podia ter feito. Eu marquei casa, lá pelas tantas, eu senti, parece, um
uma consulta com o médico na hora da terapia”. clima pesado, não tinha assunto. A Cláudia
Em seguida, propôs-se a vir à tardinha e quase não falava, não puxava assunto, uma
combinamos para as 17h30min do mesmo dia, frieza.
“se não te atrapalhar nas tuas coisas”, ela me Eu: Eu acho que tu também estás me
diz ao telefone. dizendo que estás me sentindo um pouco fria,
Na sessão: está s p reo cu pad a com o qu e e u e st ou
pensando de ti porque tu fizeste “arte” hoje.
L: (Pergunta imediatamente ao sentar-se) L: (Rindo.) Talvez. (Pausa.) Eu não sei que
O que há contigo, Regina? Tu estás com uma horas eu te liguei ontem. De noite eu não
cara diferente. Estás doente? Pareces doente. conseguia dormir.
Acho que é o frio. Eu: Por quê?
Eu: Quem esteve indo ao médico hoje foste L: Sei lá, simplesmente perdi o sono. Aí eu
tu. fui ver um programa na TV que falava do golpe
L: É, eu fui levar uns exames. de 64 e tinha umas pessoas que tinham sido
Eu: Mas interessante isso que tu disseste. presas, falando das prisões. Daí eu dormi. Mas
Por que eu estaria doente? lá pelas tantas acordei de novo e não conseguia
L: Sei lá, me pareceu. dormir. Cheguei a pensar em ver TV de novo,
Eu: Será que isso se relaciona, de alguma mas não fiz isso. (Pausa.) O Marcelo recebeu
forma, com o fato de tu teres faltado hoje pela essa semana queixa da creche porque o Jonas
manhã? está fazendo “arte”. Até agora parecia que ele
L: (Sorri e esboça uma expressão de estava achando muito bonito dormir uma noite
dúvida.) por semana na casa do pai e outras noites na
Eu: ...uma sensação de ter me causado casa da mãe. Mas não é bem assim. Como é
algum tipo de dano? que a gente vai saber o que se passa na cabeça
L: (Quando toco nesse assunto ela me olha de uma criança de 3 anos?
meio de lado, como se fosse uma criança Eu: Tu estás me falando de uma criança
levada, e ri.) Acho que não. (Pausa.) Era para que está sofrendo com uma separação e está
eu ter ido visitar a minha mãe também, porque reagindo “fazendo arte”. Nós também vimos
o médico fica a quatro quadras da casa dela. falando de alta e olha a dona Laura aí “fazendo
Eu: O que te fez mudar de idéia? arte”. Tu me ligaste dizendo: “Regina, fiz uma
L: O Marcelo (filho mais novo, que está coisa que não devia”.
em processo de separação da esposa e que L: (Cobre o rosto e ri muito.) Pois é.
serve de pretexto para trazer o assunto da (Pausa.) Mas eu estou preocupada com o fato
a n si e d ad e de sep a ra çã o ) m e le vo u n a de o Marcelo não querer ir trabalhar. Eu tenho
consulta. Se eu fosse lá na mãe, não ia poder rezado pra ele ter vontade de ir trabalhar, que
voltar com ele, porque ia demorar e a minha isso também ajuda. Aquele emprego que o
nora ia precisar do carro. (Pausa.) Acho que Sandro (outro filho) tinha arrumado pra ele, eu
eles não vão se entender mais. Mas também descobri que ele só foi bem mais tarde, porque
não sei. No domingo a Cláudia (filha) foi ele pensou que era só por um salário. Mas,
almoçar lá em casa com o namorado e o nessas empresas estrangeiras, logo tem a
Marcelo levou a Kátia (a esposa do filho que possibilidade de subir. Daí deu a tentação nele
está se separando) e o nenê. A Cláudia agiu e ele foi lá, mas como se atrasou já tinha três
co mo se el a n em e stivesse al i. E las se na frente dele. (Pausa breve.) Ele me disse que
desentenderam uma vez e, no aniversário do queria mais leite. Ontem ele tomou o leite do
Jon as (neto , fi lho d o ca sal que se e stá pequeno. Eu disse pra ele: “Mas tu não tens
separando) do ano passado, a Kátia disse pra capricho mesmo, né, Marcelo?” Ele disse que
Cláudia não ir. E ela não foi. Esse ano a Kátia ele deveria poder ficar lá em casa por mais uns
mandou dizer que se a Cláudia quisesse ir que 3 anos porque ele saiu com 16 anos e deveria
214 ela estava convidada. A Cláudia me disse que ter saído só com 19.

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Eu: Ele sente que foi desmamado muito proximidade da dissolução ou modificação da
cedo. Acho que tu também estás sentindo que na tu rez a do ví ncu lo . As in terpreta çõ es
eu estou te desmamando muito cedo, que transferenciais, nesse momento, possibilitaram
deverias ficar pelo menos mais uns 3 anos na que esses sentimentos fossem elaborados ao
terapia. invés de atuados.
L: (Rindo.) Não, nem pensar. Mas quem A psicoterapia tem limites, e é preciso
sabe eu tenho medo de precisar mesmo? conhecê-los por imposição ética. Quando o
(Rindo.) Mas às vezes o Marcelo me irrita. Ele psicoterapeuta toma contato com o conceito e a
tem mania de querer tirar as minhas coisas, experiência da transferência, é quase como se
fazer as coisas do jeito dele. Ontem ele um outro mundo se descortinasse diante de si.
levantou a voz comigo e eu disse: “Baixa a É nesse momento que a assimetria da situação
bola, tu estás na minha casa, as coisas não terapêutica se torna mais presente, porque,
são como tu queres, e sim como eu quero”. Ele quando um paciente fala, des conhece a
que não pense que vai fazer tudo como ele dimensão inconsciente do que está proferindo,
quer. uma dimensão que é sempre da ordem da
Eu: Acho que isso também explica a tua verdade, ainda que ele pense estar mentindo, e
falta hoje pela manhã. Eu tenho tocado em o terapeuta está em posição de escutar essa
assuntos que te desagradam e foi o teu jeito de verdade. Isso é, a um só tempo, fascinante pela
dizer: “A Regina que não pense que ela vai ri qu eza qu e rev ela , ass us tad or pe la
fazer as coisas do jeito que ela quer”. re spo ns abi lid ad e q ue aca rreta e, a ind a,
R: (Ri.) É pra ver como diz o ditado: tentador pela noção de poder implícita. Todos
Laranjeira só dá laranja, não dá outra fruta. Ele os critérios e cuidados são necessários para
tem a quem puxar. qu e ess a ass im etria nã o se to rne u ma
assimetria perversa.
DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

O objetivo do tratamento cujos fragmentos Agradecimento


de sessão foram relatados era melhorar a Gostaria de agradecer ao Dr. Luis Carlos
qualidade dos relacionamentos dessa pessoa, Mabilde por sua colaboração na realização
sobretudo com seus familiares, porque a sua deste trabalho.
situação familiar, somada a outros fatores
desfavoráveis, relatados na apresentação do
caso, eram fonte de sofrimento para ela. REFERÊNCIAS
Naturalmente, o caráter da paciente em muito
1. Freud S. Recordar, repetir e elaborar (1914). In: Edição
co ntrib uía p ara o es ta bel eci me nto d as Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
situações geradoras de sofrimento, porém não de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1988. Vol.
XII, p. 198.
era objetivo do tratamento analisar traços de
2. Freud S. Recordar, repetir e elaborar (1914). In: Edição
caráter fortemente arraigados em uma pessoa Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas
de 59 anos, que só podia comparecer a uma de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago; 1988. Vol.
consulta semanal. Por isso, as interpretações XII, p. 196.
transferenciais não remeteram a esses traços 3. Freud S. Recomendações aos médicos que exerçam a
psicanálise (1912). In: Edição Standard Brasileira das
nem às relações primitivas, mas, no primeiro Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
caso, pretenderam ampliar a capacidade de de Janeiro: Imago; 1988. Vol. XII, p. 149-63.
insight em um momento do tratamento em que 4. Freud S. Observações sobre o amor transferencial
a transferência começava a prestar-se à (1915). In: Edição Standard Brasileira das Obras
Psicológic as Completas de Sigmund Freud. Rio de
resistência, o que estava levando gradualmente Janeiro: Imago; 1988. Vol. XII, p. 126.
a terapia a um impasse, e, no segundo caso, 5. Grinberg L. A transferência é temida pelo psicanalista?
ab ord ar as an si eda des d epress iv as In: Livro Anual de Psicanálise XIII. São Paulo: Escuta;
1997. p. 20.
desencadeadas pela proximidade do final do
6. Strachey J. Naturaleza de la acción terapéutica de
tratamento, evitando o padrão habitual de psicoanálisis. Rev Psicoanálisis. 1947;5:951-83.
comportamento da paciente frente a situações 7. Mabilde LC. Convergências e div ergênc ias entre
de s epa raç ão . Isto é , tod as as su as psicoterapia de orientação psicanalítica e psicanálise: a
experiências anteriores de separação, desde o questão das div ergências. Rev Bras Psic oterapia.
2001;3(2):20.
divórcio até a saída dos filhos de sua casa,
8. Mabilde LC. Ação e indicadores da interpretação
foram marcadas por rupturas bruscas. A transferencial em psicoterapia. In: Eizirik C, Aguiar R,
so lu ção m aníac a b usc av a a pl aca r as Schestatsky S (orgs.). Psicoterapia de orientação
ansiedades depressivas despertadas pela analítica. Porto Alegre: Artes Médicas; 1989. p. 164-9. 215

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RESUMO psych oanalysi s, transf erence in terpreta tion,


transference.
Este é um tex to sobre interpre tação Title: “Spirits from the underworld” and “cunning spells”
transferencial utilizada no contexto da psicoterapia in psy choanalytic psychother apy: transf erence
de orientação psicanalítica. A primeira parte deste interpretation
trabalho contempla a evolução do conceito de
transferência até ele ocupar uma posição central no
trabalho terapêutico. A segunda parte aborda o RESUMEN
concei to de inte rpretação transferen cial,
considerando-o um recurso técnico amplamente Este es un text o sobre la interpret ación
utilizado em psicoterapia de orientação psicanalítica, trans ferencial utilizad a en el contexto de la
e enfoca os critérios e inconveniências de sua Psicoterapia de O rientación Psicoanalítica. La
utilização. Por fim, são apresentados dois exemplos primera parte trata de la evolución del concepto de
clínicos a título de ilustração do tema desenvolvido. transferencia hasta que dicho concepto ocupara la
posición central en el trabajo terapéutico. La segunda
Descritores: Psicoterapia psicanalítica, psicanálise, parte aborda el concepto d e interpre tación
interpretação transferencial, transferência. transferencial, considerándolo un recurso técnico
ampliamente utilizado en Psicoterapia de Orientación
Psico analítica, y enfoca los criter ios e
ABSTRACT incon veniencia s de su u tilizació n. Por fi n, se
presentan dos ejemplos clínicos para ilustración del
The present article focuses on transference tema desarrollado.
interpretation in the context of psychoanalytic
psychotherapy. The first part of this work describes Palab ras c lav e: Psico terapia p sicoanalí tica,
the evolution of the concept of transference until it psico análisis, interpre tación t ransferen cial,
reaches a central position in the therapeutic work. transferencia.
The se cond part deals with the conce pt of Títul o: “Espír itus infern ales” y “a stutos
transference interpretation, considering it as a widely encantamientos” en psicoterapia psicoanalítica: la
used t echnical r esource in psychoana lytic interpretación transferencial
psychotherapy, and focuses on the criteria and
inconveniences of its use. Finally, two clinical Correspondência: regreg@tca.com.br
examples are presented to illustrate the theme.
Copyright © Revista de Psiquiatria
Key wor ds : Psyc hoanaly tic psy chother apy, do Rio Grande do Sul – SPRS

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