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Sant’Anna, P. A. Arquétipo, individuação e intersubjetividade: a dimensão psicossocial do sofrimento humano

Arquétipo, individuação e intersubjetividade: a dimensão psicossocial do


sofrimento humano

Archetype, individuation and intersubjectivity: the psychosocial dimension


of human suffering

Arquetipo, individuación e intersubjetividad: la dimensión psicosocial del


sufrimiento humano

Paulo Afranio Sant’Anna1

Resumo

O presente artigo inicia com uma breve contextualização da Psicologia Analítica indicando as
condições históricas de seu surgimento e desenvolvimento, as diferentes terminologias e perspectivas
adotadas no seu estudo e os desafios impostos pela sociedade e ciência contemporâneas. Apresenta os
conceitos de arquétipo e individuação evidenciando a sua transformação ao longo do processo de
construção teórica de Jung. A partir desses conceitos, busca identificar as constelações arquetípicas
atuais e problematizar a relação entre as condições histórico-culturais contemporâneas e o sofrimento
humano. Recorre a duas categorias da Sociologia Histórica, a modernidade e a pós-modernidade, para
compreender a relação EU-OUTRO nos contextos intra e intersubjetivos e evidenciar padrões
coletivos compensatórios nas patologias, nos fenômenos políticos e nas manifestações artísticas da
contemporaneidade. Analisa subprocessos de diferenciação e integração evidenciando a importância
da intersubjetividade no processo de individuação. Finaliza com prospecções sobre o desenvolvimento
do indivíduo e da sociedade nas próximas gerações.

Palavras-chave: Psicologia Analítica. Arquétipo. Individuação. Intersubjetividade.


Contemporaneidade.

Abstract

The present article begins with a brief contextualization of Analytical Psychology indicating the
historical conditions of its emergence and development, the different terminologies and perspectives
adopted in its study and the challenges imposed by contemporary society and science. It presents the
concepts of archetype and individuation evidencing its transformation throughout the process of
theoretical construction of Jung. From these concepts, it seeks to identify the current archetypal
constellations and to problematize the relation between contemporary historical-cultural conditions
and human suffering. It resorts to two categories of Historical Sociology, modernity and
postmodernity, to understand the I-OTHERS relationship in the intra and intersubjective levels and to
demonstrate compensatory collective patterns in pathologies, political phenomena and contemporary
artistic manifestations. It analyzes processes of differentiation and integration evidencing the
importance of intersubjectivity in the process of individuation. It ends by exploring the development
of the individual and of society in the next generations.

Keywords: Analytical Psychology. Archetype. Individuation. Intersubjectivity. Contemporaneity.

Resumen
                                                                                                                       
1
 Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM).  

Pesquisas e Práticas Psicossociais 14(4), São João del-Rei, outubro-dezembro de 2019. e3353  
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El presente artículo comienza con una breve contextualización de la Psicología Analítica indicando las
condiciones históricas de su surgimiento y desarrollo, las diferentes terminologías y perspectivas
adoptadas en su estudio y los desafíos impuestos por la sociedad y la ciencia contemporáneas. Presenta
los conceptos de arquetipo e individuación evidenciando su transformación a lo largo del proceso de
construcción teórica de Jung. A partir de estos conceptos busca identificar las constelaciones
arquetípicas actuales y problematizar la relación entre las condiciones histórico-culturales
contemporáneas y el sufrimiento humano. Recurre a categorías de la sociología histórica, la
modernidad y la posmodernidad, para comprender la relación YO-OTRO en los contextos intra e
intersubjetivos y evidenciar patrones colectivos compensatorios en las patologías, los fenómenos
políticos y las manifestaciones artísticas de la contemporaneidad. Analiza subprocesos de
diferenciación e integración evidenciando la importancia de la intersubjetividad en el proceso de
individuación. Finaliza haciendo prospecciones sobre el desarrollo del individuo y de la sociedad en
las próximas generaciones.

Palabras claves: Psicología Analítica. Arquetipo. Individuación. Intersubjetividad.


Contemporaneidad.

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Contextualizando a teoria vincular a teoria ao seu autor seminal,


abre-se a possibilidade de pensá-la como
A Psicologia Analítica, como um campo teórico dinâmico, em contínuo
qualquer teoria científica, surgiu e se processo de desenvolvimento, para o qual
desenvolveu em um determinado contexto contribuem muitos pensadores, com
histórico e cultural, a partir do qual deve diferentes perspectivas e em diferentes
ser compreendida. Jung situa a sua teoria épocas e culturas. Nesse sentido, assume-
em um longo processo histórico que teve se que Jung e a primeira geração de
início com a ativação do inconsciente analistas oferecem uma plataforma teórico-
coletivo no período da Revolução prática, a partir da qual é possível
Francesa. promover novos e contínuos
desdobramentos.
Este desenvolvimento de conteúdos Verificam-se na literatura
reativados do inconsciente, que ainda diferentes possibilidades e perspectivas de
persiste, levou nos últimos decênios a uma
prodigiosa expansão de níveis
aproximação da Psicologia Analítica. A
subsequentes de desenvolvimento, isso é, a primeira parte do processo de
sistemas gnósticos ecléticos, à teosofia e à autoconhecimento do autor enfatizando as
antroposofia e, ao mesmo tempo, aos vivências subjetivas de aspectos da teoria.
primórdios da psicologia analítica que tem Essa perspectiva favorece o surgimento de
sua origem na psicologia francesa,
especialmente da escola dos hipnotistas, e um sentimento de pertença e de identidade
procura averiguar cientificamente os com a teoria, motivado pela experiência
fenômenos do inconsciente [...]. Deste analítica e pela filiação às ideias do autor
desenvolvimento pode-se deduzir que a central. A segunda parte da prática clínica
psicologia analítica não é um fato isolado, enfatizando a compreensão e o manejo de
mas pertence a um determinado quadro
histórico. (Jung, 1993, p. 20)
situações clínicas. Essa perspectiva se
constrói no diálogo entre a teoria e os
Neste artigo, optou-se por empregar fenômenos emergentes no cotidiano
o termo Psicologia Analítica no lugar de profissional, no sentido de promover
Psicologia Junguiana, porque este modos eficientes de atenção psicológica.
personaliza o campo teórico na pessoa de E, por último, a perspectiva acadêmica,
Jung, o que pode gerar uma visão caracterizada pela reflexão crítica da
equivocada e limitada da teoria (Hillman, teoria, evidenciando os desenvolvimentos
1981). Outras terminologias foram do campo teórico e seu potencial
utilizadas, como Psicologia Profunda, explicativo em contextos históricos e
Psicologia Complexa, Psicologia culturais distintos e contemporâneos. É a
Simbólica, Psicologia Arquetípica etc., que partir dessa perspectiva que o presente
além de não expressarem a natureza da artigo se articula.
teoria, caíram em desuso ou se O processo de construção teórica de
constituíram como escolas com certa Jung era predominantemente intuitivo. A
autonomia teórico-conceitual, como é o sua forma de pensar era circular,
caso da Psicologia Arquetípica (Jacobi, explorando os temas com idas e vindas,
2013). O termo Psicologia Analítica, como se estivesse tentando abordar o
embora também tenha sido objeto de várias fenômeno a partir de múltiplas
críticas e não ser semanticamente mais perspectivas. Nesse processo, as
adequado do que os outros apresentados formulações conceituais não ocorrem de
anteriormente, foi o mais usado por Jung e forma fechada, podendo resultar em certa
tem sido o mais utilizado no meio imprecisão, mas favorece o
acadêmico. Destaca-se que, ao não desenvolvimento e a incorporação de
outros aportes teóricos, revelando o

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potencial da teoria para atualizar e abarcar o fim de uma época. De modo mais
fenômenos emergentes. pessimista, Freud (2010) anunciou o
A Psicologia Analítica nasce na fracasso da civilização. Jung, por sua vez,
Europa, no fim do século XIX e início do pôde vislumbrar o nascimento de um novo
XX, período marcado pelos ideais momento histórico e de uma nova ciência.
iluministas, pelo crescente processo de O desenvolvimento da ciência e,
industrialização e ascensão de uma nova mais especificamente da Psicologia,
classe social, pelo fortalecimento dos decorre de processos históricos que, ao
Estados-Nações e seu decorrente longo do tempo, promovem mudanças na
nacionalismo. Momento em que a sociedade e na cultura. Na década de 1960
Psicologia está se estruturando como eclodem movimentos revolucionários na
ciência sob forte influência, por um lado, arte, na política, no comportamento, na
do positivismo e dos métodos das ciências ciência etc., que afetarão todas as
naturais e, de outro, das várias correntes dimensões da vida humana. As teorias
filosóficas aliadas às emergentes ciências psicológicas passam a questionar as
sociais. grandes narrativas com pretensões
Assim como a Psicanálise, a universalistas e a incorporar, de forma
Psicologia Analítica tem sua gênese na mais expressiva, as categorias
prática clínica, tanto como campo teórico socioculturais. As teorias da personalidade
quanto como método de investigação e passam a conviver com as teorias da
intervenção psicológica. Insere-se no subjetividade, que se preocupam menos
conjunto das teorias da personalidade que, com a organização interna da
na primeira metade do século passado, personalidade, dando mais importância aos
buscaram, a partir de diferentes processos de constituição da subjetividade
perspectivas, identificar e descrever o na interação do sujeito com a cultura e com
desenvolvimento e a organização interna a sociedade.
do indivíduo. Em consonância com a As novas formas de sociabilidade
ciência da época, essas teorias partiram de que surgem com o desenvolvimento da
premissas universalistas, com bases tecnologia, com a globalização, com o
biológicas ou estruturalistas, deixando em afloramento da lógica do consumo, entre
segundo plano as dinâmicas sociais e outros, demandam novas teorias
culturais na constituição da personalidade. explicativas. Nesse contexto, impõe-se o
Também como a Psicanálise e desafio de revisar os campos teóricos
outras teorias que se estruturaram no existentes, visando identificar o seu
contexto clínico, a Psicologia Analítica se potencial explicativo diante dos fenômenos
expande como modelo explicativo para psicossociais contemporâneos, o que
outras dimensões da vida humana, entre também se aplica à Psicologia Analítica.
elas o estudo da cultura e das sociedades.
Tanto Freud quanto Jung foram Arquétipo e individuação
profundamente marcados pelo seu tempo,
particularmente pelas duas grandes guerras No âmbito deste artigo, pretende-se
que colocaram em xeque a cultura e a colocar em perspectiva dois conceitos
sociedade europeia do século XIX. Freud centrais da Psicologia Analítica: arquétipo
morre no início da segunda guerra, depois e processo de individuação. Com isso,
de ter sido duramente atingido por ela. E objetiva-se construir possibilidades
Jung morre16 anos após o seu término, teóricas para a compreensão das relações
quando o processo de revolução cultural, entre as condições histórico-culturais da
iniciado no pós-guerra, começava a ganhar contemporaneidade e o sofrimento
dimensões mundiais. Ambos pressentiram humano.

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Para a discussão do conceito de As imagens têm semelhanças


arquétipo, toma-se como referência a porque se baseiam no mesmo
revisão realizada por Jolande Jacobi (1957) princípio formador.
em seu livro Complexo, Arquétipo e 3. Enquanto conjunto de prontidões
Símbolo, por meio da qual ela demonstra vazias de conteúdo, o arquétipo em
que o conceito de arquétipo sofreu muitas si se situa na esfera psicoide, ou
alterações e ampliações ao longo do seja, anterior à psique. Para que
desenvolvimento teórico de Jung, seja reconhecido e integrado à
salientando que a natureza do arquétipo consciência, o arquétipo precisa
não permite uma abordagem direta e ganhar apresentabilidade por meio
definitiva. Devido à complexidade desse de uma imagem (imagem
fenômeno, é necessário realizar múltiplas arquetípica) cuja forma se constitui
aproximações que permitam por meio de elementos oriundos da
“circunscrevê-lo”, não descrevê-lo. Na experiência do indivíduo.
obra de Jung, verificam-se diversas 4. Os arquétipos podem se
formulações sobre o arquétipo, entre elas: manifestar simultaneamente em
como dominantes estruturais da psique, vários planos, fisiológico (emoção,
como imagens originárias, como padrões comportamento), no plano
de comportamento, como fatores e motivos psicológico (imagem) e no plano
que coordenam os elementos psíquicos no social (cultura) devido ao fenômeno
sentido de determinadas imagens, como da sincronicidade. Do ponto de
processos dinâmicos etc. Apesar da vista do desenvolvimento humano,
diversidade de formulações, alguns à medida que os processos
aspectos do arquétipo se apresentam com maturacionais passam a exercer
mais estabilidade (Jacobi, 1957; Samuels, menor influência no
1989; Pieri, 2002). comportamento e no
funcionamento mental no final da
1. Os arquétipos são dados à adolescência, os processos de
estrutura psíquica na forma de natureza psíquica e social passam a
possibilidades latentes como fatores ser elementos reguladores mais
biológicos e/ou fatores histórico- importantes.
culturais. São prontidões psíquicas, 5. Sendo o arquétipo em si uma
tendências inatas à realização de possibilidade e não uma
determinadas ações e/ou imagens, manifestação, para que ele seja
que são resultado do processo ativado e presentificado na psique
evolutivo da espécie humana. são necessárias duas condições: um
Estão, portanto, limitados às fator ativador, que pode ser de
experiências universais como diversas naturezas (biológica,
nascer, morrer, a maternidade, a intrapsíquica, interpsíquica,
paternidade, a infância, a velhice, o histórica e cultural), e uma forma
desenvolvimento, a sobrevivência correspondente à sua dinâmica e ao
etc. seu campo de experiência. Por isto,
2. Os arquétipos apresentam uma não é possível pensar no
condição estrutural da psique que, desenvolvimento psicológico como
sob determinada constelação, um desdobramento natural da
interna ou externa, são capazes de matriz arquetípica no plano
produzir as mesmas formações, o intrapsíquico. O processo de
que não tem a ver com a desenvolvimento psicológico,
transmissão hereditária de imagens. pensado em termos da

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individuação, só se verifica por estado latente, para que esta seja


meio da tensão gerada entre o assimilada à consciência é necessário,
potencial arquetípico e sua primeiro, que ocorram processos de
atualização dada pela experiência discriminação por meio da fragmentação e
subjetiva e intersubjetiva em da polarização da totalidade em opostos
determinado contexto histórico e complementares. Uma vez discriminadas
cultural. Esses fatores são as polaridades, é possível integrá-las à
interdependentes e constituintes da personalidade como partes diferenciadas e,
subjetividade a cada momento. ao mesmo tempo, inter-relacionadas de si
mesmo.
O conceito de individuação, assim No nível intrapsíquico, o processo
como o de arquétipo, assume diferentes de diferenciação visa, de um lado, à
sentidos na obra de Jung: experiência rara discriminação do EU e da PERSONA e, de
de confronto com o inconsciente, outro, do EU e do SI MESMO, dimensões
fenômeno limite que necessita de psíquicas que ao serem reconhecidas
condições especiais para se tornar podem ser integradas como componentes
consciente, processo de realização do Si- da personalidade.2
mesmo, fenômeno inconsciente que se
exprime espontaneamente no simbolismo, A dissolução da persona é, portanto, uma
processo evolutivo da psique, base da condição indispensável da individuação. É
impossível também que a individuação se
compensação psicológica, realização processe mediante uma intenção
espontânea do homem total, exigência consciente, pois esta conduz a uma atitude
psicológica imprescindível etc. (Jung, típica que exclui tudo o que não é
1977, 1991, 1993, 2008). Além dos apropriado a ela. A assimilação dos
aspectos intrapsíquicos evidenciados conteúdos inconscientes leva, pelo
contrário, a um estado em que a
nessas definições, Jung (2008, pp. 60-61) intencionalidade consciente é excluída e
indica também a dimensão coletiva desse substituída por um processo de
processo. desenvolvimento que se nos afigura
irracional. (Jung, 2008, p. 159)
A individuação [...] significa precisamente
a realização melhor e mais completa das No nível intersubjetivo, o processo
qualidades coletivas do ser humano; é a de diferenciação ocorre entre o EU e o
consideração adequada e não o
esquecimento das peculiaridades OUTRO-MUNDO, permitindo, ao mesmo
individuais, o fator determinante de um tempo, o reconhecimento da singularidade
melhor rendimento social. A singularidade e da coletividade em cada indivíduo. Nesse
de um indivíduo não deve ser processo, a meta não é a cisão ou a
compreendida como uma estranheza de oposição ao OUTRO, e sim a possibilidade
sua substância ou de seus componentes,
mas sim como uma combinação única, ou
de uma relação de reciprocidade e
como uma diferenciação gradual de alteridade. Ou seja, o ponto de vista
funções e faculdades que em si mesmas individual não deve ser orientado como
são universais. oposição às normas coletivas, mas sim
como diverso, de modo que a divergência
A individuação envolve dois entre esses pontos de vista possa ser
subprocessos complementares, a entendida como potencialidade de
diferenciação e a integração, e ocorre em
dois níveis psíquicos, o intrapsíquico e                                                                                                                        
2
“A meta da individuação não é outra senão a de
interpsíquico (Pieri, 2002). Sendo a matriz despojar o si-mesmo dos invólucros falsos da
arquetípica uma rede de potencialidades persona, assim como do poder sugestivo das
indiferenciadas que constitui um todo em imagens primordiais” (Jung, 2008, p. 61).  

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reconhecimento recíproco e de interação


criativa entre indivíduo e sociedade. Com o objetivo de identificar as
Segundo Pieri (2002), no início do constelações arquetípicas atuais e
processo de individuação, os estereótipos problematizar a relação entre as condições
culturais em que o sujeito está histórico-sociais contemporâneas e o
originalmente imerso e com os quais sofrimento humano, recorre-se a duas
mantém um estado de identidade são categorias da Sociologia Histórica: a
percebidos como obstáculos e modernidade e a pós-modernidade,
impedimentos para a realização da entendendo-as como hipóteses teóricas
individualidade. Portanto, o tensionamento para explicar tendências socioculturais
entre individualidade e coletividade é evidenciadas em dois momentos históricos
fundamental para a ativação do específicos. A partir dessas categorias,
subprocesso de diferenciação em relação busca-se entender a relação EU-OUTRO
ao coletivo. nos contextos intra e intersubjetivo e
O subprocesso de diferenciação é evidenciar padrões coletivos
uma experiência dolorosa, pois implica a compensatórios nas patologias, nos
perda de um estado de identidade com o fenômenos políticos e nas manifestações
todo e a decorrente vivência da separação, artísticas da contemporaneidade.
da solidão e do não pertencimento. Para A modernidade tem sido descrita
superar essa cisão, é necessário reconhecer como o período que teve início entre os
e integrar o OUTRO como parte diversa de séculos XVI e XVII com o surgimento de
si mesmo, o que implica numa uma nova racionalidade que se materializa
relativização do EU e da própria na ciência moderna e na sua integração às
individualidade. Nesse sentido, a esferas econômica, política, cultural e
individuação é um fenômeno paradoxal, social. São características desse período a
pois quanto mais o indivíduo se percebe ordem racional, a ideia de progresso, a
diferente do coletivo, mais ele necessita se objetividade, a certeza e a segurança das
reconhecer como parte de uma tradições, os sistemas únicos de leitura da
coletividade que transcende o seu EU. O realidade expressos nas grandes narrativas
processo de individuação não deve, e nas teorias de caráter universalista, a
portanto, levar ao isolamento, mas sim a busca da verdade unívoca e dos
um relacionamento coletivo mais intenso e fundamentos definitivos de explicação, as
mais abrangente (Jung, 1991). fronteiras e o nacionalismo, os projetos de
Considerando que o sofrimento é longo prazo, o poder centralizado e as
inerente ao processo de individuação e que hierarquias bem definidas, instituições e
este é ativado, intra e interpsiquicamente, identidades sólidas, as distinções claras
por meio do tensionamento EU-OUTRO, entre o público e o privado, papéis sociais
para entendermos as condições históricas e de gênero bem definidos, entre outros
do sofrimento humano é necessário (Bauman, 1998).
compreender como se configura esse A pós-modernidade, por sua vez, é
OUTRO tanto no âmbito do sujeito quanto o período cujo marco inicial é o fim da
nos contextos histórico-culturais em que segunda guerra mundial. Neste, a sensação
ele está inserido. É nesse tensionamento de estabilidade e previsibilidade do mundo
que se revelam as dimensões conscientes e do moderno é abalada pelas profundas
inconscientes do arquétipo ativado em mudanças políticas, sociais e culturais
dados momentos ou situações de vida. ocorridas no pós-guerra. Essas mudanças
ganham mais visibilidade e passam a ser
Individuação e sofrimento na problematizadas no campo científico e
contemporaneidade filosófico a partir das décadas de 1960 e

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1970. Alguns fenômenos que caracterizam No plano intersubjetivo, o EU se


esse período são: a globalização, as confronta com OUTRO-MUNDO bem
comunicações de massa e o ciberespaço, a delimitado, com características e normas
mobilidade, a flexibilidade, a fluidez, a bem definidas, com figuras de referência
relativização das teorias universalistas e a que personificam o Estado, a moral, a
valorização das narrativas locais e religiosidade, a intelectualidade, as
contextualizadas, a diversidade e a instituições, o inimigo, enfim, figuras que
complexidade, as rupturas de fronteiras e oferecem um contorno a partir do qual a
barreiras, os projetos de curto prazo e o individualidade pode ser discriminada.3
imediatismo, a descentralização e a Observam-se no âmbito da arte e da
extraterritorialidade do poder, o política movimentos compensatórios ao
individualismo, a sociedade do espetáculo, padrão arquetípico centralizador,
a imprevisibilidade e a lógica do consumo ordenador e autoritário dominante na
(Bauman, 1998). consciência coletiva da época. Na arte, a
Giddens (2001) se refere a esse diluição da forma, a fragmentação do
período como “modernidade tardia” ou espaço e a relativização do tempo
“ordem pós-tradicional”. Esta é presentes em movimentos culturais como o
caracterizada pelo alto grau de erosão dos dodecafonismo, o surrealismo e o
hábitos e costumes tradicionais que abstracionismo indicam uma tentativa de
acarretam mudanças radicais na vida social ruptura de limites e podem ser entendidos
cotidiana. Os intensos processos de como uma resposta do inconsciente
descontextualização provocados pela coletivo a uma sociedade enrijecida (Jung,
virtualização da experiência humana e a 1977). Na esfera política, nesse período
perda de pontos de vista de ancoragem são formuladas utopias revolucionárias,
geram angústia e insegurança. Com a que postulam o fim das estruturas sociais
despotencialização das tradições, o hierarquizadas, a igualdade social, a
indivíduo tem o desafio de fazer escolhas e democracia participativa, o estado laico e
constituir a sua identidade a partir de liberal, a liberdade de expressão, os
referenciais internos. direitos individuais, ideias que anunciam
Na modernidade, o sofrimento muitas das transformações sociopolíticas
psíquico está relacionado à repressão, ao que ocorreram no pós-guerra.
excesso de controle social e moral sobre os Na pós-modernidade, o padrão
indivíduos, à regulação da sexualidade pela cultural predominante indica um
moralidade judaico-cristã, à rigidez da movimento oposto. A diluição das
personalidade, à limitação da expressão da fronteiras materiais e simbólicas
individualidade e da criatividade. No plano decorrentes do processo de globalização,
intrasubjetivo, a relação EU-OUTRO é da cultura de massa, da cibercultura, da
vivenciada de forma polarizada, de um liberdade de expressão da individualidade
lado a organização egoica rígida, e das subculturas, da fluidez da identidade
unilateral, onipotente e, de outro, o e dos papéis sociais, da invisibilidade dos
inconsciente ameaçador. As patologias que agentes de controle social, da mediação
marcaram essa época refletem essa tecnológica das relações interpessoais,
polarização. Na neurose, a organização entre outros fenômenos, favorecem a
psíquica é caracterizada pela rigidez do
                                                                                                                       
ego e a tensão compensatória gerada pela 3
Han (2015) utiliza a metáfora da imunologia para
repressão da dimensão instintiva da psique. descrever o paradigma da modernidade. Nele, o
Na psicose, essa dimensão invade e OUTRO é percebido como ameaça e tudo o que é
fragmenta o ego, ou, em outros termos, estranho tem que ser eliminado em virtude da sua
ocorre a dissolução do EU no OUTRO. alteridade.  

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criação de um cenário hiper-real que leva o ser assimilado e sustentado pelo indivíduo,
indivíduo a crer que a realidade criada que, literalmente, se esvazia e acaba
virtualmente é real (Braudrillard, 1991). perdendo a sua forma no mundo.
Esta lhe oferece a ilusão de uma liberdade Na dimensão interpsíquica, o
absoluta e da satisfação ilimitada e confronto com o OUTRO-MUNDO
imediata dos seus desejos. mediado pela tecnologia aprisiona o sujeito
No plano intrapsíquico, observa-se a uma realidade virtual que fomenta a sua
a exacerbação do narcisismo, resultante de onipotência e individualismo. Na falta de
uma relação EU-OUTRO frágil e fluida, OUTROS bem definidos que ofereçam
que não produz o tensionamento contornos e limites ao EU, o EU se impõe
necessário à diferenciação. A ausência da fazendo crer que o mundo é a expressão de
alteridade indica que nossa época é pobre seu universo interior. Na ausência do
em produzir a diferença (Han, 2015). OUTRO, o indivíduo crê produzir a si
Nesse caso, prevalece o estado de mesmo, mas permanece identificado
identidade que mantém o ego refém do inconscientemente com tendências
inconsciente e, por consequência, dos coletivas (Han, 2015). A liberdade
fenômenos de massa. Um espectro de individual, a autodeterminação, a
patologias contemporâneas está autonomia do indivíduo e a soberania do
relacionado à falta de fronteiras decorrente desejo, veiculadas pela cultura
da fragilidade da construção do EU e do contemporânea, na realidade se revelam
OUTRO. Entre elas, a psicopatia e o armadilhas, que promovem um estado de
transtorno de personalidade boderline, alienação necessário à manutenção da
quadros clínicos em que a configuração lógica de consumo (Bauman, 1998).
egoica não se estabelece por meio de uma No ciberespaço, é possível assumir
relação de alteridade. Na psicopatia, há diferentes identidades, agredir ou seduzir
uma cisão emocional que impede a impunemente, declarar amizades ou
percepção empática do OUTRO como “deletar” amigos, fazer revoluções sem
sujeito, ou seja, o que prevalece é a confrontar pessoas. Nesse universo, o
perspectiva do EU que se impõe ao indivíduo visualiza continuamente aquilo
OUTRO que é reduzido a um objeto. No com o que se identifica, multiplicando,
transtorno bordeline, as fronteiras entre o assim, o igual, nunca o diferente ou o
EU e o OUTRO não estão bem OUTRO.
estabelecidas, prevalecendo um estado de
indiscriminação, de identidade e de baixa Sem a presença do outro, a comunicação
adaptação social. degenera em um intercâmbio de
informação: as relações são substituídas
Os transtornos alimentares, como a pelas conexões, e assim só se conecta com
bulimia e a anorexia, são também o igual; a comunicação digital é somente
expressões de uma relação mal visual, perdemos todos os sentidos;
estabelecida com o OUTRO-MUNDO. vivemos uma fase em que a comunicação
Nesses quadros clínicos, parece ocorrer está debilitada como nunca: a
comunicação global e dos likes só tolera os
uma rejeição absoluta do mundo como mais iguais; o igual não dói! (Han citado
expressão radical do individualismo e da por Geli, 2018, par. 6)
autossuficiência.4 Nada que está fora pode
                                                                                                                        Enquanto na era moderna, retratada
4
Ao discutir a sociedade da informação por George Orwell em seu livro 1984, a
contemporânea, Han (2015, p. 15) afirma: “Em
tempos de carestia, a preocupação está voltada para
sociedade era consciente de que estava
a absorção e assimilação. Em épocas de sendo dominada, hoje não temos nem essa
superabundância, o problema volta-se mais para a consciência de dominação (Geli, 2018). O
rejeição e expulsão”.  

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cenário político vem se tornando uma mera Na mitologia, tanto Eco como
fachada para interesses invisíveis. No lugar Narciso representam aspectos que
de disputas ideológicas entre sujeitos e interrompem o processo de individuação.
grupos socialmente reconhecíveis, temos Condenada a repetir incessantemente a fala
os interesses impessoais ditados pelo do outro, Eco esvazia-se de sentido ao
mercado. A consequência disso é que não perder a possibilidade de se expressar, de
há mais contra quem direcionar a construir uma narrativa sobre si e ser
revolução e demarcar novos territórios. reconhecida como sujeito. Na outra
Na arte contemporânea, a vida polaridade, ao enxergar e refletir somente a
comum ganha relevância. As instalações, a si mesmo, Narciso acaba se afogando na
arte de rua, a arte popular, a obra própria imagem. Ambos não estabelecem
interativa, entre outras manifestações uma relação de alteridade com o OUTRO,
artísticas, colocam o espectador de volta à o que os mantém em um estado de
cena cotidiana, o que inclui toda a sua indiferenciação e inconsciência. Ambos se
imprevisibilidade, limitação e desumanizam, transformando-se em
complexidade de relações e significados. O elementos da natureza, ela em pedra, ele
indivíduo é convidado a refletir de modo em flor.
vivencial e subjetivo sobre a obra de arte e No mundo contemporâneo, as
não apenas a contemplá-la a partir de uma interações humanas mediadas por
perspectiva estética distanciada. Nesse máquinas e aparatos tecnológicos têm
sentido, a arte contemporânea parece substituído as interações interpessoais.
indicar um movimento compensatório que Entretanto, a máquina está programada
visa reconectar as pessoas à sua realidade para nos silenciar, pois a ela não cabe
social, ao tecido afetivo e simbólico das reconhecer e dar voz a nossa singularidade.
relações e das trocas humanas no dia a dia. O seu objetivo é fazer que assimilemos a
No plano político, observa-se o informação de forma passiva e acrítica.
ressurgimento de projetos conservadores, Quando ligamos para um amigo, para uma
neonacionalistas, neofacistas, que empresa ou setor público e somos
pressupõem a existência de governantes atendidos por uma máquina, resta-nos
autoritários capazes de impor a ordem por aceitar o conjunto de possibilidades que ela
meio da força e da hegemonia – de classe, nos oferece. Nessa situação, não há como
raça, credo e gênero –, excluindo da esfera manifestar aspectos particulares da nossa
política a noção de diversidade e diferença. experiência, que são inviabilizados pela
Vivemos um momento histórico de falta de interação humana. Somos
tamanha incerteza que as pessoas parecem reduzidos a máquinas, sem pensamento,
estar impelidas, inconscientemente, a sem história, sem sentimentos, restando-
buscar fora de si uma ordem salvadora, nos apenas, a exemplo de Eco, aceitar e
uma referência que favoreça o reproduzir mecanicamente a informação
tensionamento EU-OUTRO e, por ofertada.
consequência, o processo de individuação. Esse mecanismo está presente em
Entretanto, a constelação de um padrão todos os sistemas de comunicação de
arquetípico dessa natureza pode ter massa que adotam uma lógica unilateral de
consequências devastadoras para a emissão de informação. Nesse sentido,
sociedade, resultando em estados de com a sua imensa capilaridade social e
dissolução da consciência na psique poder de persuasão, a televisão tem sido
coletiva (Jung, 1993). utilizada como meio de manipulação e
alienação. Os telespectadores recebem
Eco e Narciso passivamente um conjunto de informações
que passam a ser incorporadas à sua

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perspectiva de mundo e a serem ecoadas Do ponto de vista de Narciso, o


inconscientemente nas suas interações, OUTRO é o reflexo de si mesmo, uma
intra e intersubjetivas. condição autoerótica que mantém o
A crescente mediação da indivíduo aprisionado a uma perspectiva
comunicação por meio de computadores e infantil e indiferenciada, dissociada do
celulares tem produzido mudanças meio social. Atualmente, observamos que
significativas nas interações interpessoais. as paisagens e cenas cotidianas estão sendo
Mensagens e postagens impessoais e substituídas por autorretratos (selfies). Às
estereotipadas se multiplicam pessoas, importa cada vez menos o mundo
exaustivamente e criam a fantasia de como cenário de vida e de
expansão da rede de relacionamentos, mas desenvolvimento pessoal, como
que, ao contrário, se revela cada vez mais possibilidade de construção da alteridade.
frágil e virtual. No lugar do mundo, colocam em evidência
Em todas essas situações mediadas os seus corpos customizados como objetos
pela máquina, observamos a ausência de a serem ofertados no mercado global do
um componente essencial ao consumo. A lógica do consumo é a da
desenvolvimento do indivíduo, a interação identidade, portanto se a imagem
emocional e simbólica com o OUTRO. Em autoconstruída é consumida ela é também
seu livro O Desenvolvimento da retroalimentada, mantendo o indivíduo
Personalidade, Jung (1981) trata desse aprisionado a uma fantasia de si mesmo.
tema e alerta para o perigo da relação mãe- Para que haja desenvolvimento
filho privada da afetividade e da fantasia. psicológico, a experiência da alteridade é
Mães que tratam os filhos a partir de necessária, ou seja, a individuação
perspectivas generalizantes e impessoais demanda a construção da relação EU-
paralisam o desenvolvimento de sua OUTRO. A psicoterapia nasce do
individualidade. As respostas mecanizadas reconhecimento dessa necessidade e
e intelectualizadas da mãe em relação ao operacionaliza o encontro humano com
filho não favorecem que ele construa uma fins terapêuticos. O papel de interlocutor
narrativa singular sobre a sua experiência e assumido pelo terapeuta e sua conexão
se reconheça como alguém diferenciado, emocional com o paciente oferecem, ao
restando-lhe a alternativa de corresponder mesmo tempo, um contexto de
às expectativas coletivas. acolhimento e alteridade necessários ao
A substituição das interações processo de individuação.
pessoais mediadas pelas trocas afetivas, A psicoterapia surge em um
materiais e simbólicas por interações momento histórico em que o indivíduo
mecânicas e impessoais gera um grande estava submerso em um mundo altamente
prejuízo para a sociedade e para a regulamentado. Nesse contexto, o foco
constituição da subjetividade. Não terapêutico era o desenvolvimento e o
nascemos humanos, tornamo-nos fortalecimento da individualidade a partir
humanos, o que significa que o humano em da diferenciação e da relativização das
nós é resultado de um processo realizado perspectivas coletivas hegemônicas. No
ao longo da vida por meio da interação mundo contemporâneo, caracterizado pela
indivíduo-cultura-sociedade. O que nos fluidez e pelo individualismo, a
torna humanos é a possibilidade de nos individuação deve ser promovida por meio
reconhecer no OUTRO, ou, em outras da reconexão emocional do indivíduo com
palavras, é a humanidade do OUTRO que o OUTRO, não numa relação de
nos humaniza. Para que isso ocorra, é identidade, e sim numa relação de
necessário o encontro afetivo entre pessoas alteridade, na qual o OUTRO possa
e grupos.

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oferecer os contornos necessários para a Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-


realização de si mesmo. modernidade. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar.
Considerações finais Braudrillard, J. (1991). Simulacros e
simulação. Lisboa: Relógio d’Água.
Enquanto na modernidade o Freud, S. (2010). O mal-estar na
homem sofria pelo excesso de rigidez e de civilização: novas conferências
controle, na atualidade sofre pelo excesso introdutórias à Psicanálise e outros
de fluidez e falta de referências. O controle textos. São Paulo: Companhia das
e a repressão que antes vinha do OUTRO Letras.
agora devem ser realizados pelo indivíduo Geli, C. (2018). Byung-Chul Han: “Hoje o
por meio do autoconhecimento. A história indivíduo se explora e acredita que
demonstra que o desenvolvimento da isso é realização”. El País.
civilização ocorre em ciclos e a passagem Recuperado em 20 março, 2019, de
de um ciclo a outro só é possível quando o https://brasil.elpais.com/brasil/2018/
esgotamento de um padrão dominante 02/07/cultura/1517989873_086219.h
desencadeia um movimento de mudança. tml.
Por meio dos conceitos de arquétipo e Giddens, A. (2001). Modernidade e
individuação, a Psicologia Analítica identidade pessoal. Oieiras: Celta.
oferece-nos ferramentas importantes para Han, B. C. (2015). Sociedade do cansaço.
refletir sobre esses processos, tanto no São Paulo: Vozes.
plano individual como no coletivo. A Hillman, J. (1981). Estudos de Psicologia
constelação de um arquétipo sempre ocorre Arquetípica. Rio de Janeiro:
por meio da polarização. O individualismo Achiamé.
e o coletivismo extremos, considerados Jacobi, J. (1957). Complexo, arquétipo e
como opostos, evidenciam aspectos símbolo na Psicologia de C. G. Jung.
negados ou que jamais estiveram na São Paulo: Cultrix.
consciência. Nesse sentido, para que os Jacobi, J. (2013). A Psicologia de C. G.
conflitos presentes na atualidade produzam Jung: uma introdução às obras
a transformação da sociedade e do completas. Petrópolis: Vozes.
indivíduo, será necessário que ocorra uma Jung, C. G. (1977). O homem e seus
solução criativa por meio da integração dos símbolos. Rio de Janeiro: Nova
aspectos inconscientes da nossa cultura. Fronteira.
Qual seria então a sociedade ou o Jung, C. G. (1981). O desenvolvimento da
indivíduo das próximas gerações? Diante personalidade. Petrópolis: Vozes.
das polarizações discutidas neste artigo, Jung, C. G. (1991). Tipos psicológicos.
seria possível visualizar uma condição Petrópolis: Vozes.
ideal, na qual as diferenças individuais se Jung, C. G. (1993). Civilização em
expressem em um contexto de interação e transição. Petrópolis: Vozes.
complementaridade, na qual o ego seja ao Jung, C. G. (2008). O Eu e o inconsciente.
mesmo tempo bem delimitado e flexível, Petrópolis: Vozes.
capaz de assimilar continuamente as Pieri, P. F. (2002). Dicionário junguiano.
respostas instintivas desencadeadas interna São Paulo: Paulus.
e externamente em seu devir histórico. Samuels, A. (1989). Jung e os pós-
junguianos. Rio de Janeiro: Imago.
Referências
Recebido em: 15/4/2019
Aprovado em: 30/4/2019

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