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Jr. M. D. A função transcendente: algumas reflexões sobre o processo de criação

A função transcendente: algumas reflexões sobre o processo de criação

Transcending function: some reflections on the process of creation

Función transcendente: algunas reflexiones sobre el proceso de creación

Maddi Damião Jr.1


Resumo

Neste artigo pretendo, utilizando a metodologia da análise textua

Em princípio será possível identificar uma dimensão conceitual e outra não conceitual, além destas
veremos como esse conceito nos leva à tematização de uma perspectiva ontológica na qual a obra de C.
G. Jung se sustenta. Por dimensão ontológica, enfadam-se as bases radicais que fundamentam a
concepção de homem e mundo, assim como o horizonte a partir do qual estes emergem. Veremos

psiquismo.

Palavras-chave: Epistemologia. Transdisciplinar. Função transcendente. Criatividade. Psicologia


Analítica.

Abstract

This paper pretends, by the method of textual analysis, to do an exegese to text Function Transcends ,
published in 1916, with the purpose of analyzing the various forms of these concept. By the way the
conceptual and non-conceptual aspects of the theory, as well their ontological perspective, at the work
of C. G. Jung is sustained. Ontological foundations are the radical bases that support the conception of
a world, as well as the horizon of emergency. See also the concept of Transcendent Function is
inseparable from the categories symbol and creativity , being homologous and doing a creative
function in the formation of the psyche.

Keywords: Epistemology. Transdisciplinary. Transcendent function. Creativity. Analytical Psychology.

Resumen

En este artículo me propongo, a través de la metodología del análisis textual, realizar una exégesis del
o de analizar las diversas dimensiones
de este concepto. En principio, será posible identificar una dimensión conceptual y no conceptual,
además de esto veremos cómo este concepto nos lleva a la tematización de una perspectiva ontológica
en la que se sustenta el trabajo de C. G. Jung. Por la dimensión ontológica, las bases radicales que
subyacen en la concepción del hombre y el mundo, así como el horizonte del que emergen, se vuelven
separable de las categorías

formación de la psique.

Palabras clave: Epistemología. Transdisciplinar. Función trascendente. Creatividad. Psicología


Analítica.

1
Psicólogo. Doutor em Psicologia (UFRJ). Professor Associado da Universidade Federal Fluminense. Membro-
analista da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica (RJ), filiada à IAAP.

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I Introdução fundamentos da própria dimensão do


humano por Jung, de uma maneira
O homem é corda estendida entre o animal operacional.
e o Super-homem: uma corda sobre um Por questão ontológica, entenda-se a
abismo; perigosa travessia, perigoso
caminhar, perigoso olhar para trás, perigoso
problematização, da origem radical do
tremer e parar. O grande do homem é ele ser existente, rompendo, assim, com a mera
uma ponte, e não uma meta; o que se pode descrição de fenômenos, que seria o campo
amar no homem é ele ser uma passagem e dos entes. Há assim uma ontologia em Jung,
um acabamento. (Nietzsche) que será aí explicitada.
A partir de uma intuição originária
Em 1916, Jung escreve um pequeno de Jung, poderemos afirmar que o
texto, que se encontra incluído no Vol. VIII humano/mundano são possuidores da
de suas Obras Compiladas, intitulado mesma origem e natureza que o símbolo.
Ao nos depararmos com
refere pela primeira vez, de forma Jung estaria fundando o
sistemática, ao que posteriormente virá a ser símbolo como modelo e estrutura
conhecido como imaginação ativa. organizadora para a construção de um saber
Pretendo desenvolver neste trabalho uma transdisciplinar, para uma episteme que
síntese de toda a sua cosmovisão e de sua perpassaria as dicotomias e limites do
prática clínica. Logo, este ensaio torna-se pensamento reducionista presente nas
fundamental para o entendimento das ciências humanas e, mais propriamente da
dimensões ontológicas e epistemológicas Psicologia, ainda hoje, desfazendo cisões
da Psicologia Analítica, assim como dos tais como homem-mundo, sujeito-objeto,
fundamentos da prática clínica. Nele, Jung psique-corpo e interno-externo.
utiliza-se do conceito extraído da Esse texto pode ser lido em diversos
Matemática denominado função níveis de hermenêutica, ou variados modos
transcendente Jung nos lança em um de compreensão, são metadiscursos que se
diálogo que aproxima as ciências humanas compõem a partir de outros discursos.
e as ciências exatas, desfazendo a dicotomia
entre ambas, encaminhando-se para um - Em um primeiro momento, pode
saber trans, que perpassará as diversas ser entendido como um trabalho
disciplinas e saberes, o que nos permite técnico/clínico, no qual se
afirmar que a Psicologia Analítica ou desenvolvem técnicas para acesso
complexa se funda, desde aí, como uma ao inconsciente e para o processo de
ciência transdisciplinar. iteração entre consciente e
Correntemente, o que se pode inconsciente, com ênfase
observar quando psicólogos junguianos propriamente na criação de
utilizam esse termo imagens;
é um tratamento técnico, - Num outro nível, um texto
ou seja, um recurso para se dizer do efeito, epistemológico, pois como se verá
ou consequência, da interação do ele aborda o problema dos modos de
inconsciente e da consciência, como se conhecimento do inconsciente e do
função transcendente fosse isto ou aquilo, consciente. Modo de distinção feita
um método ou técnica para alcançar um entre uma ênfase que seria dada no
determinado objetivo. Porém, além de ter aspecto estético do símbolo ou em
meramente uma dimensão operacional, com sua compreensão, tratando,
também, da questão da
problematiza-se a própria questão um modelo de ciência
ontológica, isto é, o solo a partir do qual que se basearia no sentido, em vez
homem e mundo se constituem, os

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da explicação. Nessa perspectiva, a pergunta feita por Jung; essa questão,


existe um aspecto metodológico do conforme diz, é a mesma colocada pelas
uso do termo como função e como religiões e filosofias. Todas as religiões
processo; tratam da questão do Ser, do sentido e,
- Por fim, pode-se entendê-lo em como nos diz Kolakowski (1981), todas as
seu aspecto ontológico, ao filosofias, ou melhor, todo filósofo, em
caracterizar o processo de formação última instância, estaria a lidar com a
do indivíduo, como se originando a questão do sentido de sua experiência, com
part algo que é do âmbito do valor; enfim, o fato
consciente e inconsciente. de se encontrar um certo dia habitante de
mundo e sofrendo suas vicissitudes, e
Jung (1916/1991), ao iniciar o texto, ocupar-se disso.
levanta um primeiro problema perguntando A autêntica Filosofia pode ser
descrita como a pré-ocupação com a
confrontar- questão do Ser (Zimmerman, 1986); tarefa
confrontarmos entendo ir em direção à... Ou que se determina como a escolha autêntica
ir contra, produzindo uma reação. Isso pode do filósofo em ser a abertura por meio da
dar alguma ideia dos esforços de qual o Ser se realiza, materializa-se, vem a
compreensão exigidos pelas primeiras existir como ente. A Filosofia não é, então,
tentativas de se chegar a uma visão sintética um emaranhado de conceitos teóricos a
do processo psíquico no tratamento serem adquiridos ou uma forma de
pedagogia do bem viver, não tendo uma
como veremos ao longo de todo o ensaio. utilidade prática. Como escolha e abertura
De que maneira podemos confrontar-nos que é, torna-se necessário um retornar
com o inconsciente? Esta é uma questão constante sobre o próprio Ser, tendo o
colocada pela filosofia da Índia, e de modo filósofo que, em sua inefável fugacidade, se
particular pelo Budismo e pela filosofia colocar a cada instante à sua escuta, escuta
Zen. Indiretamente, porém, é a questão de seus sinais; símbolos que se realizam e
fundamental , na prática de todas as atualizam como corpo e alma do ente. Em
vez de considerar apenas questões relativas
1916a, p. XI) à subjetividade, sua constituição e suas
Por visão sintética ou construtiva, preferências, há um descentramento, pois a
deve-se entender, também, a necessidade de questão não reside no sujeito e em sua
estabelecer um método hermenêutico, como pretensão de fundamento ontológico da
forma de compreensão dos processos verdade, mas no sentido ou interpretação
psíquicos a partir de sua narratividade e que dos sinais que se manifestam, tomando o
entende a questão do sentido como aquilo indivíduo e o mundo como sua voz. Nesse
que deve ser buscado. Em um descentrar-se do filósofo, ele se encontrará
encaminhamento hermenêutico, pode-se totalmente e inevitavelmente implicado,
dizer que Jung ao criar imagens e pois poderá (ou não) corresponder a essa
metáforas para descrever a experiência questão fundamental, como a abertura ou
psíquica atualiza a Psicologia como O inconsciente, com
atividade científica. Ele a situa em um efeito, não é isto ou aquilo, mas o
desconhecido que nos afeta imediatamente.
modo mais fidedigno, à psiquê. Possibilitar Ele nos aparece como de natureza psíquica,
que o sentido emerja é o processo de criação mas sobre sua verdadeira natureza sabemos
que se refaz no vigor da experiência tão pouco ou, em linguagem otimista
originária.
Qual a questão da Psicologia? Tal é 1989, p. 11)

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ou mais. Esses dois termos, como descritos


seria a experiência originária, a experiência por Jung, são o consciente e o inconsciente.
antepredicativa que Jung tenta resgatar em Ao se utilizar do
todo seu vigor por meio de imagens e Jung compara com a função
símbolos. Experiência radical que se transcendente matemática, uma função não
encontra na base de toda preocupação algébrica, aquela que não tem como raiz
religiosa, filosófica e psicológica, ou seja, números racionais, inteiros ou negativos.
fundamento, que seria inapreensível, imune Ele estabelece, assim, um quadro
à colonização pela razão, em sua epistemológico bem definido, pois em
radicalidade e que fundaria qualquer modo Matemática não restam dúvidas quanto ao
de constituição do humano. Dessa forma, que seja a função transcendente.
pode-se dizer que esse solo fundante, a
natureza é a própria força de geratividade,
força de criação que continuamente se entender algo de misterioso e por assim
dizer suprassensível ou metafísico, mas
renova. uma função que, por sua natureza, pode
pode-se
O inconsciente, conforme Jung, é a comparar com uma função matemática de
experiência antepredicativa e radical que igual denominação, e é uma função de
ultrapassa a subjetividade, a experiência números reais e imaginários. A função
imediata, que se torna apreensível
união dos conteúdos conscientes e
utilizando metáforas ou símbolos que serão inconscientes. (Jung, 1916a, p. 1)
construídos em cada época ou cultura como
modo de permitir que venha à luz e adquira Na Matemática,
forma; essas metáforas não são produtos de
um sujeito, não há uma vontade a criá-las, e são
surgem como a linguagem própria do bem definidos, são conceitos estabelecidos.
inconsciente e a constituição mais própria Porém no modelo que Jung pretende
da subjetividade. estabelecer, para a compreensão da
constituição do psiquismo e do humano,
[...] O símbolo precisa do homem para se
tornar. Mas ele vai além do homem, é por
não há uma clareza quanto ao modo de
entendimento que ele pretenderia, assim
ele expressa uma realidade espiritual (ou como para que ele se utiliza de um termo da
um fator) mais forte que o ego. (Eu o chamo Matemática ao descrever um processo
de Self). Esse fator é preexistente no psíquico, o que leva a uma série de
inconsciente coletivo, mas impotente até
que o Eu tenha se tornado consciente disso,
indagações.
só então ele se torna o mestre. ( Para que se possa ter uma
mais eu quem vive, é Cristo quem vive em compreensão adequada do que sejam os
processos que Jung descreve, faz-se
importantes. Daí o desaparecimento do necessário que se entenda o que é a função
tradução do
transcendente em Matemática, assim como
autor) a compreensão desse fenômeno que Jung
tenta circunscrever. O que se pretende não é
II Desenvolvimento deve-se ressaltar simplesmente transpor
um conceito matemático para a Psicologia
Segue Jung (1916/1961) dizendo ou vice-versa, mas esclarecer, com o
que não se deve entender a próprio fenômeno e a partir dele, o sentido
transcendente como algo de misterioso ou dessa intuição que diz sobre o processo de
omo função diz respeito a um constituição do psiquismo, possibilitar um
processo, conforme será visto, baseia-se em diálogo entre a Matemática e a Psicologia,
estabelecer uma relação entre dois termos, desfazendo a distância entre saberes.

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Em outras palavras, o que se indicar, mostrando que existe uma afinidade


pretende é o esclarecimento, a entre isso e a ideia que se encontra
compreensão, por intermédio do caminho operacional na Matemática pelo conceito de
pelo conceito de função transcendente e função transcendente. Tal como o
números transcendentes na Matemática,
assim como dos processos descritos por estranha que entra em operação mediante a
Jung. Para isso, demanda-se a dialética com o consciente e assim criará a
reconstituição do fenômeno, da intuição e função organizadora do psiquismo.
do horizonte para onde tal intuição aponta,
tematizando a noção de psiquismo em Jung
e o conceito matemático. Inquirir o texto a
partir dele próprio, ao reconstituir sua raiz, modo de colocar em relação dois termos
em vez de estabelecer algum modo de que, como se verá, são indetermináveis, e a
comparativismo ou associação que conduza partir dessa relação tanto a consciência
para fora do próprio texto, permite-nos quanto o inconsciente se constituem. Existe,
afirmar que estamos em um projeto porém, uma analogia entre o que ele designa
hermenêutico. como números reais e a consciência,
É interessante observar que Jung, ao conhecido, limitado, e os números

transcendente em Matemática, faz uso do inconscientes. O termo de relação entre os


conceito de números imaginários para não dois, dinâmica fundamental de integração e
dizer que explica de forma ambígua , ele formação do humano, a função. Jung indica,
não se atém à diferença entre números reais, por um lado, uma dicotomia entre
imaginários e transcendentes, definindo, consciente e inconsciente, por outro lado,
assim, a função transcendente como aceita um contínuo processo de integração,
constituída de números reais e imaginários. o qual não é apenas produto posterior a uma
O que do ponto de vista matemático estaria cisão originária, mas um modo de
errado, pois uma das características constituição radical, que se enraíza na
fundamentais da função transcendente é ter própria organização do psiquismo, pois o
como raiz números transcendentes, ela é inconsciente coletivo como origem e matriz
composta de números transcendentes. Do de todos os modos de desvelamento do
ponto de vista psicológico, para o que humano é a fonte da própria consciência.
pretende indicar, a noção de números A consciência não se constitui, para
imaginários pode ser considerada como Jung, a partir de uma cisão em relação ao
suficiente para a intuição da ideia originária inconsciente, pelo contrário, emerge deste e
permanece enquanto um modo de
função transcendente. desdobramento e de atividade específica
Porém, se não se olhar essa com suas peculiaridades, distinta do modo
definição apenas de uma forma redutiva, ou de funcionamento do inconsciente. Porém,
analítica, ter-se-á nesse ponto uma
indicação de que existe uma intuição originário do inconsciente, a consciência é,
original, um modo de compreensão não também, um modo de ser, de
racional que apreende relações totais, não desdobramento do próprio inconsciente. A
parciais ou categorizáveis, e nos encaminha função transcendente conduz, assim, para
esse enraizamento da consciência no
isto é, algo é intuído, apreendido não inconsciente, para a percepção da não
conceitualmente, porém que tem dicotomia entre ambos, um processo que se
necessidade de ser expresso por meio deste. atualiza como princípio de organização
operacional encaminha, também, para o

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princípio por meio do qual um e outro percebidos psicologicamente e não de


emergem como próprios. forma literal. Esse processo não é de forma
Consciência, para Jung, é um alguma separado da reflexão para Jung.
processo momentâneo de adaptação, ao Reflexão seria o mesmo que tornar-se
passo que o inconsciente contém não só
todo o material esquecido do passado 1980), processo de integração e apreensão.
individual, mas todos os traços
fundamentais herdados que constituem a A reflexão não deve ser entendida
simplesmente como um ato de pensamento,
mas sim como uma atitude... Como o
inconsciente contém, também, todas as
combinações de fantasia que ainda não -
ultrapassaram a intensidade liminar e, com reflexão é um ato espiritual que vai em
o correr do tempo e em circunstâncias sentido contrário ao processo natural; um
favoráveis, entrarão no campo luminoso da ato no qual nós paramos, chamamos alguma
coisa à mente, como uma imagem, e
consciência. Existe um processo de estabelecemos uma relação que nos situa
com o que vimos. (Jung, 1942, p. 48)
da consciência, ou melhor, a própria
consciência, emerge do inconsciente, A reflexão não se daria de maneira
modifica seu modo de ser, modificação representativa e sim como resultado de
qualitativa que decorre de trocas de energia
entre consciente e inconsciente.
Teoricamente, é impossível dizer até onde possibilite ao indivíduo integrar isso com o
vão os limites do campo da consciência, que aprendeu e senti-lo como relevante,
porque este pode estender-se de modo apreendendo e gerando um sentido para sua
indeterminado. Empiricamente, porém, ele vida.
alcança sempre o seu limite, todas as vezes O inconsciente seria inconsciente
apenas a partir do ponto de vista do homem,
1954, p. 3). não necessariamente em si mesmo ou por si
Pode-se dizer, de acordo com Jung mesmo; esse termo descreve uma qualidade
(1954), que entre o inconsciente e o da vida que é vivida, não alguma entidade
consciente há uma ambiguidade. Existiria metafísica substancializada. Tem um modo
uma consciência coletiva e heroica que seria de compreensão, mesmo que não seja
uma forma de inconsciência, e o reconhecido pela consciência
inconsciente teria sua própria forma de representacional. Ele seria, então, uma
intencionalidade operativa, sendo uma consciência ambígua, uma encarnação
forma de consciência. Geralmente ele existencial e nascente, à qual faltaria,
prefere o termo consciente para se referir à entretanto, autorreflexão e apropriação.
capacidade de refletir sobre, apreciar. A O inconsciente como
apreciação seria a forma própria da intencionalidade encarnada e corporificada
intencionalidade encarnada, pré-reflexiva estaria sempre presente nos
ou vivida inconscientemente, de apreensão relacionamentos interpessoais, tornando-se
da existência e da experiência. disponível na experiência. Poder-se-ia dizer
A apropriação seria o ato de que não haveria, então, apenas processos de
projeção de um inconsciente subjetivo
indivíduo aceitar suas próprias experiências sobre o mundo. O que se chama por
como algo pertencente a si mesmo, projeção seria a apropriação e vivência de
assumindo seu destino, em vez de se um modo de ser e de uma maneira do
massificar. Ela se daria como o processo inconsciente se manifestar por meio dos
pelo qual as coisas, imagens e eventos são relacionamentos. O outro e o mundo fazem

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parte dessa intencionalidade encarnada e 3. A consciência constitui o processo


são horizontes de manifestação e geração de momentâneo de adaptação, ao passo que o
inconsciente contém não apenas todo o
sentido tanto quanto o próprio indivíduo. material esquecido do próprio passado do
O horizonte da consciência poderia indivíduo, mas todos os traços de
apenas refletir de uma forma incompleta a comportamento herdados que constituem
existência que se encontra desde seu todas as combinações de fantasia. (Jung,
princípio vivida de forma inconsciente. A 1916a, p. 69)
autocompreensão ou o autoconhecimento
nunca seriam transparentes para o eu, por A consciência seria formada por um
causa da opacidade impessoal do modo de organização que implica
fundamento da vida, que é o solo da persistência, regularidade e
consciência. Tanto a consciência quanto o intencionalidade. Desdobra-se, assim,
inconsciente seriam inapreensíveis em sua como temporalidade linear e não
forma última, pois a própria vida ante- contraditória, com a organização da
predicativa, o inconsciente, é um momento experiência dentro de um princípio de
de abertura e de uma síntese inacabada, continuidade e trajetória. À medida que, ao
dando-se como revelação e ocultamento. perfazer trocas com o inconsciente, a
Jung (1916/1991) inicia o texto de energia dos conteúdos deste aumenta ou
a diminui, a consciência, como um complexo,
experiência na Psicologia Analítica tem necessita de energia para que os
mostrado que o consciente e o inconsciente
raramente concordam em termos de de ser e de suas experiências) se mantenham
conteúdos e tendências. Existiria uma falta ligados em uma unidade organizada.
Unidade essa que mantém os princípios de
intencional. Essa justificativa se encontra organização e funcionamento da
no fato de o inconsciente agir, ter uma consciência, ou seja, a unidade da
atitude, complementar ou compensatória consciência asseguraria a linearidade, a não
em relação ao consciente. Assim, existiria contradição, concentração e categorização
um processo de contínua troca entre ambos, do mundo como algo estável e permanente,
se por um lado há uma diferenciação, por mantendo, assim, a possibilidade de uma
outro há, também, um processo de continuidade do próprio existir humano
unificação desses dois termos em uma dentro de fronteiras seguras ao evitar o
unidade dinâmica. confronto com a multiplicidade e
A diferença entre os dois termos, dinamismo do inconsciente, o que surgiria
consciente e inconsciente, é como se vê uma como ameaça para a manutenção da
diferença de atitude, ou, por assim dizer, de consciência.
dois modos complementares de A consciência é um princípio de
constituição da realidade da experiência. O relação, o colocar em conjunto, reunir e
consciente tem um modo de recolher.

Eu entendo por consciência o colocar em


caracterizaria por: conexão com o eu os conteúdos psíquicos;
existe consciência na medida em que o eu
1. A consciência possui uma intensidade percebe esta relação. As relações com o eu
limiar que seu conteúdo deve ter alcançado, que esta não percebe como tais são
de modo que todos os elementos que estão inconscientes. A consciência é a função, ou
fracos demais permaneçam no atividade, que entretém as relações dos
inconsciente. conteúdos psíquicos com o eu. Para mim, a
2. A consciência, por causa de suas funções consciência não é idêntica à psique que
dirigidas, exerce uma inibição em todo constitui a totalidade dos conteúdos
material incompatível, com o resultado de psíquicos. Ou, todos não são
que afunda no inconsciente. necessariamente ligados ao eu; eles não

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participam sempre a ponto de possuir a inusual, o que poderia enriquecer


qualidade de consciência. (Jung, 1921, p. substancialmente o processo da
421)
consciência, por meio da inserção de novos
elementos, ou novas direções. Assim,
Para a manutenção dessa unidade
estável, faz-se necessário um modo de o processo dirigido se torna
compreensão do mundo e do homem, em necessariamente unilateral, mesmo que o
que estes sejam entendidos como estáveis, julgamento racional pareça plurilateral e
passíveis de certeza e determinação. Assim, despreconcebido.
a consciência se compreende como algo [...] A própria racionalidade do julgamento
é um preconceito da pior espécie, porque
destacado do mundo, cindida, como uma chamamos de racional aquilo que nos
presentacional ou em parece racional. Aquilo, portanto, que nos
contraposição à natureza. Pois bem, se parece irracional, está de antemão fadado à
existe um antagonismo dessa forma, cabe à exclusão, justamente por causa de seu
consciência assegurar sua preservação, e caráter irracional, que pode ser realmente
irracional, mas pode igualmente apenas
para tal deverá estabelecer leis, regras, e a parecer irracional, sem o ser em sentido
certeza como fundamento do conhecer. mais alto. (Jung, 1916a, p. 3)
Transforma, como consequência, tudo
aquilo que não é suscetível de ser subjugado Todo modo de compreensão se
daria, então, a partir de um horizonte
preestabelecido, ou de um paradigma no
considerado como possuidor de uma qual a consciência se encontra constituída.
validade, a não ser que se submeta à sua A partir dessa perspectiva, qualquer
medida. conhecimento, ou modo de compreensão de
Já o inconsciente tem como forma algum fenômeno extrínseco ao modo de
de organização o modo de funcionamento constituição e aos referenciais da
consciência, são colocados em suspenso ou
constitui. O modo de organização do mesmo excluídos de seu campo de
inconsciente é solidário ao modo de tematização
funcionamento dos símbolos. Todas e imprevisibilidade, seriam transtornos ou
quaisquer combinações são possíveis, o que
vigora aí é o sentido, o logos, e não a ser evitados e combatidos para que o modo
racionalidade, ou a representação. de compreensão baseado na certeza, na
O fato de a consciência ter um modo regularidade, se perpetue. Consome, assim,
de funcionamento que a torna dirigida para uma grande quantidade de energia, a
um fim traz desvantagens, pois implica na consciência, para a manutenção de sua
inibição ou bloqueio de todos os elementos estabilidade.
psíquicos que possam ser incompatíveis. Os Jung discorre sobre a unilateralidade
elementos capazes de mudar a direção da consciência. Unilateralidade que gera
preestabelecida conduzem, assim, a um fim uma contraposição do inconsciente, assim,
não desejável, rompendo com a trajetória quanto maior for a unilateralidade, a
estabelecida pela consciência e sua certeza. tendência oposta irrompe na consciência.
Todo julgamento da consciência, nesse Essa unilateralidade da consciência traz
âmbito, se estabelece de forma parcial e para si própria um problema, que é o modo
preconcebido, pois escolhe uma de integrar aquilo que se tenta excluir, como
possibilidade particular em detrimento de
todas as outras. O julgamento, como diz estranhos à consciência. Ou seja, implica
Jung, se baseia na experiência, isto é, em como a consciência pode efetivamente
naquilo que já é conhecido. Não se baseia se transformar, sem apenas repetir seus
no novo, no que ainda é desconhecido ou modos de desdobramento ou permanecer

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num modo de transformação impróprio, no organização que indica que existe uma
qual transformação torna-se simplesmente intencionalidade, uma direção, desde a
repetir a si-própria de maneiras variadas, origem, radical. Essa intencionalidade,
sem modificação em seus modos de relação princípio de organização, é dinâmica,
com o m [...] A questão é esta: que caracteriza-se por estabelecer relações,
espécie de atitude espiritual e moral é compor malhas, criar símbolos. Como diz
necessária adotar frente às influências
perturbadoras, e como se pode comunicá-la constituída pelas tendências, porém, cabe
(Jung, 1916a, p. 5). ressaltar que ela se manifesta como uma
O que se observa, ao longo do formação a partir das tendências da
exposto, são temas que permeiam o consciência e do inconsciente. Entende-se
pensamento de Jung, a partir de sua intuição por isso que ela existiria como uma
daquilo que pretende desenvolver em virtualidade em sua qualidade de função,
O tema central é da forma, princípio ou archê de
separação/dicotomia entre consciente e organização/unidade, tornando-se
inconsciente, uma dicotomia que apesar de manifesta, emergindo no próprio processo
efetiva não é constitutiva do humano, pois o de unificação das tendências.
que se pretende é a aproximação e a Para Jung (1916a), o terapeuta na
integração de ambos. Essa dicotomia seria, situação analítica se faz de função
por um lado, o que possibilitaria a transcendente, isto é, torna-se o processo de
existência da consciência, como uma função transcendente, ao ajudar o paciente
distinção, porém; por outro lado, é o que a a unir o inconsciente e o consciente,
torna defensiva e rígida, impedindo sua promovendo uma mudança de atitude,
transformação, sem a qual se torna passível passa a se constituir como uma
de extinção. manifestação do processo simbólico.
Como exposto anteriormente, em Assim, clinicamente, ele desempenharia o
última instância, existe uma unidade papel de um símbolo interativo do
radical, multiplicidade que se diferencia e psiquismo do paciente, um símbolo que é
se integra, formando uma unidade que constituído pela relação entre ambos, ao
subsiste enquanto fluidez e potência mesmo tempo em que se abre como uma
criadora. Essa unidade emergiria a partir da dimensão do inconsciente no qual os dois
dinâmica associativa, integrativa, da estão enraizados, realizando a misterium
conjunctionis.
conglomerado de ideias e afetos, como Um dos aspectos da transferência
define Jung. reside na função que o terapeuta assume de
A resposta para essa cisão consiste, encarnar
como diz Jung, em suprimir a separação ele se torna uma epifania do processo de
vigente entre a consciência e o inconsciente. integração e mudança psíquica que, do
Porém, não se pode fazer isso, ponto de vista externo, se nomeia de
unilateralmente os conteúdos do transferência, porém, do ponto de vista
. É chamada de transcendente interno, é um símbolo que se refere
porque torna possível organicamente a também, mas não somente, ao paciente, e ao
passagem de uma atitude para a outra, sem que ele tem de mais próprio. A transferência
é o veículo pelo qual o paciente procura a
o que vigora a partir do mudança vital de atitude, de forma
âmbito em que existe uma unidade inconsciente, mudança essa que estará
originária, algo de misterioso, que é o associada à relação com o terapeuta que se
inconsciente coletivo a partir do qual um e encontra diante dele.
outro se constituem. É um princípio de transferência não deve ser procurada nos

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seus antecedentes históricos, mas no seu dos modos de ser, aquilo que impera e
Se a sustenta em seu horizonte.
transferência se constitui como um processo
legítimo de criação de realidade psíquica, a Mas também pode ser usado como um método;
interpretação e o trabalho da transferência isto é, quando a vontade contrária do
inconsciente é buscada e reconhecida em
no aspecto redutivo tornam-se limitantes sonhos e outros produtos inconscientes. Desta
para sua compreensão, requerendo, assim, forma, a personalidade consciente é
Jung, 1916a, p. confrontada com a contraposição do
6 ), que se basearia em seu aspecto uncouscious. O conflito resultante graças
teleológico e em seu sentido. precisamente à função transcendente leva a
um símbolo que une as posições opostas. O
Interessante de se observar a relação símbolo não pode ser conscientemente
estabelecida por Jung entre esse processo de escolhido nem construído; é uma espécie de
relação entre duas pessoas que se estabelece intuição ou revelação. (Jung apud Dehing,
na prática clínica, à medida que o cliente 1992, p. 18)
consegue estabelecer uma relação de
diálogo com o terapeuta e identificá-lo Jung define a função transcendente
como o outro que se encontra diante de si,
torna-se possível a integração desse outro
que é ele próprio. A transferência não seria, de opostos, e a partir dessa reconciliação
assim, meramente um processo de uma nova coisa é sempre criada, uma nova
coisa é realizada. Esse processo não lida
subentendida a partir do sentido do próprio como se
termo. O que se chama de transferência depreende, é a interação e integração em um
pode ser entendido como um processo de todo, múltiplo e dinâmico, do inconsciente
interação de uma realidade, o inconsciente, com o consciente. Isto é, a função
que não se encontra restrito a uma
interioridade.
Como método (Mattoon, 1992), a O símbolo é o mecanismo pelo qual
função transcendente, é um processo a dicotomia entre consciente e inconsciente
natural , uma função psicológica presente será desfeita, entre externo e interno, pois
em todo indivíduo. Ela se encontra, assim,
intimamente ligada ao método sintético ou psiquismo como uma totalidade não
construtivo. Mas quanto a isso Jung parece fragmentada, ou seja, o símbolo reúne em
um tanto ambíguo: sua constituição todas as possibilidades de
entender que eu escrevo sobre coisas que compreensão e reúne os opostos em uma
realmente acontecem, e eu não estou unidade não fragmentada. Dessa forma, o
(Jung símbolo é a função transcendente tanto
apud Mattoon,1992, p. 11). Essa quanto é o processo pelo qual a função
ambiguidade pode ser entendida como a transcendente se realiza.
dificuldade de exposição de uma ideia que
permanece como fundamento e vigora a O alternar-se de argumentos e de afetos
forma a função transcendente dos opostos.
cada momento do processo de constituição A confrontação entre as posições contrárias
do humano. Ao falar do processo de gera uma tensão carregada de energia que
individuação e do processo terapêutico, produz algo de vivo , um terceiro elemento
identifica-se como não existe uma solução que não é um aborto lógico, consoante o
de continuidade, e entende-se que Jung fala princípio: tertium non datur [ não há um
terceiro integrante], mas um deslocamento
de uma origem, não um início ou fator a partir da suspensão entre os opostos e que
causal, origem como sendo aquilo que leva a um novo nível de ser , a uma nova
vigora desde já, sendo raiz e permanência situação. A função transcendente aparece

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como uma das propriedades características transcendente


dos opostos aproximados. (Jung, 1916a, p.
22)
é, a imagem onírica ou a fantasia, não mais
Como expõe Dehing (1992), a semioticamente, como sinal, por assim
função transcendente, como a função dizer, de processos instintivos elementares,
mediadora entre os opostos, é mas simbolicamente, no verdadeiro
sentido, entendendo-
arquetipicamente fundada e constitui, desse termo que melhor traduz um fato complexo
modo, a estrutura do indivíduo. Assim, e ainda não claramente apreendido pela
aquilo que será experienciado como a consciência. (Jung, 1916a, p. 7)
individualidade ou a experiência do
humano surge a partir desses processos de Por meio do método sintético, de
integração. constituição de sínteses, a função
Essa função pode se iniciar e transcendente nos conduz para um modo de
conduzir ao processo de individuação compreensão que seja solidário do modo de
independente de qualquer processo constituição de uma realidade não redutível
terapêutico ou de reflexão; faz parte de à explicação. Traz-se à tona a necessidade
todas as práticas religiosas e caracterizaria de narrativas que gerem significados em vez
o verdadeiro filósofo, como exposto de categorias que são regidas pela pretensão
anteriormente. Certas práticas terapêuticas de validade e certeza. O analista sustenta a
podem desencadeá-la ou conduzir a ela. Sua função transcendente, principalmente pela
atividade conduz à formação de símbolos e análise dos sonhos e de sua força criadora,
à união dos opostos, não como uma simples método ideal de sintetizar os
reunião de polos antitéticos. Há um conflito . O
que deve ser assumido e integrado pela analista deverá ser um mythographos, um
consciência o sofrimento não pode ser narrador de mitos, fazendo uso da
negado e a tensão tem que ser suportada. imaginação como ferramenta de criação de
Isso pode parecer um ato heroico, de O tratamento construtivo do
decisão e vontade a ser desempenhado pelo inconsciente, isto é, a questão do seu
ego, mas não é essa a intenção que se significado e de sua finalidade nos fornece
percebe em Jung, pois para ele o ego e a a base para a compreensão do processo que
consciência se encontram fundados no
vigor e no horizonte da psique que conduz 1916a, p. 7).
e delineia todo o processo. Pressupõe-se, Para produzir a função, precisamos
assim, uma acolhida, uma abertura e uma do material inconsciente, seja de qual forma
entrega do sujeito como o hospedeiro for, isto é, o inconsciente será a matriz, o
dessas imagens e ao mesmo tempo de sua archê a partir do qual serão produzidos os
morte e transformação nelas; o indivíduo, símbolos como função integradora e
pela acolhida, recolhe-se junto como uma transformadora.
nova imagem que surge. Para Jung se é
[...] Características do abaissement du
niveau mental, da baixa tensão energética:
descontinuidade lógica, caráter
um novo sujeito surge desse encontro, a fragmentário, formação de analogias,
cada instante em que o símbolo é criado. A associações superficiais de natureza verbal,
atitude que se requer do sujeito é aquela tida sonora ou visual, contaminações,
por Filemon o personagem que Jung irracionalidade de expressão, confusão, etc.
pintou e com o qual passeava e dialogava Com o aumento da tensão energética, os
sonhos adquirem um caráter mais
(acolhia) em seus anos de crise o único a ordenado, tornam-se dramaticamente
abrir suas portas para Zeus. compostos, revelam uma conexão clara de
Como método, com efeito, a função sentido, e cresce o valor de suas

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associações. (Jung, 1916a, p. 9) símbolo é criado, em que há transformação.


Como função, Dehing (1992) indica
O método torna-se meio de um processo de interação entre variáveis
produção de fantasias, isto é, de símbolos,
os quais resgatarão a experiência como
enraizamento nos afetos, ou seja, o aspecto combinadas por elementos conscientes e
energético da constituição da experiência. inconscientes, uma constante cooperação de
Isso está indicado ao se propor como um fatores conscientes e inconscientes, por
começo da função transcendente o ser colocar em relação elementos diversos e
afetado pelas imagens, em que ele se desempenhar um papel ordenador, porém
converte em uma ideia mais ou menos clara sem ser determinista.
e articulada, graças ao apoio da consciência. Esse processo, proporcionado pela
A importância do afeto está em ele ser uma função, tem um aspecto no qual a dinâmica
disposição pela qual o indivíduo se enraíza e a interação dos opostos são de profunda
e se abre qualitativamente ao mundo, o importância. Como função, sua tarefa
afeto é forma de compreensão de mundo. principal seria possibilitar esse mesmo
Logo, o afeto resgataria a dimensão processo de interação de tal forma que a
qualitativa, a cadeia de vínculos, que multiplicidade e a dinamicidade dos
enraízam homem e mundo, e o que era elementos psíquicos possam emergir como
anteriormente não relacionado converte-se um todo. Esse todo é uma síntese não
em uma ideia mais ou menos clara e acabada, pois como função estabelece
articulada, graças ao apoio da consciência. relações constantes.
Como um processo, vemos que Jung Essa experiência complexa provém
refere-se constantemente à função como do inconsciente (Dehing, 1992). A
uma relação entre dois elementos, como iniciativa também provém do inconsciente,
uma função matemática, mas em outras mas toda crítica, escolha e decisão repousa
passagens a define, também, como uma
uma
experiência pessoal involuntária [...], um ela surge a partir da tensão gerada pelo
Jung apud conflito dos opostos. Ela se revela como um
Dehing, 1992, p. 17). Isso modo de apreensão mediada pelos
processo parcial seguindo um curso arquétipos e capaz de unir os opostos. Jung
condicionado; é um evento total e integral postula, assim, o caráter arquetípico da
no qual todos os aspectos são, ou deveriam função transcendente, processo de ligação e
operacionalidade de duas variáveis que
Nos seus textos sobre o processo de podem ser descritas, em nível psicológico,
individuação, as referências em torno da como elementos provenientes dos
relação entre função transcendente e determinantes históricos temporais, ou seja,
processo de individuação tornam-se a função reuniria os aspectos cotidianos,
explícitas: a função transcendente é determinantes culturais, situacionais com o
considerada como parte desse processo. vigor criativo do inconsciente, formando
Algumas vezes a função transcendente é então o que será um novo modo de
identificada com a conjunção do constituição da personalidade. Essa
inconsciente e do consciente, a transição personalidade será assim um novo símbolo
para o Selbst (Dehing, 1992). que emerge como a própria função. É
interessante notar que do ponto de vista
clínico o que se caracterizaria com isso é
isto é, um novo homem surge desse que uma personalidade sadia e forte seria
encontro, surge a cada instante em que o aquela que permite ser a síntese dos

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opostos, em vez de permanecer, apenas, de Pode-


um modo estático e conservadoramente ébito, porque
preservando um estado de referência para na correspondência se responde, se escuta e
si-própria imutável, ou seja, a formação da se está, sendo assim, tanto recebendo
personalidade é um processo de criação, ser quanto disponibilizando aquilo que lhe é
é criar. demandado. Como acomodação, estar de
Em seus aspectos clínicos, acordo com algo é se enraizar nesse algo.
continuando, Jung discorre sobre a Acomodar-se é instalar-se, assim,
importância da imagem, que pode expressar consciente e inconsciente quando se
o distúrbio emocional, pois a imagem lhe acomodam significaria que um e outro se
confere uma forma visível. Para tal, encontram instalados reciprocamente, sem
preponderância de um ou de outro, estando,
Importa menos uma descrição tecnicamente ambos, enraizados como uma unidade
ou esteticamente satisfatória, do que deixar múltipla, porém, estável.
campo livre à fantasia, e que tudo se faça da
melhor modo possível. Aqui também tem-
O tratamento das neuroses é uma
se um produto que foi influenciado tanto renovação da personalidade geral e que
pela consciência como pelo inconsciente, repercute em todos os domínios da vida. O
produto que corporifica o anseio de luz, por processo de transformação se faz necessário
parte do inconsciente, e de substância por
parte da consciência. (Jung, 1916a, p. 15)
transformação são aspectos indissolúveis,
implicadas no processo de formação
A atitude da consciência é a de se
simbólico, isto é, durante o processo de
posicionar em acordo com o inconsciente,
formação do símbolo, cura e transformação,
colocando, assim, seus conteúdos como
não existiria solução de continuidade.
meio de expressão do inconsciente, porém
Isso implica que, numa perspectiva
sem orientar a forma pela qual o
psicopatológica, o sintoma e o transtorno
inconsciente lidará com esses elementos. A
psíquico seriam decorrentes de uma
condução do processo é deixada à
Esta situação
quando a consciência se fecha para o
representa uma espécie de retrocesso do
inconsciente, posicionando-se como
ponto de vista consciente, e é sentida como
medida e parâmetro de avaliação de tais
(Jung, 2016a, p. 18). Isso do
processos, ela se enrijece e perde a
ponto de vista de uma consciência que se
capacidade de se tornar um processo
compreende como regida pelos critérios de
simbólico, o símbolo morre e torna-se
certeza e baseia-se em um modo de pensar
signo.
em que o logos tornou-se sinônimo de
Outra forma de se ativar a função
razão. Porém, em função dessas
transcendente é pela introversão da libido.
características, a consciência se coloca,
O que se obtém com o material simbólico
muitas vezes, em oposição ao inconsciente,
produzido pela ativação do inconsciente, a
dispondo de energia considerável para
realização da função transcendente, implica
a não existência de uma resposta a priori,
continuidade e identidade.
pois somente quando a consciência é
Jung descreve esse processo de
confrontada com os elementos do
formação de consciência, ou transformação,
inconsciente é que se produz aquela reação
com o
inconsciente, em que tanto valor é dado à
consciência quanto ao inconsciente. Entrar
Só a experiência é capaz de dizer
em acordo significa corresponder, isto é,
alguma coisa sobre o que aconteceu.
estar disponível e, dessa forma, responder
Conforme Jung, existiriam duas atitudes
de maneira espontânea e em prontidão.

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diante do conhecimento ou duas tendências e irracionais, estaria indicando a


como modos de elaboração da experiência possibilidade de maneiras de conhecer que
e sua compreensão. Uma delas vai em não seriam redutíveis somente a uma
direção à formulação criativa, e a outra em função, seria preciso para tal que o homem
Jung, 2016a, p. se pautasse em todas as funções de
[...] Até onde é possível, no momento, conhecimento para poder apreender a
tirar conclusões de caráter mais genérico, a experiência. Porém, mesmo assim, algo
formulação estética precisa da compreensão sempre lhe escapa, pois a experiência é
do significado do material, e a sempre fundada a partir do inconsciente,
compreensão, por sua vez, precisa da assim como vigora em toda a sua
formulação estética. As duas se completam, Jung,
2016a, p. 21), dessa forma, toda e qualquer
2016a, p. 17). experiência é sempre simbólica.

III Considerações finais [...] Muitas vezes as mãos sabem resolver


enigmas que o intelecto em vão lutou por
compreender. Modelando um sonho,
A formulação criativa e podemos continuar a sonhá-lo com mais
compreensão seriam maneiras detalhes, em estado de vigília, e um
complementares de entendimento dos acontecimento isolado, inicialmente
processos psíquicos implicados na função ininteligível, pode ser integrado na esfera
transcendente. Onde predomina o da personalidade total, embora inicialmente
o sujeito não tenha consciência disto. A
pensamento, este esforça-se para compreensão a que aludimos neste estágio
compreender o sentido do produto consiste em reconstituir o sentido que,
inconsciente. Esse sentido pode ser hipoteticamente, parece inerente à ideia
apreendido por meio de uma compreensão
intuitiva.
Assim, se entende a ênfase dada ao
(Jung, 2016a, p. 17). A tipologia torna-se,
assim, modelo de uma epistemologia da esse modo de construção do conhecimento
psique e a função psicológica orientará a não se baseia apenas em razões
direção tomada em relação ao explicativas, baseia-se na experiência
conhecimento. Porém, o perigo do desejo primeira, antepredicativa, como forma de
de entender o sentido material tratado está organização de sentido. Como se vê no
em supervalorizar o aspecto do conteúdo
que está submetido a uma análise e a uma também os mitos organizam a realidade por
interpretação intelectual, o que faz com que meio do fazer, maneiras de construção de
se perca o caráter essencialmente simbólico sentido e organização da relação de homem
do objeto. e mundo, as quais não demandam para tal
Quanto ao modo de compreender de sofisticadas elaborações explicativas ou
(Jung, 2016a, p. 21), o que se depreende é ferramentas.
que a compreensão torna-se um processo no Quando se consegue formular o
qual o entendimento racional ou conceitual conteúdo inconsciente e entender o sentido
não se faz totalmente necessário. da formulação, surge a questão de saber
Compreensão seria um processo de como o ego se comporta diante dessa
integração da experiência em sua situação. Tem, assim, início a confrontação
totalidade, não passível de ser totalmente entre o ego eo
integrada pela consciência, pois trata-se de inconsciente. Essa é a segunda e a mais
uma experiência simbólica. Como se vê, importante etapa do procedimento, isto é, a
Jung, ao discriminar entre funções racionais aproximação dos opostos, da qual resulta o

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aparecimento de um terceiro elemento que infinitas, perdendo a dimensão do todo. Ao


tentar abordar um tema tão obscuro, do
, ou seja, o ponto de vista da Psicologia e da
próprio símbolo. epistemologia, Jung estaria indicando a
primazia daquilo que se põe como
processo parcial, mas um acontecimento fundamento da questão do conhecimento
integral. Implica, dessa forma, todos os tanto quanto da interpretação. Isso quer
aspectos do processo psíquico, bem como dizer que nos encaminhamos, por meio da
tudo aquilo que se refere à experiência e ao obra de Jung, para a questão do sentido, que
modo de constituição da relação homem- se constrói na dinâmica de constituição do
mundo. homem e mundo, assim como para um
modelo não representacional do
Como o processo de confrontação com o conhecimento, ou seja, conhecer é criar.
elemento contrário tem caráter de Isso implica configurações da realidade
totalidade, nada fica excluído dele. Tudo se
acha envolvido na discussão, embora se
homem e mundo , que é o resultado do
tenha consciência de alguns fragmentos. A encontro entre variáveis infinitas,
consciência é ampliada continuamente, ou temporalidade e atemporalidade, dada a
para sermos mais exatos poderia ser forma originária à qual Jung nomeia por
ampliada pela confrontação dos conteúdos inconsciente coletivo.
até então inconscientes, se desse ao cuidado
de integrá-los. (Jung, 2016a, p. 23)
Quando alguém reflete sobre o que a
consciência realmente é, se é
O símbolo, como experiência que profundamente impressionado pela
inclui essas características, é uma extrema maravilha do fato que um evento
experiência total, o que implica constituição que tem lugar externamente no cosmos
de mundo e intencionalidade, e será aquilo simultaneamente produz uma imagem
interna, que toma lugar, por assim dizer,
que vigora como princípio de constituição também internamente, o que é dizer: torna-
da realidade. Compreender o símbolo torna- se consciente...
se, assim, compreender seu modo de ser, Pois na verdade nossa consciência não é
resgatar a experiência em sua criada por si-mesma ela brota de
multiplicidade e o modo de ser originário do profundidades desconhecidas. Na infância
ela desperta gradualmente do sono de uma
indivíduo e constituição da personalidade. condição inconsciente. É como uma criança
que nasce diariamente do útero primordial
Quando estudantes de psicologia junguiana do inconsciente. (Jung, 1943/1980, p. 575)

ao saber que Jung iguala isto com


A personalidade é descrita como a

símbolo verdadeiro é em si transcendente e

símbolo transforma ao reunificar opostos e inconsciente, para Jung, não é apenas


os transcende. Como Jung coloca, a função
uma
determinado pela história do sujeito, o
condição para a outra.(Let-1, p. 268 apud
Matoon 1992, p. 11)
o surgimento da personalidade. O
Ao se falar em objetivo/subjetivo,
matéria/psique, interno/externo seria,
também, recair em polarizações, que (Jung, 1946) que constitui a personalidade.
quando dicotomizadas conduzem ao
reducionismo, isto é, à cristalização de um
dos termos do conjunto de possibilidades para frisar que a psique é dificilmente

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sujeita à vontade, mas ao invés vive seu Dinâmica de interação e assimilação


próprio destino, e afeta aos indivíduos quer entre consciente e inconsciente, pela
gostem ou não, como certamente faz a
Jung estaria
essencialmente equivalente ao indicando o processo de constituição do
inconsciente, [...], a introdução do termo próprio indivíduo, ou seja, o modo pelo qual
ao contrário, é um adjetivo que frisa processo, como se vê, é solidário e análogo
compreendida ou limitada pelas fronteiras
ao processo de constituição dos símbolos, o
da individualidade pessoal, cuja psicologia que permite considerar que o próprio

Então, não se está estritamente falando da radical uma solidariedade com o próprio
psique dela ou dele mas sim da psique na símbolo, isto é, são símbolos e como tal
qual ele ou ela possuem perspectivas
individuais e desempenham suas partes.
devem ser tratados.
(Brooke, 1991, p.77) Em outras palavras, homem e
símbolo, na perspectiva junguiana, seriam
A totalidade não é algo determinado, homólogos, sendo assim, o homem, a
não é a construção de um conjunto ou de consciência a personalidade , são
uma estrutura fechada seria descrita como símbolos, não como representações de algo,
personalidade , mas sim um todo que se mas sim como processos de integração e
constitui na indeterminação do síntese de realidades e mundo

arte inconsciente, cujos interação entre imaginário e real, ou


limites não podem ser demarcados, é que o inconsciente e consciente. A função
transcendente mostra-se,
(Jung, 1943, p. 149). A personalidade torna- consequentemente, como um argumento
se, então, um projeto em processo de que nos conduz às formas de organização e
realização constante cuja natureza é às bases de constituição do que nomeamos
fundamentalmente criação e transformação. como do que existe, e existir é criar.

Referências
Analítica, não seria o desenvolvimento e
integração de uma interioridade psíquica, Brooke, R. (1991). Jung and
constituída pela retirada das projeções sobre Phenomenology. London: Routledge.
o mundo. Ela se refere ao desenvolvimento Clarke, J. J. 1992). Em busca de Jung:
de indagações históricas e filosóficas.
Rio de Janeiro: Edições de Ouro.
isto é, dentro da vitalidade do mundo da Dehing, J. (1992). The transcendent
(Brooke, 1991, p. 80). function: a critical re-evaluation. In
Símbolo que se constitui na The transcendet function: individual
interação dessas duas instâncias nomeadas and collective aspects. Einsiedeln:
por Jung de inconsciente coletivo e Daimon Verlag.
consciência, o homem seria um ser que só Eliade, M. (1991). Imagens e símbolos:
poderia ser compreendido e não explicado. ensaios sobre o simbolismo mágico-
Constitui-se como um mosaico de religioso. São Paulo: Martins Fontes.
isomorfos, pois, como mencionado, a Jacobi, J. (1989). Complexos, arquétipos e
consciência tem origem no mesmo archê símbolos. São Paulo: Cultrix.
que a inconsciência, o inconsciente Jung, C. G. (1991/1916). A função
coletivo, o desconhecido, origem de todos transcendente. In A natureza da
os modos de compreensão e ser. psique (Obras Completas, Vol.

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VIII/2).Petrópolis: Vozes.. (
Jung, C. G. (1980). Psicologia da Religião
Ocidental e Oriental (Obras
Completas, Vol. XI). Petrópolis:
Vozes.
Jung, C. G. (1976). Tipos psicológicos. Rio
de Janeiro: Zahar Editores.
Jung, C. G. (1981/1916). The transcendent
function. In The structure and
dynamics of the psyche. (Vol. VIII, 5a
ed.). Princeton: Princeton University
Press.
Jung, C. G. (1991).. Espírito e vida. In A
natureza da psique (Obras
Completas). Petrópolis: Vozes.
Jung, C. G. (1991). Aspectos gerais da
Psicologia do sonho. In A natureza da
psique (Obras Completas, Vol.
VIII/2). Petrópolis: Vozes.
Jung, C. G. (1984). A energia psíquica. In A
dinâmica do inconsciente (Obras
Completas, Vol. VIII). Petrópolis:
Vozes.
Jung, C. G. (1987). Psicologia e Religião. In
Psicologia da Religião Ocidental e
Oriental (Obras Completas, Vol.
XI/1). Petrópolis: Vozes.
Jung, C. G. (1970). Psychologie et
Alchimie. Paris: Buchet/Chastel.
Kolakowski, L. (1981). A presença do Mito.
Brasilia: Editora Universidade de
Brasilia.
Mattoon, M. (Org.). (1992). The
transcendet function: individual and
collective aspects. Einsiedeln:
Daimon Verlag.
Mattoon, M. (1984). Uderstanding dreams.
Dallas: Spring Publications.
Zimmerman, M, (1986). Eclipse of the Self.
Athens: Ohio University Press.

Recebido em: 6/8/2019


Aprovado em: 22/10/2019

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