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CAP IV

A PRÁTICA CLÍNICA COM CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA ABORDAGEM


FENOMENOLÓGICA- EXISTENCIAL
Marlene Marchi de Sousa1
Considerando que cada abordagem se estrutura e se fortalece na coerência com os seus
pressupostos teóricos e filosóficos. Neste capítulo faremos inicialmente uma breve fundamentação da
abordagem Humanista Existencial, explicitando o seu lugar no cenário da Psicologia, sua constituição,
questionamentos em relação as outras abordagens, propostas e os pressupostos filosóficos que
sustentam e orientam a visão de homem nessa perspectiva. Na seqüência, apresentaremos a concepção
do psicopatológico, conceitos da fenomenologia e os princípios que regem e orientam o método
fenomenológico. Finalmente, faremos elucidações sobre a transposição desses fundamentos na prática
da psicoterapia e mais propriamente, clarificações sobre a prática clínica com crianças e adolescentes.
A Psicologia Humanista Existencial surge como uma terceira tendência no cenário da
Psicologia, com um grupo de pensadores, que se propõem a estudar e fazer reflexões crítica sobre as
concepções de homem que orientavam as construções teórico-científicos da época que era o
Behaviorismo e a Psicanálise.
Para Piccino (2008) a terceira tendência não veio invalidar todo o conhecimento produzido por
essas abordagens, pois é inegável as suas contribuições. Contudo, vem discutir seus fundamentos e
seus métodos, por entender que estavam se utilizando do método das ciências naturais, que é o
método explicativo, para estudar o homem. Esse método que é próprio das ciências naturais, é
adequado ao seu objeto de estudo, porque os elementos da natureza, têm características próprias, são
programados, repetitivos e regidos por sua própria lei, portanto, passiveis de serem explicados. Já o
homem é diferente de todos os outros entes da natureza, ele não tem características, ele é um existente
dotado de grande complexidade e singularidade, e os empréstimos desses procedimentos da ciências
naturais, levam a sua coisificação e a sua desumanização.
Nesse sentido, Romero (2010) esclarece que o homem é um ser dual. Enquanto natureza,
organismo e vida o homem é abordável pelas ciências naturais e por elas explicáveis. Contudo,
enquanto cultura e espírito e existência é abordável pelas ciências humanas e por elas compreensíveis.
Explicamos um fenômeno quando o conhecemos em suas programações, regularidade e normas que
regem seus processos e interações. Portanto, para explicar, é preciso alcançar as suas determinações e
suas relações causais. Na explicação, buscamos o nexo causal.
A cultura é uma construção puramente humana, que modifica, transforma a natureza de
acordo com as necessidades e projetos do homem. Com relação ao que a pessoa vivencia ou
experimenta subjetivamente na sua relação com o mundo, com os entes naturais, com seu semelhante

1
Profª Ms. na abordagem Clínica Fenomenológico-Existencial na Universidade Sagrado Coração.

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e com as coisas que estão à sua volta, denomina-se de espírito subjetivo. O espírito não é concebido
como uma substância, mas é a própria existência imiscuída no mundo.
Na tentativa de compreender o homem na sua totalidade e dar um direcionamento as questões
que os inquietavam, provocadas pelo entendimento de que muito ainda faltava para ser conhecido e
explicado e que o tema do existir humano não estava esgotado, é que esses pensadores foram a
filosofia buscar os subsídios necessários para o desvelamento do ser do homem. Acreditavam que a
filosofia tinha muito a oferecer, porque é ela que tem se ocupado de refletir sobre o homem,
estabelecer visão de homem, do mundo e dessa relação homem-mundo. Dessa inquietação que surge a
Psicologia Humanista Existencial ou a Psicologia Fenomenológico-Existencial, do encontro entre
Humanismo, Filosofia Existencial, Existencialismo e Fenomenologia (PICCINO,2008).
Nestes movimentos filosóficos, encontramos a contribuição dos filósofos: Soren Kierkegaard
(1813-1855), Martim Heidegger (1880-1979), Karl Jaspers (1883-1969), Gabriel Marcel (1889-1973),
Jean Paul Sartre (1905-1980), Merleau Ponty ( 1908-1961) e Edmundo Husserl (1859-1938) com a
fenomenologia.
As escolas de Psicologia inclusas na denominação Humanista Existencial ou Existencial
Fenomenológica, que receberam as influências de um ou mais sistema filosófico, foram: a Terapia
Centrada no Cliente de Carl Rogers, a Logoterapia de Victor Frankl; a Gestalt-Terapia de Frederick
Pearls e outras tendências de cunho mais declaradamente fenomenológica ou existencialista, ou
ambos, como a Psiquiatria Médica ou Antropológica, a Antipsiquiatria, representada por Ronald
Laing, David Cooper, Esterson, Zaasz, a Daseinsanálise de Biswanger e Medard Boss e a Psicologia
pragmática de Rolo May.
Estas escolas integram as abordagens Humanistas ou Existenciais por suas divergências com
relação ao Behaviorismo e Psicanálise, pela concepção de homem nelas inclusas, pelos fundamentos,
postulados e métodos que as orientam e pela proximidade com a Filosofia.
Romero (2010) apresenta os pressupostos filosóficos que orientam as construções teóricas e
práticas dessas escolas e que expressam a visão de homem dessa vertente.
Liberdade, responsabilidade e angústia. O homem é ontologicamente livre, apesar de todos
os determinismos que o condicionam, limitam e programam. Somos livres e responsáveis pelo que
escolhemos e decidimos. Ser livre não implica em negar os determinismos que nos afetam nas diversas
esferas de nossa sua existência. Podemos nos submeter passivamente à esses determinismos, sendo a
sujeição uma forma de escolha. Segundo Sartre, o homem está condenado a sua liberdade, uma vez
que não é possível a ele escapar da escolha.
A prioridade da existência sobre a essência. O existencialismo não nega a essência como
determinações formais e estruturais; ela constitui o dado recebido na constituição humana, porém, o
ser que se torna, é definido na relação com o mundo, na existência A essência vai sendo construída no
decorrer da existência, não havendo determinações a priori. Jean Paul Sartre enfatiza que, não importa
o que nos foi dado, mas o que fazemos daquilo que nos foi dado.

2
O homem é um ser de possibilidades. O homem é um ser de necessidades e também um ser
de possibilidades. Nossos planos e projetos e tudo o que chamamos de futuro, são meras
possibilidades.
O homem é um ser temporal e finito. O homem está num perpétuo devir, sujeito a lei do
tempo e da mudança. É um ser temporal e temporalizante, isto é, finito e ciente de sua finitude; tudo o
que faz e lhe acontece revela sua finitude.
O homem como um ser-no-mundo. Este pressuposto revela que homem e mundo são
realidades indissociáveis. O mundo não está ali fora e eu aqui dentro no âmbito corporal Não existem
duas realidades. Da mesma forma, também não há separação, no âmbito subjetivo e objetivo; por um
lado, sujeito, eu; pelo outro, o objeto, as coisas do mundo. Nesta perspectiva, homem e mundo
invocam-se mutuamente; um não existe sem o outro. Dizer que o homem é um ser-no-mundo implica
afirmar este indiscutível e inexorável atrelamento.
O cuidado e preocupação são inerentes à existência. Existir implica coexistir. Lançados no
mundo, numa dinâmica inter-relacional, aberto as suas possibilidades, o homem precisa cuidar-se. O
cuidado faz parte da existência, portanto, é um estrutural do homem. O cuidado implica
responsabilidade e preocupação, estar atento ao que acontece, dando conta de nossa vida.
Esses pressupostos, denominados de existenciais, esclarecem sobre algumas características
ontológicas do homem, ou seja, que faz parte da estrutura de “ser homem”; o que é comum a todos
homens, é o que faz homem ser homem.

A PSICOPATOLOGIA NUMA PERPECTIVA FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL


Abordagem fenomenológica existencial da Psicopatologia iniciou-se com a publicação
do livro de Karl Jaspers “Psicopatologia Geral” em 1913. No mesmo ano o filósofo Edmundo Husserl
publica seus escritos sobre Fenomenológica Pura, no qual estabelece as linhas gerais do método
fenomenológico. Em 1927 com a publicação de “Ser e Tempo” que é a obra fundamental de Martim
Heidegger, nasce oficialmente o existencialismo que estabelece uma aliança com a fenomenologia”
Nesta obra Heidegger coloca a questão do ser como a tarefa da reflexão e da ação humana e
caracteriza os traços distintivos do ser humano; para isso, fez uso do único método que lhe permitiria
alcançar esse propósito, a fenomenologia.
Segundo Romero (2010) com a fenomenologia e principalmente, o existencialismo, insere-se
uma nova linguagem no âmbito da Psicologia e da cultura geral. Uma nova visão de homem emerge
na linguagem dos psicólogos, psiquiatras e público leigo.
Para esse autor, essa nova concepção de homem, leva a psicopatologia na perspectiva
fenomenológico-existencial desligar-se deliberadamente das categorias psicopatológicas e das
classificações psiquiátricas que fragmentam a totalidade da existência individual.

3
Diferentes autores contribuíram para uma mudança de perspectivas sobre o significado
existencial da psicopatologia e os desdobramentos dessa pretensão foram acontecendo no decorrer do
século XIX e início do século XX.
Segundo Piccino (2010), durante esse período, foram aparecendo outras formas de pensar as
questões fundamentais da Psiquiatria e Psicopatologia representadas pela Psiquiatria Antropológica e
Psiquiatria Fenomenológica que, diferenciando-se da Psiquiatria clássica em vários aspectos,
formaram contrapontos importantes, que possibilitaram novas orientações para compreender as
questões como saúde, normalidade e doença, critérios para o estabelecimento do normal e do
patológico e na metodologia para realiza investigações relacionadas á prática clínica.
A nova orientação justifica-se devido à concepção de ser humano e conseqüentemente a
metodologia se apresentarem diferentes da concepção naturalista de homem vigente na medicina e na
metodologia cientifico natural.
Essa autora esclarece que os psiquiatras e psicopatologista que propunham uma Psiquiatria
Antropológica consideraram que as descobertas feitas até então, não eram suficientes. Um dos
psiquiatras que estava se sentindo desconfortáveis com a situação da Psiquiatria foi Ludwig
Binswanger, um psiquiatra suíço, que além de lutar para revolucionar a Psiquiatria e Psicopatologia
através de sua Psiquiatria Antropológica, foi criador da Daseinsanálise Psiquiátrica ou Análise
Existencial. Seu trabalho agrupa várias áreas: Fenomenologia, Ontologia Fundamental de Heidegger,
Psiquiatria, Psicologia e Psicopatologia.
Após estudar a fenomenologia de Edmund Husserl, na década de 1920, Ludwig Binswanger,
declarou que a sua Psiquiatria passaria a ser uma Psiquiatria Antropológica Fenomenológica. Mas os
desconfortos que vivenciava só foram dissipados quando se inteirou da ontologia fundamental de
Martim Heidegger na qual encontrou as bases para estabelecer a unidade da ciência Psiquiatria e para
desenvolver um sistema de análises de casos que denominou Análise Existencial.
Este psiquiatra se incomodava com psiquiatria empírica por esta se ocupar com a doença e não
com o doente e entendia que era preciso ir além da enfermidade, levar em conta a pessoa enferma,
entendimento que representou uma mudança de objeto de estudo da Psiquiatria. Ao levar em conta a
pessoa doente, por decorrência, as investigações, pesquisas e orientações para as intervenções clínicas
teriam que seguir outro tipo de metodologia, isto é, para alcançar a experiência da pessoa enferma os
procedimentos científicos teriam que ter um caráter antropológico.
Os subsídios para a sua questão foram procurados na Psicologia e na Psicanálise. Mas os
fundamentos foram encontrados de fato na Filosofia. A analítica da consciência2 de Husserl e do
Dasein de Heidegger constituiu para Binswanger, em possibilidades irrecusáveis. A Fenomenologia e
Filosofia Existencial tiveram um papel determinante nos rumos de seu trabalho e dos trabalhos de
outros representantes da Psiquiatria Antropológica.

2
Husserl faz analítica da consciência – análise de sua estrutura e a define como consciência intencional – a
consciência é sempre consciência de.

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As clarificações sobre “o que e como é” ser homem no mundo, foram fundamentais, pois, a
partir delas foi possível pensar sobre “o que e como é” ser no mundo com esta ou aquela enfermidade
e sobre formas científico-antropológicas para pesquisar, compreender e tratar pessoas psiquicamente
enfermas.
A fenomenologia husserliana afastou Binswanger da Psicanálise, sustentou seu desacordo com
o procedimento cientifico - natural para lida com a “pessoa espiritual” e levou-o a desenvolver um
programa científico antropológico fenomenológico de investigação da enfermidade, o que acabou por
ser um veículo aproximação da ontologia fundamental de Heidegger e construção da Daseinsanálise
Psiquiátrica (PICCINO, 2010).
Heidegger realizou uma analítica da estrutura de ser do homem com o objetivo de esclarecer
“o que e como ele é”, analítica que denominou Ontologia Fundamental. Ontologia diz respeito ao
estudo do ser, a palavra fundamental é relativa ao fato de que a origem de todo o tipo de
conhecimento, experiência, ação, produção...etc. é o Dasein humano. Dasein é o termo utilizado por
Heidegger para a essência do homem, que é a sua existência.
A Daseinsanálise como proposta psicoterapêutica se coloca como uma nova possibilidade de
acesso para o entendimento do homem, como um modo particular de aproximar e compreender os
fenômenos sadios e patológicos do existir humano (CARDINALLI, 2000).
Romero (2008) pontua que a perspectiva fenomenológico-existencial é patológico aquilo que
degrada e ameaça tanto a vida quanto a existência, ceifando e limitando-as em suas capacidades e
potenciais originários.
Vida e existência estão atreladas numa mútua interdependência. Quando a existência nega e
aliena seu ser mais próprio que é sua liberdade, suas possibilidades e sua realização, ela torna-se
patológica. O patológico não é algo externo ao indivíduo, que em dado momento o invade como se
fosse um vírus, mas é a própria existência que se extravia e degrada.
Este autor enfatiza que o patológico se revela e manifesta através do sintoma, que acusa a
presença de um fator perturbador, seja no organismo ou a nível de vivência e do comportamento. O
sintoma é um sinal que denúncia que algo não está funcionamento de acordo com um padrão esperado.
O sintoma define a relação do homem com o mundo, na medida em que, coíbe ou restringe a liberdade
do sujeito, limitando as suas possibilidades. Na maioria das vezes, o sintomático é percebido, mais
por um observador externo, que pela própria pessoa.
Na psicose, habitualmente a pessoa entra num mundo estranho de maneira gradual, sem que
tenha clareza de que está transitando pelas vias do imaginário mórbido. Há um período em que o
inquietante, ou simplesmente bizarro, surge como uma tomada de consciência de um processo, mas, o
sujeito nem sempre sabe para onde está indo.
A conduta histérica, dificilmente é percebida pelo sujeito como algo sintomático, embora
resulte estranha e chocante para um observador. O que é perturbador ao histérico, são determinadas
vivências, como sua incapacidade para controlar sua excitabilidade e ansiedade, e nos casos mais

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graves, os sintomas de conversão que são as perturbações somáticas, sem um substrato somático,
como afonia, paralisia, cegueira, etc.
No âmbito da psicopatologia, não podemos deixar de considerar o psíquico, que é o primeiro
elemento do psicopatológico que designa os modos de organizar a experiência no processo de
desenvolvimento do sujeito.
Para Romero (2010, p.174), “o psíquico se refere ao modo de experimentar a interação
homem-mundo e a forma de organizar-se esta experiência no percurso histórico da pessoa em termos
de vivências”.
Para este autor, na perspectiva fenomenológica existencial, o psicopatológico emerge da trama
da experiência vivida ao longo de uma história pessoal, experiência organizada em vivências que
limitam a liberdade da pessoa levando-a as mais diversas formas de padecimento, como no caso da
maioria das doenças, ou pelos infortúnios e conflitos vividos pelo sujeito, que a pessoa costuma
atribuir ao destino, a má sorte e, com menor freqüência, a seus próprios erros pessoais. Neste contexto,
o psicopatológico origina-se em experiências não elaboradas, mal assimiladas, ou se constitui num
desenvolvimento inadequado e negativo, em que, o sujeito nega ou aliena suas possibilidades
essenciais, como a liberdade, responsabilidade, autenticidade, abertura, realização, etc.
Todos os tipos de neuroses implicam inevitavelmente no comprometimento da liberdade,
porém, cada tipo de neurose, revela uma forma específica de malogro da existência3.
Na ansiedade o sujeito é atemorizado pela ameaça do possível, condição que restringe a sua
abertura para o futuro e refreia seu presente.
Na depressão, a experiência é de deslizamento para o vazio e para o absurdo, principalmente
quando ocorre a perda de um bem, que representa um eixo de sustentação existencial.
Na vivência obsessivo-compulsiva, a experiência é de contenção do desmoronamento de si, o
que faz, o individuo exercer uma vigilância e um controle permanente de si e de seu ambiente,
como maneira de evitar a entrada da incerteza, por cuja porta adentra a angústia.
Na histeria, na representação de si, a pessoa vive seu personagem por não aceitar-se em seu
ser ou estar mais genuíno. O histriônico vive demasiadamente a subordinação ao juízo do outro.
Necessita de luzes e foco.
Nessas quatro modalidades de neuroses emerge o “nada da existência” como a negativ
idade que a pessoa não consegue enfrentar, mas que forma parte de seu ser originário.
Nas psicoses e nas personalidades sintomáticas de tipo esquizóide, esquizotímico e paranóide,
um precário senso de identidade, associado a uma acentuada ruptura dos laços interpessoais, condena
o sujeito ao isolamento e a um deficiente de contato com a realidade.
Nas personalidades psicopáticas, em menor medida, nas pessoas com uma estrutura histriônica
ou narcisista, além da negação das possibilidades mais genuínas da pessoa, implica também uma

3
Romero, 2010: As Inquietantes Ervas do Jardim.

6
negação de reconhecimento do outro devido ao excessivo egocentrismo e narcisismo que subjuga à
pessoa.
Nas neuroses, a perda da autonomia e a diminuição da autoconfiança refletem-se na esfera do
EU, levando a pessoa sentir-se dominada por impulsos, desejos, temores, sentimentos, estados de
ânimo, que não consegue controlar, e que se impõem apesar dos esforços direcionados para neutralizar
tais vivências.
Nas psicoses a perda da liberdade, é ainda mais grave, pois além da alienação de si e do
contato interpessoal, acontece a perda parcial ou extrema do senso de realidade, havendo uma ruptura
da capacidade de integração, uma característica precípua da dimensão integrativa da personalidade4.
A maioria das experiências advindas dos quadros sintomáticos citados, seja no âmbito da
neurose ou da psicose, são geradoras de transtornos do existir.
Para Piccino (2010) o transtorno é atrapalhação na ordem, é um desordenar, uma perturbação
que agita e gera um des-caminho. O transtorno adultera, corrompe o estabelecido, além de produzir
falta de clareza sobre o que se passa. O transtorno perturba, modifica o estado estabelecido das coisas,
perturbação e modificação que, grandes ou pequenas, leves ou não, são formas de alteração da saúde.
Existir é ser relação, relação que é sempre já como modo de experiência e fonte de
significações. Na estrutura do “estar em relação com” estão incluídos todos os aspectos que
constituem uma pessoa e seu mundo e a dinâmica entre esses aspectos. O que cada pessoa é só pode
ser apreendido e analisado a partir do existir cotidiano.
Segundo essa autora, o analista do existir não se ocupa com a patologia psíquica ou com a
patologia somática ou com a patologia psicossomática. Sua tarefa é Análise da Relação Existencial.
Sua prática é com a existência em todas as suas dimensões, pois, quando a privação se dá, a existência
inteira está interferida de modo patológico em algum nível.

Os princípios que orientam o método fenomenológico


Na busca de um método mais adequado para estudar o homem e dar conta de temas e
fenômenos não apreendidos por outras abordagens, a Psicologia Humanista Existencial adotou o
método fenomenológico de Edmundo Husserl ( 1907-1958) para instrumentalizar sua prática.
A pretensão desse filósofo, era fundar um método rigoroso, sistematizado, que proporcionasse
um conhecimento incontestável, com um ponto de partida evidente, sem nenhum pressuposto.
Da fenomenologia de Husserl, a Psicologia Existencial herdou o conceito de fenômeno, o
próprio método fenomenológico e o conceito de intencionalidade da consciência.
A palavra fenômeno, de origem grega, quer dizer etimologicamente, “o que aparece, o que se
mostra”, o que se revela”. Significa aquilo que é percebido pelos sentidos e que se revela à
consciência quando esta entra em contato com a realidade. Consiste na “apreensão imediata”, não

4
Idem, ibidem

7
reflexiva, da realidade, mas inclui, também, nela, as significações e avaliações que são atribuídas
naturalmente pelo indivíduo ao que apreende.
Intencionalidade da consciência. A fenomenologia descreve as vivências da consciência,
estabelece a consciência como fonte de significação e apresenta a sua estrutura como intencionalidade.
Intencionalidade da consciência significa que o homem é sempre consciente de. Ser consciente de,
quer dizer que a consciência está sempre visando algo ou alguma coisa que está fora dela mesma, isto
implica que o homem está necessariamente atrelado ao mundo e esse atrelamento se apresenta de
diferentes modos (PICCINO, 2008).
Os três princípios que orientam o método fenomenológico
1-Retorno as coisas mesmas. Para cumprir esse principio é preciso deixar de lado todo e
qualquer pressuposto e idéia preconcebida. Esse momento implica em suspensão ou supressão de tudo
o que possa impedir a apreensão pura do fenômeno tal como se mostra. Essa exigência metódica
implica que precisamos deixar que os fenômenos falem por si mesmo, sem encaixá-los em uma teoria
prévia.
Segundo Goto (2008), esse momento, Husserl denominou de epoché, palavra grega que
significa “ter sobre”, no sentido de abster-se, ou reter-se. Nesse momento, faz-se necessário colocar
tudo entre parêntese, promovendo uma suspensão ou supressão de toda atitude natural, que implica
nossas crenças, idéias de forma acrítica.
2- Descrição rigorosa dos fenômenos. Embora não desconsidere o aspecto objetivo, a
descrição fenomenológica se centraliza na experiência vivida do sujeito. Tenta captar o acontecer
experiencial tal como o sujeito o manifesta por sua expressão verbal ou escrita, objetiva ou subjetiva,
apreendendo o significado e sentido que esse fenômeno possa comportar.
3- A determinação das essências, ou intuição da essência. Na manifestação de um
fenômeno, sempre podemos detectar um núcleo comum ou um significado que percorre e unifica essa
variedade fenomenológica. A intuição é uma “visão direta”, “pré-reflexiva”, obtida sem o auxilio de
raciocínios, que proporciona uma compreensão profunda que nos possibilitar chegar ao núcleo
fenômeno Qual a essência do fenômeno da emoção, da angústia e da ansiedade
A psicoterapia na perspectiva fenomenológico-existencial
A prática da psicoterapia nessa perspectiva é instrumentalizada pelo método fenomenológico e
por uma compreensão do existir humano alicerçado na filosofia da existência.
Terapia vem da palavra grega therapeia-as, de therapeúein, e tem os significados de: servir,
honrar, assistir, cuidar, tratar. “Psicoterapia é procura”, “pro-cura”, isto é, terapia é para cuidar, uma
vez que, no latim cura tem o significado de cuidar. Aquilo que se procura não é algo que vai acontece
somente no final do processo, mas algo que vai paulatinamente acontecendo passo a passo através do
modo como ela se realiza. Esse “modo” constitui o próprio acesso ao “o que” se procura5.

5
Pompéia,J.A, 2002:22 . Uma Caracterização da Psicoterapia

8
Todo cuidado terapêutico tem a ver com o devolver, recuperar ou resgatar para aquilo que é
cuidado, algo que diz respeito a ele e que por algum motivo foi perdido ou prejudicado; isto implica,
em favorecer que aquilo de que se cuida retorne mais plenamente àquilo que se espera dele, ao que é
próprio dele. Na terapia o que se cuida é o fenômeno da existência, permitindo que esse fenômeno se
revele. Ao fazer essa fenomenologia, desoculta os sonhos, as perdas, os ganhos, o sentido ou a falta
de sentido da vida.
Para Rudio, (2004):
“A psicoterapia existencial é fundamentalmente um modo prático de
investigar a existência humana concreta, a fim de conhecê-la, compreendê-la e
torná-la mais produtiva e satisfatória. Isso se dá através de uma reflexão
profunda, que o cliente elabora ajudado pelo terapeuta, sobre a sua própria
vida e à qual muitos denominam de analise existencial”(p.88).

A relação psicoterapêutica é pautada no encontro existencial entre terapeuta e cliente, um


encontro intersubjetivo, de duas individualidades, no qual, o instrumento de trabalho é a linguagem,
que se expressa não apenas de forma formal, falada, mas também, através de gestos, expressões, tom
de voz, e movimentação corporal. 6
Na maioria das abordagens, a prática psicoterapêutica tem como preocupação central é
conhecer e definir, através do sintoma, a disfunção ou alteração psicológica, para em seguida,
investigar e descobrir as causas prováveis da disfunção. Posteriormente, aplica-se, através de métodos
e técnicas a estratégia terapêutica que considera mais apropriada ao caso. Nessa maneira de atuar o
foco do terapeuta está sempre voltado para a disfunção do cliente e em função dela, que se orienta
todo o processo de terapia. Na Psicoterapia Existencial o caminho é totalmente diferente, a base da
relação do terapeuta com o cliente não é a disfunção ou alteração psicológica, mas sim, o modo de
experienciar a própria existência7.
O cliente é compreendido pelo seu modo de ser-no-mundo, o que implica, compreender a
maneira como a pessoa está se relacionando consigo mesmo e com os outros e com tudo o que
apresenta em seu mundo.
Os objetivos da psicoterapia. A psicoterapia na perspectiva fenomenológico-existencial não
tem como referência o modelo médico, que objetiva a eliminação de sintomas ou ajuste ao padrão da
normalidade, o seu foco não é a doença, e sim o homem, o cliente no seu existir.
O propósito do trabalho psicoterapêutico é possibilitar a aproximação e a compreensão do
cliente da sua própria experiência, que refere-se a totalidade de relações referentes e significativas que
constituem o mundo de uma determinada pessoa. O terapeuta busca apreender no contexto terapêutico,
o desvelar do sentido da experiência do cliente, que muitas vezes, se encontra implícito, encoberto.
Nesse sentido, a compreensão da existência, implica em considerar que, nem sempre os fenômenos se

6
Protasio, Miriam Moreira, 2011. Técnicas da Gestalt Aplicada à Ludoterapia
7
Rudio, 2004:88 Diálogo Maiêutico e Psicoterapia Existencial.

9
revelam de forma explicita e patente, pois o existir inclui o movimento de encobrimento e
ocultamento. (CARDINALII, 2005 )
A finalidade principal da psicoterapia, é definida por vários autores, de diferentes modos.
Para Boss (1979), citado por Cardinalli (2005), o objetivo da terapia é liberar o cliente de seus
modos restritos de se relacionar com as pessoas e as coisas de seu mundo, uma vez que “a saúde
humana consiste na capacidade de se engajar, ocupar-se, livremente de acordo com as sua próprias
possibilidades. Desta maneira, a tarefa do terapeuta é ajudar os pacientes a se desenvolverem no
sentido das próprias possibilidades de sua existência. Nessa perspectiva, a psicoterapia se distancia do
modelo médico, que visa a eliminação de sintomas ou o ajustamento ao padrão de normalidade, o seu
objeto não é a doença e, sim o homem (o cliente) no seu próprio existir.
Para Rudio (2004), todo o trabalho terapêutico gira em torno de ajudar o cliente a utilizar de
forma apropriada a sua capacidade de tomar consciência de si para determinar e vivenciar as respostas
existenciais que são mais eficazes para definir a sua identidade e dirigir a sua vida no sentido da
própria realização. Para esse autor, o objetivo principal do terapeuta existencial, é cooperar para que
abram para ele novos horizontes e que possa adquirir determinadas qualidades humana que são
imprescindíveis para a elaboração de uma vida produtiva.
Segundo Teixeira (2006) na psicoterapia existencial enfatizam-se as dimensões histórica e de
projeto e a responsabilidade individual na construção do seu-mundo. Este autor recolhe a visão de
vários autores que se posicionam quanto a finalidade da psicoterapia: visa a mudança e a autonomia
pessoal e a procura de si próprio (May, 1958); procura do sentido da existência (Frankl, 1984); tornar-
se mais autêntico na relação consigo próprio e com os outros (Bugental,1978); superar os dilemas,
tensões, paradoxos e desafios do viver (Van Deurzen-Smith, 2002); facilitar um modo mais autêntico
de existir (Cohn, 1997); promover o encontro consigo próprio para assumir a sua existência e projetá-
la mais livremente no mundo (Villegas, 1989) e aumentar a autoconsciência, aceitar a liberdade e ser
capaz de usar as suas possibilidades de existir (Erthal, 1999).
No essencial, a perspectiva existencial pretende ajudar o cliente a escolher-se e a agir de forma
cada vez mais autêntica e responsável. Em qualquer caso, resulta claro que o conceito de psicoterapia
não é o de uma técnica destinada a “curar” perturbações mentais, mas sim o de uma intervenção
psicológica que contribui para o crescimento e para a transformação do cliente como pessoa.
A relação terapêutica. Para Cardinalli, (2000) a relação terapeuta-cliente (o ser-com-o-outro)
é considerada a dimensão central do trabalho psicoterapêutico, o lócus onde efetivamente ocorre o
tratamento, pois é ai que surge a oportunidade de ocorrer mudanças na vida do cliente, seja no sentido
de ele saber mais dele mesmo e ampliar a compreensão do seu viver, quanto de estabelecer novas
maneiras de existir
A prática terapêutica exige do analista total desprendimento de si e aceitação, de forma a
aceitar o cliente incondicionalmente da maneira como ele é, com suas belezas, feiúras e dificuldades.
A terapia deve favorecer a emergência de todas as possibilidades do cliente, não devendo ser

10
contaminadas pelas idéias, desejos e julgamentos pessoais do terapeuta. Para isso, o terapeuta terá que
permitir que sua relação com o cliente se torne o lugar onde todas as possibilidades de relação do
cliente possam se revelar livremente, podendo o cliente, dessa maneira, adquirir uma nova confiança
em si e no seu mundo (Boss, 1963, p.71-72).
A busca pela psicoterapia. Quando alguém busca atendimento psicológico é porque de
alguma forma identificou que algo não vai bem, e que de alguma forma se encontra privado de
recursos para dar conta das suas próprias dificuldades ou de um familiar.
Essas dificuldades podem estar em qualquer âmbito da existência: afetivo, relacional, práxis,
corporal, etc. Normalmente é num momento de crise que as pessoas decidem por procurar ajuda, na
maioria das vezes, sentem que esgotaram os próprios recursos. A impotência e a inabilidade para lidar
com determinadas realidades pode levar as pessoas a viver verdadeiras crises. A crise pode ser um
instrumento valioso para remodelar a existência tornando-a mais produtiva e criativa.8
A prática clínica com crianças e adolescentes
A apresentação das bases que fundamentam essa vertente, teve o propósito de clarificar a
visão de homem, a concepção do psicopatológico, a compreensão de conceitos da fenomenologia e do
método fenomenológico e a caracterização da psicoterapia, que subsidiam os atendimentos clínicos
em qualquer idade.
Na seqüência, faremos explicitações sobre a prática clínica com crianças (ludoterapia) e
adolescentes nesta perspectiva.
A ludoterapia. A ludoterapia é compreendida como aplicação de procedimentos da
psicoterapia através da ação do brincar. A brincadeira constitui-se na estratégia utilizada pelo
psicoterapeuta, que através do brinquedo e do brincar possa ajudar a criança a caminhar em direção à
autenticidade, que implica, em abrir-se para concretização das suas possibilidades, que é o aspecto
essencial da psicoterapia existencial.
Ludo significa jogo, terapia, recurso para ajudar. Existência significa para fora e istencial
revelar, sobressair, emergir e revelar-se em sua essência, através do jogo.
Citrynowicz, (2000), esclarece que brincar é diferente do falar. Ao brincar a criança interage
com o mundo, com os outros e com as coisas que estão a sua volta. Ao falar, expressa a compreensão
que tem de si e do mundo. Embora diferentes essas duas modalidades de expressão se complementam.
As brincadeiras são partes integrantes do universo da criança e pela riqueza do seu imaginário, não
necessita de brinquedo, o brincar é que torna as coisas brinquedos. Criatividade, originalidade e
diferenciação são condições fundamentais do brincar e de cada brincadeira que compõe a dinâmica do
crescimento. Essa autora acrescenta que brincar, significa fazer ligações, ligar. Nesse sentido, é

8
Rudio, 2004:96 Diálogo Maiêtico e Psicoterapia Existencial.

11
descobrir relações, é enredar, fazer enredo, ou fazer história. As crianças são seduzidas pelas
possibilidades das descobertas, e descobrem quando aproximam9.
Desde cedo as criança revelam atitudes genuínas e espontâneas que, mesmo que aos poucos
vão sendo moldadas pelo ambiente, a caracterizam individualmente como ser vivente e integro. Os
conflitos, a princípios, estão na maioria das vezes, relacionados às suas necessidades básicas, e a luta
pela autonomia, confrontadas com o ambiente em que vive.
Embora com um esforço de vida restrito, a liberdade de escolha vai se ampliando com o seu
desenvolvimento, e o espaço vai se abrindo em direção ao ser genuíno que ela pode construir em
função de sua atuação no mundo.
A ludoterapia, como um espaço terapêutico, pretende oferecer a criança um espaço de
continência permissiva na qual a criança tem a oportunidade de experienciar as suas potencialidades,
e clarificar os seus conflitos e vivenciar uma relação estimuladora de saúde10.
A criança, ao brincar, propicia a libertação dos significados do mundo e o conhecimento mais
amplo de si e do outro, isto é, leva-a a descobrir e se aproximar de quem realmente é.
Na maioria das vezes, a solicitação de psicoterapia para crianças é feita pelos pais, que sentem
que o filho está necessitando de ajuda, ou por parte da escola por motivos variados como, inquietação,
indisciplina, baixo rendimento escolar.
Na maioria das vezes, a busca pela psicoterapia, está vinculada à expectativa, principalmente,
dos pais, de que ela se adapta a exigência da cultura moderna, sendo, estudiosa, alegre e comunicativa,
etc. As crianças que não correspondem a esse padrão são rotuladas como crianças-problemas e por
conseqüência, os pais também são rotulados de incapazes. Numa cultura de culpabilização temos
sempre que encontrar um culpado (FEIJÓ, 2007). Ao invés de procurar o culpado, devemos nos
concentramos em compreender quem está necessitando de ajuda, de cuidados; podendo ser a criança,
os pais ou a família.
Considerar, a priori, que é a criança necessita de atendimento, é uma precipitação que pode
gerar rótulos e significações indesejáveis. Corremos o risco de tirar a responsabilidade dos pais ou da
escola sobre a existência da criança. A clareza de quem será o cliente do psicólogo, será definido no
processo do psicodiagnóstico, ou na análise situacional, um termo considerado mais adequado nessa
abordagem11.
O processo da ludoterapia se dá em várias etapas. O início ocorre através do contato
telefônico, momento em que se define os membros da família que participarão da primeira entrevista,
essa escolha é pautada pela metodologia de cada terapeuta. Alguns terapeutas marcam diretamente
com a criança, outros marcam com toda a família e outros preferem iniciar o trabalho com os pais.

9
Citrynowicz, 2000 p.84. O Mundo da Criança.
10
Protásio, M, 2011. Técnicas da Gestalt-Terapia aplicados a Ludoterapia.
11
Azevedo , 2002. Análise Situacional ou Psicodiagnóstico Infantil: uma abordagem humanista-existencial

12
Qualquer um dos enfoques é válido, desde que o profissional atue de acordo com o seu projeto de
trabalho, mantendo a coerência com a abordagem.
A entrevista com os pais. Considerando que a criança ou adolescente ainda não são
responsáveis por si mesmos, faz-se necessário a presença dos pais ou de seus responsáveis na primeira
entrevista e no acompanhamento do tratamento. Quando o cliente é o adolescente, começamos de
forma diferente. É importante saber de seus responsáveis se o adolescente sabe da intenção dos pais,
da possibilidade de fazer o tratamento, caso seja afirmativo, poderá marcar uma sessão conjunta, pais e
filho, ou somente o filho. O propósito de uma entrevista conjunta favorece a oportunidade para as duas
partes colocarem seus pontos de vistas de maneira clara e transparente, de forma a não possibilitar no
adolescente a emergência de sentimentos persecutórios, de que os pais, ou responsáveis possam estar
“falando mal dele”. É importante que o filho adolescente ouça as preocupações dos pais e compartilhe
com eles as suas percepções e sofrimentos, possibilitando também aos pais, ouvir o filho, nas suas
percepções acerca da problemática ou do conflito que está se apresentando. Esse modo de proceder,
favorece a confiança do adolescente no terapeuta que mostra, considerá-lo e valorizá-lo como pessoa
capaz de fazer escolhas e responsabilizar-se por sua existência, assumindo as conseqüências de suas
atitudes e modos de lidar com sua realidade.
A mediação que o terapeuta faz na entrevista conjunta, além de apreender a dinâmica
relacional dessa família, estará viabilizando a minimização de possíveis conflitos existentes na relação
entre pais e filho. No encontro conjunto, ambos os lados crescem, reavaliam e ampliam as suas
percepções da realidade que se apresenta. É importante salientar o cuidado e a habilidade do terapeuta
para não fazer aliança com os pais, para não comprometer a confiança do adolescente no terapeuta e
neutralizar as possibilidades de sucesso no processo terapêutico.
A entrevista conjunta, poderá ser uma oportunidade para o terapeuta acionar a
responsabilidade dos pais quanto a participação deles no processo terapêutico do filho, caso se conclua
que a criança está realmente necessitando de cuidados. Saberão que deverão estar presentes aos
freqüentes encontros com o terapeuta, para num trabalho compartilhado, passar as suas percepções
sobre a criança ao terapeuta, e para que este possa fazer as orientações necessárias, possibilitando que
acionem seus recursos e contribuam para o fortalecimento emocional do filho de modo a resgatar da
condição de privação (sintoma) a que esta experimentando.
Diferentemente de outras abordagens, na perspectiva fenomenológica existencial, a primeira
entrevista não é apenas uma investigação da queixa para elaboração de um psicodiagnóstico. A
entrevista é em si, interventiva na medida em que, o terapeuta apreende os fenômenos, e a partir de
indagações e exploração desses, possibilite emergência da angústia, da dor e de fenômenos implícitos
que aos poucos vão sendo desvelados.
Quando uma criança chega à terapia, é pertinente que se faça a ela alguns esclarecimentos. Ela
sabe o que é psicólogo? Já fez terapia? Se nunca participou de um processo terapêutico, é preciso
esclarecer a que ele serve. Ela sabe por que está ai? Podem-se apresentar inúmeras razões pelas quais

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o psicólogo é procurado. Pode-se perguntar a ela no que o psicólogo poderia ajudá-la, para averiguar
se tem clareza do que passa com ela.
Durante a hora lúdica a criança revela o seu modo de “ser e estar” no mundo através da
brincadeira, e é nesse modo que deverá ser focado o trabalho do terapeuta.
Através das sessões de ludoterapia vamos confirmando se a criança que veio é a mesma de
quem os pais falavam.
Segundo Feijó (2007), o espaço de ludo deve conter inúmeras possibilidades, para a criança
escolher. Deve estar a sua disposição: papel para desenhar, lápis de cor, água, areia, barro, tesoura,
lousa, livros infantis, fantoches, casa de boneca, carrinhos, revistas, etc. O princípio trabalhado é o da
liberdade, não cabendo ao terapeuta escolher, pois quando a criança escolhe ela esta exercendo a sua
liberdade.
Quando a criança recusa escolher ou solicita que o terapeuta escolha por ela, ela estará abrindo
mão de escolher algo por si mesma, e nesse sentido, o terapeuta deve mostrar as conseqüências e
desvantagem de deixar que o outro escolha por ela, além do que, a escolha do outro pode não agradá-
la. O terapeuta deverá fazer a clarificação das implicações no agora e no depois, das ressonâncias
desse modo de ser para a construção da existência dela. Além de estar trabalhando o exercício da
liberdade, também estará fortalecendo o exercício da autonomia emocional, da autoconfiança, da
crença nas suas possibilidades e potencialidades.
A utilização dos livros infantis, pode ser um recurso valiosos para mobilizar a família para o
processo terapêutico e para a orientação de pais, além de possibilitar trabalhar com as crianças temas
importantes como a sexualidade, a morte, a fragilidade, a agressão, a submissão e muitas outras
questões.
O espaço lúdico deve dispor dos mais variados tipos de jogos, pois estes possibilitam a
expressão de seu modo de se vincular com as realidades, além de revelar a sua capacidade ou
dificuldade de lidar com as perdas, ganhos, expressa também, o egoísmo, egocentrismo, sua abertura
e fechamento diante das possibilidades que se apresentam. Cada criança, vai expressar o seu modo de
ser, e o terapeuta deverá acolher qualquer tipo de expressão, seja ele agressivo, manipulador,
desdenhoso, hiperativo, submisso, esnobe, tímido, calado.
A visita à escola. A visita a escola é um recurso que pode trazer contribuições significativas
para ampliar a compreensão do universo da criança e de seu modo de lidar com sua realidade.
Considerando que a criança passa grande parte de seu tempo na escola, sendo ali um espaço que a
criança habita, podemos apreender como a criança está lidando com esse contexto em todos os
sentidos, no seu desempenho, na sociabilidade, nos vínculos, quem são as pessoas que lhe são
significativas, sua relação com a professora, se está feliz nesse espaço. Podemos perceber se a escola
está contribuindo para um desenvolvimento saudável da criança, ou não.
A visita domiciliar. A visita domiciliar revela-se como mais um recurso de que o terapeuta
dispõe, caso entenda que seja necessário observar a criança em seu habitat natural. Favorece conhecer

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todas as pessoas que convivem com a criança: irmãos, avós, tio, empregada, babá e principalmente o
pai, caso ele não comparece à sessão, e principalmente, apreender, os modos de vinculações, a
proximidade e distanciamento afetivo com os membros familiares, a dinâmica familiar e o modo dessa
família ser e estar no mundo. É uma visita de aproximadamente 50 minutos, como se estivéssemos
realizando a sessão em outro lugar.
O recursos técnicos. As técnicas são compreendidas como recursos terapêuticos que se utiliza
para atingir os objetivos terapêuticos. Podemos dizer que é uma maneira ou um modo de fazer que
facilita a expressão do ser e que promove condições para a conscientização e expansão. Qualquer
técnica é considerada um meio, um instrumento para chegar ao propósito da terapia (PROTÁSIO,
2010)
Nesse sentido Violet Oaklander, (1980) afirma que existem inúmeras técnicas que
possibilitam as crianças exprimirem sentimentos através do desenho e da pintura. O propósito é
sempre ajudar a criança a tomar consciência de si mesma e da sua existência no mundo. Cada
terapeuta encontrará o seu próprio estilo para dirigir e orientar a sessão de um lado, e acompanhar e
seguir a direção da criança, de outro.
Cada psicólogo vai construir o seu estilo e as suas modalidades de intervenções desde que o
método fenomenológico seja respeitado.
Nesse sentido, Feijó (1997) enfatiza a necessidade do exercício da epoché para que o
psicoterapeuta atue de uma forma adequada ao método e não faça confusão com as vivências
cotidiana. Através da ação do brincar, a criança vai expressando toda a sua e hostilidade e o terapeuta
deverá criar um ambiente permissivo para que ela exteriorize os seus sentimentos, sem criticá-la ou
censurá-la.
Os recursos técnicos possibilitam colocar a criança num caminho de busca de sentido, ao
mesmo tempo, reduzir a sua ansiedade, colocando-a confortavelmente num contexto seguro, onde
possa expressar-se livremente e abrir-se para novas possibilidades de seu existir.
Como recursos, Carl Rogers faz algumas intervenções, denominadas de refletora de conteúdo
verbal e clarificadora de vivência emocional. A primeira consiste em sintetizar o discurso do cliente,
que às vezes se dá de forma confusa e incoerente e devolver a ele de forma compreensível. Na
segunda, o psicólogo apreende o a vivência, ou sentimentos, que emergiram na brincadeira os explicita
clarificando-os. Esses recursos dentro de um contexto fenomenológico serão entendidos como
esclarecimento fenomenológico. Uns são mais afirmativos, outros mais inquisitivos, como faz Virginia
Axline, que adota as intervenções de Rogers.
Feijó, (2007) reafirma que quanto às atitudes, a ética deve ocupar o lugar central. A atuação do
psicólogo deve ser isenta de seus valores, não cabendo a ele avaliar e julgar a atitude de seu cliente
como certo ou errado. Deve abster-se de julgamento e de mostrar o caminho a seguir, e sim
compreender o que aquela criança ou adolescente esta experienciando naquele momento da sua vida.

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Os testes psicológicos. Existem divergências entre os terapeutas existenciais quanto ao uso
dos testes psicológicos padronizados, pelo fato de não convergir com os pressupostos básicos que
definem a visão de homem dessa abordagem. Os testes projetivos foram criados a partir de
pressupostos psicanalíticos, baseados no conceito de projeção e os conteúdos projetados são lidos à luz
dessa teoria. Diferentemente, numa perspectiva fenomenológica, a leitura é feita a partir dos
fenômenos mesmos e não a partir de uma teoria a priori. Entende-se que a cada desenho, a cada leitura
que uma criança faz, por exemplo, de uma prancha do HTP terá significados muito particulares, que
está atrelado a sua história de vida, que é singular e única. Desenhos semelhantes terão significados e
sentidos totalmente diferentes. Se interpretarmos desenhos parecidos de forma semelhantes, estaremos
nos desviando da singularidade do ser. As indagações e questionamentos deverão seguir o sentido
atribuído pela pessoa. Um nódulo desenhado no tronco da árvore, não deverá ser interpretado a priori
como um trauma. Deve-se fazer uso da suspensão fenomenológica (epoché) e “ir as coisas mesmas”
e perguntar à criança, o que aquele nódulo significa para ela, e não fazer interpretações a partir de uma
teoria. As indagações e questionamentos sobre os significados atribuídos aos desenhos, devem ser no
sentido de abrir as vivências, para apreender seus sentimentos e possíveis dores emocionais.
É importante reafirmar que a “interpretação” de qualquer teste ou técnica será pautada numa
leitura fenomenológico-existencial, e que, qualquer teste projetivo não determinará o diagnóstico, nem
será possível analisá-lo por uma simbologia pré-definida, ou por resultado padronizado. Nesse sentido
os testes projetivos poderão ser utilizados com um meio de acesso à criança e dessa forma, serão úteis
para conhecê-la, compreender o que se passa com ela, isto implica, apreender o significado das suas
experiências e o sentido de suas vivências. O testes HTP ou CAT, poderão são valiosos na medida
em que remetem a situações familiares. São visto como estímulos que facilitam o acesso à existência
da criança. Um teste psicométrico, um teste de nível intelectual, ou prova motora, devem ser
considerados situações-estimulos para compreendermos o modo de a criança estar-no-mundo; como
está se relacionando com sua aprendizagem, como se coloca diante das informações.
Em todo o trabalho clínico, seja com a criança ou adolescente, não podemos perder de vista, é
que o olhar é sempre para a existência na sua singularidade e concretude, que implica, os modos de
relação que essa criança ou esse adolescente, estabelece consigo mesmo, com os outros e com as
coisas ao seu redor; e ter o entendimento que esses modos são reveladores da construção de sua
essência na sua existência, que um dos pressupostos filosóficos que subsidia essa vertente da
psicologia.
Devolutivas. Na devolutiva aos pais, é importante mostrar que o quebra cabeça não foi
colado, apenas montado. Considerando que a existência não é estática e sim movimento, a qualquer
momento esse quebra cabeça pode desarranjar-se ou transformar-se em outra figura. Portanto, não
podemos afirmar que a criança ou adolescente é assim, mas que nesse momento da vida, está assim.
Temos que considerar que na perspectiva existencial o homem é um projeto aberto, um ser de
possibilidades que está sempre no devir (AZEVEDO, 2002)

16
Ao concluir esse capítulo, enfatizamos que o fenômeno com o qual lidamos no momento da
terapia é sempre o fenômeno da existência, existência que se abre para ser compreendida, de forma
singular, porque aquela vida de que estamos tratando é única, aquela sessão é única. A cada sessão
reunimos pedaços de significados dispersos, e a medida que vamos juntando, montando as peças,
como se fosse um quebra cabeça, terapeuta e cliente, vão organizando e estruturando o sentido da
existência.
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