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Relatório do Software Anti-plágio CopySpider


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Instruções
Este relatório apresenta na próxima página uma tabela na qual cada linha associa o conteúdo do arquivo
de entrada com um documento encontrado na internet (para "Busca em arquivos da internet") ou do
arquivo de entrada com outro arquivo em seu computador (para "Pesquisa em arquivos locais"). A
quantidade de termos comuns representa um fator utilizado no cálculo de Similaridade dos arquivos sendo
comparados. Quanto maior a quantidade de termos comuns, maior a similaridade entre os arquivos. É
importante destacar que o limite de 3% representa uma estatística de semelhança e não um "índice de
plágio". Por exemplo, documentos que citam de forma direta (transcrição) outros documentos, podem ter
uma similaridade maior do que 3% e ainda assim não podem ser caracterizados como plágio. Há sempre a
necessidade do avaliador fazer uma análise para decidir se as semelhanças encontradas caracterizam ou
não o problema de plágio ou mesmo de erro de formatação ou adequação às normas de referências
bibliográficas. Para cada par de arquivos, apresenta-se uma comparação dos termos semelhantes, os
quais aparecem em vermelho.
Veja também:
Analisando o resultado do CopySpider
Qual o percentual aceitável para ser considerado plágio?

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Relatório gerado por: abiatardavid.conteudista@grupofaveni.com
Modo: web / detailed

Arquivos Termos comuns Similaridade


A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 1317 4,90
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S21
75-25912016000200009
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 479 1,67
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S18
09-68672017000100008
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 244 0,95
https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-
fenomenologia-husserl-uma-breve-leitura.htm
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 138 0,61
https://filosofar.blogs.sapo.pt/75279.html
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 86 0,37
https://www.todamateria.com.br/fenomenologia
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 75 0,30
https://www.todamateria.com.br/tipos-de-sujeito-exercicios-
com-gabarito
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 60 0,26
https://www.todamateria.com.br/martin-heidegger
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 56 0,23
https://mundoeducacao.uol.com.br/gramatica/tipos-sujeito.htm
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 39 0,16
https://www.todamateria.com.br/sujeito
A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx X 35 0,15
https://www.stoodi.com.br/blog/filosofia/o-que-e-o-conceito-de-
verdade-para-filosofia

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912016000200009 (6339
termos)
Termos comuns: 1317
Similaridade: 4,90%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2175-25912016000200009 (6339 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo

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das ciências humanas.


Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e

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histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e
inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?

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O psicologismo
Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da

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fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em
uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

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Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do
conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o ?
homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria

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verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o
mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é

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possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No
entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira

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normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a
conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos

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contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?


proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais

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rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de


demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).

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Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é
chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos

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em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e
o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no

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campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática


husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,

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entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os
explicar por um sistema de causalidade.
Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de

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seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e
assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):

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Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção
da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos

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comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua
peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.

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Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos
fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os

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fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como
sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos

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com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua
existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na

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Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode
ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),

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enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando
tratamos especificamente do pensamento de Husserl.
Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da

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pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um
processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,
compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que

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e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser
compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente

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que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções
possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que

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ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia
fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado (
Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,

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que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser
humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência

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? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a


analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é (
HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se

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interrogar sobre si e o Ser.


Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,

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surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e
como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na

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fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas
originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?, ?
abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de

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interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As
perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e

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comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser
investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,
podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).

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Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e
se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser

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se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado
por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,

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assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente
dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser (
HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de

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Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e


recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão (
Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que

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possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.

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HUSSERL, Edmund. Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo. Trad. Pedro M. S.
Alves. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1994.

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KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015

MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


: Summus, 2007.

NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672017000100008 (7280
termos)
Termos comuns: 479
Similaridade: 1,67%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-68672017000100008 (7280 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo

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das ciências humanas.


Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e

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histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e
inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?

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O psicologismo
Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da

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fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em
uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

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Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do
conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o ?
homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria

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verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o
mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é

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possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No
entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira

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normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a
conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos

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contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?


proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais

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rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de


demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).

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Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é
chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos

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em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e
o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no

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campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática


husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,

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entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os
explicar por um sistema de causalidade.
Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de

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seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e
assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):

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Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção
da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos

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comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua
peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.

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Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos
fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os

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fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como
sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos

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com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua
existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na

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Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode
ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),

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enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando
tratamos especificamente do pensamento de Husserl.
Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da

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pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um
processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,
compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que

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e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser
compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente

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que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções
possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que

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ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia
fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,

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que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser
humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência

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? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a


analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é (
HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se

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interrogar sobre si e o Ser.


Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,

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surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e
como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na

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fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas
originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de

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interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As
perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e

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comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser
investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,
podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).

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Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e
se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser

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se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado
por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,

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assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente
dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de

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Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e


recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que

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possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? Trad. M. J. G. Almeida. São Paulo: Centauro, 2005.

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Alves. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1994.

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KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015

MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


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NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-fenomenologia-husserl-uma-breve-
leitura.htm (3886 termos)
Termos comuns: 244
Similaridade: 0,95%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento
https://meuartigo.brasilescola.uol.com.br/filosofia/a-fenomenologia-husserl-uma-breve-leitura.htm (3886
termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para

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as atividades.

Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também

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expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo


das ciências humanas.
Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)

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O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e
inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações

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entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?


O psicologismo
Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque

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determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em
uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

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Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do
conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.

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Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o
mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da

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constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No
entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente

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contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a
conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles

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enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?
proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a

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ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.

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Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de
demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,

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1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é
chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em

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sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e
o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia

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? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática
husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento

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fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os
explicar por um sistema de causalidade.
Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

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De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e
assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da

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resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção
da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as

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demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua
peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque

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se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos
fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo

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passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como
sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e

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encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua
existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.

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A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode
ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de

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naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),


enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando
tratamos especificamente do pensamento de Husserl.
Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia

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permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um
processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,
compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.

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Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser
compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.

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Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções
possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.

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Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia
fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,

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Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser
humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa

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existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a
analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser

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, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.
Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência

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humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e
como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou

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seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas
originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica

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existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de


interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As
perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e

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objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser
investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,
podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para

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designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).


Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e
se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à

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sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado
por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o

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ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente
dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso

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também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,

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existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de


Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e
recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa

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morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.

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DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? Trad. M. J. G. Almeida. São Paulo: Centauro, 2005.

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Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

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HUSSERL, Edmund. Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo. Trad. Pedro M. S.

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Alves. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1994.

KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015

MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


: Summus, 2007.

NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://filosofar.blogs.sapo.pt/75279.html (899 termos)
Termos comuns: 138
Similaridade: 0,61%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento https://filosofar.blogs.sapo.pt/75279.html
(899 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo
das ciências humanas.

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Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e

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inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?
O psicologismo

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Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em

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uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do

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conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o

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mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No

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entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a

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conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?

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proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de

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demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é

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chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e

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o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática

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husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os

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explicar por um sistema de causalidade.


Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e

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assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção

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da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua

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peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos

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fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como

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sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua

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existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode

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ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),
enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando

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tratamos especificamente do pensamento de Husserl.


Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um

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processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,


compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser

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compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções

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possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia

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fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser

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humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a

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analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.

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Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais
?o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e

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como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas

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originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de
interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As

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perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser

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investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,


podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e

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se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado

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por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente

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dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de
Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e

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recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

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Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.

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CERBONE, D. R. Fenomenologia. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? Trad. M. J. G. Almeida. São Paulo: Centauro, 2005.

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Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

FOUCAULT. Michel. O que são as luzes? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos II: Arqueologia das
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HUSSERL, Edmund. Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo. Trad. Pedro M. S.
Alves. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1994.

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KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015

MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


: Summus, 2007.

NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://www.todamateria.com.br/fenomenologia (1183 termos)
Termos comuns: 86
Similaridade: 0,37%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento
https://www.todamateria.com.br/fenomenologia (1183 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo
das ciências humanas.

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Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e

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inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?
O psicologismo

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Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em

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uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do

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conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o

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mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No

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entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a

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conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?

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proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de

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demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é

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chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e

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o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática

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husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os

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explicar por um sistema de causalidade.


Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e

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assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção

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da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua

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peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos

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fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como

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sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua

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existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode

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ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),
enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando

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tratamos especificamente do pensamento de Husserl.


Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um

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processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,


compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser

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compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções

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possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia

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fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser

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humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a

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analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.

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Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e

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como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas

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originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de
interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As

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perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser

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investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,


podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e

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se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado

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por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente

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dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de
Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e

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recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

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Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? Trad. M. J. G. Almeida. São Paulo: Centauro, 2005.

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FOUCAULT. Michel. O que são as luzes? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos II: Arqueologia das
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KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015

MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


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NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://www.todamateria.com.br/tipos-de-sujeito-exercicios-com-gabarito (2703 termos)
Termos comuns: 75
Similaridade: 0,30%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento https://www.todamateria.com.br/tipos-de-
sujeito-exercicios-com-gabarito (2703 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo
das ciências humanas.

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Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e

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inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?
O psicologismo

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Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em

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uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do

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conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o

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mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No

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entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a

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conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?

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proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de

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demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é

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chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e

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o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática

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husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os

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explicar por um sistema de causalidade.


Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e

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assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção

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da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua

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peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos

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fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como

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sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua

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existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode

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ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),
enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando

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tratamos especificamente do pensamento de Husserl.


Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um

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processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,


compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser

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compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções

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possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia

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fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser

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humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a

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analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.

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Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais
?o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e

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como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas

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originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de
interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As

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perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser

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investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,


podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e

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se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado

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por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente

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dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de
Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e

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recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

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Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
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VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://www.todamateria.com.br/martin-heidegger (784 termos)
Termos comuns: 60
Similaridade: 0,26%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento https://www.todamateria.com.br/martin-
heidegger (784 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo
das ciências humanas.

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Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e

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inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?
O psicologismo

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Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em

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uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do

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conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o ?
homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o

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mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No

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entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a

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conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?

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proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de

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demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é

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chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e

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o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática

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husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os

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explicar por um sistema de causalidade.


Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e

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assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção

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da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua

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peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos

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fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como

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sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua

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existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode

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ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),
enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando

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tratamos especificamente do pensamento de Husserl.


Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um

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processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,


compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser

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compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções

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possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia

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fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser

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humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a

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analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.

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Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e

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como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas

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originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de
interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As

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perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser

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investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,


podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e

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se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado

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por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente

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dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de
Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e

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recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

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Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

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SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
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STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
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VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://mundoeducacao.uol.com.br/gramatica/tipos-sujeito.htm (2102 termos)
Termos comuns: 56
Similaridade: 0,23%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento
https://mundoeducacao.uol.com.br/gramatica/tipos-sujeito.htm (2102 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo
das ciências humanas.

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Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e

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inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?
O psicologismo

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Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em

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uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do

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conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o

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mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No

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entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a

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conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?

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proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de

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demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é

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chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e

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o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática

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husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os

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explicar por um sistema de causalidade.


Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e

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assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção

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da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua

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peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos

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fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como

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sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua

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existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode

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ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),
enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando

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tratamos especificamente do pensamento de Husserl.


Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um

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processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,


compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser

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compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções

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possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia

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fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser

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humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a

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analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.

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Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e

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como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas

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originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de
interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As

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perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser

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investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,


podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e

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se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado

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por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente

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dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de
Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e

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recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

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Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
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MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


: Summus, 2007.

NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://www.todamateria.com.br/sujeito (1458 termos)
Termos comuns: 39
Similaridade: 0,16%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento https://www.todamateria.com.br/sujeito
(1458 termos)

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CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo
das ciências humanas.

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Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e
histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e

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inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?
O psicologismo

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Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da
fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em

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uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do

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conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria
verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o

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mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é
possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No

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entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira
normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a

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conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos
contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?

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proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais
rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de

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demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).
Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é

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chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos
em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e

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o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no
campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática

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husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,
entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os

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explicar por um sistema de causalidade.


Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de
seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e

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assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):
Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção

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da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos
comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua

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peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.
Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos

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fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os
fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como

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sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos
com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua

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existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na
Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode

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ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),
enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando

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tratamos especificamente do pensamento de Husserl.


Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da
pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um

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processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,


compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que
e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser

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compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente
que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções

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possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que
ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia

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fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,
que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser

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humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência
? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a

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analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se
interrogar sobre si e o Ser.

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Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,
surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e

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como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na
fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas

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originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de
interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As

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perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e
comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser

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investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,


podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e

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se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser
se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado

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por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,
assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente

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dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de
Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e

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recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que
possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

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Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ARISTÓTELES. Metafísica. São Paulo: Loyola, 2002.

BRENTANO, F. Psicologia desde un punto de vista empírico. Tradução: Hernán Scholte. Madri.
Universidade Complutense, 2012.

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Vozes, 2015. Prefácio.

CERBONE, D. R. Fenomenologia. 3. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.

DARTIGUES, André. O que é a fenomenologia? Trad. M. J. G. Almeida. São Paulo: Centauro, 2005.

DEPRAZ, N. Compreender Husserl. Trad. F. Santos. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2007.

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Husserl. Paris: PUF, 1967.

ERBER, Pedro Rabelo. Política e Verdade no pensamento de Martin Heidegger.


Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Loyola, 2003.

FOUCAULT. Michel. O que são as luzes? In: FOUCAULT, Michel. Ditos e escritos II: Arqueologia das
ciências e história dos sistemas de pensamento. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2013.

GORNER, P. Ser e tempo: uma chave de leitura. Petrópolis: Vozes, 2018.

GREAVES, T. Heidegger. Porto Alegre: Penso, 2012.

HEIDEGGER, Martin. Kant und das Problem der Metaphysik. Frankfurt: Vittorio Klostermann, 1973.

HUSSERL, E. A ideia da fenomenologia. Rio de Janeiro: Edições 70, 2000.

HUSSERL, E. Investigações lógicas: prolegômenos à lógica pura. São Paulo: Forense Universitária, 2012b
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HUSSERL, Edmund. Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo. Trad. Pedro M. S.
Alves. Lisboa: Impressa Nacional-Casa da Moeda, 1994.

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KAHLMEYER-MERTENS, R. S. 10 lições sobre Heidegger. Petrópolis: Vozes, 2015

MULLER-GRANZOTTO, M. J.; MULLER-GRANZOTTO, R. L. Fenomenologia e Gestalt-terapia. São Paulo


: Summus, 2007.

NASCIMENTO, C. S. A vivência intencional da consciência pura em Husserl. Revista da Universidade


Estadual Paulista, v. 9, p. 104-116, 2016.

NERVIS, J. A fenomenologia que nasce e o ?mundo da vida?: sobre a filosofia de Edmund Husserl.
Revista Razão e Fé, v. 15, n. 2, p. 31-55, jul./dez. 2013.

PLATÃO. A república. Tradução Carlos Alberto Nunes. 3. ed. Belém: EDUFPA, 2000.
SACRINI, Marcus. O projeto fenomenológico de fundação das ciências. Scientiae Studi, v. 7, n. 4, 2009.
Acessado em: julho de 2022.

STEGMÜLLER, Wolfgang. A Filosofia Contemporânea: introdução crítica. 2ª edição. São Paulo: Editora
Forense, 2012.

VATTIMO, G. Para além da interpretação. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro

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=================================================================================
Arquivo 1: A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832 termos)
Arquivo 2: https://www.stoodi.com.br/blog/filosofia/o-que-e-o-conceito-de-verdade-para-filosofia (986
termos)
Termos comuns: 35
Similaridade: 0,15%
O texto abaixo é o conteúdo do documento A fenomenologia de Husserl e Heidegger.docx (21832
termos)
Os termos em vermelho foram encontrados no documento https://www.stoodi.com.br/blog/filosofia/o-
que-e-o-conceito-de-verdade-para-filosofia (986 termos)

=================================================================================

CAPA

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno!

O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial
. Em uma sala de aula, é raro ? quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-
se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O
comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao
protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um
horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que
poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para
as atividades.

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Bons estudos!

A FENOMENOLOGIA E SUA IMPORTÂNCIA

Edmund Husserl e Martin Heidegger, respectivamente, St. Märgen 1921.


Fonte: www.lacoladerata.

A fenomenologia é uma corrente filosófica que surge no final do século XIX e desenvolve durante todo o
século XX. Atualmente, ela permanece como uma das principais tendências do pensamento
contemporâneo, seja pelo seu estudo constante e sistemático em diversas universidades e institutos de
pesquisa espalhados pelo mundo, como também pelos impactos do método fenomenológico em diversos
campos de conhecimento e níveis de saber, em especial no universo das ciências humanas.
A palavra fenomenologia foi empregada, em sentido moderno, pela primeira vez, pelo filósofo e
matemático alemão do séc. XVIII Johann Lambert (1728 ? 1777), visando a caracterização de uma ciência
das aparências, isto é, voltada, para investigação dos fenômenos tais como elas surgem em consonância
com o aparelho sensorial humano. Em Hegel (17670-1831), outro importante filósofo alemão do século
XIX, o termo aparece em sua obra A fenomenologia do espirito, indicando necessidade da descrição da
experiência como manifestação da vida do espírito.
Em tais usos, reconhecemos aspectos que reverberam o modo como o termo passa ser a usado a partir
do projeto filosófico de Edmund Husserl (1859-1938), considerado o alicerce a partir do qual a
fenomenologia surge e se desenvolve no mundo contemporâneo. Em sentido amplo, a palavra
fenomenologia se refere uma filosofia preocupada em elucidar e descrever nossa experiência enquanto
abertura aos fenômenos, descrevendo os eventos e coisas tal como elas aparecem para a subjetividade,
seja em nível perceptivo, como também segundo a presença das coisas à consciência.
Em sentido estrito, no mundo contemporâneo, e conforme a perspectiva inaugurada por Husserl, a
fenomenologia surge, assim, como um método de explicitação das estruturas da correlação entre
consciência e mundo, entendida como intencional. Trata-se, portanto, de descrever e tematizar nossa
abertura ao mundo através da consciência, o modo como ela intenciona os fenômenos em seu aparecer.
Entre seus principais expoentes estão Edmund Husserl (1859 ? 1938), que como afirmamos anteriormente
foi o fundador da fenomenologia, e Martin Heidegger (1889 ? 1976), discípulo de Husserl, que deu
contornos ontológicos ao método fenomenológico. Os dois pensadores terão lugar privilegiado em nosso
estudo; porém, apresentando-se enquanto uma ampla tradição de pesquisa e saber, a fenomenologia tem
sido transformada e utilizada de muitas maneiras no decorrer do século XX, sendo necessário também
expor conteúdos que possibilitem ao estudante a compreensão do impacto da fenomenologia no universo

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das ciências humanas.


Na psicologia, por exemplo, a fenomenologia tem sido de suma importância para garantir uma mudança
de postura e de olhar sobre os fenômenos emocionais e as possibilidades de intervenção, dando ainda
uma base epistemológica para o desenvolvimento da compreensão dos objetos e fenômenos aos quais
uma ciência psicológica deve estar assentada. O existencialismo, uma corrente filosófica francesa, de
caráter heterogêneo, também é um dos frutos da fenomenologia e trouxe contribuições decisivas à
psicologia, formando uma área de abordagem das vivências psíquicas de caráter existencial e orientada
pelo esforço de valorizar a experiência humana em sua singularidade e liberdade.
A fenomenologia também se desdobrou em teorias e métodos de suma importância para ciências
humanas, tais como como a hermenêutica (de origem heideggeriana) e a desconstrução tal como
desenvolvida nos primeiros trabalhos Jacques Derrida (1939-2004), que traduziu para o francês obras de
Husserl, tornando-se um dos seus leitores mais fecundos e criativos do filósofo alemão nos anos 50 e 60.
Nesse sentido, visando fazer uma introdução a fenomenologia de Husserl e Heidegger, com a finalidade
de contextualizar sua contribuição para as ciências humanas e especial para psicologia trataremos dos
seguintes temas:

A fenomenologia de Husserl, buscando elucidar os conceitos fundadores da fenomenologia, através de


sua crítica ao psicologismo e compreensão das ciências humanas.
b) Os aspectos da analítica existencial de Heidegger e seu impacto nas concepções de existência, tais
como são tratadas no mundo contemporâneo.
FENOMENOLOGIA E PSICOLOGISMO (O PROJETO FILÓSOFICO DE husserl).

Fonte: ehagaki.org
O século XIX foi palco de um profundo desenvolvimento das ciências naturais e de filosofias que
buscavam no universo científico fundamentação metodológica. O influxo da biologia e da psicologia em
assuntos lógicos e filosóficos determinou em muitos aspectos, a investigação e a produção teórica de
muitos autores. Aliado a traços positivistas e naturalistas na compreensão do ser humano e do mundo,
esse influxo foi predominante, principalmente, no que tange ao desenvolvimento da filosofia universitária
daquele período, especialmente na última década do século XIX. Os estudos no campo da epistemologia
e teoria conhecimento, se configuravam, portanto, a partir de uma atitude geral de valorização da
metodologia que estava sendo desenvolvida no campo das ciências empíricas, principalmente a psicologia
.
Como aponta Santos (1973), do ano do nascimento de Husserl (1859) até 1900 ? ano de publicação de
sua primeira grande obra Investigações Lógicas (1900), - muitos são os fatores que contribuíram para que
as relações entre ciência e filosofia se configurassem de modo a colocar em risco a normatividade do
discurso filosófico; ou que pressupostos da psicologia fossem considerados como substitutos satisfatórios
para concepções filosóficas acerca da experiência e da condição humana. Nas palavras do autor,

Nesse período, o positivo, a doutrina que estipula a ciência como único conhecimento possível e o método
científico como único método válido, vinham ganhando terreno, de forma a despojar a filosofia de seu
objeto próprio, considerando-a mera fase na evolução da humanidade?, a qual sucede o triunfo da ciência
(SANTOS, 1973, p. 20)
O surgimento da fenomenologia husserliana está inteiramente implicado com esse contexto intelectual e

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histórico, o que não lhe impediu de se tornar um dos acontecimentos intelectuais mais produtivos e
inclassificáveis do século XX. Todavia, ela não se faz enquanto um processo de adesão ao sentimento
constante da época, ou seja, conforme a consideração de que as ciências naturais teriam a chave para
compreensão da existência e da totalidade do mundo, porque conseguiam dar explicações científicas e
demonstrações empíricas dos fenômenos as quais estavam voltadas. A fenomenologia surge pelo
questionamento dessa adesão ingênua e pela preocupação em dar fundamentação a prática científica,
diferindo as dimensões empíricas da experiência daquelas que podem ser consideradas como ideais. A
distinção aqui é fundamental para entender o que é a fenomenologia e qual seu campo de investigação.

Fonte: todamateria.com
De um lado encontramos os fenômenos empíricos que são aqueles tratados por ciências empíricas como
biologia, a química e a psicologia, por exemplo. De outro temos ciências eidéticas, que tem como objeto
idealidades, formas de existência e conteúdo que não se confundem com o mundo empírico: as leis da
lógica e os objetos matemáticos, por exemplo.

Fonte: senado.com
A fenomenologia de Husserl se inicia pela consideração de que o mundo idealidades não pode ser
explicado ou encontra seu fundamento no mundo empírico, ou seja, para Husserl é um equívoco
considerar o método de ciências como a biologia e a psicologia enquanto métodos passiveis de serem
utilizados por todos as ciências, já que determinados fenômenos ou objetos de conhecimento tem uma
estrutura diferente daquela dos fenômenos empíricos.
Nesse sentido, a fenomenologia surge do embate com um comportamento teórico chamado psicologismo,
conforme o qual a fundamentação das ciências encontra sua base na vida psicológica do sujeito empírico
. Cabe ainda ressaltar, que o psicologismo, foi uma posição intelectual da qual o próprio Husserl partilhou.
Em sua primeira obra importante, A filosofia da Aritmética (1883), ele desenvolveu uma posição
psicologista acerca da gênese do número através da experiência subjetiva, descrevendo a origem da
aritmética combinando o método lógico formal das ciências matemáticas e da lógica com uma variação
particular de método de análise psicológica, oriundo das formulações da psicologia empírica de Franz
Brentano (1838-1917).

Franz Brentano (1838-1917). Fonte: psicologiadiz.com


Através da psicologia de Brentano, Husserl descreve como necessária a relação dos conceitos
matemáticos com as atividades subjetivas da consciência empírica, entendida como esfera produtora de
conceitos tais como número, unidade e multiplicidade (HADDOCK, 1997, p 140);
O psicologismo da primeira obra de Husserl é uma variação das concepções recorrentes em sua época.
No entanto, é possível encontrar, segundo o testemunho do filósofo e também de alguns de seus leitores,
dimensões importantes do que veria ser a fenomenologia já em seu primeiro livro. No esboço de um
prefácio de 1913, um texto no qual avalia o impacto público de seus primeiros trabalhos, ele avalia, por
exemplo, que apesar do caráter psicologista, suas primeiras investigações colocam em perspectiva a
tensão entre a experiência subjetiva e o conteúdo ideal da ciência matemática, buscando traçar relações
entre o ato da experiência e seu conteúdo. Mas em que consiste o psicologismo?

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O psicologismo
Segundo Lyotard (2010, p. 15), o psicologismo contra o qual Husserl combate identifica o sujeito do
conhecimento e o sujeito psicológico. Afirma, por exemplo, que o conteúdo do juízo esta caneca é azul
não é independe de mim, mas que o seu sentido é produzido pelas minhas vivências psicológicas,
?inacessíveis? aos outros e dadas em mim enquanto um conjunto de fenômenos químicos que por milagre
geram essa posição no mundo pela qual sou um sujeito perante aos outros. Husserl, opondo-se ao
psicologismo, considerará que juízos tais como caneca é azul têm certa independência em relação a
minha experiência e apresentam conteúdos que não se restringem ao mundo material, ou seja, que a
possibilidade de um juízo está baseada em estruturas ideais e obedece a regras que não são redutíveis as
condições do sujeito psicológico.
O problema do psicologismo, portanto, não é a remissão a subjetividade, mas a maneira como se
considera a subjetividade. Para Husserl, o sujeito do conhecimento se diferencia do sujeito psicológico,
isso não quer dizer que a subjetividade em cada individuo não tenha unidade, mas que enquanto dotados
de uma consciência intencional podemos visar o mundo de muitas maneiras, sendo possível diferenciar o
sujeito psicológico do sujeito de conhecimento quando se considera que a consciência intenciona e
vivência seus objetos de muitas maneiras.
Trataremos o conceito de intencionalidade mais a frente, por enquanto necessitamos compreender
apenas que a intencionalidade é o modo como uma consciência se volta a seus objetos; o que quer dizer
que em nossa experiência concreta, através da plasticidade intencional da consciência, se desdobra em
formas diversas de relação e consideração ao mundo. Por isso, podemos estar voltados ao mundo em
uma atitude de conhecimento, como também em uma atitude de forte desejo. O psicologismo é, portanto,
a posição a partir da qual um modo especifico de intencionalidade pela consciência é tomada como a base
de todas as outras, sem se apresentar motivos suficientes para isso, incluindo ainda um possível
processo de naturalização da consciência, pois em algumas correntes a experiência da consciência é
explicada por leis de determinação próximas ou similares aquelas oriundas das abordagens física e
química da realidade.
Assim, o psicologismo considera os fundamentos teóricos essenciais de todas as ciências residem na
psicologia, e as proposições que dão a lógica e a teoria do conhecimento seus aspectos caraterísticos,
pertencem, quanto ao seu conteúdo, ao seu domínio (HUSSERL, 2012, p. 61). Defende, portanto, a tese
de uma identidade necessária entre o caráter lógico das teorias científicas e as leis do comportamento
psicofísico. Afirma, assim, que através do estudo atento das vivências psicológicas é possível explicar a
validade e a origem dos conceitos científicos.
O ponto de partida da luta de Husserl contra o psicologismo e? a ideia de uma lógica pura como disciplina
puramente teórica que ele desenvolve em uma orientação fenomenológica, buscando resguardar tal
disciplina da redução ao puro formalismo ou a sua absorção em uma psicologia fundada nas ciências da
natureza. A corrente psicologista, ao contrário, afirma que a lógica e? uma técnica do pensamento correto
e que as leis lógicas são leis reais de nosso psiquismo. Em suas críticas ao psicologismo, Husserl aponta
alguns problemas constitutivos e consequências epistemológicas da abordagem: um aspecto frisado pelo
filósofo alemão é que o psicologismo gera posições relativistas e subjetivistas no âmbito da compreensão
das bases e fundamentos das ciências e do conhecimento.
O relativismo que nasce do psicologismo, consiste na consideração de que não existiriam conteúdos
universais na experiência e tampouco objetos de estrutura diferente daqueles experimentados no campo
da natureza. Uma posição relativista tende a diminuir a possibilidade da verdade em sentido ideal, porque
determina que tudo depende ou está relacionado a condições empíricas determinadas. Na perspectiva da

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fenomenologia nascente, a mais grave objeção que se pode fazer a uma teoria é a de ceticismo, pois em
uma posição cética em uma teoria nega suas próprias condições de validade. Uma teoria fundada, de
acordo com a impossibilidade de uma esfera de conteúdos ideais desemboca, naturalmente, em posições
relativistas e céticas, pois tudo é definido no âmbito de leis ?particulares? que dependem da contingência
dos fenômenos naturais; no caso do psicologismo da esfera psíquica e o modo como ela está ordenada
em cada indivíduo. Husserl combate o psicologismo a partir de tre?s aspectos: em primeiro lugar, mostra
as conseque?ncias absurdas dessa teoria no que tange a experiência da verdade; em segundo, prova que
ela desemboca em um ceticismo radical e absurdo; e em terceiro, desmascara os preconceitos do
psicologismo fundada em uma posição teoricamente ingênua.
As consequências empiristas do psicologismo
Na perspectiva husserliana, psicologismo invalidada a possibilidade de uma verdade cientifica ou filosófica
enquanto tal, pois situa todas formas de conhecimento ao nível do empírico. Nas palavras de Husserl
(2012, p.51), em uma perspectiva psicologista:
As leis do pensar, como leis causais segundo as quais se originam os conhecimentos no contexto mental,
só poderiam ser dadas sob a forma de probabilidade. Por conseguinte, nenhuma afirmação poderia ser
julgada com certeza como uma afirmação correta; porque as probabilidades, como medida fundamental de
toda a correção, imprimem forçosamente em todo o conhecimento o signo da mera probabilidade.
Estaríamos, assim, perante o mais extremo dos probabilismos.
A psicologia e? uma ciência de fatos, isto é, voltada a fenômenos particulares. As leis e normas
estabelecidas por ela podem representar apenas afirmações sobre regularidades aproximadas, mas nunca
poderão pretender a infalibilidade (STEGMÜLLER, 2012, p. 567). Os princípios lógicos, as regras de
dedução, os princípios da teoria das probabilidades, ao contrário, têm caráter ideal e exatidão absoluta, o
que, na perspectiva da fenomenologia nascente não poderia ser explicada por vias empíricas. Por
conseguinte, ao se afirmar que as leis lógicas são leis naturais do pensar, e? necessário acrescentar à tal
afirmação, que as leis naturais nunca podem ser obtidas através de uma evidência imediata, mas
unicamente por uma indução a partir dos fatos particulares oriundos experiência. Tais leis seriam, assim
apenas suposições (STEGMÜLLER, 2012, p. 567).
No caso de uma interpretação dos princípios lógicos como leis naturais, estes deveriam ser considerados
como suposições e não como verdades ou normas necessárias a constituição do conhecimento válido. O
princípio da não contradição significaria então que se deve supor que, entre dois juízos contraditórios, um
seja verdadeiro e outro, falso; isso significaria que afirmações autenticamente opostas, poderiam ser
verdadeiras e falsas ao mesmo tempo. É nessa perspectiva, que para Husserl as posições psicologistas
só podem desembocar no contrassenso, já que as leis lógicas não são leis do pensamento individual, mas
regras com evidência apodíticas. O princípio da não-contradição não é inferido a partir de dados do mundo
real, mas é uma regra universal do pensamento, um modo de relação que institui em si mesmo uma
norma universal. Nenhuma lei lógica conhecida, na perspectiva de Husserl, se relaciona com fatos da vida
psíquica, no sentido de uma; mas se dão unicamente no âmbito do discurso científico e filosófico enquanto
instrumento de validação e conformação do conhecimento, ainda que todos os mecanismos de uma vida
psicológica possam sustentar a vida daquele que em determinada circunstância faz um juízo matemático
ou lógico.

Fonte: sinusnovus.br

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Na perspectiva do psicologismo, portanto, não existiriam leis universais ou conteúdo ideias como base do
conhecimento, pois o conjunto da experiência se apresenta determinado por leis de causalidade psíquica e
cerebral, o equivale a dizer que todos os nossos conhecimentos estão fundados em uma física do
pensamento. que não sejam determinados por uma causalidade natura.
Nesses termos, o psicologismo desemboca, como já sugerimos, em uma forma especial de relativismo,
pois, com sua referência ao caráter natural das leis lógicas, impossibilita considerar um pensar submetido
a outras leis que não aquelas supostamente presentes no mundo psicológico, o que não permite também
caracterizar conteúdos lógicos como que marcados pela universalidade.
Há relativismo porque ainda que possamos falar de uma configuração comum do mundo psicológico em
todos os sujeitos, a partir do cérebro, por exemplo, o que é uma posição altamente questionável, temos
sempre a ideia de que a verdade está remetida ao sujeito, o que equivale repetir como Protágoras que o
?homem é medida de todas as coisas?.

Protágoras, sofista e filósofo grego, contemporâneo a Sócrates, que afirma que a verdade absoluta não,
que toda verdade é relativa ao homem. Fonte: todamateria.com

O psicologismo como relativismo cético


Conforme Stegmüller (2012)

A mais grave objec?a?o que se pode fazer a uma teoria e? a do ceticismo, caso em que ela nega as pro
?prias condic?o?es evidentes de possibilidade de uma teoria, contrariando assim em seu conteu?do o que
pressupo?e para sua pro?pria validade. Uma forma particular de ceticismo e? o relativismo, segundo o
qual, como afirmava Pita?goras, o homem e? a medida de todas as coisas, trate-se do homem individual,
da espe?cie homem ou de todo ser espiritual em geral.

A passagem acima descreve algumas informações importantes para o nosso estudo. Observamos, por
exemplo, a afirmação de que mais grave objeção que se pode fazer uma teoria é a de ceticismo.
Anteriormente, nos referimos a essa compreensão. Porque essa postura é mais grave? É, na medida, em
que uma teoria é cética ela também admite sua própria possibilidade, pelo menos na perspectiva da
fenomenologia de Husserl. Quando afirmamos, por exemplo, ?não existe verdade?, já se tem aí a
estrutura de uma verdade lógica, que nega o próprio conteúdo do que está sendo enunciado, pois se tem
aí uma verdade, o que torna insuficiente, ou pelo menos ambígua a afirmação cética de que não existe
verdade.
O ceticismo é uma posição segundo a qual não existe conhecimento verdadeiro ou que não é possível ter
certeza de que conhecemos ou não conhecemos o mundo. Ele se carateriza por uma atitude de suspeita
em relação à possibilidade de uma verdade universal, isso quando temos em vista um ceticismo
consequente; o ceticismo que se tem em vista no âmbito da reflexão husserliana não é consequente, já
que uma doutrina pode, por exemplo, não reconhecer que baseia em pressupostos céticos, como o
psicologismo, por exemplo. Trata-se, do ceticismo como consequência inesperada de uma teoria. Nesse
caso, o ceticismo é uma posição que surge do psicologismo a partir de uma série de posições implícitas
não questionadas pela teoria, como por exemplo, o relativismo.
Nos termos apontados acima, o psicologismo pode ser considerado uma forma específica de relativismo.
Por um lado, porque desemboca numa compreensão de que para cada espe?cie de seres pensantes seria

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verdadeiro o que fosse verdadeiro segundo suas leis de pensamento. Tal consequência consistiria que o
mesmo conteu?do de juízo pudesse ser verdadeiro para uma pessoa e falso para outra. Por isso, o
relativismo apenas pode ser gerar posições subjetivistas. O subjetivismo é a tendência a compreender que
todas as formas de conhecimento estão condicionadas, isto é, determinadas pela presença do sujeito
empírico. Assim, se cada sujeito é uma pessoa singular, a única maneira de falar de verdade é falar de
verdade para cada um.
No entanto, existem verdades que não dependem do sujeito empírico e se apresentam como que
partilhadas intersubjetivamente; números, por exemplo, são compreendidos a partir das nossas
capacidades cognitivas, no entanto, o conceito de número não é produzido por essas condições. Quando
observamos uma quantidade determinada de cadeiras, por exemplo, 50 cadeiras, e utilizamos o número
50 para indicar ou reconhecer, ou comunicar a outro a existência destes objetos e sua quantidade
distribuida em um determinado espaço empírico, temos de um lado os objetos empíricos, as cadeiras, e de
outro um conceito pelo qual elas são designadas. Esse conceito não é produzido empírica, ele tem
existência ideal, segundo Husserl.

s.
Fonte: dreamstime
Esse conceito não depende das 50 cadeiras para existir, tampouco ele é uma verdade singular construída
pelo sujeito; se dependesse dessa experiência aqui e agora de um sujeito determinado por sua existência,
não se saberia, por exemplo, como ele se torna para cada indivíduo o emblema pelo qual o mundo é
reconhecido em suas multiplicidades de objetos, ou seja, como ele é partilhado intersubjetivamente. Aliás,
uma das consequências possíveis do psicologismo é solipsismo. Em termos gerais, podemos entender
solipsismo como a doutrina segundo a qual só existem, efetivamente, o eu e suas sensações, sendo os
outros entes (seres humanos e objetos), como partícipes da única mente pensante, meras impressões
sem existência própria. Embora tal posição seja um absurdo quando confrontada com a experiência onde
o outro está diante de nós e temos com ele experiencias, a questão é que desembocar em tal
compreensão pode significar a fraqueza de uma teoria, no sentido da fragilidade dos seus pressupostos,
pondo o sujeito empírico em primeiro plano, o psicologismo incorre em todos esses riscos.
É opondo a essa possibilidade, que Husserl falará de um conteúdo eidético da experiência e de um
conteúdo empírico. Conteúdos que possam ser considerados independentemente dos objetos através dos
quais eles são reconhecidos imediatamente, como a ideia de número, por exemplo, o conceito de 1. Há
uma garantia intersubjetiva para experiência se consideramos a existência de tais conteúdos que
ultrapassam a vida empírica do sujeito e podem ser retomados e repetidos por outros. Além disso, a
natureza de um objeto empírico e? um fato e, portanto, algo individual e temporalmente determinado. Por
isso, se a verdade se fundasse nesta natureza, ela mesma seria um fato e, consequentemente, seria
determinada temporalmente. As verdades seriam causas e efeitos.
Entretanto, se é certo que o ato real do juízo que um determinado sujeito realiza quando afirma, por
exemplo, que 3+2 é 5 ´e causado e surge de uma operação relacionado ao seu ?aparelho cognitivo?, não
é verdade que conteúdo deste juízo, que exprime uma relação ideal e válida para além das condições de
enunciação próprias ao sujeito, seja também produzido pelo sujeito. Temos, portanto, uma distinção que
será trabalhada por Husserl em vários momentos de sua obra: a distinção entre o conteúdo de um ato e o
próprio ato enquanto operação subjetiva.
Nessa perspectiva, reduzir o conteúdo ideal de algumas proposições à produtos resultantes da
constituição psicológica da espécie humana, significaria que sem ela não existiria nenhuma verdade, que é

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possível, já que a verdade parece ser alguma coisa relativa a preocupações estritamente humanas. No
entanto, essa mesma experiência humana, nos revela, por exemplo, que uma proposição do tipo não
existe nenhuma verdade se revela absurda, pois e? idêntica a? proposição ?existe a verdade de que
nenhuma verdade existe, como apontamos anteriormente. Portanto, o pressuposto do enraizamento de
alguns conteúdos de conhecimento em nossa vida psicológica deve também ser absurda ou pelo menos
insuficiente.
Outro absurdo também resulta do fato de que a relatividade da verdade condiciona àquela da existência
do mundo, pois não se pode relativizar a verdade e manter seu objeto como absoluto. Mesmo a
proposição ?eu sou? poderia ser falsa, se eu fosse constituído de tal maneira que devesse nega?-la. Com
isto, o mundo seria dependente da natureza dos seres que o julgam, mas apenas na medida que a
constituição dos seres pensantes pudesse ser um produto do desenvolvimento do mundo. Disso resulta o
paradoxo segundo o qual o mundo se desenvolve a partir dos sujeitos humanos e, simultaneamente, os
seres humanos a partir do mundo, ou seja, um absurdo tal como na proposição o homem cria Deus e
Deus cria o homem.
Assim, a concepção inicialmente verossímil de que o conhecimento, através da particularidade
especificamente humana do pensamento, e? relativo as nossas condições psicológicas, revela-se
totalmente sem sentido. Por isso, o psicologismo se revela uma doutrina evidentemente absurda, pelo
menos, na perspectiva adotada pela fenomenologia ou por outras filosofias que tenham em seu horizonte
traçar as diferenças ontológicas existentes entre os vários objetos que podem entrar em nosso campo de
experiência. Se existem camadas completamente subjetivas em nosso mundo psicológico, que cobrem o
mundo com determinadas cores afetivas, que marcam o modo de nossa relação com ele, por outro,
existem conteúdos objetivos intuídos pela consciência; eles determinam, até mesmo, a maneira como
nossa subjetividade colore o mundo.
O paradigma do psicologismo e seus preconceitos
O paradigma equivocado que sustenta o psicologismo tem como base uma série de preconceitos oriundos
de determinações ontológicas os quais podem ser reconhecidos pelo esforço da psicologia de imitar os
métodos e fundamentos das ciências naturais.
Segundo Porta (2013), o psicologismo no campo da lógica e da teoria do conhecimento resulta de um
antiplatonismo, pautado sobre um empirismo radical. Isso consiste, em termo gerais, na negação essência
ideal dos objetos lógicos, bem como em considerá-los como objetos empíricos, mais precisamente, como
fatos psicológicos dados na experiência interna (subjetiva).

O mundo das ideias de Platão. Fonte: nova-acrópole


Assim, o primeiro preconceito, o qual tratamentos dele acima consiste na ideia de que toda as normas que
regulam o pensar estão fundadas psicologicamente. Essa compreensão se apresenta como equivocada
porque entende que todas as leis lógicas são normativas, ou seja, existem para determinar e normatizar as
formas de pensar e exprimir uma ?verdade? em teoria. No entanto, um princípio como aquele da não
contradição não é uma norma do pensamento, algo que surge para normatizar um pensamento que
poderia ser de outra forma, mas uma dimensão ontológica de sua existência.
Trata-se, portanto, de um princípio que não existe como um regulamento, mas como uma impossibilidade
do próprio pensamento, na medida em que este não pode tomar para si duas premissas autenticamente
contraditórias como simultaneamente verdadeiras. As leis lógicas não se referem, nem de maneira

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normativa nem de qualquer outra forma, a processos reais (o curso do pensar), mas exclusivamente a
conteúdos ideais; assim, o princípio da não contradição, que se refere a forma de ser dos objetos ideais e
sua diferença aos fenômenos empíricos.
Outro preconceito esta? em considerar que no estudo da lógica tratamos sempre de representações,
juízos, conclusões e eventos semelhantes, que são todos, sem dúvida, processos psíquicos. Que esta
compreensão não possa ser correta, podemos compreender fazendo uma analogia entre a lógica e a
matemática. Também os números, os produtos, as integrais acontecem em conexão à determinadas
atividades psíquicas como adicionar, multiplicar, integrar. Todavia, nem por isso um matemático
subordinaria a matemática a? psicologia, pois a psicologia, como ciência de fatos, lida com atos psíquicos
que decorrem temporalmente, entre os quais se encontra, entre outros, o de numerar. O matemático, ao
contrário, lida com unidades ideais; assim, por exemplo, a aritmética lida com as espécies 1, 2, 3 e com as
relações das leis ideais fundadas nestas espécies que persistem mesmo quando nenhum ato psíquico
esta? dirigido a elas.
O mesmo acontece em relação a lógica pura. Quando estudamos conceitos, juízos, conclusões, não se
visa atos psíquicos, mas os conteúdos, libertos da existência material, por isso a fenomenologia confere a
sua prática a necessidade de suspensão dos juízos de existência (algo que veremos mais a frente). Uma
forma de dedução, por exemplo, não afirmará nada sobre o desenvolvimento dos processos de
pensamento conforme as leis ou sobre as relações concretas entre conteúdos individuais do pensamento,
mas expõe uma forma de relação universal, dada enquanto leis ideais que conferem inteligibilidade teórica
entre os conteúdos possíveis de pensamento. Da mesma forma, na lógica, os juízos são considerados
como unidades ideais de significação, ainda que surjam em conexão com atos psíquicos. O surgir com os
atos aqui não inclui que esses atos sejam produtores de tais conteúdos, mas a uma relação de
manifestação ou mesmo apropriação do ente humano de verdades e conteúdos que escapam a sua
existência finita e particular.
É nesse sentido, que se torna fundamental, conforme a perspectiva de Husserl, diferenciar rigorosamente
entre ciência ideal e ciência real, ou ciências empíricas ou de fato e as ciências eidéticas. As ciências
empíricas são aquelas que se voltam para as particularidades, os fatos em sua individualidade,
temporalmente determinados (por exemplo, a psicologia, a sociologia ou física). As ciências eidéticas
lidam diretamente com conteúdo ideais ou essências que não são determinados pela experiência empírica
, mas subsistem enquanto conteúdos universais que podem ser acedidos pela experiência da consciência
individual, mas não se limitam a tal domínio. A lógica e a matemática são ciências eidéticas.

Foto do Antropólogo Pierre Verger. Fonte: besidecolors.com


Nesses termos, entende-se, ainda, que em todo conhecimento científico é preciso observar as diferenças
entre: ?o contexto psíquico das experiências de conhecimento, o contexto das coisas conhecidas e o
contexto lógico, que e? o que dá? a uma ciência o caráter de um todo de relações de fundamentação de
proposições verdadeiras? (STEGMÜLLER, 2012, P. 59)
Um terceiro preconceito parte do fato de que a verdade presente nos juízos só? e? conhecida no caso da
evidência, sendo está entendida como um sentimento interno particular da necessidade do pensamento;
por conseguinte, a lógica e? uma psicologia da evidência. Todavia, as proposições lógicas só? chegam a
se relacionar com a evidência através de um processo que se dá pelo confronto do conteúdo que eles
enunciam. O princípio do terceiro excluído, por exemplo, enuncia que, de dois casos opostos

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contraditoriamente, um e apenas um pode existir. Somente através de uma transformação chegamos a?


proposição de que só? pode haver evidência em um entre dois jui?zos contradito?rios. A evide?ncia na?o
e? um sentimento entre outros, mas a experie?ncia na qual o julgamento percebe a verdade do seu juízo.
No caso da evide?ncia, o pro?prio significado esta? presente; a evide?ncia, portanto, nada mais e? do que
o conhecimento da concorda?ncia entre o significado e aquilo que esta? presente por si mesmo. Por isso,
nenhuma evide?ncia pode entrar em contradição consigo mesma, pois o que e? vivido como verdadeiro e
? verdadeiro, e o que e? verdadeiro não pode simultaneamente ser falso.
Husserl e a doutrina ciência
O psicologismo?, como o estudamos até agora, consiste, portanto, no equívoco decorrente de tomar o que
não é psicológico como derivado da psicologia empírica (Kusch, 2015). O psicologismo surge, como
também já apontamos, no início do século XIX, como um tipo de prática metodológica que defende uma
abordagem empírica e naturalista para as questões de ordem filosófica e epistemológica (PELLETIER et al
., 2008). Essas definições, ainda que precisas, por se referirem a aspectos da abordagem do tema do em
Husserl não dão conta das variações do termo presentes na obra teórica entre husserliano, o que também
não pretendemos nessa exposição.
O importante, nesse momento, é notar que em Husserl encontramos uma crítica do psicologismo em suas
diversas vertentes. Há, portanto, um psicologismo lógico, um psicologismo transcendental e um
psicologismo epistemológico, todos eles, no entanto, fundados na ideia de que dimensões estruturantes da
experiência humana se restringem as vivências psicológicas. Segundo Hence (1987-1988), em Husserl, a
temática do psicologismo, bem como o estudado cuidadoso das teses que o refutam, reaparecem,
constantemente, contendo novos elementos e características que justificam a difícil tarefa, no projeto da
fenomenologia, da superação dos tipos de psicologismos.
No entanto, para os fins desta exposição é importante entender que o psicologismo é uma atitude que
antifenomenologica que se pauta na atitude natural como base para uma compreensão dos fundamentos
epistemológicos das ciências e da lógica em sentido especifico. A atitude natural é aquela na qual estamos
cotidianamente, sendo o lugar do qual todas as formas de conhecimento partem, alguns de forma ingênua
, as ciências, outras buscando, fundamentos, a fenomenologia de Husserl, por exemplo.
Assim, o que nos interessa nessa seção é apresentar o que Husserl pretendia a partir de sua a crítica do
psicologismo e como a fenomenologia se constitui a partir deste objetivo. No segundo volume das
Investigações (1900), a partir do que ele faz no primeiro volume, que é a critica do psicologismo, o filósofo
pretende constituir as bases para uma doutrina da ciência, entendida como lógica pura, o que só é
possível a partir da fenomenologia, entendida naquele texto como psicologia descritiva.
A necessidade de uma doutrina da ciência, tal como Husserl pretende, pode ser compreendida pela
identificação de dois problemas:

Investigar os motivos da ausência de clareza das ciências com relação aos seus conceitos básicos e
fundamentais. Ou seja, é necessário compreender porque as ciências operando com conceitos
elementares, ao ter que justificá-los, incorrem na falta de clareza em relação a tais conceitos; o que, na
perspectiva de Husserl, coloca sob suspeita a validade dos conhecimentos e teorias por elas produzido;
Junto a este aspecto ocorre, por conseguinte, que a incapacidade das ciências em definir seus próprios
fundamentos aparece como uma condição comum, isto é, acontece em todas as ciências, sejam empíricas
ou formais, logo, podemos dizer que à ciência em geral. Deste modo, a clareza de fundamentação para
as ciências particulares deve remeter, em primeiro lugar, a busca de clareza de fundamentação para a
ciência em geral, mas esta só é possível através de uma doutrina da ciência.

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A partir destes dois aspectos somos levados a considerar a seguinte questão: pode a cientificidade em
geral ser dada por alguma ciência em particular existente? Esta é a questão de fundo que orienta,
inicialmente, os Prolegômenos, onde, como vimos encontra-se a crítica de Husserl ao psicologismo.
Conforme, observamos anteriormente, Husserl parece considerar que a resposta a essa pergunta é
negativa. A psicologia, por exemplo, na medida em que é uma ciência empírica não parece ser capaz de
fundamentar nenhuma outra ciência, sendo ela um dos campos de conhecimento que sofre da falta de
clareza em relação aos seus fundamentos.
As ciências, enquanto ?recortes fundada em domínios mais amplos? (SANTOS, 1973, p.75), se diferem
umas das outras pelo objeto ou região que elegem como motivo de seu trabalhado. Desta maneira, elas se
desenvolvem metodologias específicas, de modo que constituam, cada uma, um domínio de experiência
específica, marcadas, portanto, pelo condicionamento estrutural e metodológico dado pelo lugar do mundo
a qual são levadas a investigar. É a transparente delimitação dos domínios de atuação que torna possível
a cada ciência estabelecer para si seu próprio rigor enquanto forma de conhecimento, pois é o conjunto de
fenômenos a serem investigados que impõe a elas procedimentos metodológicos específicos.
Nesse caso, a psicologia terá que constituir metodologias diferentes daquelas da sociologia, por exemplo.
Assim, cabe ao cientista, interessado em um domínio particular aplicar adequadamente os procedimentos
metódicos, atingindo, assim, resultados científicos rigorosos. No entanto, restritas a isto, as ciências
permanecem, majoritariamente, atividades que se sentem dispensadas da busca por fundamentos em
relação aos domínios aos quais estão voltados, tampouco se preocupam em pensar uma cientificidade em
geral que seria uma forma de aproximação e especificação do campo cientifico segundo uma orientação
fundamental.
Entendido que todas as ciências, tanto as ?formais? quanto as ?naturais?, carecem de clareza em relação
à própria fundamentação, compreende-se que a completude teorética almejada por Husserl não poderia
derivar das ciências. Quando uma ciência particular almeja fundar todas as outras, acontecem
reducionismos que colocam em risco a atividade cientifica, o psicologismo, por exemplo. Por essa razão,
as investigações fenomenológicas e críticas postas por Husserl, acabam por exigir um domínio totalmente
novo e mais fundamental, ao qual Husserl denomina de ?doutrina da ciência?.
Todavia, a que se refere especificamente uma ?doutrina da ciência?? Para responder a essa pergunta
devemos entender primeiramente o que Husserl entende por ciência. Para Husserl, o conceito de ciência
não se restringe as ciências naturais ou ciências matemáticas. Não é ciência apenas o conhecimento que
utilização os métodos de medição e análise tal como constituídos por tais saberes.
Husserl compreende como ?ciência? o ?somatório de instituições externas? (HUSSERL, 2013 p.9), cuja
especificidade consiste em apontar as condições mediante as quais um saber é estabelecido e alcançável
à maior parte dos seres humanos. O saber científico diz respeito ao ser ou não ser de um estado de
coisas, cuja validade só pode ser assegurada mediante evidência, entendida enquanto ?o perceber
imediato da própria verdade? (HUSSERL, 2012, p. 10) que, por sua vez, deve poder ser reproduzida via
demonstração.
No entanto, este aspecto concernente ao saber científico não é suficiente para definir adequadamente o
saber científico em geral, pois, há casos nos quais a evidência serve apenas como parâmetro para a
determinação da maior ou menor probabilidade de um estado de coisas. Em outros termos, a evidência da
probabilidade de um certo estado de coisas não é o mesmo que a evidência de sua verdade, porém,
permite a distinção entre conjecturas mais ou menos bem fundamentadas.
Em outras palavras, em Husserl há um duplo sentido para o ?saber?: o saber, tomado em sentido mais

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rigoroso, é a evidência, ou seja, a plena afirmação da existência de um estado de coisas, passível de


demonstração, que pode se tornar para sujeito um objeto de juízo e o saber como conjunto de juízos e
demonstrações que formam uma teoria. O saber evidente não acontece todas as vezes como ciência, mas
é a partir de um saber evidente, uma base dada pela intuição que uma ciência pode se definir e começar
a se desenvolver. A doutrina da ciência na perspectiva de Husserl deverá ser uma forma de conhecimento
capaz de dar o fundamento de todas as ciências, na medida em que pode esclarecer os conceitos
primitivos e ideias com os quais o conhecimento opera. Ela está voltada, portanto, para evidência imediata
a partir da qual um estado de coisas pode ser ajuizado. A fenomenologia nascente, começa exatamente,
nesse sentido, enquanto um esforço de dar as ciências um fundamento e para isso deve ser constituída
enquanto base para uma lógica pura, isto é, liberta dos posicionamentos psicologistas. Trata-se, portanto,
de conhecer de modo evidente o solo a partir do qual as ciências operam com determinados conceitos,
tendo em vista se aproximar ao caráter evidente ou mesmo supérfluo de avaliação e consideração dos
fenômenos.
Na perspectiva de Husserl, a doutrina da ciência possuem três tarefas fundamentais. A primeira é de
caráter crítico-fenomenológico e consiste em apontar para os problemas de fundamentação decorrentes
da não distinção entre os domínios do real e do ideal no âmbito da pesquisa científica. Trata-se, assim, de
refutar, por completo, todas as tentativas de fundamentar as ciências formais e a filosofia a partir de uma
abordagem empírica e naturalista.
A segunda tarefa, diz respeito às funções estritas da Lógica Pura enquanto domínio científico. Ou seja,
correspondem àquelas tarefas que cooperam para alcançar o objetivo científico da Lógica Pura, o qual
pode ser designado pela busca de leis eidéticas e ideais que atuam sobre os fenômenos e sobre os
objetos, ambos considerados em sua máxima generalidade (HUSSERL, 2012).
A terceira consiste em elevar para um nível ainda mais fundamental e abstrato a segunda tarefa. Pois, se
a segunda tarefa nos remete para uma ciência abrangente, cuja investigação se dá sobre os conceitos e
as leis fundamentais que, em última análise, são constitutivos da ideia de teoria, a terceira tarefa, proposta
por Husserl, diz respeito não às condições possíveis para a ideia de teoria, mas antes, para as ?teorias a
priori possíveis? (HUSSERL [1900] 2013, p. 184). Ou seja, se é suficientemente justificada aí deia de uma
ciência das condições de possibilidade da teoria em geral ? que define os parâmetros para qualquer forma
de teoria ? então, é igualmente importante que tal ciência defina também as formas das teorias a priori
possíveis, eis o domínio de investigação que Husserl pretendia a partir do desenvolvimento que dá ao
método fenomenológico em sua primeira grande obra, a saber, as Investigações Lógicas (2012).
A FENOMENOLOGIA NASCENTE

Husserl, no final do século XIX. Fonte: psicologianet.com


A fenomenologia começa a se configurar, como vimos, até agora, a partir da crítica de Husserl as posições
psicologistas e suas consequências relativistas e céticas no campo da epistemologia e da teoria do
conhecimento. Esse procedimento crítico se desdobrou em um método investigativo e descritivo
determinado a dar uma fundamentação rigorosa as ciências e a filosofia, orientado, inicialmente, pela
compreensão de que a lógica pura e os conteúdos ideais que perpassam a experiência não se fundam nas
dimensões empíricas do mundo. O projeto filosófico de Husserl, surge, portanto, articulado desde o seu
começo pela intenção de construir uma filosofia que fosse uma ciência do rigor, voltada a diferenciação
radical entre as dimensões da experiência, ambição que na interpretação de Husserl marca a história da
filosofia desde o seu começo, mas que os filósofos não souberam realizar completamente (HUSSERL,
1989).

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Nos primeiros textos de Husserl, mais precisamente nas Investigações lógicas (2012), a fenomenologia é
chamada psicologia descritiva e visa uma descrição dos conteúdos ideais que perpassam a experiência no
âmbito da lógica pura, diferenciando-a da vida psicológica do sujeito e das condições empíricas e
contingentes que caracterizam os fenômenos e problemas tratados através de uma consideração
psicológica das vivências subjetivas. A problemática da fundamentação se apresenta, portanto
, indissociável da construção de uma estratégia metodológica capaz de viabilizar uma evidenciação
apodítica dos fenômenos lógicos e epistemológicos, descrevendo suas diferenças em relação ao
psiquismo do sujeito individual.
Fundada, como veremos, na suspensão dos juízos em relação ao caráter de transcendente do mundo e
da dimensão psicofísica da subjetividade; a fenomenologia nascente, se faz como um esforço para
descrever a experiência da consciência. Assim, uma das inovações postas pela fenomenologia de Husserl
, em sua incansável investigação sobre as condições de produção da verdade cientifica, é tornar possível
uma concepção de consciência enquanto intencionalidade. É sobre esse tema que trataremos nessa
seção.
Consciência e intencionalidade
Nosso objetivo é orientar o olhar do estudante para uma compreensão do caráter intencional da
consciência em Husserl, ampliando aspectos do que foi exposto até agora. Trata-se, assim, de apresentar
o movimento da intencionalidade da consciência enquanto modo fundamental de ser da experiência
humana. O conceito de intencionalidade configura a fenomenologia de Husserl, dando-lhe seu caráter
peculiar de investigação. Ele também será desenvolvido por outros autores da tradição fenomenológica,
aparecendo, por exemplo, enquanto intencionalidade corporal em Merleau-Ponty ou dimensão ontológica
da liberdade em Sartre
Apresentaremos, assim, aspectos da gênese conceitual e contextual do pensamento de Husserl,
elucidando as influências por ele recebidas de F. Brentano e G. Frege, dois autores que acabaram por
motivar, cada um ao seu modo, os destinos da reflexão de Husserl e da fenomenologia. Apresentação
destes dois autores se dá pelo viés de uma leitura do modo como eles influenciaram o tratamento dado
por Husserl ao problema da relação da subjetividade e os objetos ideais tais como números e entidades
lógicas, que são situadas pelo filósofo alemão, conforme um desenvolvimento preciso de uma filosofia, no
âmbito de realidades eidéticas, isto é, existentes de modo diferente em relação ao mundo da natureza.
Em seguida, trataremos especificamente do conceito de intencionalidade, a partir de uma obra de Husserl
: Ideias para uma fenomenologia pura e para uma filosofia fenomenológica publicado no ano de 1913.
Esta obra, em relação à obra de 1900, isto é, as Investigações lógicas, que nos referimos anteriormente,
para explicitar a crítica de Husserl ao psicologismo, se apresenta como um texto no qual a fenomenologia
se consolida enquanto investigação transcendental da experiência, na qual os conceitos de fenomenologia
pura e sujeito puro balizam a configuração da filosofia de Husserl como um idealismo transcendental que
vincula o sentido do mundo empírico à presença absoluta da subjetividade transcendental, alcançada
através da redução fenomenológica.

:Jean Paul Sartre, Simone de Beauvoir e Saul Steinberg: Fonte: pinterest.com


A redução fenomenológica consiste na suspensão das nossas considerações acerca do mundo tais como
elas acontecem em nossa vida cotidiana, começando pela determinação da existência do mundo enquanto
uma coisa existente e independe da consciência pura. Na perspectiva de Husserl, a consciência em
sentido empírico (ou seja, a consciência enquanto forma da pessoa singular) é aquela que vivenciamos

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em regime de atitude natural, onde nossa relação com o mundo se apresenta como uma relação exterior e
o mundo surge como independente da consciência. Na perspectiva posta pelo filósofo, o conhecimento
natural, isto é, o conhecimento em sentido empírico, começa pela experiência empírica e permanece em
seu âmbito:
Na orientação teórica que chamamos " natural, o horizonte total de investigações possíveis é, pois,
designado com uma só palavra: o mundo. As
ciências dessa orientação originária' são, portanto, em sua totalidade, ciências do mundo, e enquanto elas
predominam com exclusividade, há coincidência dos conceitos "ser verdadeiro", "ser efetivo", isto é, ser
real e -- como todo real se congrega na unidade do mundo -- "ser no mundo"(HUSSERL, 2006, p. 25).
Através da redução e da suspensão da atitude natural, alcança-se a vida fenomenológica do sujeito
transcendental, passando, assim, do regime de atitude natural que caracteriza as ciências empíricas ou
nos termos do filósofo as ciências de fato ou dos fatos, que se diferenciam das ciências eidéticas ou
voltadas paras as essências. Nesse movimento de passagem, possível através da redução, encontramos
a consciência em sentido fenomenológico, enquanto resíduo irredutível da experiência, impossível de ser
suspenso ou reduzido, tornando-se o núcleo a partir do qual a fenomenologia deve fazer sua explicitação
descritiva da experiência.
O sujeito transcendental é uma realidade ?universal? e a absoluta. O sujeito empírico é uma estrutura
determinada no espaço e no tempo objetivo, que se torna objeto de ciências empíricas ou de fato, como a
psicologia, por exemplo. Contudo, nas duas estruturas encontramos a determinação intencional da
consciência como característica fundamental. Assim, entende-se, que na perspectiva de Husserl, toda
consciência, qualquer forma ou posição que assuma, é intencional, ainda que o caráter intencional da
consciência só possa revelar seu verdadeiro sentido em regime de redução fenomenológica.
Duas influências de Husserl
As origens do pensamento de Husserl, tanto no que diz respeito ao conceito de fenomenologia e
especificamente de intencionalidade, tiveram algumas influências de pensadores e cientistas
contemporâneos ao filósofo. Dentre eles, destacamos, neste momento, duas figuras: Franz Brentano
(1838-1917) e Gottlieb Frege (1848-1925). O primeiro influenciou Husserl decisivamente em sua
concepção de consciência e intencionalidade. O segundo, acabou, por apontar para Husserl as
insuficiências psicologistas presentes na Filosofia da Aritmética, primeira obra publicada por Husserl.
Trataremos dos dois autores, Brentano e Frege, tendo em vista uma elucidação do conceito de
consciência intencional em Husserl.
Franz Brentano, mediante a recuperação do significado grego do termo ?empírico? como relativo à
experiência humana em sentido qualitativo; isto é, como dotada de sentido e intenção, defendeu uma
psicologia que fosse ciência da alma, não reduzida ao estudo experimental ou a consideração mecanista e
causalista dos seus desdobramentos, fundada, assim, na busca de demarcar as diferenças entre o mundo
empírico e o mundo psíquico.
Nas primeiras páginas do Livro I de Psicologia do ponto de vista empírico (2012), Brentano expressa que
alguns fenômenos, com características bem peculiares têm se tornado objeto de seus estudos e que seu
objetivo é elucidar suas propriedades e leis. Trata-se dos fenômenos psíquicos que ele buscará entender
em suas especificidades, visando escapar à tendência da época, de considerar os fenômenos psíquicos
como próximos ou semelhantes aos fenômenos físicos, ou da natureza (Brentano, 2012, p. 5).
Para Husserl, o encontro com Brentano em 1884 resulta em sua conversão da Matemática à Filosofia: ?F.
Brentano desempenha, a partir de 1884, um papel decisivo, que literalmente ?converte? Husserl à filosofia
? (DEPRAZ, 2007, p.19). Se antes deste encontro as preocupações de Husserl se situavam apenas no

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campo de numa reflexão sobre os fundamentos da matemática; a partir de Brentano, a problemática


husserliana se situará em um campo mais amplo; ele passará a, avaliar, como tantos outros de sua época
, o papel que a psicologia poderia ter uma filosofia do conhecimento.
Em relação à psicologia, no entanto, a situação de Husserl é peculiar. Ao se interessar pela obra e o
ensino de Brentano, ela se envolve com a teoria de um estudioso e pesquisador que em seu campo de
pesquisa já destoava as concepções positivistas que eram admitidas pelos seus contemporâneos. A
primeira preocupação de Brentano era encontrar uma característica pela qual as diferenças entre os
eventos de ordem psicológica, o mundo do sujeito, e os eventos da natureza pudessem ser tratadas. Foi a
partir da necessidade em diferenciar aquilo que, segundo uma posição positivista, surgia como único, que
ele começou a desenvolver sua teoria da intencionalidade que terá grande impacto sobre Husserl.
Na perspectiva de Brentano, os fenômenos psíquicos se caracterizam por aquilo que os filósofos
escolásticos chamam de inexistência intencional. O conceito de intencionalidade (do latim intentio) foi
utilizado em filosofia pelos escolásticos para indicar a dimensão representativa do objeto imanente à
consciência em relação à exterioridade objeto. Na perspectiva desta doutrina, a representação do objeto
era o evento (ou fenômeno) ao qual a consciência estava referida e não o objeto propriamente dito. As
representações, assim, não são objetos reais, mas ?objetos? irreais, marcados pela sua inexistência no
mundo material, concebidos como presentes consciência e para a consciência. Partindo desta perspectiva
, Brentano caracterizava os fenômenos psíquicos conforme sua inexistência (ou existência em, dentro de)
intencional, ou o que poderíamos chamar de referência (inexistência) a um conteúdo, ou, ainda, de
direcionamento a um objeto, isto é, intencionalidade.
Por ?inexistência intencional? devemos entender, portanto, um movimento de ?intentio? dentro do que é,
como se encaixado nele e dimensão de sua estrutura. No caso da consciência, a referência a um objeto
enquanto forma e conteúdo de sua existência é seu modo de manifestação. Quando se fala que a
consciência é intencional se quer dizer, assim, que na representação (inexistência), algo é representado;
no julgamento, algo é confirmado ou rejeitado; no desejo, desejamos algo ou alguém.
A ?inexistência intencional? é uma característica somente dos fenômenos psíquicos. Os fenômenos físicos
não apresentam nada parecido, sendo caracterizados pela ausência de intenção e sentido, pelo menos,
na perspectiva de Brentano. Portanto, podemos definir os fenômenos psíquicos como aqueles que contêm
aquilo que visam e estes objetos não são reais no sentido em que são as coisas que podem ser
?encontradas? no mundo, como já dissemos. Nesse caso, a consciência nunca lida com coisas que
possam ser abstraídas de sua existência: ela vivencia suas representações. O conceito de
intencionalidade tem implicações decisivas em uma abordagem da consciência. Podemos citar duas que
vão ter impacto na concepção husserliana de intencionalidade:

Não há separação ?real? entre a consciência e aquilo que é visado. No ato de visar, a consciência e o
objeto visado constituem uma totalidade, na qual encontramos o visar como parte do ser daquilo que é
visado.
A consciência só é algo que se conhece através da experiência da consciência, isto é, pelos modos de
intencionalidade que a permitem-na ser consciência do amor na experiência do amor, ou consciência do
medo na experiencia do medo, por exemplo.

Enquanto uma tentativa de superação do positivismo e do empirismo, comportamentos teóricos vigentes à


época, encontramos na reflexão de Brentano o esforço radical para estabelecer um conhecimento
fundamentado dos eventos psíquicos. Assim, ele desenvolve uma psicologia do ponto de vista empírico,

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entendendo, que fazer uma psicologia dessa perspectiva, seria descrever os atos de consciência e não os
explicar por um sistema de causalidade.
Encontramos, nesse ponto, mais um sintoma que será ?utilizado? e transportado para o conjunto de
conceitos e balizas metodológicas da fenomenologia husserliana nascente. Por exemplo, a prática
fenomenológica deve se caracterizar pela descrição dos fenômenos e não pela explicação, no sentido de
uma ciência da natureza. Ou seja, não se trata de reduzir a consciência a determinações de causalidade,
mas de apanhá-la por um processo descritivo. A esse respeito, afirma Dartigues (2005, p. 15):
A grande contribuição de Brentano consiste de início em distinguir fundamentalmente os fenômenos
psíquicos, que comportam uma intencionalidade, a visada de um objeto, dos fenômenos físicos; em
seguida, em afirmar que esses fenômenos psíquicos podem ser percebidos e que o modo de percepção
original que deles temos constitui o seu conhecimento fundamental.
No entanto, essa concepção de imanência do objeto intencional à consciência será alvo de muitas críticas
por parte dos discípulos de Brentano, inclusive pelo próprio Husserl posteriormente. De acordo com Porta
(2000, p. 103) é comum afirmar que Husserl retoma o conceito de intencionalidade de Brentano, no
entanto, o mais correto seria afirmar que ele o transforma. A teoria da intencionalidade de Brentano será
alvo de muitas reelaborações por parte do Husserl, principalmente no momento em que o filósofo alemão
passar a tratar a fenomenologia como um método de análise transcendental que precisa estar além das
vivências da consciência empírica. A questão para Husserl, nesse momento será delimitar a diferença
entre o sujeito transcendental e o sujeito empírico, não apenas a diferença entre fenômenos físicos e
psicológicos. Assim, de acordo com Dartigues (2005, p. 15-16):
A exploração do campo de consciência e dos modos de relação ao objeto, que a escola de Brentano
persegue com Stumpf e Von Meinog, delimita o que tornará o campo de análise da fenomenologia de
Husserl. Mas essa escola fica na descrição dos fenômenos psíquicos, e não responde às questões
fundamentais que Husserl se coloca: poderá um conceito lógico ou matemático, como um número, se
reduzir à operação mental que o constitui, por exemplo à numeração? E se ele não reduz a isto, não será
o estudo da operação mental mais que uma simples descrição do psicologismo? Um ultrapassamento da
psicologia descritiva de Brentano se verifica necessário e é este ultrapassamento que Husserl realizará
sob o nome de fenomenologia.
Entende-se, assim, que dois aspectos são fundamentais na influência que Husserl recebeu de Brentano:
a) o tratamento da consciência como intencional, o que equivale dizer que a experiência da consciência
não é possível senão pela descrição de sua orientação ao mundo.
b) a intuição de que o tratamento simplesmente naturalista da consciência era insuficiente, na medida em
que alguns objetos intuídos e intencionados pela consciente se apresentam como dotados de uma
estrutural impossível de ser remetida a um conteúdo natural ou empírico.
A influência critica que Husserl recebeu de G. Frege é de grande importância também para configuração
da fenomenologia nascente. O pensamento de Frege não era popular em sua época e suas atividades
acadêmicas não foram das mais bem sucedidas. No entanto, ele é considerado atualmente como um dos
criadores da lógica simbólica contemporânea e fundador da tradição investigação filosófica chamada
filosofia analítica, uma maneira de fazer filosofia que se preocupa com o papel da linguagem e da lógica
no surgimento de problemas filosóficos e científicos.

Gottlob Frege. Fonte: biografiasyvidas.

De acordo com Oliveira (1996, p. 57 ? 58), suas preocupações intelectuais se destoavam daquelas de

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seus contemporâneos. Enquanto a matemática estava sendo considerada como uma ciência originada e
assentada no psiquismo humano, Frege, insistia na ideia de que os objetos matemáticos têm existência
formal e ideal, impossíveis de serem reduzidos ou explicados por fenômenos psicológicos. A filosofia, por
outro lado, afastava-se cada vez das questões matemáticas e lógicas e se aproximava às ciências
históricas e humanas que começavam a se desenvolver, outro aspecto que também revela a singularidade
dos seus interesses e preocupações intelectuais. O pensamento de Frege já surgia, assim, (...) ?fora do
tempo, pois o que o preocupava era, precisamente, a conexão entre matemática e filosofia? (Oliveira,
1996, p. 58).
Husserl também estava preocupado com problemas relacionados a matemática. No entanto, como
apontamos anteriormente, a primeira obra de Husserl, A filosofia da Aritmética, se desenvolvia a partir de
uma base psicologista, partilhando, assim, de uma tendência comum em sua época, ou seja, o esforço
responder problemas filosóficos de caráter epistemológico e da teoria do conhecimento a partir da
psicologia, o que, geralmente desembocava em tendências psicologistas. Em sua primeira obra, ele
buscava, assim, em concepções oriundas da psicologia, especialmente da psicologia brentaniana, tratar
da origem do número e sua inserção em uma experiência singular enquanto universalidade conceitual.
Nesse livro, Husserl também antecipava sua descrição das diferenças entre os trabalhos do cientista e do
filósofo, aspecto que será desenvolvido em profundidade no primeiro volume das Investigações Lógicas ou
Prolegômenos à Lógica Pura (2012). O cientista, no caso do livro, o matemático, é aquele trabalha com as
teorias formalizadas e que não se questiona sobre a origem dos conceitos mais básicos de sua prática.
Assim, o matemático, como qualquer outro cientista, voltado para uma disciplina específica, não efetua
qualquer investigação acerca dos fundamentos essenciais de sua ciência. O filósofo, por outro lado,
quando se volta para o conhecimento tende a buscar os fundamentos e se preocupa em mostrar como a
universalidade de uma ciência é possível. Voltando-se à aritmética, Husserl esboça, então, um quadro
geral acerca do trabalho da filosofia em relação às disciplinas científicas, conforme o reconhecimento de
que inicialmente ?nenhum conceito pode ser pensado sem sua fundação sobre uma intuição concreta?
(Husserl, 1970, p. 79).
Assumindo, a função do filósofo, em relação as ciências, mas sendo também um matemático, ele
desenvolveu, portanto, uma investigação das condições psicológicas de surgimento dos fenômenos sobre
os quais repousa a abstração dos conceitos matemáticos tais como quantidade e número, por exemplo
(Husserl, 1970, p. 20 ? 21). Ele descreve os conceitos primitivos das disciplinas matemáticas, os quais
resultariam de processos de abstração sobre intuições concretas, de modo que as suas estruturas
conceituais corresponderiam a momentos isoláveis nessas intuições. Em sua perspectiva, a investigação
filosófica destas estruturas deveria ?indicar os fenômenos concretos a partir dos quais ou por meio dos
quais eles são abstraídos, e esclarecer a gênese desse processo abstrativo? (1970, p. 119).
Trata-se, assim, de uma perspectiva genética explicação de tais fenômenos, situada no âmbito de uma
abordagem empírica, já que os instrumentos de análise mobilizados são oriundos de tendências teóricas
da psicologia, especialmente a psicologia brentaniana. Na Filosofia da aritmética, Husserl desenvolvia,
assim, ?uma reflexão epistemológica acerca do conhecimento (no caso, matemático), porém sem ainda
distinguir essa reflexão de uma pesquisa meramente psicológica (SACRINI, 2009, p. 382).
Em uma resenha escrita sobre o livro de Husserl, Frege faz uma severa crítica às posições de Husserl
apresentadas no livro A filosofia da Aritmética. Nessa crítica, ele se mostra impelido pela exigência de
distinguir nitidamente a psicologia da lógica e de assentar a aritmética sobre bases rigorosamente formais
, o que segundo, ele não é possível fazer a partir das posições e considerações de Husserl. No final da
resenha sobre o texto de Husserl encontramos a seguinte afirmação de frege (1986, p,221):

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Ler esta obra capacitou-me para determinar exatamente a extensão da devastação causada pela erupção
da psicologia na lógica, e eu tenho tomado como sendo minha tarefa exibir este dano sob a luz apropriada
O comportamento teórico empirista, que está na base das posições psicologistas, tem como premissa
geral que ?nosso conhecimento provém dos dados do sentido? (SELLARS, s/d, p.77). As críticas de Frege
perpassa esta premissa, buscando mostrar que nem todo conhecimento provêm da experiência; ainda
que seja impossível não aceitar a ideia de que toda experiência de conhecimento começa através da
abertura do nosso aparelho sensorial ao mundo. O ponto de distinção aqui é fundamental e ecoa a tese
kantiana de que nossos saberes têm bases que vão além do mundo empírico, isto é, estruturas a priori
que condicionam os juízos que podemos ter sobre as coisas. Uma coisa é começar com a experiência,
outra é prover ou ser determinado pela experiência. No primeiro caso, temos a compreensão de que o
conhecimento de algo se dá pela mobilidade de condições de existência de natureza física e psíquica, mas
isso não quer dizer que aquilo que é conhecido já está contido na experiência. No segundo caso, a
condição psicológica do sujeito surge como causa e conteúdo do conhecimento, sendo certamente uma
posição psicologista.
Nas investigações lógicas, principalmente no primeiro volume da obra intitulado Prolegômenos a lógica
pura, Husserl buscará também se afastar do psicologismo e se afastar, assim, de alguns aspectos que ele
passará a considerar insuficientes a partir da crítica feita por Frege. No entanto, Husserl não abandonara a
tensão fundamental de sua filosofia: explicitar a relação entre a universalidade dos conteúdos ideais, tais
como o número, por exemplo, e seu surgimento na subjetividade humana enquanto momento privilegiado
a partir do qual um mundo objetivo é partilhado por sujeitos singulares. Assim, ele se encaminha para a
consideração que o sujeito enquanto experiência não é redutível aos fenômenos da natureza; ou seja, se
os objetos da matemática, são de um lado, de caráter ideal e universal, por outro, a subjetividade quando
considerada em uma perspectiva fenomenológica é outra coisa que um conjunto de leis postas em
movimento pelos dados da natureza, entendida como física o social (MERLEAU-PONTY, 1972, p. 3).
O conceito de intencionalidade na obra de Husserl: ideias para uma fenomenologia pura e para uma
filosofia fenomenológica
Uma das preocupações fundamentais na filosofia husserliana refere-se à possibilidade de um
conhecimento fundamentado radicalmente, em contrapartida, aos reducionismos naturalistas e positivistas
presentes em sua época. Foi com o objetivo de explicitar esse aspecto que nos voltamos ao problema do
psicologismo na primeira parte da exposição. No entanto, é importante frisar, que Husserl não desvaloriza
as ciências empíricas, tampouco a psicologia, quando se refere ao psicologismo, que é mais uma teoria
ou filosofia insuficiente do que uma característica da psicologia enquanto ciência empírica experimental.
Vimos nesse sentido que o psicologismo surge da apropriação sem fundamentos pela filosofia e pela
psicologia de métodos e parâmetros oriundos das ciências naturais. Em relação a essa tendência, a
fenomenologia surge imbuída pelo esforço de pensar sua radicalidade e possibilidade através do embate
com campos de conhecimento que tendiam a generalização imprecisa da experiência humana, por isso a
crítica ao psicologismo. Para isso, um dos passos necessários para caracterizar a fenomenologia
enquanto ?potência? filosófica em relação a outras formas de conhecimento é situa-la em relação às
formas de conhecimento existentes. No começo da obra Ideias I, que já contém uma perspectiva diferente
da obra de 1900, a saber, as Investigações lógicas, encontramos distinções que vão determinar todo o
sentido da reflexão fenomenológica de Husserl a partir daquele momento. Retomemos a seguinte
passagem do texto:
A fenomenologia pura, cujo caminho aqui queremos encontrar, cuja posição única em relação a todas as
demais ciências queremos caracterizar e cuja condição de ciência fundamental da filosofia queremos

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comprovar, é uma ciência essencialmentente nova, distante do pensar natural em virtude de sua
peculiaridade de princípio e que, por isso, só em nossos dias passou a exigir desenvolvimento (HUSSERL
, 2013).
A passagem acima indica, por exemplo, uma diferença que Husserl quer alcançar. A fenomenologia não é
mais uma psicologia descritiva, o que parece ser uma consequência do abandono da terminologia
brentaniana, conforme a qual a psicologia era uma ciência empírica e descritiva. A fenomenologia
continuará valorizando a descrição e como afirma Merleau-Ponty: a fenomenologia, em relação aos
fenômenos, é um processo descritivo daquilo que aparece e não uma mera explicação (MERLEAU0-
PONTY, 1999, p. 10). Mas o ponto de vista assumido não será mais aquele do psicólogo ou do lógico
matemático. A fenomenologia está distante do pensar natural e se torna, por esse motivo, uma ciência
dos fenômenos, mas dos fenômenos considerados em sua pura aparição a consciência.

Merleau-Ponty e sua filha (1955). Fonte:liberars.com


Isso quer dizer que os fenômenos serão tomados a partir da suspensão de sua posição de existência e
investigados conforme as maneiras pelas quais eles aparecem a consciência. Husserl afirma, nesse
sentido, que muitas ciências se voltam para os fenômenos. A psicologia, conforme algumas correntes, se
compreende enquanto ciência os fenômenos psíquicos. Na física e na biologia, a investigação surge
enquanto algo sobre os fenômenos naturais. Quando se fala da sociedade e da história, existem ciências
dos fenômenos históricos e sociais. O que há de comum nessa terminologia é as ciências serem algo que
se volta para algum lugar onde nossa singularidade se desdobra como experiência, na perspectiva da
nossa individualidade e principalmente no campo de um mundo intersubjetivo, isto é, comum e partilhado.
Os fenômenos, nessa perspectiva, são isso aparece e se presentifica para os grupos humanos e pelo qual
um sentido é indicado em nossas experiências. Mas qual é singularidade da fenomenologia diante dos
fenômenos?
Sabemos que ela não é uma ciência natural, isto é, das coisas e dos fatos. Não é uma ciência empírica,
portanto. Não tem como objeto o fenômeno tal ou qual dado em uma região da realidade. Em outras
palavras, ela não se volta para natureza ou para sociedade em sentido específico, ainda que possa haver
uma fenomenologia natureza e também da sociedade. Nas palavras de Husserl,
Por diferente que seja o sentido da palavra fenómeno em todos esses discursos, e que significações
outras ainda possa ter, é certo que também a fenomenologia se refere a todos esses "fenômenos", e em
conformidade com todas essas significações, mas numa orientação inteiramente outra: pela qual se
modifica, de determinada maneira, o sentido de fenômeno que encontramos nas ciências já nossas velhas
conhecidas. Somente assim modificado ele entra na esfera fenomenológica. Entender tais modificações
ou, para fiar com mais exatidão, efetuar a orientação fenomenológica, elevar reflexivamente à consciência
científica o que é propriamente específico a esta, assim como às orientações naturais -- tal é a primeira
tarefa, de modo algum fácil, de que temos de dar plenamente (HUSSERL, 2013)
Conforme Husserl, todas as chamadas ciências da natureza, tanto em sentido mais estrito, como as
ciências da natureza material, quanto também em sentido mais amplo, como as ciências dos seres
animais, com sua natureza psicofísica, portanto também a fisiologia, a psicologia etc. são ciências do
mundo, ou seja, ciências da orientação natural. Nestas se incluem também as chamadas ciências do
espírito, a história, as ciências que estudam as civilizações, as disciplinas sociológicas de toda e qualquer
espécie. A fenomenologia se difere de tais ciências por não está em regime de orientação natural, porque
se desloca deste lugar a partir do qual as outras ciências são realizadas e desenvolvidas.

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Na perspectiva de Husserl, a fenomenologia surge, portanto, por uma mudança de atitude em relação aos
fenômenos tais como são vivenciados por tais ciências. Se temos de um lado atitude natural, marcada por
uma não preocupação com problemas relativos à teoria do conhecimento, fundando todas as suas
atitudes a partir dessa consideração primeira e quase instintiva de que o mundo existe para nós, de modo
exterior, e no tempo e espaço. Por outro, temos uma ciência que busca quebrar o cerco da atitude natural,
conforme o mundo existe ?para nós? e se torna objeto de nossas investigações que o tomam como uma
existência em si. Mas como se passa de um lugar ao outro? E quais são as características da consciência
fenomenológica, não natural, alcançada por uma filosofia fenomenológica? Qual a elação disso com a
noção de intencionalidade?
Podemos começar a entender e responder essas questões através de uma compreensão do método de
redução fenomenológica.
A redução fenomenológica
Desde o começo de suas pesquisas, quando compreendeu o ?novo? horizonte de aberto pelo seu
trabalho, Husserl se colocou a necessidade de desenvolver um artifício metodológico que pudesse
explicitar e circunscrever o campo de trabalho da fenomenologia. Já em seus primeiros escritos, como na
quinta das Investigações Lógicas (Husserl, 1901/2015), ele se refere ao princípio de ausência de
pressupostos enquanto orientador de sua prática filosófica. Através deste preceito ele diferenciou o que é
?puramente descritivo? nas vivências da consciência, ou seja, o que está contido em sua estruturação
fenomenológica, isto é, tem caráter imanente as vivências da consciência, do que seria da ordem da
atitude natural e não seria objeto de estudo da fenomenologia, porque se apresentaria transcendente as
formas de vivência e manifestação da consciência.
Princípios semelhantes são encontradas em outros textos do filósofo. Em suas investigações sobre o
tempo, no livro Lições para uma fenomenologia da consciência interna do tempo, Husserl considera, por
exemplo, a necessidade de suspender o tempo objetivo para realizar uma fenomenologia da experiência
temporal pela consciência (HUSSERL,1994, p. 32) O tempo objetivo é aquele da natureza enquanto
duração dos eventos naturais que o ser humano tenta medir através de seus sistemas de objetivação e
medição. É também o tempo do relógio que marca nossa vida cotidiana e determina boa parte das nossas
relações intersubjetivas. Ele tem, portanto, caráter cronológico e diz respeito à realidade material, ao meio
físico, ao espaço enquanto lugar a partir da qual podemos falar da posição das coisas, assim como é
possível empreender a medição do tempo em sua multiplicidade instrumental
O tempo não objetivo, ou fenomenológico, é aquele da consciência enquanto experiência de si, ou seja, o
tempo subjetivo marcado pelas nossas lembranças e eventos ?vivenciados internamente?. Assim, ele
afirma que para uma investigação fenomenológica do tempo é necessário excluir tudo aquilo que não pode
ser encontrado como essencial nas vivências do tempo, ?enquanto imanências autênticas? (HUSSERL,
1994, p.40), apontando assim para suspensão e redução do tempo do objetivo. A passagem do tempo
objetivo para o tempo fenomenológico só é possível através da redução fenomenologia, isto é, a partir de
uma mudança de atitude em relação ao mundo objetivo, que deve ser suspensa, neutralizado, para que a
realidade possa ser afirmada enquanto fenômeno.

Fonte: dicionáiriodesimbolos.com
O primeiro passo do método fenomenológico, portanto, tal como formulado por Husserl, consiste nas
chamadas epoché e redução fenomenológica, momentos que constituem o método e têm como objetivo
passar da atitude natural para atitude fenomenológico, a partir do qual será possível considerar os

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fenômenos conforme sua estruturalidade essencial. Embora muitas vezes sejam tomadas como
sinônimos e façam parte de um sistema metodológico unificado, para uma análise mais precisa devemos
diferenciara-las.
A primeira, a epoché, seria um momento da segunda, isto é, da redução, pois diz respeito ao primeiro
passo que é a suspensão de juízo sobre a existência dos objetos do mundo. Ela consiste na neutralização
da posição de existência do mundo e também de todas as formas de consideração que podemos ter sobre
ele. Ou seja, aquilo que aprendemos como o que consiste na realidade deve suspenso e fenomenológo
não deve fazer nenhum juízo de valor sobre o que constitui ou se apresenta como real.
O segundo passo, o que podemos entender por redução fenomenológica propriamente, diz respeito que, a
partir de tal suspensão de juízo, se torna possível passar da atenção empírica aos objetos dada em nossa
experiência para o modo como eles são experienciados pela consciência. A partir deste momento, não se
considera o mundo existente, as pessoas existentes, a instituições sociais e políticas, como também a
própria existência senão em sua correlação com a consciência, isto é, enquanto fenômeno. Através da
epoché, contrariamos a atitude natural que sempre toma o mundo como existente, enquanto ?realidade
espaço-temporal objetiva?, e tudo aquilo que encontramos nele. Através da redução, se passa a
consideração da maneira como a consciência vivencia aquilo que anteriormente, em regime de atitude
natural, é dado como exterior e independente â consciência.
Husserl esclarece, porém, que não se trata de um mero questionamento sobre se a realidade é tal como a
experienciamos existe, pois, ?toda dúvida e rejeição envolvendo dados do mundo natural não modifica em
nada a tese geral da orientação natural? (HUSSERL, Ideen I, §30, p. 52, p. 77.) Isto é, não se trata de
apenas questionar se nossa percepção tem acesso ou não objetos verdadeiros, ou se estamos em um
sonho que julgamos real ou em uma realidade solida e partilhada intersubjetivamente, mas se ater a
maneira como a consciência, fenomenologicamente, considerada, diferente de uma realidade empírica,
vivencia intencionalmente os seus objetos. Em outros termos, não se trata de um questionamento posto
nos termos de um ceticismo, mas de uma modificação de atitude que busca investigar a relações de
correlação entre consciência e mundo.
Entende-se, assim, que para encontrar a pureza dos ?objetos? ou fenômenos conscientes, é necessário,
portanto, a suspensão da atitude natural, podendo, a partir da aí investigar todas as formas de aparição do
fenômeno que se doa para uma consciência. Contudo, para entender o que é a fenomenologia, não
podemos esquecer que não se trata de qualquer consciência, ou de qualquer conceito de consciência,
mas da consciência enquanto uma experiência irredutível às concepções clássicas oriundas do
intelectualismo filosófico (Descartes, Kant, entre outros), como também é uma consciência que não pode
ser dada enquanto fenômeno da natureza. A consciência fenomenológica só pode ser conquistada através
da redução, enquanto preparação de um campo onde se começa uma investigação que se caracteriza
pelo distanciamento de todo naturalismo (NASCIMENTO, 2016, p. 109).

Fonte: pinterest.com
Para realizar a redução não é preciso duvidar do fenômeno que se mostra à consciência. O que se deve é
suspender os juízos de valores que se tem sobre as coisas, como, por exemplo, doutrinas, crenças e
hábitos de pensamento, para então investigar o sentido das experiências e os significados vividos por nós
ingenuamente. Para Husserl, a atitude natural é aquela onde nos dirigimos às coisas habitualmente elas
acontecem. Através dela vivemos na consciência de um mundo espaço-temporalmente infinito e
encontramos diariamente através dos nossos aparelhos sensórios-motores, pois cotidianamente, vivemos

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com as coisas, as tocamos, as manuseamos, sem efetuar reflexões sobre seu valor, seu uso, sua
existência.
A passagem para atitude fenomenologia inclui o questionamento e investigação acerca dessa
habitualidade que marca nossa experiência, mas que consciência é alcançada através da redução? o que
acontece depois que a existência do mundo é reduzida e as coisas passam ser considerados através do
seu sentido? A consciência fenomenológica é o resíduo fundamental a partir do qual a experiência começa
a ser investigada fenomenologicamente. Ela é núcleo que parece resistir a redução, mas é porque ela é
encontrada através dela. Passaremos, portanto, a característica esse resíduo chamado consciência
fenomenológica, pondo em relevo seu caráter intencional.
A modificação radical da atitude natural consiste justamente em colocar suspensas suas estruturas de
experiência, isto é, sua forma de visar o mundo, para empreender o retorno aos fenômenos, conforme o
princípio basilar da fenomenologia husserliana: o retorno as coisas mesmas. Interessante notar, que o
retorno às coisas mesmas significa exatamente uma atitude que busca se mostrar desvencilhada dos
hábitos de pensamento da atitude natural como também de teorias e formas sedimentadas de formulação
intelectual que impedem uma descrição direta dos fenômenos. Temos, portanto, em fenomenologia a
necessidade de passagem do lugar que estamos em nosso cotidiano o campo fenomenal, que o espaço
de correlação entre consciência e mundo, que passa, em regime de atitude natural desapercebido.
A FENOMENOLOGIA HERMENEUTICA DE MARTIN HEIDEGGER
Estudamos anteriormente, a fenomenologia de Husserl, abrangendo pelo menos aspectos de dois
momentos do desenvolvimento de sua obra. A primeira fase de seu pensamento que se inicia com a
publicação de Investigações Lógicas de 1900 e o momento de Ideias, na qual a filosofia de Husserl deixa
de tratar seu projeto como psicologia descritiva para denominar sua fenomenologia como base para uma
filosofia transcendental. No entanto, a filosofia de Husserl ainda se entende por inúmeros escritos,
inclusive alguns ainda são inéditos. O que apresentamos, portanto, é uma das facetas dessa filosofia que
foi uma das mais fundamentais do século XX pelo seu alcance e impacto. A escolha dos conteúdos
apresentados se deu exatamente no sentido de dar ao estudante as bases para uma compreensão desta
filosofia, que permanece ainda viva no mundo atual. Trataremos, agora da filosofia de Martin Heidegger.
A filosofia de Heidegger está entre as mais importantes e singulares da história da filosofia, impactando
consideravelmente diversas áreas de conhecimento, interiores e exteriores à prática filosófica, constituindo
também enquanto uma filosofia conformadora de várias tendências e abordagens filosóficas, posteriores
ao seu surgimento. Um autor como Michel Foucault (2013), por exemplo, afirma, por exemplo, que foi com
Heidegger que ele aprendeu uma nova forma de entender a história, exatamente enquanto o filósofo
alemão propõe fazer uma história do Ser, conforme os inúmeros tratamentos que filósofos e cientistas
deram direta ou indiretamente ao tema.
O filósofo alemão também gera polêmicas por alguns aspectos obscuros e políticos de sua biografia, tal
como sua adesão ao partido nazista na ocasião da acessão do regime na Alemanha. Essa discussão traz
inúmeras questões, como por exemplo, se há convergência entre essa forma de pensar e as concepções
ideológicas do nazismo, mais precisamente aquelas defendidas por Hitler em seu livro ?Minha Luta?, em
que as bases teóricas da política autoritária e racista que, posteriormente, seria implantada na Alemanha
estão descritas (ERBER, 2003). A questão é que Heidegger confessa em uma carta ao irmão que teria lido
o livro e elogia o conteúdo apresentando no texto, mais precisamente as partes finais do texto, que mostra
que sua adesão se baseava, como tantos outros alemães, em uma compreensão quase religiosa da
cultura e do destino alemão perante outros povos.
A adesão de Heidegger ao partido nazista é real e no momento em que Husserl era proibido de lecionar na

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Alemanha, Heidegger se tornava reitor de Freiburg. No entanto, entendemos que sua filosofia não pode
ser reduzida a suas posições políticas. Partindo desses pressupostos, ou seja, de que estamos diante de
uma das filosofias mais importantes e influentes do século XX, nesta seção, apresentaremos a concepção
de fenomenologia em Heidegger diferenciando-a das concepções de Husserl, conforme a transformação
em Heidegger da fenomenologia em uma fenomenologia hermenêutica voltada ao problema da ontologia e
da análise da existência.
Iniciaremos, esse percurso apresentando, aspectos da biografia de Heidegger, mostrando como seu
percurso biográfico o levou a fenomenologia. Ao final, apresentaremos, de forma introdutório, a questão do
sentido do ser, que será aprofundada apenas na seção seguinte, na qual trataremos da questão do
Dasein.
A história de Heidegger em direção ao ser
Martin Heidegger (1889?1976) foi um filósofo alemão, aluno e discípulo rebelde de Husserl (1859?1938).
Husserl, como vimos anteriormente, foi o criador da fenomenologia, uma filosofia marcada por inúmeros
caminhos que atingiram a conformação das ciências no século XX, como também se tornou o solo a partir
do qual surgiram inúmeras formas de se fazer fenomenologia, entre elas, fenomenologia hermenêutica de
Heidegger.
Heidegger nasceu em 26 de setembro de 1889, na cidade de Messkirch. O seu pai era sacristão, além de
mestre tanoeiro. Por conta de a cidade ser muito pequena e os seus pais serem católicos, Heidegger
passou a sua infância alternando entre a sua casa e o templo de St. Martin., o que possivelmente
determinou de alguma forma sua escolha de estudar teologia posteriormente. A vida familiar não se
separava, portanto, da vida religiosa da comunidade na qual o futuro filósofo vivia (KAHLMEYER-
MERTENS, 2015). Esses aspectos não seriam importantes se a educação religiosa do filósofo não tivesse
de algum modo influído em seus gostos e escolhas futuras. Na escola municipal de Messkirch, ele
estudaria latim e romances de formação. O seu professor lhe deu o auxílio necessário para ingressar no
internato para rapazes: a Casa Konrad. Lá, ele conheceria o seu primeiro mentor, Conrad Gröber, que lhe
possibilitaria a leitura do texto Sobre a múltipla significação do ente segundo Aristóteles, dissertação de
Franz Brentano. Nessa obra, Heidegger, então com 14 anos de idade, encontraria a questão que lhe
acompanharia pelo resto da sua vida: a questão do sentido do ser (KAHLMEYER-MERTENS, 2015).
Essa relação com a dissertação de Brentano seria um primeiro modo de se aproximar do universo
husserliano, pois como vimos anteriormente, foi Brentano que abriu caminho a Husserl para um tratamento
da consciência enquanto intencionalidade. Posteriormente, com a intenção de se tornar padre, Heidegger
ingressou na Faculdade de Teologia de Friburgo e como já havia criado interesse fecundo pela filosofia a
partir da leitura do trabalho de Brentano sobre Aristóteles, o filósofo além estudar as teorias teológicas,
seguiu de forma autodidata o seu caminho inicial na filosofia. Através de seu interesse por Brentano
acabou por se aproximar dos trabalhos de um filósofo proeminente, profundamente influenciado por
Brentano, Edmund Husserl. Assim, desde o primeiro semestre do seu curso de teologia, Heidegger
começou a estudar com acuidade os textos husserlianos (GORNER, 2018).
Para Husserl, o principal problema que se apresentava ao método fenomenológico concernia aos
fundamentos do conhecimento tanto em filosofia quanto no âmbito das ciências. Nesse sentido, ele
investigou criticamente a apropriação do método das ciências naturais pela filosofia e pela psicologia, pois
em sua perspectiva essa maneira de buscar uma fundamentação do conhecimento, acabava por colocar
em risco qualquer possibilidade de tratamento da filosofia enquanto ciência rigorosa e diferenciar os
métodos e fundamentos das ciências naturais e humanas. Assim, opondo-se as tendências de
naturalização da experiência, Husserl desenvolveu a redução, ou epoché (?colocar entre parênteses?),

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enquanto método para o conhecimento ideal acerca de um objeto, estudamos esses conteúdos quando
tratamos especificamente do pensamento de Husserl.
Dado que as essências dos fenômenos têm fundamento ideal, na perspectiva de Husserl, o método da
redução consistia na suspensão da nossa experiência imediata ao mundo, para a partir daí atingir as
essências. Na perspectiva de Husserl, são as essências que determinam o sentido dos objetos que entram
no campo de conhecimento das ciências, entendendo que a pergunta por este ou aquele aspecto de um
fenômeno realizado por uma ciência particular tem em sua base uma essência que apenas pode ser
descrita fenomenologicamente. Essas essências são imanentes a experiência da consciência e o
conhecimento que delas se toma apenas adquire caráter intuitivo e apodítico a partir da atitude
fenomenologia, advinda do processo de redução. Nas palavras de Husserl (2000, p. 29):
Assim, pois, está agora caracterizado este campo; é um campo de conhecimentos absolutos, para o qual
ficam indecisos o eu, o mundo, Deus e as multiplicidades matemáticas e todas as objetividades cientificas
; conhecimentos que, portanto, não são dependentes de todas estas coisas, valem o que valem, quer a
respeito deles se seja cético ou não. Tudo isto, portanto, se mantém. Porém, o fundamento de tudo é a
captação do sentido do dado absoluto, da absoluta claridade do estar dado, que exclui toda a dúvida que
tenha sentido; numa palavra: a captação do sentido da evidência absolutamente intuitiva, que a si mesma
se apreende.
A evidência absolutamente intuitiva indica uma forma de conhecimento clara e imediata, isto é, um
conhecimento direto, sem o intermédio de uma mediação. A redução fenomenológica permitiria o que,
para Greaves (2012), pode ser resumido em uma forma de descrição de como as coisas sãs em seu
aparecer fundamental. Importante notar que não se trata do fenômeno considerado em sua estruturação
empírica, mas do fenômeno tal qual ele pode ser colocado em uma cadeia transcendental de experiências
, como relativo ao caráter absoluto da consciência. Nesse caso, a redução fenomenológica, tal como
Husserl a entende será bem mais sucedida quando mais perto de estiver do lugar a partir do qual o
fenômeno pode será ser descrito em toda sua fenomenalidade, ou seja, destacada das condições
mundanas que sustentam a atitude natural.
Podemos perceber, nesse sentido, por que Heidegger se aproxima da fenomenologia de Husserl. O
fenômeno tal como Husserl o entende também pode ser entendido e definido como algo que aparece à luz
da redução, que é iluminado e se deixa ver quando se passa atitude mundana e natural para atitude
fenomenológica que consiste primeiramente na quebra e desconstrução de pressupostos adquiridos
ingenuamente, seja por educação ou por simples hábito intelectual. Isso se revela pela exposição da
fenomenologia de Husserl (2000) que fizemos até agora.
Esse colocar a luz, ver com clareza, pela redução e suspensão de tudo que é simplesmente um acessório
ao fenômeno torna a fenomenologia uma filosofia da presença e uma filosofia que retorna ao mundo da
vida, isto é, esse mundo concreto que experimentamos e que se torna um enigma quando pensamento
filosoficamente. A fenomenologia, portanto, é um método e uma filosofia que busca fazer aparecer o
fenômeno através de uma prática filosófica específica, que se configura no modo como a linguagem
filosófica se constitui, que indica na experiência o seu sentido, ainda que essa inerência e preocupação
com a experiência possa ser tratado diferentemente, como por exemplo, há uma diferença entre Husserl e
Heidegger no que tange ao tratamento e consideração do sentido a experiência.
De acordo com Greaves (2012), a principal diferença entre as fenomenologias de Husserl e Heidegger é
que o primeiro, como já indicado, pretendia descrever como as coisas são (e isso está indicado na fórmula
geral da fenomenologia, que é alcançar as coisas mesmas), enquanto, para o segundo, a fenomenologia
permitiria descobrir o modo como as coisas são. Para o pensamento heideggeriano, a mola propulsora da

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pesquisa é a questão do sentido de ser. Por isso, a partir da fenomenologia, Heidegger se lança em um
processo de desconstrução do pano de fundo que orienta a história da filosofia e do pensamento,
compreendidos em sua perspectiva, como uma história de encombrimento do ser. Ou seja, ele descobre
na fenomenologia um modo de neutralizar os conteúdos sedimentados da história da filosofia que estariam
na base do encobrimento do Ser, que na perspectiva do filósofo, se apresenta como o problema
fundamental da filosofia.
Nesse sentido, em sua obra Ser e tempo, Heidegger (2015) realiza um trabalho aprofundado na etimologia
da palavra ?fenomenologia?, dividindo-a em fenômeno e logos. Fenômeno é, a partir de então, um
encontro, mas um encontro privilegiado com o que se mostra em si mesmo. Logos, entretanto, é fala ou
discurso, no sentido de uma fala que, em si mesma, revela o de que se fala, isto é, expressão. A
fenomenologia, portanto, ?é deixar e fazer ver por si mesmo aquilo que se mostra tal como se mostra a
partir de si mesmo? (HEIDEGGER, 2015, p. 75).
Essa compreensão que, em aparência, pode parecer deixar intacta a concepção de fenomenologia dada
por Husserl, no entanto, se desloca consideravelmente da prática e do discurso husserliano, apresentando
-se, assim, como o primeiro deslocamento original e talvez o mais completo no campo da fenomenologia.
Enquanto a filosofia de Husserl se volta, pelo menos na maioria de suas obras, ao problema
epistemológico como fundante da filosofia, se distanciando das discussões de caráter ontológico,
Heidegger, por outro lado, aposta na questão ontológica como a mais radical e necessária de ser
investigada.
Husserl não interessava a ontologia, pelo menos em sentido fundamental. Husserl tratava de uma
ontologia formal dada como organização lógica das ciências em relação os objetos que ela intenciona,
mas não de uma ontologia enquanto ?descrição fundamental do Ser?. Em Heidegger, ao contrário, o que
visado é desvelamento do ser, o que torna suas exigências à fenomenologia diferentes daquelas de
Husserl, o que implicará em modificações teóricas e de perspectiva em relação ao alcance e o sentido da
fenomenologia.
A essa altura, podemos nos perguntar: onde o ser aparece e como ele está velado nessa forma de
encontro, tal como entende Heidegger? A resposta à primeira parte dessa pergunta é que o ser aparece
sempre junto ao ente. O ente é o que na fenomenologia de Husserl se apresenta como objeto
intencionado pela consciência, no sentido de um ser que se apresenta a experiência como seu outro e
pode se converter em objeto de conhecimento. Os seres da natureza e da cultura, os objetos marcados
vida humana e que constituem a cultura material, outros seres humanos e também os animais, eis o que
são entes, que podem se converter ainda em objeto de um conhecer. As flores da figura abaixo,
constituem, na perspectiva de Heidegger entendes porque se diferenciam do ser porque são ?indivíduos?,
formas de existir e se mostrar que podem ser identificadas pela sua presença singular.

Fonte: br.freepik.com
Conforme Heidegger, o fenômeno do conhecer também será interrogado, mas de acordo com que ele
entende como a presença do ente, que só poderá ser interrogado a partir de uma estrutura original que ele
chamará de ser-no-mundo. Entendemos que até o final da exposição o estuante terá uma compreensão
do que Heidegger entende por ser-no-mundo, uma estrutura que no campo de conceitualização proposto
por Heidegger passa ainda por uma interrogação e definição sobre o que é o ente e sobre quem é ou
como é o ente ?especial? e privilegiado que ele chama ?Dasein. Comecemos pelo ente.
Nas palavras do filósofo: ?o ente é tudo do que falamos dessa ou daquela maneira; ente também é o que

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e como nós mesmos somos? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). E aqui também fica claro o motivo do logos ser
compreendido como fala ou discurso: se o ente é o que pode ser indicado pela forma como nos referimos-
lhe, a fenomenologia permite um discurso que desvela o ser que aparece com os entes, é essa fala sobre
o ser que Heidegger deseja alcançar através do ente. Uma das coisas postas pelo esforço ontológico de
Heidegger é exatamente de que o ser não aparece senão através dos entes. No entanto, apesar de o ser
aparecer junto ao ente, há diferença entre eles. A diferença entre ser e ente se mostra, pois o ser ?[...]
está naquilo que é e como é, na realidade, no ser simplesmente dado [...], no teor e recurso, no valor e
validade, no existir, no ?dá-se?? (HEIDEGGER, 2015, p. 42). Isso significa que o ser aparece sempre por
uma espécie de atribuição de valor e de significados. Aí está a indicação de que o ser, embora diverso no
que tange ao sentido em relação ao ente, só nos é acessível a partir de um ente, a partir daquilo do que
falamos, a partir da nossa relação com esses entes e com a linguagem.

Fonte: pinterest.
Há, desse modo, alguma forma de se questionar o sentido do ser através da linguagem. Do ser se fala o
tempo todo, então há um sentido sempre disponível na nossa relação com os entes intramundanos pelo
qual o ser pode ser expresso e pensado. A questão deve ser estruturada de forma clara, pois nela se dá,
desde o início, a direção, o ponto de partida e o de chegada da investigação filosófica.
Em toda questão, segundo a perspectiva de Heidegger, há três distinções necessárias: o questionado, o
interrogado e o perguntado. O questionado é aquilo sobre o que se questiona; na pesquisa de Heidegger,
é o ser. O perguntado é a meta a ser alcançada, aquilo que precisa ser encontrado; aqui, o perguntado é o
sentido de ser (GORNER, 2018). O interrogado é aquilo ou aquele que deve sofrer a inquisição, aquele
que se interroga. Se o Ser surge sempre junto ao ente, o interrogado deve ser, justamente, o ente. Porém,
se o ente é tudo aquilo sobre o que se fala, entende-se que há uma infinidade de entes. Questionar um por
um seria uma tarefa impossível. Surge, então, a necessidade de encontrar algum ente privilegiado, ao
qual a questão deve ser direcionada a fim de que ele ofereça a resposta por todos os outros. Se, como já
indicamos, o ente é também aquilo que nós somos, estamos à disposição da interrogação, e essa é a
solução que Heidegger (2015) encontra: o ente privilegiado pelo qual todo ser se desvela no mundo somos
nós.

Tribunal de Osiris. Fonte: Pinterest.

O interrogado da questão do sentido de ser é o ente humano, que Heidegger tematizará através do termo
Dasein, que assume em seu vocabulário um sentido muito especial que é necessário descrever conforme
o sentido do fenômeno que ele indica, a experiência humana, e também pelo significado que ele assume
no texto de Heidegger.
Marcia Sá Cavalcante (2015), professora e tradutora da obra de Heidegger no Brasil, mostra a dificuldade
que há de conseguir uma tradução do termo Dasein para o português, tornando através da linguagem
portuguesa expresso o que o termo tem de fundamental. Segundo a autora, a dificuldade se mostra
quando, se percebe, que após mais de uma década da primeira publicação de Ser e Tempo em português
, ainda não há consenso nem mesmo sobre se o termo Dasein, fundamental na configuração do texto de
Heidegger deve ou não ser traduzido.
Paul Gorner (2018), estudioso inglês que citamos anteriormente, por exemplo, considera categoricamente

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que não se deve traduzir Dasein para nenhum idioma. No entanto, em língua portuguesa, há duas opções
possíveis de tradução, já que não há consenso e se tem preferido em muitos idiomas procurar uma
tradução que possa também contribuir para melhor circulação da filosofia heideggeriana entre aqueles que
não tem domínio da língua alemã. Em alemão, Da significa tanto ?aqui? quanto ?lá?, e ?Sein? é,
literalmente, ?ser?. Dessa forma, pode-se utilizar o termo, já consagrado, ?ser-aí?. Pode-se utilizar essa
tradução pois, para Heidegger, o ser do ser humano se dá sempre fora dele mesmo; é preciso que haja
interação com o que está ?fora? e a distância para que ?meu ser? apareça enquanto tal, isto é, como o
ente existente que está aqui. A tradução do Dasein em ?Ser-aí? tenta alcançar essas possibilidades. A
outra tradução utilizada é ?presença?, defendida por Marcia Sá Cavalcante (2015). Segundo a professora
, é a que mais se aproxima da ideia que o filósofo alemão tinha ao empregar o termo Dasein, pois
Presença não é sinónimo de existência e nem de homem, o que faz escapar das concepções clássicas de
natureza humana e da dicotomia entre essência e essência que marca essas exposições. Nas palavras
da autora:
A palavra Dasein é comunmente traduzida por existência. Em Ser e Tempo , traduz-se em geral, para as
línguas neolatinas pela expressão "ser-aí", être-là, esser-ci, etc. Optamos pela tradução de pre-sença
pelos seguintes motivos: 1) para que não se fique aprisionado às implicações do binómio metafísico
essência-existência; (...)4) pre-sença não é sinónimo nem de homem, nem de ser humano, nem de
humanidade, embora conserve uma relação estrutural. Evoca o processo de constituição ontológica de
homem, ser humano e humanidade. (HEIDDEGER, O Ser e o Tempo, parte I, Nota 1 de Márcia de Sá
Cavalcante, p 309).
Em nossa exposição sobre a estrutura do Dasein que acontecerá na próxima sessão faremos o uso o
termo conforme as duas traduções, privilegiando o uso da palavra Dasein e a elucidação de seu sentido
original.]

Medard Boss (1903-1990, psiquiatra que recebeu influências der Heidegger. Boss criou a Daseinsanalyse
, uma forma de psicoterapia centrada na experiência do Dasein. Fonte: pinterest
HEIDEGGER, O DASEIN E SUA ESTRUTURA
Como vimos até agora, Heidegger toma como problema filosófico fundamental a questão do sentido do
Ser. A partir isso, ele coloca sua questão à tradição. Na perspectiva de Heidegger, a tradição filosófica
ocidental é responsável e vítima de um processo de encobrimento a partir do qual a questão do Ser foi
retirada ou apagada do horizonte filosófico.
Todavia, ao se perguntar pelo sentido do ser, surge também a problemática sobre o sentido do ente que
se interroga pelo Ser. Nesse caso, a investigação ontológica, tal como considerada por Heidegger, passa
pela interrogação sobre uma forma muito singular de ente, o ser humano, que Heidegger caracteriza pelo
?termo Dasein?, que como vimos pode ser entendido como ?presença? e ?ser-aí?. Nesse sentido, o
Dasein já indica pelo menos duas coisas sobre a existência e a experiência humana: trata-se de uma
aparecer, de algo que se torna presente, o ente humano, portanto, se dá no mundo pelo seu sentido e sua
condição de possibilidade é o próprio Ser. O segundo aspecto, é que esse sentido da experiência humana
está sempre aí, na maneira como os entes humanos se desdobram no mundo. Esses dois aspectos
dados em conjunto formam a maneira como Heidegger abordará a questão da existência em seu texto,
preparando a questão do Ser a partir da analítica da existência daquele ente que traz em si a possibilidade
da pergunta pelo ser.
Assim, em seu texto Ser e tempo (1927/2005), Heidegger realiza uma analítica existencial deste ente que

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ele considera trazer em sua existência a possibilidade um acesso privilegiado ao campo da ontologia
fundamental. Ele trata do Dasein visando uma abordagem diferente de qualquer ciência positiva ou
antropologia filosófica. Partindo desses pressupostos, nessa seção, nos propomos apresentar esse
percurso da obra de Heidegger, pondo em relevo alguns de seus aspectos mais importantes. Serão
percorridos nesse sentido três aspectos:

1) O caráter original da analítica existencial frente as abordagens antropológicas, em especial ao que se


chama, em filosofia, de antropologia filosófica.
2) Apresentação da existência como ?essência? do ser-aí.
3) E por fim, a elucidação das estruturações do Ser-no-mundo, enquanto condição de constituição
existencial fundamental do ser-aí.
Heidegger e os deslocamentos

Heidegger caminhando na floresta negra. Fonte: Pinterest.


As investigações de Heidegger entre 1915 e 1927 mostram que como ele se distancia das concepções de
Husserl e de outros autores do campo fenomenológico, como Max Scheler (1878- 1928), por exemplo. A
originalidade da fala filosofia de Heidegger se revela no vocabulário que ele conquista em seus textos e
nas manifestações de estilo próprias a sua escrita.
Deslocando-se das interpretações fenomenológicas onde os conceitos, tais como de ?vivência? (Erlebnis
), são utilizados como base para descrever o fenômeno humano, Heidegger prefere noções assentados
em uma hermenêutica da facticidade. Isso se expressa em termos como facticidade (Faktizität), ser-no-
mundo (In-der-Welt-sein), circunvisão (Umsicht), mundo circundante (Umwelt), mundo compartilhado
(Mitwelt), mundo próprio (Selbstwelt) que passam, assim, a configurar a fala de Heidegger determinando
sua concepção de filosofia e prática fenomenológica. (HEIDEGGER, 2006, p. 91 ? 92).
Desta maneira, ao ler Heidegger, se torna necessário o questionamento pelo sentido dos conceitos que
ele utiliza, visando compreender os deslocamentos e distanciamentos que eles marcam em relação à
tradição filosófica e as abordagens de seus contemporâneos, em especial aquelas oriundas da abordagem
fenomenológica. Cabe ainda lembrar, que ao propor fazer uma hermenêutica da facticidade, Heidegger
está preocupado em resguardar a unidade estrutural do ?Dasein?, que precisa ser abordado, em sua
perspectiva para além de qualquer terminologia que tenha como referência uma filosofia do sujeito.
A defesa dessa singularidade se situa, aparentemente, a partir de uma velha preocupação husserliana,
que é a diferençar as especificidades dos fenômenos, fazendo aparecer o ser de sua manifestação como
singularidade em relação ao outro. No entanto, o que Heidegger faz se apresenta ainda mais radical. As
estruturas fundamentais do Dasein não se diferenciam porque remetem a esta ou aquela ciência. O dasein
não pode ser psicologizado ou naturalizado, seu fundamento é mais original e sua estruturação escapa
possibilidade de sua redução a este ou aquele domínio de experiência que possa estar ligado a alguma
ciência.
No parágrafo 10 de Ser e tempo, Heidegger delimitará, assim, o sentido de sua abordagem em relação à
antropologia, à psicologia e à biologia, afirmando, que não é por um simples capricho terminológico que
ele evita o uso das expressões ?vida? e ?homem? para designar o ente humano (HEIDEGGER, 2006, p.
90).
Considerando as investigações sobre a existência humana realizadas por Max Scheler, por exemplo,
Heidegger afirma que a ideia de fundo que conduz as pesquisas do pensador é a noção de substância,

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que no âmbito da história da filosofia pode ser remetida a filosofia cartesiana. Segundo Scheller, o ser
humano enquanto pessoa não pode ser tratado através da noção de substância, mas conforme a leitura
de Heiddeger o autor acaba utilizando a noção de substância quando toma ?pessoa? pela mediação de
um conceito de natureza humana (HEIDEGGER, 2006, p. 91-92).
Para Heidegger, justamente porque o homem não é uma coisa, ele também não é uma substância, não
havendo o ?homem? ou pessoa a ser investigado e que deve ser colocado no centro da discussão
científica ou filosófica; isso porque não há natureza humana que determina a existência no sentido tal
como ela se manifesta a partir do que somos. Por essa razão, Heidegger afasta-se não somente da
terminologia e das representações da antropologia filosófica, mas também das investigações nas quais o
modo de ser do ?humano? é compreendido de modo determinado, antecipado pelas ideias de espírito ou
natureza.
Para ele, trata-se de encontrar um modo condizente no ente investigado, a saber, no ser-aí humano, pelo
qual sua ?essência? possa não ser de antemão pressuposta, mas desvelada no decorrer da investigação
e de maneira originária, já que, como veremos a essência do Dasein é existir, o que significa uma
determinação pela ação e pelo projeto e não pela natureza ou espírito.

Floresta Negra, Alemanha. Fonte: Pinterest.


Através da hermenêutica da facticidade do ser-aí, portanto, Heidegger não visa fundar ou fundamentar
qualquer antropologia, biologia ou psicologia enquanto forma de caracterização da experiência humana,
mas tratar da experiência fundamental da facticidade que a condição do ser do Dasein. A facticidade
afigura-se como um aspect fundamental da analítica existencial de Heidegger, presente em Ser e Tempo.
Sr. A partir de uma visão centrada no problema da ontologia, o ser humano é, como veremos, concebido
Heidegger como um projeto lançado no mundo, cuja essência é ao modo do existir (Existenzial),
projetando em modos-de-ser que são como ação no mundo e com outros. O ser humano, enquanto ser-no
-mundo, está dado no tempo e no espaço vividos. Assim, ele não se define através de propriedades ou
categorias, mas pelas possibilidades de ser a partir de sua facticidade. Na perspectiva da analítica
existencial, a facticidade concerne às coisas mesmas, tal como elas se mostram e sa vividas na vida
cotidiana. ?O vivido primordialmente são as coisas mesmas, e estas são, antes de qualquer coisa,
sentidos, significados que imediatamente compreendo, com os quais estou constantemente operando?
(RODRÍGUEZ, 1997, p. 27). A facticidade é o lugar mesmo onde estamos, no qual o mundo é de imediato
isso que me aparece, numa relação que não é objetiva, mas vivida, na qual os objetos e as coisas tem
sentido na minha experiencia, me servem para existir. Heidegger emprega o termo ?facticidade?, portanto
, para indicar esse mundo pré-reflexivo e mediano no qual sempre nos movemos ordinariamente e
cotidianamente.

Fonte: radiobla.com
Heidegger ao tratar da facticidade adota uma atitude que já suspende a primazia do mundo objetivo tal
como determinado pelas ciências e por uma filosofia situada na ingenuidade constitutiva da atitude natural
, pois não se trata da objetividade em sentido de algo que existe para ser conhecido, mas do conjunto de
ações cotidianas na qual estamos imersos, segundo relações com o sentido que as coisas têm em nossa
existência cotidiana. Ainda que uma hermenêutica antropológica pudesse descrever e pensar a ?essência

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? da experiência humana, na perspectiva heideggeriana, é necessário demonstrar a diferença entre a


analítica existencial do ser-aí e uma possível antropologia filosófica propriamente dita, já que tal analítica é
uma preparação radical para expressão do Ser através da filosofia; sua radicalidade, consiste, em partir
da vida cotidiana na qual a existência acontece.
O limite da abordagem antropológica segundo a analítica existencial
Em um escrito de 1938, intitulado A época da imagem do mundo, Heidegger faz considerações sobre o
alcance de uma abordagem antropológica da existência humana. Conforme o filósofo, devemos
compreender por antropologia uma leitura do ?homem? que já sabe o que ?homem? é e, assim, nunca
pode se interrogar autenticamente sobre quem ele é. Vamos interpretar essa afirmação. Saber o que é o
homem é estar determinado por uma concepção de natureza humana, que pode estar centrada em uma
ideia de espírito ou de material, de mundo social ou de imersão do ?homem? na história evolutiva, mas
que determina a interrogação sobre o homem a partir dessa noção dada de antemão. Assim, saber quem
o ?homem? é, permitirá, no máximo, uma interrogação sobre essa ideia de ?homem? de antemão adotada
, por isso a pergunta pelo ?homem? não é, nesse caso, uma pergunta autêntica, pois não se consegue
perguntar sobre quem é o ente humano. A pergunta sobre quem é o ente humano já se determina de outra
forma. A pergunta é pelo modo como esse ser está na existência, está em sua vida cotidiana, e não sobre
uma essência vinda de fora à sua existência.
Nessa perspectiva, que coloca então a impossibilidade de uma antropologia enquanto uma abordagem
autêntica da existência, Heidegger considera ser a partir deste aspecto que a antropologia deveria
confessar a si mesma como insuficiente e mesmo superado, não tendo outro sentido que efetuar uma
justificação suplementar para a autoconsciência conforme a concepção cartesiana de sujeito que
atravessa o mundo moderno. (HEIDEGGER,1979, p. 98). No mesmo sentido, ele descreve no livro Kant e
o problema da metafísica, publicado em 1929 uma situação bastante peculiar a época moderna. De
acordo com o filósofo, não houve uma época que produzisse tanto conhecimento sobre ?homem? como a
modernidade. No entanto, segundo o filósofo ?nenhuma época soube menos acerca do que o homem é
(HEIDEGGER, 1973, p. 203).
Heidegger aponta, assim, para o caráter paradoxal da maneira como os seres humanos vivem nos
tempos modernos e consideram sua existência Há toda uma ciência que diz sobre nossa existência uma
quantidade quase infinita de coisas, tratando esferas diminutas da nossa existência: somos nossa biologia
cerebral como também nossa ?história? psicanalítica, nossos traumas, nossa psicologia e a forma como
entramos em relações simbólicas. No entanto, nesse cenário, onde um suposto saber sobre a existência
humana se acumula, não sabemos exatamente o que somos, talvez porque a pergunta sobre nós mesmos
seja para nós algo insustentável e insuportável. Nesse sentido, a pergunta que acaba por entrar em cena
é a seguinte: como compreender e descrever a existência humana em suas estruturas essenciais,
atingindo o máximo possível de suas dimensões e tendo em vista sua totalidade?

Fonte: Pinterest
As ciências, não apenas antropologia, desejam ter sob seus auspícios a pergunta pelo ?homem?. No
entanto, apresentam sempre forjadas e dominados por uma única perspectiva e quase sempre orientadas
pela vontade de reduzir o conjunto da existência ao aspecto regional a qual suas investigações estão
?naturalmente? remetidas. Em relação às ciências é possível afirmar que a interrogação de Heidegger é
mais original. Ele se coloca a questão do ente humano acerca de si mesmo enquanto este é aberto ao Ser
, voltando, assim, para o problema do ente humano enquanto portador dessa possibilidade essencial de se

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interrogar sobre si e o Ser.


Assim, perante a velocidade a partir da qual o existir humano é calculado e analisado pelas ciências
particulares, ou no vocabulário de Heidegger, pelas ciências ônticas, o filósofo também se questiona se
conseguimos, no atual mundo em que estamos, assumir e suportar a pergunta a respeito de nós mesmos
como interrogação que nos confronta ao Ser. Nesses termos, ele considerado em Ser e tempo: Quando,
porém, se coloca a questão do ser do homem, não é possível calculá-lo como soma dos momentos de ser
, como alma, corpo e espírito que, por sua vez, ainda devem ser determinados em seu ser (HEIDEGER,
2006, p. 92-93).
Nesses termos, Heidegger se depara com a necessidade de uma analítica da existência humana, que se
desloque dos fundamentos e métodos das ciências ônticas e particulares. As ciências se interrogam sobre
o ente humano, pressupondo sua unidade formada por um corpo, uma alma e um espírito; mas podendo,
como já sugerimos, se reiterar apenas de estruturas específicas e, em alguns casos, operando uma
arbitrária redução da existência a alguma de suas dimensões. Heidegger, por outro lado, considera ser
impossível pensar a condição humana pela soma de suas dimensões ou pela simples consideração de
uma de suas ?partes?, apontando, assim, para a necessidade de uma descrição que possa atingir a
unidade da existência humana em sua forma ?originária.? Orientando-se pela perspectiva fenomenológica
, que assume em sua obra formas singulares e desconcertantes, Heidegger vê, portanto, assume o
problema da essência humana deslocando-o para vida cotidiana; voltando-se, assim, às modalidades
pelas quais, a todo momento, os seres humanos podem se interrogar sobre o sentido de sua existência
porque fazem esse sentido ?existir?. A partir do reconhecimento do cotidiano como lugar no qual a
essência humana se faz que o filósofo é levado a desenvolver o que ele chamará de uma hermenêutica da
facticidade do ser-aí (HEIDEGGER, 2006).
Inicialmente, visando seu objetivo, Heidegger irá se confrontar com as posições tradicionais acerca da
existência humana. Elas se restringem em dois posicionamentos que se desdobram como pano de fundo
de várias posições científicas e filosóficas. A primeira, entende a entidade humana como soma de
dimensões corporais, anímicas e espirituais, tendo dificuldade de apresentar uma compreensão unitária e
coerente da relação entre as três dimensões (HEIDEGGER, 2006, p. 92). A segunda supõe a essência
humana como pura racionalidade e trata a existência como natureza humana, definindo os seres humanos
como animais racionais, isto é, como seres biológicos que se diferenciam de outros seres biológicos
porque possuem ?razão? (HEIDEGGER, 2006, p. 93 e 228). Na missão que Heidegger se coloca, entra
em jogo, por isso mesmo, uma análise e mesmo uma desconstrução destas compreensões tradicionais,
que se encontram disseminas em campos diverso da experiência humana, não apenas nos saberes, mas
também nossas práticas políticas e relações sociais.

Sako Asto . Fonte: pinterest


Na perspectiva de Heidegger, para uma orientação diferente de tais comportamentos teóricos, se torna
necessário, modificar a forma de questionamento acerca da existência humana. Não se perguntará mais ?
o que é o homem? ou ?o que é o humano??, mas ?quem é o homem? ou ?quem é o humano?. A
diferença entre as duas perguntas é gritante, nos referimos brevemente a essa diferença anteriormente. A
primeira se pergunta por uma essência determinada e situa ?homem? no âmbito de uma coisa que pode
ser definida pelo papel que pode assumir enquanto ?sujeito? de uma definição e objeto de uma essência.
O homem é algo determinado por uma essência, o que é bem diferente dizer, por exemplo, que a essência
humana se faz na existência, ou que a essência humana é simplesmente existir. A segunda pergunta,

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surge interessada pelo modo como ?homem? existe, pois quer saber quem ele é´, isto é, onde vive e
como vive, o que é querer saber em qual cotidiano ele está. Nesses termos, uma pergunta ?quem é o
homem? incluirá em sua resposta não uma simples definição, mas uma descrição dos modos de
existência, isto é, as formas de ocupação a partir dos quais o existir humano, expresso no termo Dasein,
se desdobra enquanto existência que se faz no mundo.

Os jogadores Paul Cézanne (1839-1906). Fonte: pinterest


Assim, o caso em Heidegger não é a pergunta que busca elucidar e explicar apenas o modo pelo qual é
possível perguntar ?o que? é o homem enquanto ser vivo biológico ou mesmo como ser cultural, mas,
sobretudo, como ele se volta ao questionamento de ?quem? e ?como? é ele, algo que é mais singular e
descritivo. Para o filósofo o ser humano é um ente existente, e nesse sentido, segundo essa definição, ele
nem mesmo ?é?, ele apenas existe. No entanto, esse ente que não cabe em uma definição enquanto
sujeito dela, mas apenas existe, porta em si um privilégio que distingue dos outros entes, ele pode se
perguntar sobre o ser: ele é ontológico em seu ser-aí e, por isso a pergunta sobre ele não é a busca de
uma definição, mas a estruturação de uma fala sobre as formas pelas quais ele se ocupa do mundo e se
ocupa? do ser (HEIDEGGER, 2006, p. 48).
Sobre analítica existencial de Heidegger cabe também considerar que ela se diferencia da abordagem
antropológica porque ela não tem como fim o ?homem?, mas a ontologia fundamental, passando pelo
Dasein enquanto aquele que pergunta sobre o ser, o que coloca em cena para o Dasein a compreensão
de sua existência, pois sua existência é a pergunta pelo ser. Na perspectiva do filósofo, a filosofia do
Dasein, que é realizada no âmbito de uma investigação ontológica fundamental, não busca ser uma nova
disciplina nos termos em que são as ciências humanas, nela, ao contrário, se coloca o desejo de despertar
a consciência de que o filosofar se concretize com a ?transcendência explícita do ser-aí? (HEIDEGGER,
1973, p. 235).
Na passagem acima, encontra-se, portanto, a ideia de que a analítica existencial se diferencia das
disciplinas cientificas, entre elas, da antropologia, por preconizar um movimento além do ser-aí (Dasein).
Isso é possível porque ela tem como objetivo não uma concepção de 'homem' ou natureza humana, mas o
próprio Ser enquanto tal como ele vivido pelo ente humano. Nessa perspectiva, devemos nos perguntar: o
que quer a analítica existencial enquanto caminho para a ontologia fundamental?
Heidegger parte da ideia de que os seres humanos existem no mundo. Isso não significa que a existência
humana está junto das coisas, ao modo de uma soma, ou segundo relações fenomênicas naturais. O
existir humano não é uma modalidade objetiva de aparição: o ser-aí não se constitui, portanto, como uma
coisa simplesmente dada, mas como um processo de construção, uma dinâmica de se fazer com as
coisas naquilo que elas podem assumir no âmbito da vida cotidiana. Assim, na formulação ?o ente
humano já é sempre no mundo?, o ?já? significa desconcerto e perplexidade; pois quer dizer que o ente
humano é totalidade aberta de sentido, que se apresenta à nossa vontade de conhecimento, de tão modo,
que estamos assim, sempre atrasados para apreendê-lo e compreendê-lo, porque sua dinâmica é aquela
de um sentido que não se apreende e não se determina objetivamente, mas existencialmente. Desta
maneira, enquanto sentido no mundo ele não pode ser pego porque está sempre em movimento. Assim,
ele só pode ser apreendido enquanto uma ?essência? que escapa aos nossos desejos de conhece-la,
mas a qual temos que responder porque ela é nossa condição propriamente dita.
Desse modo, tanto os ser humano quanto mundo doam-se através do modo como estão relacionados, ou
seja, a partir de um horizonte de sentido e abertura que constituem a forma de ser do Dasein (Ser-aí). Na

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fala de Heidegger os termos ?sentido?, ?modo?, ?horizonte? e ?abertura? apresentam-se como estruturas
originárias e originais do ser-aí (Dasein) enquanto presença. A analítica existencial, realizada em Ser e
tempo, é o esforço de descrever a constituição fundamental do ser-aí como ser-no-mundo, desdobrando-
se como nessas modalidades de existência que lhe são intrínsecas: ?sentido?, ?modo?, ?horizonte?,
?abertura?, onde, existindo o ser-aí abre-se como o instante e como solo de tudo quanto é real.
Não esqueçamos, assim, que ao desenvolver sua analítica da existência, Heidegger se volta para o
exercício de elaborar uma ontologia que se propõe enquanto fundamento de qualquer ontologia possível.
Todavia, ele reconhece, no que a investigação ontológica somente se torna possível como e através da
fenomenologia (Heidegger, 2006, p. 75). Isso porque enquanto método a fenomenologia torna possível
que os fenômenos se mostrem, deixando sua própria fala como lugar de sua manifestação. No que tange
ao ser-a-í se entra no jogo de uma descrição fenomenológica dos modos e estruturas fundamentais, algo
que é preciso levar em conta.
A EXISTÊNCIA COMO ESSÊNCIA DO SER AÍ (DASEIN)
Sobre a preocupação ontológica de Heidegger, Crowell afirma que ela é ?a consideração fenomenológica
das condições que tornam possível o questionamento acerca do sentido de ser.? (2012, p.34). Casanova
(2012, p. 79) corrobora essa aposição afirmando: ?Ontologia fundamental não significa aqui super
ontologia, mas aponta muito mais para a compreensão da necessidade de se perguntar antes de mais
nada pela possibilidade mesma da ontologia.? É justamente neste ponto que surge a articulação entre a
analítica existencial e a ontologia fundamental. Visto que perguntar pelas condições de possibilidade de
algo como o sentido do ser é perguntar pelo ente que pode perguntar por algo assim como ser. Este ente
é o Dasein, que pode ser transcrito em língua portuguesa pelos termos ser-aí ou presença, como
salientamos anteriormente.
A união da ontologia fundamental e da analítica existencial abre o espaço para, então, investigarmos o ser
-aí humano, com também para um tratamento ontológico que ultrapassa as distinções tradicionais,
próprias a metafisica. Uma distinção que é atacada pelo pensamento de Heidegger é aquela entre sujeito
e objeto, da qual é preciso buscar sempre um sentido, já que se refere a maneira mais elementar pelo qual
o ser humano organiza suas formas de conhecer, dadas por um distanciamento entre aquele conhece e
aquilo que é conhecido. Nesse sentido, o presente tópico visa esclarecer o entendimento de Heidegger da
existência como essência do Dasein, mostrando como essa compreensão nos remete a origem da
distinção entre sujeito e objeto.

Pintura de Giovanni Battista Salvi, 1609. Fonte: hampel-auctions.

Nas investigações de Heidegger, para uma ontologia fundamental, colocam-se, como vimos até agora,
perguntas relacionadas à analítica existencial e ao sentido do Ser, indicando a esfera fáctica e cotidiana da
existência como base para suas investigações. As perguntas remetidas à analítica existencial são
colocadas em primeiro plano, as perguntas sobre o ser em segundo, mas trata-se de uma questão
estratégica e essencial, pois não é a pergunta pelo o que é o homem que é que está em jogo, mas se
questiona quem é o ente a partir do qual a fala sobre o ser se torna possível. Assim, as perguntas pelo ser
, que surgem, incialmente, como secundárias, têm uma função fundamental para o andamento da reflexão
do filósofo e já estão contidas no questionamento daquele que se pergunta pelo ser.
Como veremos a relação entre aos dois planos de investigação constitui a base de toda analítica
existencial heideggeriana, pois é através da consideração da existência de uma condição privilegiada de

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interrogação a respeito do Ser que o Dasein ou ser-aí pode também se interrogar sobre sua existência. As
perguntas feitas, nesses termos são as seguintes: em qual dos entes podemos encontrar o sentido de ser
? de qual ente deve se partir para conseguir uma abertura ao ser? O ponto de partida pode ser arbitrário
ou será que algum ente possui primazia na elaboração da pergunta sobre o ser?
A preocupação de Heidegger é primeiramente com o Ser, ou seja, seu trabalho tem como finalidade a
elaboração de uma ontologia. No entanto, não se trata da pergunta sobre este ou aquele ente, mas do ser
enquanto tal, que apenas se manifesta através dos entes e pode ser falado apenas através do Dasein. Por
isso, a elaboração desta ontologia depende de descobrir e desvelar um ente que tenha em seu ser a
dimensão da pergunta como aquela que o separa dos outros entes.
Importante notar que não se trata da capacidade de filosofar ou fazer ciência sobre este ou aquele ente,
mas da elaboração de uma pergunta que possa ter como seu ?destino? o ser. Não se trata também de
uma questão epistemológica, ainda que possa ter consequências também nessa esfera. Nesse ponto que
encontramos o sentido que assume em Heidegger o questionamento da distinção entre sujeito e objeto.
A analítica heideggeriana não se preocupa em analisar e resolver a polaridade dicotômica sujeito x objeto,
um esquema pelo qual diversos comportamentos teóricos se fundamentam e descrevem a realidade. No
entanto, existe uma dificuldade advinda desse esquema que importante para seu percurso. Trata-se do
fato de que, através dele, se torna necessário justificar e esclarecer como é possível relacionar
interioridade e exterioridade a partir de sua correlação, isto é, as noções de sujeito e objeto determinam
uma concepção de exterioridade e interioridade que é preciso questionar.
Assim, o que se coloca consiste em encontrar a condição fundamental na qual a relação entre sujeito e
objeto está fundada, ou melhor, compreender como a correlação entre as duas dimensões se torna
possível e pode se desdobrar também em um fundo ontológico que apaga a questão do ser, enquanto
uma das formas de encobrimento da questão ontológica no mundo moderno. A partir disso, sua
preocupação volta-se para o momento antes da polaridade, aquele onde o mundo e a linguagem ainda
não estão determinados pela polarização, que só pode aparecer em seu verdadeiro sentido se remetida a
sua origem. Entende-se, assim, que é necessário compreender a correção sujeito?objeto de um ?modo
não-epigonal?, ou seja, não conforme seu resultado, considerando-a enquanto valor sedimentado, mas
apanhando-a de acordo com sua dinâmica de constituição. Trata-se, portanto, de habitar o meio pelo qual
falamos da correlação sujeito?objeto, isto é, a existência onde nossa fala identifica essa diferença pela
qual nossa existência surge como próprio, ordenada como sujeito que se dá uma experiência e o mundo
de objetos a que estamos referidos. Mas o que isso quer dizer?
Podemos esclarecer a questão se observamos o seguinte aspecto da filosofia de Heidegger: a distinção
sujeito e objeto é segunda em relação a forma de ser do ente que se ocupa do ser, isto é, do ser-aí. Ou
seja, na ocupação que ele faz do mundo, no qual se encontra com outros entes, a distinção sujeito-objeto
é uma consideração segunda que tem fundamento na formulação das diversas ciências, mas também é
um dos aspectos pelo qual o ser se apresenta encoberto já que sujeito e objeto assumem em certas
circunstâncias uma função ontológica. Ou seja, existe o lugar a partir do qual o ser é reduzido a distinção,
esquecendo-se que ela tem origem na existência em que objeto e sujeito não existem solidamente, mas
enquanto ocasião de um discurso, como momento da frase. Por isso, necessidade de um recuo à
dinâmica existencial do ser-aí e a elaboração de que em ele é e de como ele é através da noção de ser-no
-mundo, pois é a partir daí que é possível ver a ?frase? na qual as duas instâncias assumem sua forma
original.
A importância de se alcançar essa dinâmica, ou seja, ver de onde e como passamos a falar de sujeito e
objeto, como também descrever sua função na configuração de nossas visões de mundo e

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comportamentos, é também uma estratégia que busca que assegurar a unidade originária do ente a ser
investigado. Na medida em que compreendemos que a distinção é segunda em relação a existência,
podemos vislumbrar que o Dasein não é nem objeto e nem sujeito, que ele não pode ser tratado dentro da
polaridade, que ele ultrapassa e antecipa a relação entre os polos. Por isso, o olhar heideggeriano sobre a
distinção também terá um sentido crítico.
O sujeito e objeto na perspectiva do Dasein
Através do termo Dasein, do pensamento do ser-aí no mundo, Heidegger aponta para experiências
concretas tais como ocupações e relações deste ente com outros entes. Além disso, como vimos, o ente
humano, na perspectiva de Heidegger, possui um primado ôntico-ontológico, que consiste em sua
capacidade de estar voltado a possibilidade de interrogação sobre o ser. O tratamento da existência
realizado por Heidegger em sua descrição do Dasein têm consequências essenciais para o tratamento que
normalmente damos as coisas quando nos colocamos no exercício de conhecê-las. Uma vez que não se
fala mais do primado do sujeito, entende-se também que é impossível situar a reflexão no âmbito de uma
determinação pelo objeto. Por esse motivo, o conceito de fenômeno, posto em cena pela fenomenologia,
exprime-se com mais força e aponta para especificidades que escapam ao tratamento do ato de conhecer
posto pela correlação sujeito-objeto. A existência não se restringe a um eu penso, mas se dá na
multiplicidade de um eu vivo ou eu existo.
Entende-se, assim, que qualquer ente que vai ao encontro do ser-aí ou Dasein já revela uma face do Ser.
Conforme essa manifestação do ser no ente, compreende-se que o Ser apenas se manifesta enquanto
multiplicidade, dando-se ao ser-aí enquanto experiência de muitas moradas. A experiência do ser pelo
Dasein se dará, portanto, nas formas de estruturação pela qual o Dasein pode se reconhecer como ser no
mundo. O olhar de Heidegger é muito amplo: todas as formas de ocupação humana podem ser olhadas na
perspectiva do ser e podem revelar o ser porque nelas está posto o ser-aí enquanto movimento de um
fazer. Ele não é sujeito de conhecimento e tão pouco tem como relação fundamental com o mundo o
tratamento com objetos que podem ser considerados como completamente exteriores a sua ?condição?
de ser que simplesmente existe.
Por isso as noções de sujeito e objeto não são insuficientes e se apresentam ontologicamente vazias,
ainda que sejam índices pelos quais nos reconhecemos em espaços de existência, tais como por exemplo
, na compreensão científica do mundo ou na abordagem lógica do discurso, formas instituídas pelo Dasein
conforme sua ocupação do mundo. Ou seja: a manifestação dos entes aponta sempre já para um
determinado modo de ser uma experiência concreta, que não se restringe ou determinada pela correlação
epistemológica e discursiva na qual as noções de sujeito e objeto estão assentadas. Por isso, então, a
relação ?ente e ser? devem ser olhadas, experienciadas e compreendidas desde a constituição
fundamental ser-no-mundo, que é anterior as formulações discursivas que comandam o entendimento
tradicional sobre o ser. Em outras palavras, o ser-aí, o Dasein, se constitui pela relação múltipla e
complexa que ele mantém com outros entes que podem ser coisas e outras seres, como também a forma
como trabalha ou vive, que tem um caráter pré-relfexivo antes de se dar a reflexão. É isso que constitui e
caracteriza sua existência. Faz-se, necessário, então, compreender as especificidades do conceito
heideggeriano de existência:
Chamamos existência ao próprio ser com o qual o ser-aí pode se comportar dessa ou daquela maneira e
com o qual ela sempre se comporta de alguma maneira. Como determinação essencial desse ente não
pode ser efetuada mediante a indicação de um conteúdo quiditativo, já que sua essência reside, ao
contrário, no fato de dever sempre possuir o próprio ser como seu, escolheu-se o termo ser-aí para
designá-lo enquanto pura expressão de ser. (HEIDEGGER, 2006, p. 48).

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Interessante notar, que a concepção de existência apresentada nessa passagem é bastante especifica e
se desloca da maneira como o tema tem sido tratado na história do pensamento. Para entendê-la, vamos
considerar primeiramente que a existência é a ?essência do ser-aí. Ou seja, o que caracteriza
ontologicamente o Dasein é simplesmente existir e ter existência. Todavia, é licito perguntar: o que é o
existir no ser-aí? A primeira consideração, nesse sentido, é que o ente humano ?homem? não existe como
uma pedra ou como qualquer outro ser vivo. Quando fala do existir humano Heidegger diz que o Dasein é
rico de mundo. Em contraposição, ele utiliza a figura da pedra e do animal para reconhecer a existência
dos seres que são pobres de mundo, ele se refere aos animais. E aqueles que não tem mundo, porque
não são capazes de nenhuma linguagem, representado em seu discurso pela pedra. Ser rico de mundo
significa poder entrar na pergunta pelo ser, o que não pode ser feito pelo animal e tampouco pela pedra.
Por outro, sendo existência, o ser aí se diferencia do ?homem? enquanto ?homem?, por isso temos usada
essa palavra entre aspas. O ?homem? enquanto ?homem? é mais uma ideia de uma que uma realidade
concreta, isto é, uma sedimentação possível da compreensão que o ser-aí pode ter de si mesmo. O
homem enquanto homem não é rico de mundo, porque está determinado como uma ideia. O ente humano
é rico de mundo porque o mundo existe para ele como possibilidade, já sua determinação é existir nesse
mundo.

Fonte: superinteressante.com
O decisivo, sobre este ponto, é compreender que, O Dasein é o ente existente que carece de ser para
poder ser, por isso também ele não pode ser dado como possuindo uma natureza, não pode ser uma ideia
como ?homem? e, tampouco, uma coisa como um carro. Ele carece de ser para ter em si um sentido, que
só faz no mundo pelo modo como se ocupa do mundo, quando tem um trabalho, por exemplo. Por isso,
no âmbito de uma analítica existencial é necessário evitar qualquer palavra que possa dar um caráter
sedimentado ao ser-aí, como por exemplo, a palavra ?homem? ou termo objeto. Ter essa carência de ser,
no caso do ente humano, significa que ele está no mundo como projeto: sendo e se constituindo conforme
sua lida com outros entes e o com mundo. Assim, por ser essencialmente carente de ser, ele precisa
insistir e persistir num modo possível de ser, nisso consiste sua existência.
A noção de existência enquanto carência de ser
A analítica existencial, ao tematizar a existência do ser-aí, orienta-se, portanto, pela ideia de existência.
Existência é a ?essência? do ente humano. É por isso que Heidegger chama de existenciais as estruturas
ontológicas constitutivas do ser-aí. Não se trata de estruturas que compõe o ente humano como se ele
fosse uma soma de partes, mas algo que pode estar nele como também faltar em sua constituição. Uma
possibilidade que pode se realizar em uma circunstância e se torna impossível em outra. Os existenciais
são índices da carência fundamental de ser que marca a existência do Dasein em sua persistência e
insistência de ser enquanto projeto.

O pintor Salvador Dali. Fonte: todamateria.com


Vamos pensar aqui sobre um pintor, um pintor que vive sua existência inteira ocupado em seu trabalho,
um pintor que muitas vezes se afasta do convívio com outros para poder se dedicar ao seu trabalho;
mesmo doente ele luta contra doença e insiste em pintar. Esse ser que pinta persiste e insiste na sua
tarefa e é através de sua inexorável carência de ser que sua pintura se torna a ocupação que dá sentido à
sua vida, pois sua pintura é a resposta a uma solicitação do ser, pois ele pinta entes a partir do quais o ser

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se manifesta. Esse pintor é um ser-aí que persiste e insiste em seu projeto de existência porque marcado
por essa carência constitutiva de sua existência, que em termos heideggerianos é simplesmente existir.
Esse pintor enquanto ser se constitui existenciais: índices do ele está sendo. Em cada existencial seu ser-
aí pode e deve ser apreendido e tematizado. Existenciais são, então, os índices do modo de ser de o ente
chamado ser-aí, cuja constituição fundamental estar no mundo conforme sua carência ontológica. Por
isso, o pintor pinta. Não se trata de outra coisa. Na pintura ele se realiza enquanto ser, ele torna possível a
existência de seu existir enquanto projeto. Isso não se dá apenas na pintura, mas nas diversas atividades
humanos, seja com a paixão que o pintor tem pela sua arte, ou ainda quando assumimos uma posição
qualquer no mundo e ela nos constitui enquanto aquele tem uma determinada profissão e não outra, ou
tem essa família e não aquela, por exemplo.

Pablo Picasso em seu estudo. Fonte: pinterest. com


Segundo Emmanuel Carneiro Leão, os existenciais são as contexturas da existência em sua estrutura de
articulação, isto é, são dimensões e índices de um modo de existir assumido pelo Dasein (LEÃO, 2006, p.
558). Os existenciais são, portanto, as estruturas a partir o Dasein se descreve e inscreve no mundo, e
que não existem sem o mundo, porque é característico do Dasein existir no mundo e com o mundo. Os
existenciais pertencem, portanto, a um ?quem?. Podemos entender no que eles consistem se os
diferenciarmos do termo categoria, que em filosofia, é utilizada para considerar aspectos ontológicos e
lógicos determinantes do tratamento que damos aos objetos.
Enquanto conceito ?as categorias? fazem parte de um posicionamento ontológico que busca na
determinação do sujeito e objeto o seu sentido. Na história da filosofia, a primeira tematização se encontra
em Aristóteles, do qual provem a categoria de substância a partir da qual a identidade do sujeito e do
objeto são dadas, conforme ainda outras que lhe são inerentes, como acidente, contigência, qualidade,
quantidade, entre outras. No que tange a uma analítica existencial, o termo categoria é insuficiente,
inclusive para o tratamento dos entes com os quais o Dasein se ocupa. Os existenciais, por outro lado,
servem à descrição das relações de sentido que marcam da lida do Dasein com o seu mundo circundante
, enquanto as categorias buscam se firmar em um discurso no qual as coisas são designadas por aquilo
que são em sua determinação absoluta, fora de relações possíveis.
A partir dessa distinção é possível entender o objetivo de Heidegger ao fundamentar a ontologia
fundamental na analítica existencial do Dasein, diferenciando-a, assim, das demais ontologias da
metafísica tradicional. Enquanto a metafísica se ocupará dos modos de ser dos entes conforme uma lista
de categorias, a ontologia fundamental, por outro lado, poderá se chamar de fundamental porque implica
em sua possibilidade a analítica do ente com o privilégio da interrogação do ser, isto é, o ser-aí. Por essa
razão, em sua investigação, Heidegger, faz a ressalva de que os demais entes, que não são ao modo do
ser-aí, devem ser compreendidos a partir do modo que lhes é próprio e constitutivo. Ou seja, uma
descrição o mundo natural deve ser feito conforme categorias e conceitos que reverberam seu modo de
ser. Diferentemente, todas as explicações que podem resultar da analítica do ser-aí se originam e sua
estrutura existencial. Na perspectiva de Heidegger, deve-se entender como existenciais os caracteres
ontológicos que determinam a existência do Dasein enquanto existencialidade (HEIDEGGER, 2006, p. 88-
89).
Para compreender a profundidade da ideia heideggeriana de existência é importante considerar que, no
plano da analítica existencial, Heidegger distingue variações no modo de apresentação a partir dos quais o
ser-aí pode ser investigado. São esses níveis ou planos que constituem os existenciais. Encontramos,

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assim, os modos cotidianos e mais próximos. Eles são aqueles da manualidade e do ser simplesmente
dado, que segundo o filósofo devem ser tratados como fundamentais porque foram esquecidos ou tratados
equivocadamente pelas abordagens ontológicas tradicionais (HEIDEGGER, p. 88). Por isso, ao tratar da
mundanidade do mundo, em Ser e Tempo, Heidegger visa descrever as variações do modo de ser do ser-
aí em sua ocupação cotidiana.
A questão aqui também pode ser lida como um remanejamento do conceito de mundo-da-vida do último
Husserl. Na perspectiva do mundo da vida, as coisas existem conforme o seu sentido em nossa vida, isso
não significa que eles são determinados por nós, mas entram nessa forma de visada em que eles são
utensílios e continuação ou ampliação da nossa existência corporal (MERLEAU-PONTY, 1999, P. 215).
O mundo-da-vida é, portanto, marcado pela mundanidade enquanto sua primeira instância de sentido.
Está em jogo, assim, a possibilidade de uma descrição adequada do fenômeno mundanidade do mundo,
isto é, o mundo onde estamos projetados ou lançados. Assim, pensar fenomenologicamente o mundo
requer um ?deixar e fazer ver o que se mostra no ?ente? dentro do mundo? (HEIDEGGER, 1997, p.103).
Assim sendo, as coisas que surgem no mundo pela sua aparição fenomenal, como, por exemplo, os
prédios, os carros, as casas, mares, florestas são todos entes que entram no jogo do Dasein. Estes entes
são prenúncios de investigação do próprio ser, que percorrem a existência do Dasein enquanto este está
envolvido pela sua própria ?mundanidade? que também a mundanidade do mundo. O dasein pode se
ocupar do mar enquanto alguma coisa a ser vista ou a ser navegada, torna coisas instrumentos pelos
quais construí suas formas de habitação, ao mesmo tempo é transformado por aquilo que entra no jogo de
sua existência, já que ele simplesmente existe e carente de ser.

No universo da analítica existencial de Heidegger, a manualidade e o ser simplesmente dado são também
duas estruturas pelas quais se descreve como nós sempre já nos relacionamos, comportamos e
ocupamos com os entes, por isso são tão importantes na elaboração ontológica de Heidegger, pois
significam formas muito próximas e cotidianas pelas quais a carência de ser do Dasein pode ser
investigada. Interessante, nesse sentido, observar que através da manualidade o ser-aí se mostra como
aquele que se ocupa dos outros entes em função de si mesmo; ou seja, é a relação do Dasein com o que
constitui os mundos dos utensílios na qual tudo existe conforme sua carência de ser: o computador onde
escrevemos ou o pincel usado pelo pintor são da ordem da manualidade em sua relação com o ser-aí
humano.
Ser simplesmente dado, no âmbito da análise do Dasein, remete-nos para um modo de ser que não é
aquele do Dasein, mas que pode ser assumido por ele. Existir como simplesmente dado, consiste na
sedimentação do Dasein em uma posição de passividade em relação ao mundo, anulando a existência
enquanto projeto. Nesta condição, ou seja, tornando-se simplesmente dado, o ser-aí se afasta do que ele
mesmo é, tornando-se, de certo modo impróprio e decadente. Trata-se, nos termos elencados por
Heidegger, de uma maneira imprópria de existir. Todavia, jogado nessa forma decadente de existir o
Dasein não se arranca completamente de seu modo mesmo de ser, no qual ele é próprio, único, singular e
irrepetível. O que significa, portanto, a impossibilidade de um ente humano destituído de existência, pois
sempre lhe resta a possibilidade de se curar (sair de si no agora em que está, projetar-se de outro modo)
do estado impróprio, retornando, assim para si mesmo, no sentido de sua ?propriedade? singular de ser. A
existência se faz enquanto dinâmica e estruturação de sentido, não é condição de determinação, por isso
também essa possibilidade posta ao Dasein e por ele.

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Fonte: filosofianaescola.com
O termo existir origina-se da palavra existere. O ?ex? que sustenta a palavra, exprime uma dinâmica de
sentido que se faz de dentro para fora, o que pode nos levar a pensar na existência como uma
necessidade vital de ter de realizar, isso ou aquilo, dessa ou daquela maneira, para poder ser sob uma
forma possível. Isso dá-se enquanto o ser-aí se descobre através de um projeto de sentido, conforme uma
singular ocupação, no âmbito de uma historicidade. O ?sistere?, por outro lado, exprime, por conseguinte
, a dinâmica continuada de uma insistência e uma persistência na estruturação de sentido. Pensamos
ainda no caso do pintor. Merleau-Ponty, em seu ensaio da Dúvida de Cézanne descreve o pintor como
aquele que entra na existência da pintura com seu corpo, isso, em uma perspectiva fenomenológica quer
dizer: o pintor entra na pintura om sua existência inteira, sua arte é uma resposta a existência (MERLEAU-
PONTY, 1996, p. 23).
Se compreendermos a analítica existencial a partir da ideia de existência, podemos afirmar, assim, que os
existenciais são índices, isto, eles indicam, os modos pelos quais é possível apreender a unidade do ser-aí
em sua dinamicidade. Por isso, o que está em jogo, em cada um dos existenciais, é a existência inteira do
Dasein, ou seja, a expressão dos seus modos de habitação e abertura ao mundo. É por isso que a
analítica do ser-aí será originária no sentido mais amplo possível, considerando a as estruturas pelas
quais a dinâmica de sentido própria ao Dasein se revela. Também por isso que Heidegger enfatiza que
não se deve fragmentar o Dasein através do pensamento, pois ele se revela enquanto sentido abertura,
pois, se o olharmos fragmentadamente, não será possível apreender a forma ontológico-existencial onde
ele se expõe e se realiza. Assim, a concepção segundo a qual o ser-aí é o ente que simplesmente existe
, quer dizer: o ser-aí é o único ente que, pelo seu existir coloca em jogo o que é o seu próprio ser
(HEIDEGGER. 1995).

Escultura de Camile Claudel. Fonte: masdearte.com


Ser-no-mundo: a constituição existencial do Dasein (ser-aí)
A constituição do ser-aí é chamada por Heidegger como ser-no-mundo. Através do termo ele busca
descrever e tematizar o pertencimento originário da condição humana ao mundo. Na perspectiva do
conceito de ser-no-mundo, não são apenas os seres humanos que pertencem ao mundo, mas o mundo
também ?pertence? ao eles. A expressão composta ?ser-no-mundo? se refere, assim, a um fenômeno de
unidade; ou seja, expressa um sistema de implicações que se caracteriza pela sua abertura fundamental
ao Ser. A consideração de que se trata de uma unidade, de um sistema ou mesmo de uma estrutura é de
suma importância, pois, assim, entendemos que se trata de uma forma de ser em que a interioridade e
exterioridade tem um encontro existencial. Nesse sentido, Heidegger, nos indica que se trata de um todo
que não pode se dissolver, pelo menos, enquanto existirem seres humanos no mundo. Ele é, conforme
Heidegger, ?a multiplicidade de momentos estruturais que compõem sua constituição? (Heidegger, 2006,
p. 98 ? 99).
. O ser-no-mundo refere-se, portanto, a um fenômeno de unidade e assim ele deve ser examinado. Em
Heidegger, o mundo não é compreendido como algo que a razão constrói (pura racionalidade), nem como
uma realidade exterior ao Dasein. Assim, o em mundo do termo que dizer, com o mundo, constituindo-se
conforme sua constituição se dá. (Heidegger, 2006, p. 60 ? 77). Nesse sentido, o ?Mundo?,
existencialmente considerado, é ?um? momento constitutivo do modo de ser do ser-aí. Na fala de

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Heidegger, a palavra mundo é intrinsecamente polissêmica. Por isso, a necessidade de esclarecer e


recuperar tal polissemia. Alguns dos sentidos da palavra mundo apontado por filósofo são os seguintes:
Primeiramente, a palavra mundo é usada como um conceito ôntico, expressando, assim, a totalidade dos
entes que podem simplesmente se dar dentro do mundo; esse primeiro sentido, se refere ao mundo como
lugar dos entes; o mundo é a totalidade dos lugares e tempos nos quais os entes têm que existir. O mundo
é, portanto, uma condição fundamental à existência dos entes.
?Mundo? pode denominar também a dimensão que abarca sempre uma multiplicidade de entes, como
ocorre, por exemplo, na expressão ?mundo? usada pelos matemáticos para se referir ao âmbito dos
objetos possíveis da matemática. Nesse caso, o mundo passa ser aquilo que concorre para a existência
de um determinado tipo de entes que podem ser reunidos pelo seu parentesco ontológico.
Outro sentido ôntico, da palavra mundo se dá no caso onde o mundo é o contexto ?em que? um ser-aí
fático ?vive? como ser-aí, e não o ente que o ser-aí não é sua essência. O termo possui aqui um
significado pré-ontologicamente existenciário. Deste sentido, surgem diversas possibilidades: mundo pode
indicar o mundo ?público, isto é, o mundo onde está o nós: a sociedade e as formas de organização nas
quais os entes humanos colocam sua existência. Ele pode significar também o mundo circundante mais
próximo (doméstico) e ?próprio?; como a casa onde o ser-aí ?desenvolve? e expressa sua intimidade.
O termo mundo designa, por fim, o conceito existencial-ontológico da mundanidade. A própria
mundanidade pode se desdobrar e se transformar em conjuntos de estruturas de ?mundos? particulares
porque se caracteriza pelo antes da mundanidade em geral (HEIDEGGER, 2006, p. 112). Ou seja, não se
trata sempre de o mundo, mas de mundos os quais o Dasein pode estar ser referido, conforme os projetos
que ele assumir em uma determinada circunstância, ou ainda, pela herança de um mundo que ele pode
incontornavelmente viver ou simplesmente tratar como dado.
Assim, o sentido da quarta acepção de mundo fundamenta as anteriores e aponta para sua origem. A
mundanidade é essa capacidade do mundo de se desdobrar em diversos mundos, conforme, sua
remissão ao ser-aí. Nesses termos, mundanidade é um conceito de potência ontológica que significa uma
estrutura ou momento constitutivo da expressão ser-no-mundo, sendo assim, uma determinação
existencial e ontológica do ser-daí (HEIDEGGER, 2006, p. 100).
Por isso, Heidegger fala inicialmente de ser-no-mundo como ser-em (Heidegger, 2006, p. 98 ? 106). Esta
preocupação relaciona-se ao fato de que há uma tendência natural de entender o ?em? em sentido físico-
espacial, restringindo, portanto, sua potência ontológica ao mundo material. Ser-no-mundo não tem um
sentido espacial, pois a relação do ser-aí com o espaço é uma relação temporal e vivida, sendo essa
relação uma das quais que constituem seu ser-no-mundo. Para elucidar esse aspecto, o filósofo recorre a
uma forma arcaica da língua alemã (Inan), registrada por Jacob Grimm em seu Dicionário alemão
(Deutsches Inan), mostrando, assim, que o ?em? do ser-em deve ser compreendido através das ideias de
habitação e familiaridade:

O ser-em não pode indicar que uma coisa simplesmente dada está, espacialmente, ?dentro de outra?
porque, em sua origem, o ?em? não significa de forma alguma uma relação espacial desta espécie; ?em?
deriva de innan-, morar, habitar, deter-se; ?an? significa: estou acostumado a, habituado a, familiarizado
com cultivo alguma coisa; possui o significado de colo, no sentido de habito. O ente, ao qual pertence o
ser-em, nesse sentido, é o ente que sempre eu mesmo sou. A expressão ?sou? se conecta a ?junto?, ?eu
sou? diz, por sua vez: eu moro, me detenho junto a... ao mundo, como alguma coisa que, deste ou
daquele modo, me é familiar. O ser, entendido como infinito de ?eu sou?, isto é, como existencial, significa
morar junto, ser familiar com... O ser-em é, pois, a expressão formal e existencial do ser do ser-aí que

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possui a constituição essencial de ser-no-mundo. (HEIDEGGER, 2006, p. 100)

Esta passagem de Ser e tempo demonstra que mundo, em seu sentido existencial e ontológico, não
significa algo como ?espaço em que? podemos encontrar ou descobrir os entes. ?Mundo?, nessa
perspectiva, quer dizer, então, abertura e estruturação de sentido. Conforme essa estruturação de sentido
com o mundo, encontramos o modo ser de Dasein, sua circunstância essencial e sua foma de exprimir e
se expressar no ser.
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