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São Paulo
2017
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Monografia apresentada à
FACIS como requisito
parcial para obtenção do
título de especialista em
Psicologia Junguiana
Prof: Ajax Perez Salvador
São Paulo
2017
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RESUMO
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 4
CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 28
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 32
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INTRODUÇÃO
Como objetivo geral, pretende-se revisar os conceitos apresentados por Jung sobre
a homoafetividade e verificar ideias contemporâneas pertinentes para uma melhor
compreensão do assunto. Posteriormente correlacionar com a teoria de anima/animus de
Jung, buscando resposta à questão de qual a aplicabilidade dos arquétipos contra-sexuais e
seus mecanismos de projeções na relação homoafetiva?
A ideia do tema nasceu do contato com a teoria de Jung sobre anima/animus. Senti-
me fascinada pelo poder de interferência desse arquétipo em nossas vidas. Explorar o
conceito abriu-me para um novo nível de percepção, não só interiormente, onde sempre
busquei compreender os dois lados: feminino e masculino, mas exteriormente, gerando um
novo olhar para a dificuldade de homens e mulheres em entrar em contato com as
polaridades mais inconscientes de si mesmo. Percebo o quão presente, marcante, ativo e
atuante está este elemento e observo as desastrosas consequências nas relações,
proveniente da falta de seu equilíbrio. Prontamente surgiu o questionamento de como essa
teoria atuaria, ou não, no caso da relação homoafetiva.
Na mesma época, tive contato com o filme Daphne (2007), sobre a vida de Daphne
Du Maurier, famosa escritora inglesa do século XX. Segundo o filme de Margaret Forster,
ela era homossexual, mas rejeitava assumir-se, vivendo uma vida de aparências e
secretamente dando vazão a seus romances com mulheres. O marcante dessa historia é a
definição que Daphne expressa para se referir-se à sua parte masculina, a qual precisou
trancar e esquecer para adaptar-se a seu papel social feminino. Sentia-se como um “boy in
the box”1 . Ela declarava “I am a half-breed, someone internally male and externally
female”2. É impressionante como o teor dessas expressões faz correspondência à teoria de
Jung sobre a contraparte internalizada. Neste caso, consciente, mas bloqueada de
expressão, para adequar-se ao papel social vigente em seu tempo.
Considerando a atual época como a mais livre e sensata que já tivemos para
entender a temática e motivada a elucidar as questões ocultas em experiências como esta,
pretendo buscar referências na teoria de Jung e principalmente de autores pós-junguianos
para fundamentar o trabalho.
1
“Menino aprisionado” (Du Maurier, tradução nossa)
2
“Sou uma mistura, alguém internamente masculino e externamente feminino” (Du Maurier, tradução nossa)
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CAPÍTULO 1
Homoafetividade
Na antiga Mesopotâmia, que cerca de 1750 A.C, havia cultos religiosos onde as
relações entre devotos e “servos sagrados” eram consideradas divinas. Isso acontecia em
templos da Mesopotâmia, Fenícia, Egito, Sicilia, Índia e entre outros lugares. Essas
práticas estão descritas em um dos mais antigos e importantes conjuntos de leis do mundo
antigo, o código de Hammurabi. Neste mesmo período, união entre pessoas do mesmo
sexo fora reconhecido pelas autoridades.
Na Ilha de Lesbos, a poetiza grega Safo, escrevia sobre suas dores e prazeres. Sua
poesia era considerada de conteúdo erótico e por isso foi censurada pelos escribas
medievais, ligados à Igreja Católica. Por este motivo restaram apenas fragmentos das suas
obras. Alguns historiadores afirmam que seus poemas sofreram alterações, havendo trocas
de pronomes femininos para masculinos e deste modo censurando o conteúdo
homoafetivo.
obrigatória e os valores e leis da tradição viram norma. O sexo passa a ser encarado apenas
como forma de gerar filhos e a homoafetividade torna-se uma anormalidade.
Em 533 o imperador Justiniano cria uma lei que vincula todas as relações
homossexuais ao adultério e, portanto, passível a pena de morte. Mais tarde, por volta de
538 e 544, criam-se outras leis que obrigavam os homossexuais a arrependerem-se de seus
pecados e a fazer penitencia.
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Termo de Sylvia Brinton-Perera (1991) o complexo de bode expiatório está associado ao mecanismo de
negação da sombra. O bode expiatório recebe a projeção da sombra e se identifica com características que o
outro não aceita em si mesmo, por não estar em acordo com o ego ideal.
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“ismo” é substituído por “dade” significando “modo de ser”, o que traz maior leveza ao
termo e o afasta da ideia de doença.
Podemos constatar, através dessa breve historia, que a atração afetivo-sexual entre
pessoas do mesmo sexo sempre existiu e o fator que a tornou, ao longo da história da
humanidade, admirada, consentida ou repudiada são os valores culturais vigentes de cada
época. Evidentemente que a sociedade contemporânea ainda traz um residual da
perspectiva higienista que, a partir do século XVIII, patologizou a sexualidade humana,
estabelecendo como “norma” o modelo heterossexual, monogâmico e com o sexo voltado
para a reprodução. Esse modelo, obviamente, restringe e favorece a discriminação,
injustiça, desigualdade e sofrimento daqueles que não se encaixam no padrão vigente.
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Resolução CFP Nº 001/1999, de 22 de março de 1999. Ementa: estabelece normas de atuação para os
psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual.
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Gênero, orientação sexual e identidade de gênero não são sinônimos e devem ser
entendidos em sua complexidade e considerando a singularidade de cada ser humano.
No entanto, do ponto de vista das ciências sociais, a palavra gênero foi usada para
expressar a diferença social e psicológica entre homens e mulheres. Sua definição é tida
como o conjunto de características sociais e culturais ligadas às percepções de masculino e
feminino.
Por não tratar-se de uma questão exclusivamente de sexo, o termo mais apropriado
é "orientação afetivo-sexual" ou “romântico-sexual" e a palavra correta é “orientação" e
não “opção” porque não é algo que se pode mudar de acordo com o próprio desejo.
CAPÍTULO 2
Homoafetividade na Psicologia Analítica
Quem conhece as Obras Completas de Jung perceberá que ele pouco falou sobre a
questão da homoafetividade. Uma das possíveis razões seria por sua cisão e distanciamento
com Freud, que em sua teoria já havia dado demasiada importância aos assuntos relativos à
sexualidade. As menções de Jung aparecem mais em artigos onde o foco principal não era
o esclarecimento sobre o tema.
Hopcke (1993) afirma que as ideias de Jung sobre homoafetividade sofrem muitas
variações. Inicialmente ligado ao movimento psicanalítico, havia uma visão como
patologia, depois passa por uma aparente noção de desvio e posteriormente é entendida
como uma consequência de identificação com o arquétipo contra-sexual de animus ou
anima. Independente disso fica claro que a postura de Jung foi buscar o significado e
impacto dentro da vida de seus pacientes.
A visão de Jung sobre o fenômeno, de acordo com Hopcke (1993), era bastante
labiríntica e complexa. Muitos conceitos maduros surgem, mas igualmente aparecem
citações estereotipadas, onde misturava variáveis distintas como sexo, orientação sexual e
papel sexual em um único conceito indiferenciado. Apesar disso, era nítido que Jung já
considerava o caráter variado das relações homoafetivas. Em sua prática clínica,
primeiramente avaliava o contexto em que ela aparecia na vida do paciente e
posteriormente analisava os reflexos causados em pensamentos, sentimentos e ações;
medindo se os impactos eram positivos ou negativos para a vida da pessoa. Isso já mostra
uma perspectiva bem mais aberta e compreensiva para o contexto sociocultural da época,
fundamentada no histórico pessoal.
Para uma melhor assimilação das ideias – muitas vezes confusas e antagônicas - de
Jung sobre a homoafetividade, Hopcke (1993) organiza e enumera uma lista com as
afirmações mais importantes, montando uma interessante releitura de suas opiniões ao
longo do tempo.
Por este motivo, neste trabalho, não pretendemos examinar estes textos mais
remotos, pois seria pouco produtivo. Também não objetivamos trazer ideias, mesmo as
mais modernas, carregadas de preconceito e que reduzam a orientação sexual a alguma
forma de psicopatologia ou de imaturidade psicológica. O propósito é reflexionar sobre
conteúdos que enriqueçam insights de Jung de forma conscienciosa e aprimorada. Por essa
razão, concentraremos o estudo em autores contemporâneos com teorias consideradas mais
coerentes, tolerantes, inclusivas e fundamentadas.
nesta análise, enfatiza o tema da individuação e sugere que o romance trata-se do desejo e
busca de plenitude por parte do protagonista. Essa busca não deveria ser diferente do
heterossexual, porém, para Maurice, somente após enfrentar os “sombrios recônditos" de
sua psique inconsciente e integrar sua homossexualidade a seu consciente, é que isso pôde
encontrar equilíbrio e completude. Hopcke (1993) destaca como Centola penetra nos
aspectos positivos da autorrealização homossexual, salientando que à medida que Maurice
explora suas relações e entende o caráter de suas paixões, é que pode transformar a sombra
da homossexualidade em plenitude. Centola prova neste trabalho que a homossexualidade
inconsciente é afetada pela sombra na individuação. Ele vê a jornada do personagem como
um símbolo de atingir a unidade e reconhece as relações amorosas como guias para
Maurice encontrar o caminho de seu Self.
Maurice experimenta um tipo de momento eterno quando aceita sua homossexualidade, porque
vislumbra momentaneamente seu verdadeiro Self, ‘a raiz de onde brotam corpo e alma, o ‘eu’
que ele fora treinado a ocultar e que percebe por fim’. Ele compreende que não é nem corpo
nem alma, tampouco corpo e alma, mas ‘ele’ perpassando ambos. (CENTOLA, 1981, p.58,
apud HOPCKE, 1993, p.118)
A cultura ocidental projetou de forma fácil demais um problema coletivo como uma patologia
pessoal. Mas o material do qual a patologia é feita - a consciência misógina - abarca a cultura
em seu conjunto. O homossexual não é o portador da misoginia, mas sua vítima. A misoginia é
a rejeição do Eros e essa rejeição é precisamente o que não realizou o homossexual que vive
sua homossexualidade; e é o que realiza o heterossexual normal que vive sua vida segundo
estereótipos culturais do masculino e feminino. (WALSH, 1978, p.97, apud HOPCKE, 1993,
p.122)
Hillman (1998), no capítulo “União dos Iguais”, mostra como puer e senex devem
ser contemplados como figuras únicas com aspectos duplos. Fala também sobre a
insistência de nosso ego em romper a unidade com a “aparente dualidade” e
posteriormente sofrer oposição. Essa "união de iguais” pode ser correlacionada com a
homoafetividade, da seguinte forma:
Buscamos essa mistura em nossas próprias vidas. Buscamos uma transformação do conflito
dos extremos numa união de iguais. Nosso tempo e seu anseio de ser curado pede que duas
extremidades mantenham-se juntas, que nossa outra metade tão próxima de nós, tão igual a nós
como a sombra que projetamos, entre no círculo de nossa luz. Nossa outra metade não é apenas
do outro sexo. A união dos opostos - masculino e feminino - não é a única união a que
aspiramos e não é a única união que redime. Há também a união dos iguais, a reunião do eixo
vertical que curaria o espírito cindido. (HILLMAN, 1998, p. 55)
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Um importante exemplo deste desdobramento foi feito por Mitch Walker (1994),
que utiliza mitologia e literatura para entender o arquétipo do duplo, que faz a função de
auxiliar interno de mesmo sexo. O duplo é como uma alma gêmea de forte afeto e que
aparece nas relações homoafetivas frequentemente. A projeção deste elemento funcionaria
exatamente como anima/animus, porém aplicado às relações homoafetivas.
Rafael Lopez Pedraza é outro autor que deu continuidade ao conceito de Hillman.
Em seu artigo “A lenda de Dríops e o nascimento de Pan”, ele usa os mitos para
aprofundar o arquétipo do Eros homem-homem e vê no mito de Apolo e Ádmeto uma
relação de afeição, amor, servidão, iniciação e poder.
June Singer (1991) é outra grande referência sobre o assunto sexualidade. Seu livro
Androginia é muito citado em trabalhos sobre homossexualidade. Singer (1991) defende
um aspecto andrógino inato na psique e fala das características consideradas masculinas e
femininas como estereótipos, ressaltando que todos enxergam em si qualidades de ambos
os gêneros.
Esses são alguns dos trabalhos significativos, apresentados por junguianos, que
contribuíram para um melhor entendimento das relações homoafetivas. Ainda longe de
qualquer postura conclusiva, exploramos o tema de forma breve e resumida, pretendendo
retomar, em maior profundidade, aos conceitos que mais satisfatoriamente ampararem a
pesquisa.
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CAPÍTULO 3
Precisamos reconhecer que se realmente existiu uma visão estereotipada, ela deve
ser associada ao contexto cultural em que Jung estava inserido, numa sociedade
conservadora e patriarcal, onde as mulheres não tinham sequer direito ao voto, mas que o
conceito em si, sobre a existência de uma contraparte sexual inconsciente, deve ser sim
respeitado.
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De qualquer maneira, o próprio Jung reconheceu que não era nada fácil conceituar
essa ideia e afirma que “[...] na realidade, tenho plena consciência de que se trata de um
trabalho pioneiro que deve contentar-se com seu caráter provisório” (Jung, OC 9/2). Ele
menciona essa dificuldade dizendo “[..] se não é simples expor o que se deve entender por
anima, é quase insuperável a dificuldade de tentar descrever a psicologia do animus”.
(Jung, OC 7/2)
Diante do processo de tornar-se um ser inteiro, Jung (OC 9/1) diz “se o confronto
com sombra era a obra do aprendiz, o confronto com anima é a obra-prima”.
Anima/animus, além de parte da estrutura da personalidade, são arquétipos com
raízes no inconsciente coletivo. Eles abrangem as experiências que todos os homens e
mulheres trazem em si com o sexo oposto, por toda a história da humanidade.
Cada homem sempre carregou dentro de si a imagem da mulher; não é a imagem desta
determinada mulher, mas a imagem de uma determinada mulher. Essa imagem, examinada a
fundo, é uma massa hereditária inconsciente, gravada no sistema vital e proveniente de eras
remotíssimas; é um ‘tipo’ (‘arquétipo’) de todas as experiências que a série dos antepassados
teve com o ser feminino, é um precipitado que se formou de todas as impressões causadas pela
mulher, é um sistema de adaptação transmitido por hereditariedade. Se já não existissem
mulheres, seria possível, a qualquer tempo, indicar como uma mulher deveria ser dotada do
ponto de vista psíquico, tomando como ponto de partida essa imagem inconsciente. O mesmo
vale também para a mulher, pois também ela carrega igualmente dentro de si uma imagem
inata do homem. A experiência, porém, nos ensina a sermos mais exatos: é uma imagem de
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homens, enquanto que no homem se trata de uma imagem da mulher. Visto esta imagem ser
inconsciente, será sempre projetada, inconscientemente, na pessoa amada; ela constitui uma
das razões importantes para a atração passional ou para a repulsa. A essa imagem denominei
anima. (JUNG, OC 1/7 § 210-211)
Todas as relações com o sexo oposto, incluindo pais, são intensamente afetadas
pelas projeções de anima/animus. Sanford (1987) diz que "[...] a projeção é um mecanismo
psíquico que ocorre sempre que um aspecto vital de nossa personalidade que
desconhecemos é ativado. Quando algo é projetado, vemo-lo fora de nós, como se fizesse
parte de outra pessoa e nada tivesse conosco”.
projeção. O contrário também é verdadeiro e Sanford (1987) menciona quanto mais real
uma pessoa se torna para a outra, menor a possibilidade das imagens mágicas do
inconsciente permanecerem projetadas.
Hall e Nordby (1980) alegam que existem múltiplos motivos para que a atração
entre duas pessoas se estabeleça, mas as razões são secundárias, pois a causa primária está
alicerçada no inconsciente. E tudo que permanece inconsciente, tenderá cumprir sua
função de projeção no outro.
Como o próprio Jung (OC, 9/2) já esperava, seriam necessárias novas elucidações
na pesquisa sobre anima/animus e afirmou: “[...] na realidade, tenho plena consciência de
que se trata de um trabalho pioneiro que deve contentar-se com seu caráter provisório. [...]
Longe de mim querer dar uma definição por demais específica destes conceitos intuitivos”.
revisar tudo o que já foi exposto sobre o tema, mas sim de acessar, em profundidade,
pensamentos e questionamentos que atinjam nossas mais íntimas reflexões e que nos
tragam maior direcionamento. Tendo isso em mente, aprofundaremos a seguir, nas
considerações que nos trouxeram senso de significado e de conexão.
Projeção da Persona
Para o homem, a mulher é a mais adequada para ser a verdadeira portadora de sua alma-
imagem por causa da qualidade feminina de sua alma; para a mulher, é o homem. Onde quer
que haja uma relação apaixonada entre os dois sexos, é invariavelmente o caso de uma alma-
imagem projetada. Uma vez que essas relações são muito comuns, a alma deve ser
inconsciente com a mesma frequência, ou seja, um grande número de pessoas deve estar
bastante inconsciente da forma como se relacionam com seus processos psíquicos internos. E
como essa inconsciência sempre vem junto com uma identificação completa com a persona,
essa identificação deve ser também bastante frequente (…) Por outro lado, pode também
acontecer de a alma-imagem não ser projetada, mas ficar com o sujeito, e disso resulta uma
identificação com a alma porque o sujeito está neste caso convencido de que a forma pela qual
se relaciona com seus processos internos é seu verdadeiro caráter. Neste caso, a persona,
estando inconsciente, será projetada numa pessoa do mesmo sexo, fornecendo assim a base
para muitos casos de homossexualidade aberta ou latente e de transferências para o pai nos
homens ou para a mãe nas mulheres. Nesses casos, sempre há uma adaptação imperfeita à
realidade externa e uma incapacidade de se relacionar, porque a identificação com a alma
produz uma atitude predominantemente orientada para a percepção dos processos internos e o
objeto é desprovido de seu poder de determinação (OC 6 § 471-472)
Robert Hopcke (1993) afirma que foi nesta base que Jung compreenderia muitos
casos de pacientes homossexuais. Isto é, a origem estaria na identificação com o arquétipo
contra-sexual de anima ou animus ("alma" ou “alma-imagem" na definição inicial acima) e
a consequente projeção da persona. Em outras palavras, a identificação do homem com
sua feminilidade inconsciente levam-o à projeção de sua persona e consequentemente o
fará enxergar a masculinidade no externo, ou seja, em outro homem. Isto é, segundo Jung,
o que cria a atração pelo mesmo sexo, pois o homem que projeta sua masculinidade
perceberá o outro (o outro homem que receberá a projeção) como possuidor de algo
essencial e irresistível.
Interessante notar que, para Jung, tanto a atração homossexual como a paixão
heterossexual seriam consequências dos mesmos mecanismos psicológicos: a identificação
e a projeção. A diferença é que no homossexual a persona é projetada por causa da
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Arquétipo Andrógino
Ela diz que esse arquétipo foi quase totalmente expungido da tradição judaico-
cristã, pois ele ameaçava a ideia da imagem patriarcal de Deus, que sempre foi a “pedra
fundamental” da civilização, onde a dominação masculina e as principais instituições
sempre funcionaram de acordo com os princípios masculinos.
Intrigada diante de questões feitas no passado, Singer (1991) nos faz pensar e
divagar sobre essas diversas indagações: "De onde surgiram nossas concepções de uma
personalidade masculina ideal e de uma personalidade feminina ideal? As mulheres
possuem aquilo que se chamou de qualidades masculinas da consciência? E os homens as
qualidades ditas femininas? O que pode potencialmente acontecer se reconhecermos esses
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elementos aparentemente divergentes em uma única personalidade? Será que uma nova
alquimia poder consumar uma união ou reunião dos elementos contrários, em uma
conjunção capaz de gerar uma nova imagem norteadora para a humanidade? Qual seria a
natureza de uma imagem que abarcasse o par de contrários masculino/feminino na
consciência humana?”.
Outro momento em que o ser Andrógino surge é no livro "O banquete”. Platão
(1966) apresenta uma série de discursos sobre as qualidades e natureza do amor. Dentre
diversos discursos, encontramos o “Mito do Andrógino”.
Em seguida, Aristófanes descreve que, no início, a raça dos homens era diferente e
não como hoje. Não havia apenas os dois gêneros, homem e mulher, mas sim três. Esses
seres, que eram duplos de si mesmos, se dividiam da seguinte forma: o
masculino/masculino (homens), o feminino/feminino (mulheres) e o masculino/feminino
(andrógino). A criatura andrógina era muito poderosa, pois era a mistura das duas forças:
do homem (Sol) e da mulher (Terra). Possuía uma potência extraordinária e por sua
presunção e ambição queriam destronar Zeus, porém Zeus decide castigá-los e, para não
matá-los, divide-os exatamente ao meio, tornando-os mais fracos e menos orgulhosos.
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Desde que a natureza humana foi mutilada em duas, cada parte só ansiava por unir-
se a sua própria metade. No ardor de se fundirem, morriam de fome e de inércia, por nada
quererem fazer longe um do outro. Então Zeus, sensibilizado, resolve intervir. Conforme
Aristófanes segue:
Tomado de compaixão, Zeus consegue outro expediente, e lhes muda o sexo para frente - pois até
então eles o tinham para fora, e geravam e reproduziam não um no outro, mas na terra, como as
cigarras; pondo assim o sexo na frente deles fez com que através dele se processasse a geração um
no outro, o macho na fêmea, pelo seguinte, para que no enlace, se fosse um homem a encontrar
uma mulher, que ao mesmo tempo gerassem e se fosse constituindo a raça, mas se fosse um
homem com um homem, que pelo menos houvesse saciedade em seu convívio e pudessem
repousar, voltar ao trabalho e ocupar-se do resto da vida. E então de há tanto tempo que o amor de
um pelo outro está implantado nos homens, restaurador da nossa antiga natureza, em sua tentativa
de fazer um só de dois e de curar a natureza humana. Cada um de nós, portanto, é uma téssera
complementar de um homem, porque cortado como os linguados, de um só em dois; e procura
então cada um o seu próprio complemento. Por conseguinte, todos os homens que são um corte do
tipo comum, o que então se chamava andrógino, gostam de mulheres, e a maioria dos adultérios
provém deste tipo, assim como também todas as mulheres que gostam de homens e são adúlteras,
é deste tipo que provêm. Todas as mulheres que são o corte de uma mulher não dirige muito sua
atenção aos homens, mas antes estão voltadas para as mulheres e as amiguinhas provêm deste tipo.
E todos os que são corte de um macho perseguem o macho, e enquanto são crianças, como
cortículos do macho, gostam dos homens e se comprazem em deitar-se com os homens e a eles se
enlaçar, e são estes os melhores meninos e adolescentes, os de natural mais corajoso. Dizem
alguns, é verdade, que eles são despudorados, mas estão mentindo; pois não é por despudor que
fazem isso, mas por audácia, coragem e masculinidade, porque acolhem o que lhes é semelhante.
(PLATÃO, 1972, p.28-30)
Assim Aristófanes esclarece que aqueles que sofreram um “corte do andrógino” são
homens ou mulheres e procurarão sua metade em seu contrário, explicando assim o amor
heterossexual; mas aqueles que foram do “corte da mulher” ou “corte do homem”,
buscarão unir-se a seu semelhante e isso explicaria o amor homossexual.
Ele ainda complementa que quando estas metades se encontram, sentem as mais
extraordinárias sensações de intimidade, amor e amizade, não mais querendo se separar um
do outro, podendo passar a vida inconscientes do que os une. Platão (1972) finaliza “[...]
que é que quereis, ó homens, ter um do outro? [...] Porventura é isso que desejais, ficardes
no mesmo lugar o mais possível um para o outro, de modo que nem de noite nem de dia
vos separeis um do outro?”. Descobrir o que se quer um do outro é o grande enigma.
O Arquétipo do Duplo
alma gêmea, que se assemelha pela intimidade, amizade e carinho; é o espírito que encarna
o amor entre os seres humanos do mesmo sexo.
Como figura da alma, ele carrega uma forte tendência à homoafetividade, mas pode
ou não abranger o instinto sexual. Ele é também o responsável por fundir o destino de duas
pessoas em um só e serve como um agente mobilizador no indivíduo.
O duplo é um amigo espiritual de intenso calor e proximidade. O amor entre homens e entre
mulheres, enquanto experiência psíquica, está muitas vezes enraizado na projeção do duplo,
assim como anima/animus é projetada na forma de amor entre sexos diferentes. E como na
anima/animus, esse tipo de amor pode ocorrer dentro ou fora da busca heróica. Além disso, já
que duplo é uma figura da alma, o instinto sexual pode estar envolvido ou não. Isto é, o tema
do duplo pode incluir uma tendência para homossexualidade, mas ele não é necessariamente
um arquétipo homossexual. Em vez disso, o duplo corporifica o espírito do amor entre aqueles
do mesmo sexo. E o espírito do amor no duplo é o que eu vejo como o terreno de apoio do ego
(1976, p. 169, apud HOPCKE 1993, p.127-128)
Com relação ao lado sombrio do arquétipo do duplo, Walker (1994) diz que se esse
"companheiro espiritual" não é reconhecido, ele é repelido ao inconsciente e agregado à
sombra. Ocorreria algo semelhante a um homem que reprima sua feminilidade e fique tomado
por uma “anima negativa”. Ou seja, quando altamente inconsciente, ela assume sua função
destrutiva e sombria. No caso do homossexual, se o duplo é renegado, seguiria dinâmica
semelhante. Nessa situação, em que se mistura com a sombra, o companheiro reverte-se em
um inimigo, assim perde suas qualidades de guia para autorreflexão e torna-se um competidor
que ameaça um “outro pecaminoso”. Walker (1994) levanta que essa seria a raiz da
homofobia.
A percepção consciente do duplo e a possibilidade da existência de um “outro”, que
duplica a existência do sujeito, desdobrando o “eu” em mais de um, é que expande nossa
visão sobre a contraparte sexual na homossexualidade e enriquece a possibilidade de
entendermos as verdadeiras fontes de projeções nas relações homoafetivas.
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CONCLUSÃO
Essas forças, femininas e masculinas, vistas de forma mais fluída, como dualidades
psíquicas, estariam em maior ou menor grau de desenvolvimento dentro da personalidade
de cada indivíduo, desassociado da questão de gênero ou orientação sexual. Assim sendo, a
busca externa de sua contraparte, seria vista como uma jornada ímpar e individual, onde
cada qual, inconscientemente, buscará a parte que lhe falta. Essa seria a maneira de
encontrarmos nossa verdade e estarmos no caminho daquilo que nos tornará inteiros, assim
como o propõe o arquétipo do ser andrógino.
Segundo Stein (2006), Jung afirma que anima/animus é moldado mais pelo
arquétipo do que pelo consenso coletivo do tempo. Assim, a visão proposta, não é
exatamente contrária à teoria de Jung, mas simplesmente aconteceria desprendido do papel
sexual, gênero, identidade de gênero, uma vez que os mesmos mecanismos de projeção e
de busca de integração seriam mantidos.
homem e da feminilidade à mulher; e entende essas definições como algo ilusório no ponto
de vista psicológico:
A alma não segue esses contornos tão rígidos. Se, como ele supõe, se reconhecer que a
masculinidade e feminilidade podem ser encontradas tanto no homem como na mulher, então
‘parece ser inevitável e não confirmado pela experiência psicológica contemporânea de nossa
cultura esse confinamento dos conceitos de anima/animus a um só sexo’ (WHITMONT,
Anima 7, no.2:138, apud HOPCKE, p.129)
Já McKenzie (2006), sobre o papel sexual atrelado ao gênero, faz uma severa crítica à
teoria de animus/anima de Jung e defende que:
Gênero e identidade do gênero são muito mais complexos e fluidos, tanto em casais do mesmo
sexo quanto em casais de sexo oposto, do que qualquer modelo de união de opostos poderia
começar a descrever. A aparência relativa a um gênero nem sempre prevê o papel sexual sendo
interpretado entre os parceiros (McKENZIE, 2006, p. 409).
Stein (2006) também dá uma dica de que pode ser feita uma leitura de anima/animus
sem incluir qualquer menção de gênero. Isso me abriu a pensar que, dentro dessa realidade
arquetípica, o sexual pode ser visto de forma secundária, fazendo mais sentido pensá-la como
consequência e não como causa. Ele fala que podemos avaliar algo primeiro por sua
substância, pois "a essência de um objeto não é determinada por sua cor”.
Estamos falando de forças arquetípicas, que Jung descreve dotadas de energia e
iniciativa própria, fornecedoras de imagens simbólicas, que interferem nas situações com seus
impulsos e pensamentos intrínsecos. Então, me pergunto: será que essa força, acessível
igualmente a todos os seres humanos, poderia discriminar ou categorizar homens e mulheres?
Creio que anima/animus sejam instrumentos pelos quais todos deveriam penetrar nas
partes mais profundas de sua natureza psicológica e elevar a consciência. Em teoria, tem a
função de complementar a persona e vincular o ego à camada mais profunda da psique, ou
seja, à imagem e experiência do Si-mesmo; e devem funcionar como uma conexão, levando às
imagens do inconsciente coletivo, da mesma forma que a persona é um elo para o mundo.
Mas, para isso, precisamos de certo autoconhecimento, de um trabalho interior de
profundidade, de olhar para os porões recalcados de nossa parte sombria e absorver, aos
poucos, tudo aquilo que deixamos para trás, em prol de uma adaptação ao mundo exterior. É
parte do amadurecimento individual escolher seu caminho, ou então ficaremos sempre presos
na superfície da representação dos papéis sociais, identificados com a persona.
Jung dizia que no encontro do ego com anima/animus reside um rico potencial de
desenvolvimento psicológico, pois essa é a grande ponte para o Si-mesmo. Da união dos
opostos interiores, nasce o símbolo do Self.
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O amor, como lembra Aristófanes, é um presente dos deuses. É nessa relação que
se viabiliza o desenvolvimento da consciência. Esse processo não é algo que conquistamos
em isolamento, mas sim que aprendemos na relação com o outro e as consequentes
projeções. Conhecemos o "eu" com outro, que representa o “não eu” ou o “ainda não eu”.
“[...] então o garoto necessitou crescer e não poderia mais ser um menino. Ele precisou
transformar-se em uma menina e ficou aprisionado em uma caixa. Daphne Du Maurier
escreveu seus livros, namorou, casou, teve filhos e amantes. A vida era por vezes
maravilhosa e por vezes triste, mas somente quando ela achou Menabilly5 e lá viveu
sozinha, ocasionalmente ela abria essa caixa, permitindo que um fantasma, que não era
homem nem mulher, mas sim um espírito sem forma, dançasse na escuridão da noite,
onde não havia ninguém para notar” (DAPHNE, 2007, tradução nossa).
Que nossa expressão mais verdadeira jamais seja trancada em uma caixa para
sempre, senão seremos apenas fantasmas, perambulando na escuridão de uma vida cega e
sem propósito. Que o pensamento contemporâneo nos possibilite maior consciência e que
tenhamos uma visão mais aberta e humana. Podemos sim especular, mas a verdade é que
ninguém ainda foi capaz de compreender os mistérios das paixões. Esse talvez seja um dos
muitos enigmas da existência, onde tudo cumpre um designo e como Jung nos faz refletir
“[...] todas as coisas vivas tornam-se aquilo que, desde o principio, foram destinadas a ser”
(JUNG apud CLARKE, 1993, p. 205).
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nome da casa de campo onde Daphne Du Maurier morou
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REFERÊNCIAS
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DVD (90 min).
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