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Uma primeira versão deste artigo foi concluída em agosto de 1927. Ele
pode ser lido como um prolongamento da discussão tornada célebre no artigo
sobre a “Negação”, acerca dos diferentes mecanismos da negação e suas
consequências para a constituição subjetiva.
René Laforgue, um dos fundadores da Sociedade Psicanalítica de Paris,
havia publicado em 1926, também na Internationale Zeitschrift für
Psychoanalyse, um artigo intitulado “Recalcamento, escotomização e
transferência”, que suscitou um caloroso debate, por introduzir um
mecanismo específico, diferente do recalcamento, para descrever a
esquizofrenia, ao qual ele deu o nome de escotomização. Em carta a Eitingon,
de 13 de setembro de 1927, Freud reage vigorosamente a esse termo, que lhe
parece um neologismo besta (apud ASSOUN, 2009, p. 563). No entanto,
depois de uma visita de René Laforgue, Freud resolve acrescentar uma nota
que matiza a extensão de sua crítica ao conceito de escotomização, que não se
aplicaria à neurose. De toda forma, torna-se imprescindível delinear com
clareza o mecanismo de negação próprio às perversões, a Verleugnung. Se,
nos artigos de 1924, Freud ainda empregava esse termo para caracterizar
também a psicose (cf. Nota ao artigo “A perda de realidade na neurose e na
psicose”), agora, delimita seu escopo com relação ao complexo de castração
na perversão.
Não há como não lembrar que o termo alemão Fetisch deriva do
português feitiço, através do francês fétiche, registrado em 1605 com o
sentido de “sortilégio, amuleto”. Feitiço, por sua vez deriva do latim facticius
(artificial, fictício). No período colonial, os portugueses designavam com
essa palavra os objetos inanimados cultuados por povos africanos. O termo
foi difundido nas línguas europeias através do francês fétiche, sendo
reimportado para o português. Seu emprego com conotação sexual remonta,
na França, a Binet (Le Fétichisme dans l’amour, 1888), e, na Alemanha, a
Krafft-Ebing (Psychopathia Sexualis, 1886).
Um notável emprego clínico do conceito de Verleugnung foi feito por
Freud em seu estudo sobre Leonardo da Vinci (nesta coleção, no volume
Arte, literatura e os artistas, à p. 125).
Donald Winnicott, por sua vez, buscou mostrar que o fetiche seria uma
espécie de substituto coisificado dos “objetos transicionais”. Por seu turno,
Jacques Lacan também reivindica a concepção freudiana de fetiche como um
dos étimos epistemológicos de seu conceito de objeto a.
BINET, A. Le Fétichisme dans l’amour. Paris: Payot, 2001 • KRAFFT-
EBING, R. Psychopathia Sexualis. Trad. francesa de Laurent e Csapo. Paris:
Georges Carré Editeur, 1886 • LACAN, J. Autres écrits. Paris: Seuil, 2001
(Trad. bras. Outros escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003) •
LAFORGUE, R. Réfoulement, scotomisation et transfert. Internationale
Zeitschrift für Psychoanalyse, 1926 • WINNICOTT, D. W. Transitional
Objects and Transitional Phénomena. In: Collected Papers: through
Pediatrics to Psycho-Analysis. London: Tavistock, 1958, p. 120-146
NOTAS