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O PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS (D-E) E SEUS DERIVADOS:

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA, APLICAÇÕES EM CLÍNICA E PESQUISAS

Leila Salomão de La Plata Cury Tardivo1

Introdução

Esse texto tem como finalidade principal trazer dados sobre um instrumento de

avaliação de Personalidade bastante difundido em nosso meio, e outros que dele derivaram.

“Trata-se do Procedimento de Desenhos-Estórias, ou D-E, como é conhecido, foi

apresentado por Trinca em 1972, e difundido em 1976 com a publicação da obra

Investigação Clínica da Personalidade: O Desenho Livre como Estímulo de Apercepção

Temática”. Trata-se da “junção de processos vulgarizados no diagnóstico psicológico: de

um lado, o desenho livre como parte do conjunto das formas gráficas de expressão e, de

outro, o processo que envolve a verbalização de associações selecionadas com a percepção

de certos estímulos", conforme define Trinca (1976): p. 15. O procedimento utiliza

informações de técnicas temáticas e gráficas, e foi proposto para auxiliar no exame

psicodiagnóstico de sujeitos de ambos os sexos de 5 a 15 anos. Com o passar dos anos, seu

uso foi se ampliando e hoje é empregado em crianças de três anos até idosos; nas mais

distintas condições.

Essa técnica vê se desenvolvendo desenvolvimentos ao longo das ultimas décadas; o

que propiciou sua validação para uso na clínica, em muitas pesquisas; nos mais variados

campos da Psicologia; em distintos grupos de pessoas em diferentes condições. (Tardivo,

1996; 1997, 2001)

1
Professora Associada do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo
2

Trata-se de uma técnica de investigação clínica da personalidade que tem por base

os desenhos livres e o emprego do recurso de contar estórias, com o objetivo de obter

informações sobre a personalidade dos sujeitos em aspectos que não são facilmente

detectáveis pela entrevista psicológica nos moldes tradicionais.

O Procedimento de Desenhos-Estórias, juntamente com

outras técnicas de investigação psicanaliticamente

fundamentadas, como a Hora de Jogo Diagnóstica

(Aberastury, 1982) e o Jogo de Rabiscos (Winnicott, 1971),

ajudou a consolidar uma nova maneira de se conceber e

realizar o diagnóstico psicológico. Importante, acreditamos, é

sublinhar que o D-E veio se inserir no processo diagnóstico

de tipo compreensivo (Trinca, 1984),

O Psicodiagnóstico de tipo "compreensivo" busca encontrar um sentido para o

conjunto das informações disponíveis, tomar aquilo que é relevante e significativo na

personalidade, entrar empaticamente em contato emocional com alguém, e conhecer os

motivos profundos da vida emocional dessa pessoa. (Trinca ,1984, p.15),

Dessa forma, o D-E favorece a condução de uma exploração ampla da

personalidade ao por em relevo a dinâmica emocional dos processos inconscientes das

pessoas que a ele se submetem. O D-E é formado, basicamente, pela associação de

processos expressivos – representados por desenhos livres que servem para desencadear

relatos, ou seja, o desenho é o estímulo para a apercepção temática. (Trinca, e Tardivo,


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2000); com os relatos; ato de contar histórias, o que é considerado, assim, o elemento de

apercepão temática do instrumento..

Apercepção entendida aqui como postulado por Bellak, o autor do CAT (também tema

desse livro); que considera esse processo como a interpretação significativa que é feita pela

pessoa de uma percepção (Bellak; 1966). Diferentemente do CAT, no entanto, os estímulos

a serem percebidos são também resultados de projeção, uma vez que são produzidos pela

própria pessoa que deve contar a história

Para responder à tarefa solicitada num instrumento projetivo como o D-E, é

essencial que entrem em ação os aspectos da estruturação e integração do ego. (Tardivo,

1992 e 1998). Suas características principais se resumem no uso de associações livres por

parte da pessoa que o realiza; tem o objetivo de atingir aspectos inconscientes da

personalidade; se baseia no emprego de meios indiretos de expressão; compartilha com as

técnicas projetivas diversas recursos que são próprios dessas mesmas técnicas; ampliou as

possibilidades da observação livre; e tem relações com os processos da entrevista semi-

estruturada e não-estruturada (Trinca e Tardivo, 2000).

Fundamentação

Trinca (1997) e (Trinca e Tardivo, 2000) apresentam distintas proposições como

fundamentação do D-E. Assim, o indivíduo pode revelar suas disposições, esforços e

conflitos ao estruturar ou completar uma situação incompleta. Essa proposição é a que

sustenta todas as técnicas projetivas, em geral Pesquisas e experiência clinica vem

comprovando essa proposição (Grassano, 1986; Trinca, 1997).

A proposição que estabelece serem as associações livres dirigidas a aspectos em que

o indivíduo é emocionalmente mais sensível, tem diretas relações com a psicanálise assim
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como com o D-E, uma vez que a pessoa é deixada totalmente livre para desenhar o que

quiser e falar livremente a fim da dar conta da tarefa. Assim, a experiência mostra que,

dessa forma, o indivíduo tende a revelar e trazer seus impulsos, necessidades, conflitos,

desejos, temores, fantasias, etc.

Outra proposição relaciona-se com a tendência a surgir material tanto mais

significativo emocionalmente quanto menor for a estruturação e a direção do estímulo

apresentado. Esse aspecto, que embasa as técnicas projetivas em geral, está vinculado com

a proposição anterior, sendo que no caso do D-E é ainda maior a ambigüidade, uma vez que

o sujeito pode desenhar e depois falar livremente. Dessa forma, sem direção, espera-se que

aspectos mais significativos da pessoa possam surgir.

Com base na teoria das relações objetais, pode-se dizer que a resposta ao

instrumento projetivo é um objeto que deve ser (re) criado e nessa (re) criação entram em

ação todos os aspectos do ego, tanto conscientes, como, e principalmente, os inconscientes.

Essa colocação diz respeito à forma como o sujeito estabelece relações com a realidade

interna e externa, revelando, assim, o grau de estruturação do ego (Grassano; 1996).

Trinca (1972) afirmou quando propôs o D-E que crianças e adolescentes preferem

comunicar-se por desenhos e fantasias aperceptivas do que expressar-se por comunicações

verbais diretas. A experiência clínica de pesquisa de psicólogos vem mostrando que essa

proposição também se aplica a adultos, que mesmo sem continuar desenhando de forma

espontânea muitas vezes conseguem expressar melhor suas dificuldades dessa forma. O

autor (idem) afirmou que determinada seqüência reiterada de provas gráficas e temáticas

tende a produzir um fator ativador dos mecanismos e dinamismos da personalidade,

levando à maior profundidade e clareza na comunicação. Trinca (1972) percebeu que a


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reiteração do par desenho-estória conduz um processo unitário de comunicação, com início,

meio e fim; e concluiu que o número de cinco unidades era suficiente.

Alguns estudos e pesquisas com o D-E

De uso reconhecido em nossos meio, vários foram os propósitos com que já se

utilizou esse procedimento. Na obra de Trinca e colaboradores (1997) são citados trabalhos

realizados com método clínico e outros em que foi empregado o método quantitativo (e

estatístico). Nesses últimos dez anos, muitos outros trabalhos foram feitos, tendo esse

número crescido enormemente 2.

Como diz Amiralian (1997, p.177) as pesquisas não se voltam para mostrar o valor

do instrumento, mas para a obtenção dos dados que ele pode fornecer. Começando pelo

próprio idealizador do instrumento, Trinca (1972 e 1976): p. 103 a 104, atingiu o objetivo

de estudar o D-E sob o ponto de vista da obtenção de informações sobre dinamismos da

personalidade desajustada.

Realizou-se uma pesquisa com o D-E com a finalidade de apresentar estudos

normativos no meio da década de oitenta (Tardivo, 1985). Para esse estudo foi criado um

referencial de análise para o instrumento, o qual vem sendo usado em outros estudos e será

resumido mais adiante. (Tardivo, 1985; 1992 e 1998).

Apesar de ter sido proposto como técnica de diagnóstico de crianças, muitos estudos

foram feitos também com adultos, com resultados bastante significativos. Dessa forma, o

D-E tem sido objeto de diversas pesquisas, com sujeitos portadores de diferentes quadros

2
Muitos trabalhos com D-E estão apresentados no site www.desenhos-estórias.com, (acesso em 12

de dezembro de 2007).
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clínicos, tanto em adultos como com crianças. Podem ser citados os primeiros trabalhos

como o de Mestriner (1982) que estudou pacientes esquizofrênicos, Al'osta, (1984) que

estudou, por meio de método quantitativo, pacientes psicóticos, maníaco-depressivos

hospitalizados; Barbosa, (1989) que o empregou em pacientes com câncer de mama; e

outros como Amiralian (1992) fez um estudo clínico muito criativo usando o Procedimento

de Desenhos-Estórias em sujeitos cegos.

Muitos estudos vêm sendo feitos com o emprego do D-E em psicodiagnóstico

compreensivo (Trinca, 1984) em crianças com diferentes condições: com deficiência

auditiva (Tardivo, 1998); provenientes de baixo nível sócio econômico cultural (Kiil e

Tardivo, 2001), vivendo em abrigos (Tardivo e Leoncio, 2003; Tardivo et al, 2004 a); e

portadoras de vitiligo (Tardivo; Vidille e Steiner, 2003).

Outros trabalhos mais atuais com o D-E em consultas terapêuticas e psicoterapia

breve podem ser citados, como o de Amiralian (1997) que empregou o D-E como terapia

analítica breve. Na preparação de procedimentos invasivos, como em odontopediatria

(Tardivo e Oliveira, 2003) e antes de atos cirúrgicos (Trinca, A M , 2002). Pode-se citar

trabalhos com adolescentes infratores (Tardivo; Oliveira, e Vaisberg., 2003 e Saes, 2003).

Pode-se ainda mencionar estudos nessa mesma linha, que enfocam a intervenção,

clínica, com o D-E ou os instrumentos derivados: com casais com infertilidade (Montagnini

e Tardivo, 2001); na apresentação de um caso clínico (Tardivo, 2003); ou ainda com jovens

indígenas aculturados (Tardivo, 2004 e 2007).

Vem sendo também realizados estudos em outras áreas além da clínica, como no

psicodiagnóstico psicopedagógico (Barone e Trinca, 1984) entre outros.

TÉCNICA DE APLICAÇÃO
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Trinca (1997) propõe que a aplicação seja individual, sendo solicitado a quem

participe que realize um desenho livre, com lápis preto e coloridos (os 12 lápis de cor e o

lápis grafite devem ser espalhados aleatoriamente sobre a mesa). Ao terminar o desenho, o

psicólogo solicita a quem participa que conte uma estória3 sobre o desenho que realizou. O

examinador procede a um inquérito para obter alguns esclarecimentos ou ainda novas

associações, sendo finalmente solicitado um título ao material produzido: estória e

desenho. Esses quatro aspectos compõem o que Trinca (1972, 1987) denominou uma

unidade de produção, sendo que a aplicação completa prevê que se alcance até cinco

unidades de produção em no máximo duas sessões de aplicação.

FORMAS DE AVALIAÇÃO

O D-E é uma técnica que permite diversas maneiras de avaliação. Como análise de

conteúdo, com fundamentação psicanalítica pode-se mencionar tanto em diversas pesquisas

realizadas, como os de Gimenez, Flores, Silva Brito, Trinca e outros citados por Tardivo

(1997) como na clínica o uso de um método chamado de "livre inspeção do material". Essa

forma de avaliação se baseia numa análise "globalística", ou seja, toma-se contato com o

conjunto da produção - desenho, estória, associações, sendo assim levantados aspectos

referentes à natureza dos impulsos, das ansiedades predominantes, da natureza dos vínculos

mais significativos, das defesas mais utilizadas e dos conflitos entre outros aspectos. Pode-

se mencionar aqui a riqueza do método, mas, ao mesmo tempo, o risco que se corre ao

utilizá-lo, especialmente, se o profissional ainda não dispõe de muita experiência.Além

3
O termo estória proposto por Trinca (1972) para nomear o Procedimento, em função do termo se referir a
conto, na época; vem sendo mantido, apesar de não mais ser empregado. Segundo Aurélio o termo correto é
história
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disso, seu uso torna mais difícil as generalizações que são necessárias em estudos mais

amplos...

Dada a riqueza do material que surge a partir do Procedimento, há a possibilidade

de se realizar uma análise dos aspectos "formais ou estruturais". Algumas pesquisas se

utilizaram desse método, como complementar ou mesmo principal, entre as quais a de

Moreno, Mestriner, na observação dos desenhos dos pacientes citados por Tardivo, (1997)

e em trabalho sobre estudos normativos com crianças (Tardivo, 1985) e outros.

Nesse caso, a ênfase é colocada nos aspectos dos desenhos, como, localização,

qualidades do grafismo, temas predominantes, uso das cores, com seu significado etc., e

também na qualidade da verbalização, adequação ao nível evolutivo do sujeito, grau de

coerência entre o desenho, estória e título, entre outros aspectos. Através dessa análise

pode-se avaliar o grau de organização das funções egóicas, como pensamento, raciocínio,

memória, logicidade, estruturação temporal. Sugere-se que essa análise possa ser usada

junto da interpretação do conteúdo, uma vez que ambas podem se complementar (tardivo,

1985 e 1997)..

REFERENCIAL DE TARDIVO

Passando a descrever a análise de conteúdo, a partir de referenciais, pode-se iniciar

o trabalho de Trinca (1976), que apresentou o Procedimento e propôs um referencial de

análise elaborado a partir da redução das respostas de cinqüenta e três sujeitos que

compunham a amostra de sua pesquisa, que tinham de cinco a quinze anos, atendidos em

clínica psicológica em diagnóstico. Tal referencial se compõe por dez áreas ou categorias e

são: Atitude Básica, Figuras Significativas, Sentimentos Expressos, Tendências e Desejos,


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Impulsos, Ansiedades, Mecanismos de Defesa, Sintomas Expressos, Simbolismos

Apresentados, Outras áreas de Experiência (Trinca, 1972, 1976 e 1987).

O estudo normativo desenvolvido por Tardivo (1985) teve por propósito o

estabelecimento de normas para a avaliação do Procedimento de Desenhos-Estórias (D-E),

tendo sido aplicado individualmente em uma amostra de oitenta sujeitos, de Escolas da

Rede de Ensino Público e Particular da Cidade de São Paulo, tendo de cinco a oito anos,

distribuídos igualmente pelas faixas etárias e sexo e pelos níveis de escolaridade

compatíveis com a idade. Os resultados permitiram compor um Referencial de Análise do

D-E a partir da proposta original de Trinca (1972). O novo referencial, organizado em oito

grupos e trinta e três traços (Tardivo, 1985 e 1997; Trinca e Tardivo, 2000) é resumido a

seguir:

GRUPO I - ATITUDE BÁSICA (traços de 1 a 5):

1. Aceitação - estão incluídas nesse traço as necessidades e preocupações com

aceitação, êxito, crescimento e as atitudes de segurança; 2. Oposição - atitudes de

oposição, desprezo, hostilidade, competição, negativismo etc.; 3. Insegurança - inclui

as necessidades de proteção, abrigo e ajuda; as atitudes de submissão, inibição,

isolamento, bloqueio e as atitudes de insegurança; 4. Identificação Positiva -

sentimentos de auto-valorização, auto-imagem e auto conceito reais e positivos; busca

de identidade e identificação com o próprio sexo; 5. Identificação Negativa - este traço

se opõe ao traço 4 e refere-se aos sentimentos de menor valia, menor capacidade,

menor importância e identificação com o outro sexo.

GRUPO II - FIGURAS SIGNIFICATIVAS (traços de 6 a 11):


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6. Figura Materna Positiva - mãe sentida como presente, gratificante, boa, afetiva,

protetora, facilitadora (objeto bom); 7. Figura Materna Negativa - mãe vivida como

ausente, omissa, rejeitadora, ameaçadora, controladora, exploradora (objeto mau); 8.

Figura Paterna Positiva - sentida como próxima, presente, gratificante, afetiva e

protetora; 9. Figura Paterna Negativa - semelhante ao traço 7, nesse caso em relação

ao pai; 10. Figura Fraterna e/ou Outras figuras Positivas - aspectos de relacionamento

com irmãos e/ou com outros iguais (companheiros, amigos etc.); ou seja, cooperação,

colaboração etc.; 11. Figura Fraterna e/ou Outras figuras Negativas - aspectos

negativos do relacionamento: competição, rivalidade, conflito, inveja, etc.

GRUPO III - SENTIMENTOS EXPRESSOS (traços 12 a 14)4:

12. Sentimentos Derivados do Instinto de Vida - são aqueles de tipo construtivo:

alegria, amor, energia instintiva e sexual; 13. Sentimentos Derivados do Instinto de

Morte - são aqueles de tipo destrutivo: ódio, raiva, inveja, ciúme persecutório; 14.

Sentimentos Derivados do Conflito - são sentimentos ambivalentes, que surgem da

luta entre os Instintos de Vida e de Morte; ou seja, sentimentos de culpa, medos de

perda, de abandono, sentimentos de solidão, de tristeza, de desproteção, ciúme

depressivo e outros.

GRUPO IV - TENDÊNCIAS E DESEJOS (traços 15 a 17):

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Para a reunião desses sentimentos em três traços (Tardivo, 1985 e 1997) tomou-se por base a teoria da
polaridade inata dos instintos e das posições proposta por M Klein, a qual pressupõe toda uma organização da
personalidade na posição esquizo paranóide, na posição depressiva e nas possibilidades de passagem de uma
a outra ( Klien, 1982).
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15. Necessidades de Suprir Faltas Básicas - estão incluídas as mais primárias, como

desejo de proteção e abrigo; necessidades de compreensão, de ser contido, de ser

cuidado com afeto; necessidades orais etc.; 16. Tendências Destrutivas - inserem-se

aqui as mais hostis, como desejo de vingança, de atacar, de destruir, de separar os

pais; 17. Tendências Construtivas - são as mais evoluídas, como necessidades de cura,

de aquisição, de realização e autonomia, de liberdade e crescimento.

GRUPO V - IMPULSOS (traços 18 e 19):5

18. Amorosos; 19. Destrutivos.

GRUPO VI - ANSIEDADES (traços 20 e 21)6:

20. Paranóides; 21. Depressivas.

GRUPO VII - MECANISMOS DE DEFESA (traços 22 a 33):

22. Cisão; 23. Projeção; 24. Repressão; 25. Negação/Anulação; 26. Repressão ou

Fixação a Estágios Primitivos; 27. Racionalização; 28. Isolamento; 29. Deslocamento;

30. Idealização; 31. Sublimação; 32. Formação Reativa; 33. Negação Maníaca ou

Onipotente.

O DESENHO DE FAMÍLIAS COM ESTÓRIAS (DF-E)

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A proposta do tipo de ansiedades segue diretamente o referencial original de Trinca (1972) , baseado na
teoria kleiniana (Klein, 1982)
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Também os impulsos recebem as denominações usadas por Trinca em seu referencial (1972), sendo
baseados nas concepções advindas da obra de M.Klein (1982)
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Trinca (1989) apresentou o Procedimento de Desenhos de Famílias com Estórias

(abreviadamente DF-E), originado do D-E, o qual também apresenta aspectos derivados das

técnicas gráficas e temáticas, com relações com a técnica de desenhos de família. O DF - E

é composto por quatro unidades de produção: realizadas pelo sujeito em aplicações

individuais atendendo às instruções: 1) “Desenhe uma família qualquer”; 2) "Desenhe uma

família que você gostaria de ter”; 3) “Desenhe uma família em que alguém não está bem”; e

4) “Desenhe a sua família”.

Da mesma forma, que no D-E, depois de cada desenho é solicitado ao examinando

que conte livremente uma estória, tomando por base o desenho. Faz-se, a seguir, o

“inquérito” e, finalmente, pede-se o título da produção. O DF-E tem por finalidade

conhecer e compreender aspectos e conteúdos psíquicos de natureza consciente e

inconsciente, relacionados aos objetos internos e externos que dizem respeito à dinâmica da

família.

A fundamentação do Procedimento de Desenhos de Famílias com Estórias segue a

do D-E; além de incluir conhecimentos acerca da dinâmica familiar. Para avaliação, Trinca

(1997) sugere que se leve em consideração alguns aspectos relevantes, entre os quais:

características peculiares das figuras paterna e ou materna; tipos de vínculo e formas de

interação com as figuras parentais; trocas sexuais e afetivas entre as figuras parentais;

relacionamentos com figuras fraternas e outras figuras do meio familiar; determinantes da

estrutura e da dinâmica familiar; forças psicopatológicas e psicopatogênicas existentes na

família; eventos familiares reveladores de conflitos e dificuldades; pontos centralizados de

conflitos e dificuldades no examinando; descrição que o examinado faz de si próprio;

atitudes para com a vida e a sociedade; tendências, necessidades e desejos; tonalidades das

angústias e das fantasias inconscientes predominantes; características das forças de vida e


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de destrutividade; mecanismos de defesa; fatores de aquisição da individualidade e de

integração do self; outras áreas de experiência emocional.

Lima (1997) fez diversos estudos e apresentou também uma contribuição sobre a

avaliação do DF-E. Esse instrumento tem se mostrado muito útil e válido no

psicodiagnóstico individual e de casal, na utilização cruzada entra a criança e os pais e na

avaliação da dinâmica da família como um todo. Tem também sido empregado em

processos interventivos de casais (Montagnini e Tardivo, 2001);e famílias (Karacristo e

Tardivo, 2007) .

ILUSTRAÇÃO CLÍNICA

Será inserida uma ilustração clínica, resumindo um estudo de caso , onde foram

aplicados os Procedimentos de Desenhos-Estórias (D-E) e de Famílias com Estórias (DF-

E).

Trata-se de Daniel7, um menino de 10 anos e meio que vinha apresentando na

ocasião do atendimento fortes sintomas fóbicos. Vinha sentindo-se mal em vários lugares, e

às vezes em casa também. Ele mesmo diz na primeira entrevista que sente vontade de fugir,

de sair de onde está quando se sente mal.

Os pais contam e ele reafirma que anteriormente não sentia medo, e conseguia ficar

em casa com o irmão, uma vez que os pais trabalham Em função de seu estado no

momento, uma tia vem ficar com os meninos no período que não estão na escola. Pode-se

ainda mencionar outros dados relevantes obtidos nas entrevistas: os pais exigem muito dele

na escola, embora Daniel sempre tenha apresentado bom desempenho; apresentou um


7
Nome fictício e dados alterados de forma a impedir a identificação do paciente atendido em Serviço, tendo
os pais assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (permitindo a divulgação de material para
fins acadêmicos e científicos).
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desenvolvimento adequado, tendo inclusive, demonstrado certa precocidade (na aquisição

da linguagem e na aprendizagem da leitura e escrita).

Nas entrevistas, a mãe se apresenta muito angustiada com a situação do filho e

chora; dizendo não saber o que fazer. O pai diz que fez várias tentativas: durante as crises

do filho, se apresentou mais carinhoso, e outras vezes o repreendeu. O pai diz se sentir

incomodado com os sintomas do filho: os medo, enjôo, dificuldades de engolir, etc.

O pai teve um período sem emprego e revela medo de não poder cuidar dos filhos e

da casa. Tem medo de morrer, após ter sofrido algumas enfermidades sem gravidade, tendo

já expresso esse medo em casa. A mãe conta esse fato, condenando a atitude do pai, o qual

admite que não devia ter falado desse medo, em especial, na frente de Daniel.

PROCEDIMENTO DE DESENHOS-ESTÓRIAS (D-E)

1ª Unidade de produção

Estória

É uma foto dos pokemons; que é a abreviatura em inglês de monstros de bolsos; eles são

guardados numa bolinha. Tem de vários tipos: parecidos com animais, com plantas, com
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estrela do mar. Quem captura um, ganha uma insígnia, são oito insígnias. Os pokemos

são o melhor amigo do homem. Dizem que é o cachorro, mas na minha estória e no

desenho é o pokemon ; E o mais forte e o mais amigo é o Picachu. Não sei desenhar o

picachu; e tem a história do menino que tem o picachu. (fale sobre o menino) O menino é

amigo do Picachu. Tem muitos pokemons.

Título: Pokemon

2ª Unidade

Estória

Eu inventei; ele se chama André. Estava quente; o dia de muito sol e André resolveu sair

de casa por causa do calor. Ele foi só pegar uma onda na praia perto da casa dele. Mas

ele tinha de ir a pé; ele não podia dirigir porque ele não tem 18 anos. Demorou mais de

meia hora para chegar. Ele entrou lá n fundo, quase além do horizonte, para pegar uma

onda boa. A onda era tão grande que levou ele muito rápido e a prancha dele quebrou. (e

ele?) A prancha custou R$ 500,00; ele tinha comprado com a mesada que ele juntou por

três meses. (ele?) Ele ficou bem, mas muito triste por causa da prancha resolveu fazer

outro esporte Quando chegou em casa, o pai dele ficou muito bravo; ele devia ter
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examinado e avaliado melhor a prancha; a mãe não falou nada (como ele se sentiu?) Pra

ele tudo bem. O pai dele mandou ele fazer um esporte mais leve, que custasse menos

dinheiro.

Título: O surfista

3ª Unidade

Esse carinha só pensa em formar uma banda, fazer muito sucesso e ganhar muito dinheiro.

Ele chama dois amigos, um ara a bateria e outro para o baixo. Ele toca e canta e a banda

dele se chama “Os Máximos” (fale um pouco dele e dos amigos) Todos tem 12 anos. Ele

gosta de futebol e vai na escola (como é na escola?) Ele vai bem. (e o que mais?) Ele tem

um irmão mais novo e os pais são pessoas normais. Ele quer se tornar mais famoso e

ganhar muito.

Título: O Sonho
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4ª Unidade

Aqui era um menino e o pai dele. O pai está contando como era a vida antigamente: não

tinha lixo, poluição, tinha mais árvores, mais nuvens brancas. (e o filho?) O filho se

espanta, né? Ele queria viver num paraíso desses. E acabou. (e o que vai acontecer?) O pai

diz que vai ser muito difícil encontrar um lugar assim parta viver. E vai depender dos

homens. Os homens que estragaram tudo vão ter de resolver. (e o que você acha?) Se os

homens quiserem ter saúde, vão ter de plantar mais arvores.

Título: Em busca de um futuro melhor


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5ª - Unidade

Uma pessoa estava na rua e viu no céu uma coisa diferente; tinha a forma de um avião. E

o outro disse não é avião. É o superman voando. E o terceiro disse, vocês não sabem o que

é aquilo? É um besouro e aí veio uma pessoa com um binóculo (desenha) e diz: Não é

nada disso. È uma galinha voadora (ele ri). Esse quarto aqui era um cientista que estava

Tentando inventar um jato que fizesse o homem voar. E a galinha testava os experimentos

dele. Mas ela estava cansada disso. O invento está dando certo, a galinha está voando e

ele estava indo atrás dela. E ela acabou caindo numa fazenda cheia de galos (ele ri) ela

queria os galos, ela queria namorar. (e como vai terminar?) Ele vai entender e deixar a

galinha lá na fazenda ele vai continuar com os experimentos dele, só que com outros

animais como cobaia.

Título: A galinha voadora


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Observações a partir do Referencial de Análise de Tardivo:

Atitudes Básicas:

De forma geral predominam em Daniel atitudes básicas de aceitação e de

identificação positiva. Pode-se observar pelo conjunto das cinco unidades que Daniel

parece se aceitar e lidar bem consigo e com sua vida. Por outro lado é possível identificar

uma certa pressão para um crescimento prematuro, onde ele tem de dar conta de situações

para as quais não tema inda condições, como ganhar a vida e sustentar a família. Precisa

dar conta de situações para as quais não está habilitado em função de sua idade (como

selecionar melhor a prancha de surf, comprar coisas com sua mesada, ter sucesso e ganhar

dinheiro com sua banda, etc.)

Figuras Significativas

Daniel se refere ao pai, como uma figura positiva (que traz elementos bons do

passado), mas também negativa (que exige e cobra muito dele). A figura materna aparece

muito pouco e é bastante fragilizada, sem condições de lidar e agir em muitas situações. Ele

sente necessidade de ser acolhido e contido pelos pais. Por outro lado, Daniel traz relações

muito positivas com o irmão, amigos e colegas.

Sentimentos Expressos
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Daniel expressa mais sentimentos derivados do instinto de vida (alegria, amor,

desejo sexual), mas também são presentes os derivados do conflito (ambivalência,

arrependimento, culpa depressiva).

Tendências e Desejos

Predominam tendências construtivas (quer crescer ter sucesso, vencer na vida) e

necessidades de suprir faltas básicas (necessita de cuidados dos pais).

Impulsos: Predominam impulsos amorosos

Ansiedades: Depressivas

Mecanismos de Defesa: Ele usa muita racionalização, repressão, sublimação; ou seja,

Daniel denota mecanismos de defesa evoluídos.

DESENHO DE FAMÍLIAS COM ESTÓRIAS (DF-E)

1 – Uma família qualquer


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A mãe, o pai e o filhinho bebê. (você poderia falar mais sobre eles?) Antes a mãe

trabalhava, mas agora como o bebê nasceu ela vai parar de trabalhar e vai ficar cuidado

do bebê em casa. (Como é a vida deles ?) O casal se dá bem. O pai trabalha fora. O bebê

não dá trabalho, ele não chora noite.

Título: Não sei... Não sei

2ª Unidade – Uma família que você gostaria de ter

Os pais deixam o filho. Eles topam tudo. Se quer andar de skate pode, se quer jogar futebol

pode. Mas também tem de estudar. E ele ganha mesada. Não é muito, mas dá pra o que ele

precisa. A mãe só faz coisas gostosas que ele gosta e o filho está andando de skate. A mãe

o par tão falando para ele voltar antes da hora do jantar. A mãe estava fazendo

hambúrguer pra ele.

Título: A família mais bacana do mundo

3ª Unidade – Uma Família em que alguém não está bem


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O menino está feliz quando está brincando. mas quando chega a hora de comer, ficam

falando: Come! Come!Os pais queriam ir no restaurante, mas ele não queria. Ele não

queria ficar em casa, porque ele tinha medo. Ele pede para os pais ficarem com ele. A mãe

sugeriu pedir comida pelo telefone. Ele está com telefone e o pai com o folheto

Título: A briga pela comida (ri) quer dizer. A briga por causa da comida

4ª Unidade: A sua família


23

Eu meu pai, minha mãe e meu irmão. A gente ia viajar. A gente chegou ao ônibus de

metrô. Porque meu pai não queria pegar trânsito, indo de carro. Aí eu e meu irmão fomos

na frente para ver qual era o nosso ônibus. A minha mãe perguntou qual era o ônibus, e

eu, meu irmão e meu pai mostramos para ela (fale um pouco sobre essa viagem) a gente ia

para a praia. A gente gosta muito da viagem e quer voltar de novo.

Título: A família mais legal do mundo; aquela foi inventada.

Observações

As dificuldades de Daniel se evidenciam de forma mais clara no DF-E, o que deve

sugerir as relações de seus sintomas com a dinâmica familiar. Ou seja, Daniel expressa suas

dificuldades em sair de casa, o medo de ficar só, a dificuldade de se alimentar e a

necessidade de contar mais com os pais, como continentes para suas angústias.

A mãe é uma figura que se apresenta para ele como fragilizada; como foi observado

nas entrevistas. Daniel se ressente da ausência dela, denotando muita necessidade de contar
24

mais com ela e seu apoio. Também se evidencia quanto o menino se ressente da pressão

que sente e se vê na necessidade de assumir papéis e funções para os quais não está

preparado, como se observou no D-E. Pode-se por aí compreender seus sintomas fóbicos,

como manifestação desse sofrimento e dessa pressão.

Daniel tem uma estrutura de personalidade evoluída, predominando aspectos

depressivos, com desejo de crescimento, e os sintomas podem ser entendidos como um

pedido de ajuda. Ele foi encaminhado para a psicoterapia e obteve muito desenvolvimento

nesse processo. Os pais também foram encaminhados para um trabalho paralelo, para poder

lidar com suas próprias dificuldades e assim conseguir lidar melhor com o filho.

Evidenciou-se, por todo o material, os muitos recursos e possibilidades de Daniel, e ao

mesmo tempo, foi possível observar a utilidade dos Procedimentos D-E e DF-E na

expressão e comunicação das dificuldades, necessidades e dos recursos desse garoto

O PROCEDIMENTO DE DESENHOS COM TEMA

O Procedimento de Desenhos com Tema também conhecido como Procedimento de

Desenhos Temáticos, derivado do D-E, está descrito em Tardivo (2007; pp. 51 - 61); sendo

a seguir apresentado um resumo dessas colocações.

Assim, pode-se apresentar o Procedimento de Desenhos com Tema como uma

extensão e derivado do D-E, útil para estudos específicos de determinados temas, propostos

de maneira explícita, podendo ser aplicado coletivamente.

O Procedimento de Desenhos com Tema foi proposto por Vaisberg (1997) que o

considera muito interessante para o estudo das representações sociais. Ela costuma fazer a

aplicação em grupo, pedindo aos sujeitos para criarem uma estória, que eles mesmos
25

registram no verso da folha desenhada. Esse instrumento favorece nas palavras de Vaisberg

(idem.):

O campo estruturante das representações sociais,

para a partir disto ser possível a concepção de

intervenções pertinentes de acordo com o paradigma

clínico (p. 256).

Esse instrumento vem sendo usado em trabalhos dessa natureza em outros contextos

e situações em distintas pesquisas (Martão e Tardivo, 2001;) entre outras. Vaisberg (1997)

desenvolveu muitos trabalhos a respeito das concepções sobre o doente mental, tendo sido

esse o tema de sua tese de Livre Docência. Sobre o mesmo tema outros estudos foram

realizados com estudantes de psicologia (Gil e Tardivo, 2006) e com profissionais da área

da deficiência mental (Tardivo, 2007)

A finalidade principal do Procedimento de Desenhos com Tema não é o de se

realizar Psicodiagnóstico, mais amplo e abrangente, como o D-E permite, sendo essa uma

diferença importante entre ambos. O instrumento favorece a compreensão de como uma

pessoa em seu grupo significa determinada conduta ou situação que pode, ser fonte ou

contribuir muito para o sofrimento. A referida conduta ou situação: ter uma enfermidade

orgânica, mental, ter um filho com alguma dificuldade, trabalhar em alguma situação,

pode , na verdade, ser, por intermédio desse instrumento, objeto de estudo e base para

intervenção.

A proposta é muito simples: pede-se ao grupo que faça um desenho sobre

determinado tema (usando lápis preto e folha sulfite), em seguida se solicita a estória que a

própria pessoa pode escrever no verso da folha. O material é apreendido em sua totalidade e

assim compreendido. Dessa forma, o Procedimento de Desenhos com Tema tem a ver com
26

o gesto espontâneo e verdadeiro que fundamenta uma clinica, a qual pode ser apresentada

sem substituir outras formas de intervenção, mas que se configura como uma real

possibilidade. Nesse sentido, a base que sustenta esse emprego do Procedimento de

Desenhos com Tema deriva da concepção de Winnicott de Consultas Terapêuticas (1945 -

1984 ).

O Procedimento de Desenhos com Tema pode assim se constituir em instrumento

mediador no contato terapêutico que se estabelece, além de fornecer também importantes

informações sobre as situações que os seres humanos vivem (Vaiberg, 1997; Tardivo, 2004

e 2007).

Como exemplo será inserida uma aplicação do Procedimento de Desenhos com

Tema em adolescentes infratores (Tardivo 2004) 8, tendo sido selecionado um deles.

PROCEDIMENTO DE DESENHOS ESTÓRIAS COM TEMA

O material apresentado foi produzido por Fabio9, um jovem de quinze anos que foi

apreendido por tráfico. Ele residia com a mãe, o padrasto e 3 irmãos mais velhos, sendo

que primogênito cumpre pena em penitenciária, e o relacionamento familiar é muito

comprometido, com muitas brigas e agressões, conforme ele mesmo relata.

Ele conta que o padrasto e os dois irmãos que residem na casa trabalham, mas

passam por muitas dificuldades. Encontra-se cursando a sexta série do ensino fundamental,

8
Esse material fez parte de um dos capítulos da tese de Livre Docência (Tardivo, 2004), tendo sido tema de
outra publicações (Tardivo e Saes, ). A psicóloga Danuza Sgobbi Saes contribuiu com esse material,
atendendo com muita sensibilidade a esses jovens. O material foi aplicado com todas as permissões
necessárias (na FEBEM de São Paulo, hoje Fundação Casa), incluindo o consentimento dos jovens.
9
O nome é fictício e alguns dados foram omitidos e ou alterados de forma a manter o sigilo, se buscando
garantir que se conheça os dados da dura realidade e vida desse jovem e outros que vivem a mesma condição
27

mesmo na instituição, e começou a trabalhar com 9 anos como engraxate, e, antes de ser

apreendido trabalhava como vendedor ambulante. Conta que usa crack, cocaína e

maconha desde os 11 anos de idade.

Ele diz , enquanto realiza o desenho, que se sente como uma árvore morta e que não

tem nada de bom. Diz à psicóloga que gostaria de arrumar um emprego fixo e ganhar a

vida honestamente. Conta que começou a traficar para a família não passar necessidade e

não conseguiu mais parar, num tom muoto triste.

Ao lhe ser pedido que associasse (contando uma estória ou dizendo o que lhe ocorresse) ao

desenho, ele diz:

Jamais viverá sozinho. Só tem uma árvore. Essa árvore sou eu. Não quis saber das árvores

boas e pouco a pouco eu fui morrendo. Agora estou aqui sozinho, sem nenhum amigo para

dar uma força. Ninguém para aguar, para renovar, virar uma árvore nova Tem que

procurar se enturmar com árvores que dê frutos bons. Para que não morra tão feia desse

jeito e tão rápida


28

Observações:

Fabio demonstrou muita angústia e tristeza em toda a entrevista e no material. A

psicóloga procurou criar um clima de continência para esse jovem. Buscou aceitá-lo e a

esse sentimento de se identificar tão fortemente com uma árvore morta. Porém ele mesmo

abriu uma possibilidade quando fala que precisa se encontrar com outras árvores, que

possam dar frutos e não morrer. Pode-e pensar que o encontro coma psicóloga disponível

naquele momento pode ser compreendido como uma “árvore viva”. Mesmo se sentindo tão

sozinho e invadido por sentimentos de desvalia e depressão, Fabio acena com uma

possibilidade de vida. O Procedimento de Desenhos com Tema expressou muito

intensamente a dor e o sofrimento desse jovem e ao mesmo tempo, pôde ser empregado

numa consulta terapêutica, onde esses sentimentos foram contidos e a esperança

estimulada.

**********

Como conclusão, sem haver esgotado tema tão amplo, foram apresentados nesse

capítulo, alguns dados sobre o Procedimento de Desenhos-Estórias e instrumentos

derivados: O Procedimento de Desenhos de Famílias com Estórias e o Procedimento de

Desenhos com Tema.

Um grande número de pesquisas quantitativas e qualitativas e a experiência clínica

de muitos psicólogos vem mostrando que o Procedimento de Desenhos-Estórias, o

Procedimento de Desenhos de Famílias com Estórias (Trinca, 1997) e o Procedimento de

Desenhos com Tema vem se constituindo em instrumentos extremamente úteis no

conhecimento, no ser e no fazer do psicólogo em nosso meio (Tardivo, 2007).


29

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