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Um século de crise em psicologia: a dificuldade de uma abordagem


materialista des significações

BRONCKART, Jean-Paul

Reference
BRONCKART, Jean-Paul. Um século de crise em psicologia: a dificuldade de uma abordagem
materialista des significações. In: J.-P. Bronckart & E. Bulea Bronckart. As unidades
semióticas em ação. Estudos linguísticos e didáticos na perspectiva do
interacionismo sociodiscursivo. Campinas : Mercado de Letras, 2017. p. 19-36

Available at:
http://archive-ouverte.unige.ch/unige:109166

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Jeon-Poul Bronckurl
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DIDATICOS NA PERSPEfiIVA DO

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E[Ëne Gouvêo Lousodo
Luzio Bueno
Ano Morio de Mottos Guimoroes
UM t0 DE RISE tM PSI(0LOG|A:A DIF|(UIDADE DE

UMA AB0RDAGEM MATERTAilSTA DAS StG1'lIFtCAç0ES,

Jean-PauL Bronckart

A onûlise vygotskiono do crise

A râ que queria ser do tamanho do boi

Na obra O sig:nificado histârico d.a crtse da psicologia


(7927120701 - A crise), Vygotski tinha proposro um
diagn6stico da situaçâo da disciplina, sobre o gual o titulo
da fâbula, acima referida, ilustra a ideia geral. porém, para
o autor, tratava-se, na verdade, de vârias ,,râs"vorazes, que
estavam em uma competiçâo feroz na arena psicolôgica do
primeiro guarto do século )O(.

7. Ediçâo original: Bronckart, Jean-paul (2012). "Vn siècle de crise:


de la difficulté d' une approche matérialiste des significations',, rn:
Yves Clot (ed.) Wgotskimainrenanr. paris: La Dispute, pp,I77_I34.
ïladuzido com a autorizaçâo da editora La Dispute. TÏaduçâo de
Luzia Bueno.

Série ldeias Sobre Linguagem 19


Sua anâlise abordava a evoluçâo recente das
principais escolas da época - sendo estas: a reflexologia;
a Gestalt; o personalismo (de Stern) e a psicanâlise; e
frisava que cada uma delas estava engajada no mesmo
processo de apoderar-se da disciplina na sua totalidade,
pela extensâo progressiva do escopo dos seus pr6prios
conceitos e dos principios explicativos a eles associados.
Em um primeiro momento de nascimento de uma escola,
um fato novo é descoberto em uma ârea delimitada, ele é
conceitualizado e, como conceito, é inserido em um quadro
interpretativo circunscrito; em uma segunda fase, essa
l6gica interpretativa é projetada sobre fatos que pertencem
a âreas cognatas; depois, nas fases posteriores,essa mesma
l6gica tende a estender-se a todas as âreas da psicologia.
Durante esse processo, os conceitos e os principios
explicativos perdem progressivamente qualquer relaçâo
com os fatos sobre os quais eles se aplicavam inicialmente,
implementando uma "visâo do mundo" suscetivel de ser
aplicada a qualquer ârea da realidade (inclusive fora da
psicologia). Nesse riltimo estâgio, a lôgica interpretativa
revela o que ela construira de fato, desde o inicio da sua
formaçâo: a manifestaçâo de um pressuposto ideol6gico ou
epistemol6gico. Vygotski descreveu esse processo, no caso
da Gestalt, da seguinte forma:

No começo [. . . ], a psicoiogia da Gestalt nasceude pesquisas


ideol6gicas concretas sobre o processo de percepçâo da
forma; fol a partir daf que ela recebeu seu batismo prâtico e
que passou pela prova da verdade.[...]. Ela se apropriou da
zoopsicologia e averiguou que o pensamento dos macacos
também era um processo de Gestalt; ela se apropriou da
psicologia da arte, da psicologia dos povos, e averigou que
a concepçâo primitiva do mundo e o nascimento da arte
também eram da GestaIU [ela se aproprioul da psicologia
da criança e da psicopatologia, e imediatamente, o
desenvolvimento da criança e a doença psiquica foram
absorvidos pelo conceito de Gestalt. Finalmente, uma vez
que tinha se transformado em visâo do mundo, a psicologia
da Gestalt descobriu a Gestalt em fisica e em guimica, em

20 Editona Mercado de Letras


-a

fisiologia e biologia. E a Gestalt, reduzida até constituir


uma f6rmula l6gica, encontrou-se na fi:adaçâo do mundo;
quando ele criou o mundo, Deus disse: "Oue a Gestalt seja,
e ela estava em todo iugar". (vygotski 2010, p. 93)

Embora cdticasse severamente as condiçôes de


desenvolvimento desse processo e as suas consequências,
Vygotski notou que esse movimento de conquista era
revelador da existência de uma necessidade real, comum
a toda disciplina cientifica: a necessidade de dispor de
um quadro superior, organizador e programâtico. Esse
movimento ilustrava mais precisamente a ausência
de uma verdadeira psicologia geraL, e para Vygotski,
em consequência disso, tratava-se de trabalhar para a
elaboraçâo de tal quadro superior para sair da crise.

Da necessidade de uma psicologia geral,


materialista e cientifica

o seu diagn6stico inicial, Vygotski


Aprofundando
afirmou euê, ao examinar o teor dos principios
epistemolôgicos em que se baseiam essas conquistas,
percebia-se que na realidade s6 existiam dois tipos de
psicologia: uma natural-cientifica e materialista, e a outra
espiritualista e idealist a (ibid., pp. 207 -221). Acrescentava
ainda que a psicologia geral, que precisava ser criada,
obviamente, devia ser "natural, cientifica e materialista".
Essa escolha se deve, em primeiro lugar, à adesâo de
Vygotski aos princfpios herdados de Spinoza. Primeiro, ao
monismo materialista que tem como principio a unidade da
natureza: o universo, ai incluso o ser humano, com todas
as suas caracteristicas, nâo é nada mais que matéria em
perpétua atividade. Segundo, ao paralelismo psicofisico, que
defende que em qualquer entidade resultante da atividade
da matéria coexistem dimensôes fisicas observâveis e
dimensôes processuais subjacentes, com um nivel de
complexidade equivalente e funcionando em paralelo, e
esse paralelismo defende também que as propriedades

Sénie Ideias Sobre Linguagem 2I


I
h
t
biol6gicas e comportamentais dos humanos sâo resultantes
da evoluçâo das dimensôes fisicas universais, enquanto que
suas propriedades psiquicas ou mentais têm como origem
a evoluçâo das dimensôes processuais. Baseado nesses
dois principios, Vygotski rejeitava todas as abordagens
espiritualistas ou idealistas considerando que o espfrito
(ou o psfquico) constituia uma dimensâo extranatural.
Seguindo a mesma l6gica, ele também rejeitava a separaçâo
feita por Dilthey entre ciências da natureza e ciências do
espirito, separaçâo baseada sobre a tese de que o espfrito
e as suas obras (as obras culturais em geral) teriam tipos
de organizaçâo e de funcionamento radicalmente diferente
dos fenômenos "naturais" e que, consequentemente,
nâo seriam suscetiveis a experimentaçôes ou processos
analiticos genuinamente cientificos.
Para Vygotski, o maior erro dos pensamentos idealistas
era o de focar exclusivamente sobre a experiência individual
das pessoas e de aderir ao princfpio da fenomenologia de
Husserl, segundo o qual o psiquismo é constituido apenas
do que foi vivido (e, consequentemente, nâo tem ligaçâo
como seu substrato neurobiol6gico nem com as atitudes
através das quais se manifesta):

"nâo existe, na esfera psiquica, nenhuma diferença entre


ser e fenômeno". Enquanto a natureza é o ser gue se
manifesta nos fenômenos, essa afirmaçâo nâo deve ser
aplicada ao ser psiquico; nêste caso, o fenômeno e o ,ser
coincidem. É aificit dar uma formulaçâo mais especifica do
idealismo psicol6gico. E segue a f6rmula epistemol6gica do
materialismo psicol6gico:'A diferença entre o pens€rmento
e o ser nâo foi anulada na psicologia. Mesmo tratando-se
do pensamento, devemos distinguir o pensamento sobre
o pensamento e o pensamento em si. "Essas duas farmulas
resumem a esséncr'a do nosso debate na sua totalidade. |...l
(rbtd., p.258)

A primeira formulaçâo de que na ârea psiguica hâ


identidade do ser com o fenômeno, é de Husserl (1911[1989,

L' Editora l4ercado de Letras


s p. e Vygotski a contesta utilizando-se da segunda
44D;
â
afirmaçâo de Feuerbach (1846[197t, p. 7771): para os fatos
I psiquicos, como para qualquer fato, devemos diferenciar
s L claramente o dominio do ser e do fenômeno e ainda nâo
s confundir o pensamento em si e a experiência vivida
) (individual) desse pensamento. Para ilustrar essa diferença,
fi Vygotski usa o exemplo da ilusâo de MûIIer-Lyer, na qual
) podemos, de um lado, observar o sentimento vivenciado
)
F
i da diferença de comprimento de retas, e, de outro,
) I
I explicar esse fenômeno pelas relaçôes existentes entre a
t I
disposiçâo geométrica das retas e as propriedades fisicas
dos mecanismos perceptivos; para ele, é o ser da percepçâo
destacado no processo e:<plicativo que constitui o verdadeiro
objeto psicol6gico, e nâo o fenômeno no qual se baseia a
ilusâo vivenciada. Por outras palavras, ele considera que
o processo psicol6gico deve visar exclusivamente explicar
o,s proce.ssos real's, e nâo tentar entender as "aparências"
vivenciadas, que por fim, nâo têm importância.
I
i De uma forma geral, Vygotski defendeu a ideia de
que o erro fundamental das abordagens do pensamento
idealista é de nâo diferenciar claramente as dimensôes
ontol6gicas e gnoseol6gicas do funcionamento humano,
e esquecer que os fenômenos psiquicos (e a consciência)
apresentam, como qualguer entidade do universo material,
uma dimensâo propriamente "fisica", cujo estatuto é
radicalmente diferente da vivência ou do conhecimento que
individuos singulares mais ou menos espontaneamente
podem ter deles:

A contusâo enfte o problema gnoseolôgico e o problema


ontolôgico [...] leva à deformaçâo de um e do outro. Para
nés, o subjetivo é assimilado ao psiquico, e demonstra-se
depois que o psiquico nâo pode ser objetivo. Confunde-se
a consciência gnoseolôgica - como termo da antinomia
sujeito-objeto - com a consciência psicol6gica, empirica,
e afirma-se em seguida que a consciência nâo pode ser
material [...1. No fim, chega-se ao neoplatonismo, com as
suas essências infaliveis nas quais coincidem o ser e o
fenômeno. (rbid., p. 260)

Série Ideias Sobre Linguagem LJ


I

ll
It
F

Para Vygotski, a psicologia deve ter como objetos nâo


s6 os fatos biolôgicos e/ou comportamentais, mastambém os
fatos psfquicos nas suas dimensôes ontol6gicas. TTatando-
se dos fatos de tipo bio-comportamental, a metodologia
que deve ser seguida é a da etqerimentaçâo, que consiste
em realizar uma combinaçâo artificial de fenômenos, por
controle efetivo dos parâmetros suscetiveis de determinâ-
los. Ttatando-se dos fatos psiquicos, deve ser segmido o
método analitico, que consiste em realizar uma combinaçâo
artificial de fenômenos, porém pelo uso exclusivo da
abstraçâo ideacional: "toda experimentaçâo ê uma anâlise
em açâo como toda anâIise ê uma etçerimentaçâo pelo
pensamento" (ibid., p. 250).
Embora a manipulaçâo dos parâmetros seja concreta
no primeiro caso e irreal no segundo, essa diferença é
secundâria para Vygotski na medida em que, para as
duas, a carateristica fundamental é de deduzir as relaçôes
gerais a partir da colocaçâo em evidência das dependências
singulares e Jocar's. Sobre esse assunto, o autor evoca
a experiência princeps de Pavlov sobre os reflexos
condicionados, frisando que, se a experimentaçâo colocou
em evidência que esse câo salivava nes,sas circunstâncias
especfficas, a explicaçâo proposta consistiu em "ver
o geral no particular", ou ainda formular uma lei geral
de comportamento dos animais fazendo abstraçâo das
dimensôes particulares da situaçâo experimental (rbid., p.
251). Na sequência, ele refere-se aos prôprios estudos sobre
a reaçâo estética (apresentados na Psicologia da arte) e
destaca a anâlise (idealistica) que ele fez do efeito sobre
os espectadores ou auditores por certos modos de relaçâo
entre componentes de três exemplares somente de estilos
literârios. Embora local e limitada, essa anâlise lhe permitiu
formular uma lei geral sobre a reaçâo humana aos objetos
estéticos em geral. Finalmente, referindo-se a Engels, ele
mostra que, afinal de contas, toda forma de explicaçâo -
mesmo sobre fenômenos propriamente fisicos - implica
sempre uma forma de manipulaçâo idealistica e sempre
necessita de um processo de generalizaçâo, por conta dos
fatos concretos revelados pela experimentaçâo:

24 Ed.itora Mercado de Letras


j
âo A mâquina a vapor trouxe a prova mais perempt6ria de
os que podemos obter movimento mecânico pelo uso do
lo- calor.1000 mâquinas a vapor nâo comprovaram esse fato
melhor que uma s6[...] Sadi Carnot foi o primeiro a estudar
tia
isso seriamente, mas nâo por induçâo. EIe estudou a
ite
mâguina a vapor, analisou-a, entendeu que nela o processo
rOf
fundamental nâo aparece no seu estedo purq pois é
tâ- escondido por vârios processos secundârios; ele eliminou
o essas circunstâncias acess6rias, indiferentes do processo
âo principal, e construiu uma mâguina a vapor (ou mâquina
la a gâs) ideal, tâo pouco realizâvel como, por exemplo, uma
'se linha ou uma superficie geométrica, mas capaz de cumprir,
tIo a sua maneira, o mesmo objetivo que essas abstraçôes
matemâticas: representar o processo considerado no seu
estado prrlo, independente, nâo alterado. (Engels, Dia-lécica
ta l

da natureza, 1,975, p.231,)


é i

i
as I

es I
Carateristicas da crise hoje em dia
l
as I
t.,
la ii
F
Sem drivida, a situaçâo descrita por Vygotski existe
!
)S B até hoje: embora tenham nascido novos paradigmas,
)u ti
J.
estes seguiram a mesma lôgica de super-extensâo dos
1S t' seus principios explicativos em todos os objetos da sua
er l'
i
disciplina, como mostram, por exemplo, as ambiçôes
al i, hegemônicas da neurociência. A psicologia geral que o
fi
ls i
autor desejava naquela época nâo pode ser elaborada,
p. e isso levou a ocorrer a persistência, ou a acentuaçâo do
|:
i,
re fracionamento dos objetos (e das subdisciplinas querendo
e analisâ-las), e a uma real resistência na abordagem das
re "
relaçôes entre dimensôes ontol6gicas e gnoseol6gicas dos
io :
fenômenos psfquicos.
)s
iu
Sobre essa ûltima problemâtica, a anâlise proposta
)s
por Vygotski parece lacunar, se nâo problemâtica, em
,: dois aspectos. Primeiramente, se podemos admitir que
o método analitico proposto para os fatos psiquicos deve
,4
fazer abstraçâo da vivência individual dos pesquisadores
:e ou dos sujeitos analisados, o objetivo desse processo
)S nâo deixa de ser a construçâo de um conhecimento que,
sendo coletivo, é gnoseol6gico por essência! Portanto,
I
:

I
s ri Série Idejas Sobre Linguagem 25
L
o verdadeiro problema é das condiçôes de elaboraçâo de
elementos gnoseol6gicos cuja validade foi estabelecida
de uma forma coletiva e cientifica, além desses elementos
de gnoseologia "primâria": que constituem o vivido e
os conhecimentos dos individuos; isto implica que seja
clarificado o estatuto respectivo desses dois tipos de
gnoseologia e as modalidades de suas relaçôes. Em
segundo lugar e mais importante, quando um psic6logo (ou
um pedagogo) intervém de forma prâtica em um processo
de formaçâo ou de educaçâo, ele pretende agir sobre o ser
do psiquismo, ou sobre a vivência das pessoas? De fato,
a resposta a essa pergunta nâo é nada 6bvia. Contudo, o
fato de ela existir indica que é, sem drivida excessivo, supor
Ua que a gnoseologia individual é apenas uma aparência sem
u-' importância para o psic6logo.
,'ti
.t_
Essas sâo as problemâticas que estâo no centro da
nossa reflexâo e, numa perspectiva muito vygotskiana,
elas serâo discutidas num primeiro momento sob uma
abordagem "genética", reexaminando as condiçôes da
constituiçâo do psiquismo propriamente humano.

Uma voha no problemûtko do geneologio do psiquino

De acordo com os princfpios spinozianos dos quais


falamos antes, a problemâtica das condiçôes de constituiçâo
do psiquismo consciente (e de forma geral de todas as
capacidades coletivas e individuais especificamente
humanas) deve ser concebida ao mesmo tempo em termos
de continuidade e de ruptura. por um lado, trata_se de
mostrar em qual medida as capacidades humanas têm as
suas raizes nas (e sâo a continuaçâo das) capacidades dos
seres vivos e fazem pafte de uma forma mais ampla, da
continuidade da dinâmica universal; por outro lado, trata_
se de mostrar em que medida essas capacidades humanas
sâo realmente especfficas, e de analisar as modalidades da
construçâo desta especificidade.

lô tditora Mercado de Letras


Aspectos da continuidade: a generalidade
dos processos construtivos

Para a maioria dos psic6logos, inclusive Vygotski,


a concepçâo da fisica nâo foi muito além da abordagem
estâtica, mecânica e determinista do funcionamento
do universo vindo de Newton. A teoria deste tem como
pressuposto que todos os processos fisicos sâo regidos
por leis ao mesmo tempo deterministas e reyerslyeis no
tempo, o que implica que os ingredientes constitutivos da
natureza seriam delimitados ou finitos, e que todas as suas
transformaçôes nâo seriam nada mais do que o resultado
das suas propriedades estâveis e eternas ("nada se perde,
nada se cria, tudo se transforma"). Contudo, dois tipos
de descoberta levaram a questionar de forma radical esta
perspectiva. Por um lado, a astrofisica colocou em evidência
que, desde o Big Bang, a matéria é sujeita à açâo de um
conjunto de forças (nuclear, eletromagnética, gravidade
etc.) cuja origem continua misteriosa, mas sobre essas
forças podemos afirmar que constituem diferentes tipos de
processos de interaçâo com o ambiente, sob o efeito das quais
ocorre a evoluçâo progressiva das diferentes formas fisicas.
Por outro lado, a termodinâmica confirmou e completou esta
releitura do estatuto do universo material, demostrando que
um nrimero grande de processos envolvidos nessa evoluçâo
das entidades fisicas apresentava um carâter irreversivel.
A psicologia animal, por sua vez, colocou em
evidência a interaçâo dos organismos vivos como seu
ambiente, implementando processos elementares que
foram conceituados pelos behavioristas especialmente
em termos de associaçâo e diferenciaçâo, e por Piaget em
termos de assimilaçâo, de acomodaçâo e de equilibrio.
Essas descobertas constituem na verdade uma
confirmaçâo da tese spinoziana do paralelismo psicofisico,
na medida em que mostram que cada entidade natural,
seja ela matéria inerte ou organismo vivo, inclui d.l'mensôes

Série Ideias Sobre Linguagem 27

F
æ

proce,s,suarb que sâo reais (no sentido de Lenine 1g0BI1gS2l)


embora nâo sejam observâveis, e que gerando estados de
organizaçâo novos e irreversiveis, desempenham o papel
de construtores da Natureza.
Afirmaremos mais tarde que a emergência do
psiquismo humano se desenvolve na continuidade d,a
evoluçâo desses processos interativos observâveis na
matéria inerte e na viva. Por enquanto, frisaremos que a
abordagem cientifica das entidades ffsicas e vivas nâo-
humanas nâo parece criar problemas epistemol6gicos:
podemos distingnrir claramente um plano ontol6gico,
constitufdo de objetos a serem conhecidos, compostos de
l dimensôes ffsicas observâveis e de dimensôes processuais-
psfquicas subjacentes, e um plano gnosiolôgico, que é o do
conhecimento cientifico desses objetos que os humanos
constroem e transformam ao longo da sua hist6ria.

Aspectos da ruptura humana

É um fato reconhecido que a espécie humana se


diferencia dos outros tipos de organismos vivos por três
propriedades; a lingruragem verbal com significado; o
pensamento consciente; a produçâo de organizaçôes sociais
e de obras culturais. Porém, os paradigmas das ciências
humanas divergem sobre a questâo da identificaçâo da
propriedade que seria seminal (cuja emergência explicaria
os dois outros), e em um plano mais amplo, sobre as razôes
e condiçôes da ruptura humana. Como nâo podemos
desenvolver aqui os arçJumentos que nos levam a rejeitar
as opçôes behavioristas e construtivistas (incapazes de
dar conta das condiçôes de emergência das significaçôes)
e a opçâo neuro-cognitivista (baseada sobre a tese
extremamente hipotética de uma mutaçâo genética), nos
limitaremos a apresentar o conceito da hominizaçâo que nos
parece o mais crivel, baseado nos aportes da paleontologia,
de um lado, e nas idéias trazidas por Saussure, por piaget e
Vygotski, por outro.

28 Editora l"lercado de Letras


a) Sapiens sapiens é o produto de uma evoluçâo
muito longa dos hominideos (pelo menos
quatro milhôes de anos), caraterizada por
um erguimento progressivo do tronco, que
permitiu o desenvolvimento de habilidades
manuais, mas também provocou a criaçâo
de um espaço farfngeo (pelo assentamento
da coluna vertebral) no qual se formaram as
cordas vocais, elementos de base do aparelho
fonador, que se desenvolveu ao mesmo tempo
que o aparelho receptor e os centros corticais
correlativos.
b) Os membros da espécie se tornaram,
assim, aptos a produzir sequências sonoras
diferenciadas, que exploraram para referirem-
se a entidades do ambiente, no âmbito de
coordenar atividades coletivas; foi assim que
surgiram os st'gnos verbais. Como explicou
Saussure (2002), esses signos sâo em essência
"destinados a ser transmitidos", e esta prâtica
se coletiva inclui a implementaçâo de três
is processos simultâneos e interdependentes:
o -a associaçâo convencional entre certas
is produçôes sonoras e certos objetos ou eventos
ls do mundo;- a constituiçâo de imagens mentais
la dessas produçôes sonoras e destas entidades
ia mundanas referidas, imagens delimitadas e
lê estabilizadas pelo efeito da associaçâo (é pela
)s associaçâo que sâo geradas unidades nas duas
il areas); a diferenciaçâo entre as unidades assim
geradas, e a organizaçâo delas dentro de duas
le
redes representativas.
s)
ie
c) Os processos mobilizados na implementaçâo
dos signos sâo, consequentemente, acriaçâode
)s
imagens mentai s pela asst'mil aç âo / acomo daç âo
)s
de entidades mundanas, a associaçâo
I, e a diferencr'agâo, ou seja, os proces,sos
e elementares que Piaget (7947) jâ demonstrara

s
Série Ideias Sobre Linguagern 29

F
que eram comuns ao ser humano e ao ser
vivo. O mecanismo de construçâo dos signos
implica apenas processos que jâ estavam
implementados, e, assim, constitui o l6cus da
continuidade na emergência do humano (sem
necessidade de qualquer mutaçâo genética).
d) Com a emergência dos signos, esses processos
herdados aplicam-se agora a objetos sociar's (a
essas associaçôes convencionais de entidades
sonoras e mundanas), enquanto no mundo
animal s6 se aplicavam aentidades estritamente
fisicas. E foi essa rn udanç a de status dos obj etos
para os quais esses processos se aplicam que
constitui a ruptura humana: os signos têm essa
propriedade radicalmente nova na evoluçâo de
constituir cristalizaçôes psiquicas de unidades
de troca social.
e) A interiorizaçâo dos signos confere, entâo,
necessariamente um carâter social às primeiras
unidades de pensamento. E se consideramos
que as operaçôes iniciais do pensamento
constituem também necessariamente o
produto da interiorizaçâo das relaçôes
predicativas da lfngua das pessoas ao seu
redor (para uma demonstraçâo desta riltima
tese, confira Bronckart 2002), temos que admitir
que, como afirmava vygotski (1g34l1gg7l), o
psiquismo é, no principio fundamentalmente
sociolinguageiro.

Generalizando a anâlise anterior em um plano


mais geral, defenderemos que o que caracteriza mais
profundamente a ruptura humana é a duplicaçâo da
dimensâo processual subjacente a toda entidade natural.
Como as outras espécies animais, os humanos têm de fato
um organismo ffsico baseado em processos bio-fisiol6gicos,
mas sâo dotados também de um segundo regime processua/
constituido da linguagem verbal, das representaçôes

30 Editora Mercado de Letras


rer individuais de cada organismo, e das representaçôes
.os coletivas, cujas origem e localizaçâo jâ sâo autoexplicativas.
IIn Mas se o regime processual herdado é regido por leis
da sobre as quais os individuos nâo têm controle, o novo
)m regime processual é composto de sr'grnil1'caçôes acessfveis
aos individuos e à coletividade, na medida em que sâo
os materializada,s nos srgnos. Isso explica que a espécie
(a humana seja apta a pensar o seu prôprio destino e a tentar
es (independente da pertinência desta açâo) controlâ-lo ou
do orientâ-lo.
rte A consequência dessa duplicaçâo é que a ontologia
;o,s
humana é composta, ao mesmo tempo de dimensôes
ue orgânico-fisicas, de dimensôes processuais herdadas e de
sa novas dimensôes processuais, conscientes e significantes.
de Consequentemente, e ao contrârio do que Vygotski
les parecia afirmar, uma ciência materialista do humano
deve necessariamente comunicar-se com os elementos
io, gnosiolôgicos relevantes. Em outros termos, essa ciência
as deve adotar um método gnosiol6gico cientifico capaz de
os tratar de uma ontologia humana, incluindo entidades
.to gnosiol6gicas pré ou nâo cientificas.
o
es
-àu
Uma ciêncio maleriolislo sohre 0s signifklçôes
oa
tir
o
te Um complemento da anâlise da crise

Se o diagn6stico vygotskiano da crise conserva


10 toda sua pertinência, como n6s mostramos anteriormente,
ris devemos acrescentar um complemento de anâlise
7a
fundamental: se as ciências humanas "vagrureiam" hâ
rl. um século, é porque as suas correntes dominantes se
to e sforçaram p ar a natur aliz ar a s significaçôes.
rS' A palawa "naturalizar" nos parece bastante
a] inadequada, porém a utilizamos por se tratar da mesma
3S utilizada pelos autores participantes desse tipo de

as
Série Idejas Sobre Linguagem 31
abordagem (por exemplo, Pacherie 1993), e porque este
uso é paradoxalmente revelador das idéias em questâo
no debate sobre o pr6prio estatuto de uma ciência do ser
humano. Como acabamos de mostrar, as significaçôes sâo
entidades cuja criaçâo/exploraçâo estâ na raiz da pr6pria
emergência do ser humano; portanto, estas significaçôes
sâo tâo "naturais" quanto os elementos processuais
subjacentes à matéria inerte ou ao ser vivo nâo humano,
nâo existindo a necessidade de "re-naturalizâ-los,, . O que
o uso deste termo revela, no fundo, é que as correntes em
questâo nâo podem admitir que os signos constitutivos
da significância humana nâo sejam apenas o resultado de
acordos sociais aleat6rios, e que, portanto, elas tentam
identificar os fundamentos do linguageiro em um ,,outro
lugar" que nâo nesses acordos sociais.
Essa resistência em admitir o carâter social dos signos
(e, consequentemente, o carâter social do pensamento),
manifestou-se permanentemente na filosofia ocidental, do
Crâtilo de Platâo às três Criticas de Kant, e manifestou-se
de novo nas correntes dominantes da psicologia cientifica:
- as diversas formas de behaviorismo se esforçaram para
encontrar os fundamentos da linguagem nas propried.ades
fisicas dos objetos ou dos eventos que elas designam
(confira sobre este assunto, a teoria espetacular de Skinner
em Verbal Behavior (1957), que nâo hesitou em mobilizar
nesse intuito os sofismas de Horne Tooke e Fabre d'Olivet);
-
as correntes cognitivas consideraram que as propriedades
da linguagem resultavam das propriedades de um
pensamento pré verbal (Fodor L986), este sendo o resultado
de uma mutaçâo do equipamento cerebral (Changeux
1983; Eccles 1992): - por fim, as correntes construtivistas
buscaram os fundamentos do pensamento nos modos de
interaçâo organismo ambiente (Piaget 1946) como fontes de
uma semiose propriamente cognitiva (aquela pressuposta
por Pierce 1,978), na qual as linguas humanas s6 seriam
manifestaçôes secundârias e imperfeitas.

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este Os fatos linguageiros e seus efeitos sobre a
lstâo constituiçâo do pensamento
) ser
I sâo O interesse principal do trabalho de Saussure é ter
ipria focado a elaboraçâo de uma ciência da linguagem que fosse
çôes fundada sobre a anâlise empirica da estrutura das linguas e
uais dos seus mecanismos de mudança (Bronckart, Bulea e Bota
ano, 2O7O). Durante o primeiro curso de linguistica geral que
que Saussure ministrou em Genebra em 1907(Komatsu e Wolf
tem 1996), o autor forneceu, entre outras, uma anâlise, que foi,
ivos em nossa opiniâo, decisiva, sobre a natureza das relaçôes
rde entre as produçôes verbais efetivas, ou os discursos, e o
Jam que qualificamos de "lingua". De acordo com a sua visâo,
utro os signos verbais, independentemente do seu nivel de
estruturaçâo (morfemas, palawas, sintagmas, frases etc.),
sâo, por um lado, mobilizados na atividade discursiva e o
rnos seu valor significante adquirido é suscetfvel de transformar-
Ito), se pelo efeito das condiçôes especificas nas quais se
,do desenvolvem e se redesenvolvem os processos de produçâo
r-se e de recepçâo desses discursos. Por outro lado, como toda
ïca: entidade mundana, esses signos sâo alvos de processos de
)ara conhecimento individuais e coletivos. No primeiro caso, as
des pessoas apropriam-se e interiorizam os signos para depois
lam organizâ-los na "sua estante interna" na forma de séries
tner associativas (classes de entidades que têm parentescos
izar de tipo fônico, semântico ou estrutural); essas séries e
t); - sua organizaçâo constituem entâo uma lingua interna e na
des medida em gue as condiçôes de exposiçâo aos discursos
um vivos variam de acordo com as circunstâncias de vida e
ado de desenvolvimento das pessoas, esta lingua apresenta
sempre um carâter parcialmente sing.ular. No segundo caso,
-âux
rtaS certos experts encarregados pela coletividade fazem um
trabalho de identificaçâo, decodificaçâo e de organizaçâo
de
das entidades mobilizadas nos discursos, produzindo este
rde
objeto teôrico que é a lingua externa ou normatizada (aquela
sta
das gramâticas, dicionârios e demais manuais).
am
De acordo com a abordagem da genealogia do
psiquismo que desenvolvemos anteriormente, a lingua
I
t

ras li
Série Ideias Sobre Linguagem JJ
T,

I
interna constitui o aparelho de base da gnosiologia
singular, ou ainda, é a forma inicial do pensamento
individual, enquanto a lingua externa constitui o aparelho
de base da gnosiologia coletiva, ou ainda a forma inicial
do pensamento coletivo. Contudo, essas formas sô sâo
chamadas de iniciais porque Piaget, em particular,
demonstrou que elas sâo progressivamente retrabalhadas
durante o desenvolvimento pelos processos psiquicos
herdados, isto é, a assimilaçâo/acomodaçâo, a abstraçâo,
a generalizaçâo e o equilibrio. Enquanto que, em seu
estatuto primeiro de entidades da linguagem ordinâria
os signos sâo portadores de significados que constituem
valores de uso de extensâo variâvel, com fronteiras frâgeis,
e que eles se transmutam graças aos processos, evocados
mais cedo, em conceitos ou seja, entidades que tendem
à estabilizaçâo na extensâo e na compreensâo. E é este
trabalho de distanciamento em relaçâo aos determinismos
sociolinguisticos particulares que constitui, no plano
individual, um pensamento potencialmente formal, e, no
plano coletivo, as representaçôes coletivas propriamente
ditas (Durkheim 1898) ou também os rnundos formais de
conhecimento teorizados por Habermas (1987).
De acordo com essa anâlise, a ciência psicol6gica se
dirige a uma gnosiologia individual que procede de uma
organizaçâo tendencialmente l6gica de significaçôes (de
origem linguistica apurada, ou "lapidada"), ou seja, atrela-
se a um aparelho psiquico que funciona e desenvolve-se na
interaçâo com as significaçôes organizadas na gnosiologia
coletiva, com as significaçôes veiculadas na linguagem
comum, com as dimensôes fisicas dos organismos humanos
e das entidades mundanas externas. Uma psicologia
materialista, tendo como foco a realidade do funcionamento
humano, d.eve concentrar-se, portanto, sobre essas três
redes de significaçâo, nas suas interaçôes reciprocas e nas
suas interaçôes com as entidades propriamente fisicas.
Assim, uma psicologia mat'erialista se jnteressa
por um objeto no qual as significaçôes sâo preeminentes.
Essa preeminência parece relativamente 6bvia quando a

34 Editora Mercado de Letras


,gra disciplina pertence ao âmbito do conhecimento; mas na
'nto verdade ela é 6bvia da mesma forma quando pertence ao
llho âmbito do agir: como todas as teorias da açâo mostraram,
cial de Anscombe (7957[20011) a Leontiev (1976) passando por
Sâo Schùtz (1998); o agir "em si' nâo é nada mais que um evento:
lar, ele s6 se torna da ordem da açâo ou da atividade quando é
las investido de significaçôes, ou em outros termos, nâo existe
cos dimensâo praxeolôgica "em si", s6 existe praxeologia para
râo, si mesmo ou para os outros.
teu
iria Metodologias de busca e de intervençâo
em
)is,
Oual é entâo a metodologia necessâria para uma
los
ciência materialista das significaçôes? O tratamento desta
em
questâo foi afetado ao longo do século )O( pelo antigo
ste
debate entre defensores da etçIicaçâo, para os quais a
los
psicologia cientffica, assim como as ciências naturais,
mo
deve fazer experimentaçôes cujo intuito é identificar os
no
fatores suscetfveis de constituir as causas dos fenômenos
rte
observados, e os defensores da compreensâo, segundo os
de
quais os fenômenos significantes, na medida em que nâo
sâo regidos por relaçôes causais, s6 podem ser objetos
se de uma interpretaçâo contextualizada, de reatribuiçâo da
ïta significaçâo.
de
Esta oposiçâo tenaz deve ser definitivamente
la-
rejeitada. Pelas razôes evocadas anteriormente, as
na ciências da natureza, e particularmente certas escolas
tia de fisica, recusaram hâ muito tempo o paradigma
)m propriamente explicativo: essas disciplinas tratam de
.os
fazer experimentaçôes cujo intuito é identificar relaçôes
tia causais, porém estâo cientes de que se trata de processos
rto artificiais, destacando os fenômenos e as suas causas
es potenciais como se eles fossem estâveis e finitos, quando na
as realidade, a natureza é composta por entidad.es renovâveis,
transformâveis e engajadas em uma dinâmica irreversivel.
sa Se ela nâo for inritil, a busca das causas nâo é mais que
LS. um momento, que serve outro processo interpretativo
a mais global. Como Vygotski destacou, este processo mais

as Sérje Ideias Sobre Linguagem

if
global, independente das técnicas de coleta de seus dados
empiricos, trabalha pela dedugâo de relaçôes gerais, ou
seja, a reatribuiçâo de significaçôes que caracteriza a
generalizaçâo.
Consequentemente, nâo existe diferença fu ndamental
entre a metodologia das ciências chamadas naturais e as
ciências humanas. Em ambos os casos, podemos trabalhar
com processos experimentais com o intuito de estabelecer
relaçôes causais, mas assim que levamos em consideraçâo
as dimensôes processuais, sejam forças fisicas, psiguismo
animal ou o pensamento humano, esses dados experimentais
nâo podem constituir mais que um apoio servindo o método
anaJitico, da forma que Vygotski defendia.
Contudo, um problema essencial, o problema da
intervençâo, educativa, formativa e/ou reparadora, nâo
deixa de existir. Sem poder analisâ-lo corretamente nesta
contribuiçâo, nos limitaremos a comentâ-lo em três pontos
conclusivos.
Primeiramente, afirmaremos que é nessa ârea que
se manifesta a verdadeira especificidade d.e uma ciência
do ser humano: o ser humano pensa no seu pr6prio futuro
e a ciência da qual ele é o foco s6 pode apoiâ-lo neste
processo; isto nâo tem equivalente nas outras ciências.
Em segundo lugar, na nossa visâo, é nesta ârea também
que a abordagem vygotskiana das relaçôes ontologia/
gnosiologia é a mais criticâvel: o psic6logo guase sempre
intervém sobre a vivência fenomenal das pessoas, e nâo
sobre o ser do psiquismo delas (argumento adicional para
considerar que essa vivência faz realmente parte do objeto
de sua disciplina). Por fim, frisaremos que as intervençôes
psicol6gicas ou educativas sempre se desenvolvem em
um contexto mobilizando as significaçôes vivenciadas dos
destinatârios, as significaçôes coletivas do ambiente e as
significaçôes vindo dos corpus cientificos; e defenderemos
que é o reestudo das modalidades de relaçôes entre esses
três tipos de significaçâo que deveria permitir reanimar e
aprofundar a problemâticâ lancinante das relaçôes ,,teoria-
prâtica".

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