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Disciplina: Didática e Metodologia do Ensino na Educação do Campo

Autores: D.ra Jezuina Kohls Schwanz

Revisão de Conteúdos: Esp. Larissa Carla Costa

Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso

Ano: 2017

Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral


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da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas
solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais.

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Jezuina Kohls Schwanz

Didática e Metodologia do Ensino


na Educação do Campo
1ª Edição

2017
Curitiba, PR
Editora São Braz

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FICHA CATALOGRÁFICA

SCHWANZ, Jezuina Kohls.


Didática e Metodologia do Ensino na Educação do Campo / Jezuina
Kohls Schwanz – Curitiba, 2017.
37 p.
Revisão de Conteúdos: Larissa Carla Costa.
Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso.
Material didático da disciplina de Didática e Metodologia do Ensino na
Educação do Campo – Faculdade São Braz (FSB), 2017.

ISBN: 978-85-5475-111-1

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PALAVRA DA INSTITUIÇÃO

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estudantes.

Bons estudos e conte sempre conosco!


Faculdade São Braz

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Apresentação da disciplina

Nesta disciplina de Didática e Metodologia do Ensino na Educação do


Campo, iremos abordar a metodologia e didática da educação do campo, suas
particularidades, similaridades e diferenças de outro tipo de educação. A
Educação do Campo vem despontando como uma realidade, educadores e
pesquisadores, vêm a cada dia buscando alternativas para inserir o
homem/mulher do campo em suas didáticas, a fim de evitar generalizações que
acontecem comumente no campo da educação.

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Aula 1 - Conceitos fundamentais em didática da Educação do Campo

Apresentação da aula

Nesta aula iremos trabalhar com a conceituação e a didática com foco na


Educação do Campo, posteriormente passaremos a abordar as tendências e
perspectivas nessa área.

1. Conceituando Educação do Campo

O termo “campo” passou a ser utilizado pelos movimentos sociais no


final do século XX, no qual esse conceito era uma referência à identidade e
cultura dos sujeitos que viviam no meio rural. Essa categoria passou a valorizá-
los como sujeitos que possuem uma estreita relação cultural com a terra.
Nesse sentido, o campo é visto como o local de moradia, de trabalho,
de cultura e produção do conhecimento. A partir dessa perspectiva, a educação
do campo está articulada a um projeto político e econômico voltado para o
desenvolvimento sustentável dessas populações, partindo de seus próprios
interesses. Essa nova realidade fez com que a educação servisse de “arma” para
que esses povos pudessem lutar pela sua subsistência.
A valorização do povo do campo em novas políticas educacionais
voltadas para a inclusão social tem oferecido novas oportunidades de
aprendizagem e de estudo próximos às suas casas ou trabalho. Sendo o campo,
o foco de todo processo educativo.
Nesse sentido:

A Educação do Campo nasceu em contraposição à Educação Rural.


O que a Educação Rural não fez durante quase um século, a
Educação do Campo fez em uma década (FERNANDES apud
SOUZA, 2006 p. 16).

A partir da citação acima passamos a dialogar a respeito da uma


distinção entre os termos rural e campo.

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Para Refletir
Qual a diferença entre os termos rural e campo? Ou você
acha que é tudo a mesma coisa?

O conceito engendrado no termo rural está intimamente ligado a ótica


presente nos documentos oficiais que fazem alusão aos homens do campo,
ligada ao assistencialismo, ao atraso de um povo considerado com pouca
cultura. Essa política de assistencialismo está atrelada a questões econômicas,
a crise agrária e a evasão do homem do campo. Uma política vinda de fora e
não dos próprios homens do campo.

Decidimos utilizar a expressão campo e não mais a usual meio rural,


com o objetivo de incluir no processo [...] uma reflexão sobre o sentido
atual do trabalho camponês e das lutas sociais e culturais que hoje
tentam garantir a sobrevivência deste trabalho (FERNANDES,
CERIOLI & CALDART, 2004, p. 25).

O rural estaria em contraponto ao campo, voltado para o povo do campo,


suas culturas, saberes e anseios. Um povo que tem adquirido poder pelas lutas
que vem travando em prol de políticas públicas menos excludentes e que
realmente contemplem o homem do campo. Esse processo tem sido uma
importante arma para a educação.
De acordo com Arroyo, Caldart e Molina (2005, p. 15):

Esta visão do campo como espaço que tem suas particularidades e


que é ao mesmo tempo um campo de possibilidades da relação dos
seres humanos com a produção das condições de sua existência
social, confere à Educação do Campo o papel de fomentar re- flexões
sobre um novo projeto de desenvolvimento e o papel do campo neste
projeto. Também o papel de fortalecer a identidade e a autonomia das
populações do campo e ajudar o povo brasileiro a compreender que
não há uma hierarquia, mas uma complementaridade: cidade não vive
sem campo, que não vive sem cidade.

Em outras palavras, o que define o sujeito do campo é o jeito com que


ele interage com a natureza, a fim de tirar dela seu sustento e de sua família,
como realiza seu trabalho, como passa seus conhecimentos adquiridos no dia a
dia para seus filhos, como organiza a estrutura familiar e de apoio com sua

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comunidade. Pensar no campo, valorizar a terra e conhecimentos extremamente
ricos que devem ser valorizados pela escola e pelo governo.

1.1 A Educação do Campo

Historicamente, a Educação do Campo vem sendo tratada como uma


política compensatória em que a real demanda é posta de lado. Em inúmeras
vezes o currículo tem sido urbano, não contemplando os saberes e anseios
dessa população que tanto tempo esteve à margem dos processos educativos e
com escolas distantes geograficamente dos centros rurais ou pior ainda,
localizadas em grandes centros urbanos.
Nesse sentido faz-se urgente discutir e repensar políticas públicas e
currículo voltado para o homem do campo. Por isso que a partir de agora vamos
trabalhar com a didática do ensino e como utilizá-la com foco na Educação do
Campo.

Fonte: http://fundacaotelefonica.org.br/noticias/escola-campo-e-sociedade-as-
relacoes-e-os-desafios-que-envolvem-a-educacao-do-campo-hoje/

1.2 Definição de Didática

A palavra didática é de origem grega e deriva-se da expressão techné


didaktik, que significa arte ou técnica de ensinar.
Para os gregos ensinar era uma arte, logo nada mais justo que utilizar a
expressão arte de ensinar para definir didática. Mas não só de arte vive o
homem, pois a didática é também considerada uma técnica que constitui uma
série de procedimentos que visam atingir determinados objetivos, a fim de

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chegar a resultados práticos previamente determinados. Sendo assim, a didática
pode ser considerada a arte de orientar a aprendizagem.
Na antiguidade, os gregos criaram a maiêutica, que foi um dos
principais recursos didáticos da época. Nessa época, ela era um componente da
Filosofia, vindo a separa-se somente em meados do século XVII.
Comênio, cientista e astrônomo foi considerado o pai da didática, e no
ano de 1627, escreveu Didáctica Checa, que posteriormente foi traduzida para
o latim com o título Didacta Magna. Em sua obra, o autor resumiu a prática
pedagógica que ele via como didática, e para ele é:

Uma maneira de ensinar de forma direta e clara, mostrando a


verdadeira natureza das coisas, partindo de suas causas para explicar
os princípios gerais, tudo em seu devido tempo, aproximando o
homem de Deus (COMENIO, 1627).

Vocabulario
Maiêutica: A palavra maiêutica significa parto e engloba o
conceito socrático de transmissão de conhecimento.
Fazendo alusão ao trabalho de parto, a demora o processo
dolorido e complicado. Esse trabalho de parto, tal como a
maiêutica necessita de ajuda externa, seja de uma parteira,
ou no caso do professor.

Seguindo essa ordem cronológica, depois de Comênio, o Francês Jean-


Jacques Rousseau (século XVII) foi o responsável por uma nova concepção de
didática, com sua obra Emílio, ou da Educação, obra essa que é lida até hoje
nos cursos de Filosofia e Pedagogia.
Em seu livro, Rousseau expressa sua opinião com relação aos preceitos
educacionais apregoados até então, demonstrando que podemos conservar a
bondade natural do indivíduo através da educação a fim de formar o cidadão
ideal.
Sua teoria, baseada na prática realizada com o Emílio, daria origem ao
paradigma didático tradicional, e foi nesse momento que passou-se a difundir a
ideia do professor como um tutor do aluno, tendo uma função quase que paternal
do processo educativo. Essa corrente ficou vigente até as primeiras décadas do
século XX quando surge o Movimento escola novista, ou Escola Nova.

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Esse movimento traria uma nova maneira de pensarmos a educação,
em que o professor deixa de ser o centro do processo didático passando a ser
um facilitador. Foi nesse cenário que surge a preocupação com a parte
psicológica do aluno e seus processos cognitivos.
No século XX, temos uma nova ruptura com o surgimento de uma
didática mais tecnicista, apoiada em modelos como o Taylorismo e o Fordismo.
Esses modelos dominaram as escolas brasileiras com a supervalorização da
tecnologia como principal meio de transmissão de conhecimento.
Atualmente, a pedagogia é considerada uma ciência autônoma, pois
tem como finalidade as estratégias de ensino, ocupando-se também de questões
relativas às metodologias utilizadas nas práticas de sala de aula. Na didática,
temos a relevância dos conteúdos, desde a sua escolha, o material didático que
será empregado bem como as relações entre professores e alunos. Ou seja, a
Didática enquanto disciplina, caracteriza-se pelo seu cunho teórico prático que
serve como subsídio ao professor dentro de toda uma dinâmica escolar.
Para Melo e Urbanetz (2008, p.52):

Dar subsidio ao professor em todos os elementos constitutivos da


dinâmica escolar, quais sejam: a reflexão pedagógica necessária à
implementação de um projeto educativo, com suas concepções
explicitadas através de seus planejamentos e efetivadas através de
sua dinâmica cotidiana.

A Didática deve ter questões norteadoras, nas quais: “como ensinar,


para que ensinar e por que ensinar?” Sendo assim, essas questões são sempre
norteadas por uma ideologia no qual escolhermos o tipo de didática que iremos
empregar estamos nos posicionando politicamente, e é isso que veremos a
seguir ao focarmos no nosso objeto de estudo: a Educação do Campo.

1.3 A Didática na Educação do Campo

Para respondermos as questões do item anterior, voltando nossos olhares


para o povo do campo, é necessário pensarmos em outros questionamentos.
 Quem são os alunos? (Público-alvo)
 Em qual realidade se encontram? (Social e econômica)
 Onde vivem?

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 Que tipo de sujeito pretendemos formar?
 Quais as correntes ideológicas que me norteiam?
Dito isso é importante salientar que todos somos seres políticos e que
quando escolhemos um determinado autor para utilizarmos em nossas aulas,
estamos deixando outros tantos de lado. Essa escolha do professor não está
relacionada à posição partidária, são coisas distintas.
Mais do que nunca, o professor do campo necessita ter um
posicionamento político bastante claro, compreendendo os mecanismos da
vivência e do trabalho no campo, os anseios do povo com relação à qualidade
de vida, a lida da terra, questões políticas e econômicas na qual esses alunos
estão envolvidos.
Como pode-se perceber isso não é uma tarefa simples, para ensinar é
preciso conhecer. E além de conhecer e “dominar” a técnica a ser empregada,
temos que trazer uma aprendizagem significativa que abarque esse amplo
universo que é a Educação do Campo.

Importante
DIDÁTICA - atividade mediadora entre a teoria educacional e a
prática em sala de aula.

Didática é bem mais que a sala de aula, e começa antes mesmo que o
professor chegue à classe. A aula é onde todo o processo educativo se
manifesta, a bagagem cultural do professor, seu aporte teórico, o seu domínio
da técnica, o estudo da realidade do educando e muito mais.
Nesse sentido, a escola do campo (sujeito educativo) deve buscar
interpretar a realidade dos educandos (homem do campo), considerando as
relações mediadas pelo trabalho no campo, como produção material e cultural
do povo do campo. E a partir daí construir novos conhecimentos que promovam
novas relações de trabalho e vivência para os sujeitos.
De acordo com Caldart (2004, p. 156):

Trata-se de combinar pedagogias, de modo a fazer uma educação


que forme e cultive identidades, auto-estima, valores, memória,

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saberes, sabedoria; que enraíze sem necessariamente fixar as
pessoas em sua cultura, seu lugar, seu modo de pensar, de agir, de
produzir; uma educação que projete movimento, relações,
transformações [...].

Existe toda uma produção cultural entre os sujeitos do campo, seus


saberes e fazeres, suas lutas e conquistas que devem estar presentes no
cotidiano da escola do campo. Os conhecimentos e vivências, bem como suas
leituras de mundo, precisam ser levados em conta, tornando-se o ponto de
partida para nortear a nossa didática de ensino.

Para Refletir
Qual deve ser o principal foco da didática na Educação do
Campo?

Para concluir a aula, enfatizo o caráter político da Educação do Campo


bem como as mudanças e avanços que tivemos nas ultimas décadas. O homem
do campo passou a ser incluído nas políticas públicas educacionais, refletindo
no seu protagonismo frente às adversidades do trabalho com a terra. Mesmo
com esses avanços, muito se tem a fazer a fim de que essa educação seja
libertadora e conscientizadora, pois de nada adianta abrirmos escolas no campo
se essas são idênticas as escolas urbanas e não valorizam os conhecimentos
do povo do campo.

Resumo da Aula 1

Nesta aula foram abordadas questões relativas a Educação do Campo,


suas finalidades e particularidades, tendo o foco a emancipação do homem do
campo dentro do seu ambiente de trabalho e vivência. Vimos também uma
contextualização da história da Didática enquanto ciência do ensino e enquanto
disciplina. Por último buscamos focar na Didática para essa disciplina.

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Atividade de Aprendizagem

Discorra sobre as questões estudadas sobre a didática.

Aula 2 – Estratégias de ensino aplicadas à Educação do Campo


Apresentação da aula

Nesta aula será tratado a respeito de estratégias didáticas para serem


aplicadas na Educação do Campo. Projetos didáticos e metodologias que tem
como foco o povo do campo, estratégias essas que visam à emancipação do
sujeito partindo de suas próprias vivências e conhecimentos prévios.

2.1 Que tipo de educação estamos almejando?

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para


a sua produção ou a sua construção” (FREIRE, 2011, p. 24).

Figura 1- Escola do campo no campo!

Fonte: http://denshare29.rssing.com/chan-15318808/all_p80.html

Trabalhar a educação do campo de forma coerente com seus anseios e


de forma significativa é o que se espera do educador do campo, mas para isso
é preciso levar em conta o paradigma da Educação do Campo, paradigma esse
que foi historicamente construído, principalmente nas ultimas décadas.

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Os movimentos sociais e a luta por condições mais dignas de trabalho,
educação e moradia, bem como a luta pela terra, acabaram por redefinir o
espaço educacional. Baseado a partir de uma concepção de campo que tem
como princípios básicos as relações sociais, ambientais, econômicas e culturais.
De acordo com José Martins, em seu livro O poder do atraso (1994):
“Na verdade a questão agrária engole a todos e a tudo, quem sabe e quem não
sabe, quem vê e quem não vê, quem quer e quem não quer”.
Para que isso ocorra é preciso que se parta de uma ampla investigação
do universo desses educandos (nesse caso o homem do campo), para
posteriormente organizar e pensar os conteúdos escolares, a didática de ensino
e a metodologia de trabalho. Buscando assim a valorização das singularidades
regionais e nacionais, as identidades sociais e políticas do povo do campo.

Importante

O trabalho no campo no Brasil divide-se em regiões com


características distintas. Portanto, pensarmos numa fórmula
única para a educação do campo não é correto. Por exemplo, o
Sul do país tem características diferentes do Norte, seja no
modo de trabalho, no tipo de subsistência ou nas lutas políticas.
Não esqueça: é preciso valorizar essas diferenças!

Pois conforme Caldart (2002, p. 26):

Trata-se de uma educação que deve ser no e do campo - No, porque


[...] o povo tem o direito de ser educado no lugar onde vive; Do, pois
o povo tem direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com
a sua participação, vinculada à sua cultura e às suas necessidades
humanas e sociais.

Nesse sentido, Damasceno (1993), salienta que a prática produtiva e


política do povo do campo caracteriza-se como fonte primária do conhecimento
social. Os seus saberes são engendrados em sua prática produtiva e elaborados
em sua prática política e isso envolve toda uma construção de classe e
organização política desse povo.
A escola do campo deve voltar seus olhares para os conhecimentos
oriundos do mundo do trabalho no campo, nas necessidades básicas para a

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produção e venda de produtos, a criação e manutenção de cooperativas. Bem
como na urgência de iniciativas para a área de agroecologia, na produção e
comercialização de orgânicos.
Dito isso, a escola deve tentar interpretar essa realidade levando em
consideração as relações mediadas no trabalho do campo, baseados na cultura
e identidade própria do campesinato.
Retomando a importância de conhecer o nosso educando e o universo
em que vive, Poli (1995), assim caracteriza o camponês, foco da nossa educação
do campo:
 Trabalhador que lida com o cultivo de uma pequena porção de terra
(uso de ferramentas rudimentares e pequenas máquinas);
 Mão de obra familiar;
 Sujeito inserido e reproduzido no interior do modo de produção
capitalista sem se caracterizar como um capitalista;
 Família como unidade básica de posse, consumo e produção;
 Tem a “função” de oferecer produtos agropecuários a preços
inferiores ao de grandes latifundiários;
 Forte ligação com a família, a comunidade, o bairro rural, o grupo
de vizinhança;
 Contato frequente com o meio urbano, numa relação subordinada
a ele, de inferioridade, social, política e econômica;
 Frequente contato com o mercado com caráter parcial e
incompleto; vende seus produtos excedentes e adquire
mercadorias complementares para satisfazer as suas
necessidades básicas;
 Objetivo de produzir valores de uso e não valores de troca com
uma agricultura voltada para a manutenção de um modo de vida
e não de um negócio.

Como pôde observar até aqui, o povo do campo nada tem a ver com os
grandes proprietários de terra, pois sua relação com o mundo do trabalho, com
a terra e com os demais homens do campo constituem-se numa cultura própria.

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2.2 Metodologias da educação na formação do aluno cidadão

Uma das grandes preocupações com relação à Educação do Campo


está no despreparo dos educadores para lidar com as questões impostas por
esse tipo de educação. Isso deve-se muito às grades curriculares dos cursos de
licenciatura, que raramente abordam a Educação do Campo, contemplando
apenas o modo de vida urbano e suas particularidades.
Ao escolher um curso voltado para a Educação do Campo se está dando
um grande passo em busca de uma educação mais justa para esse povo tão
excluído de nossas políticas públicas.
Antes de darmos início nas metodologias e aprendizagens destinadas
ao campesinato é necessário destacarmos a importância dessa educação ser
realizado no próprio campo, pois o núcleo escolar vai muito além de um local de
produção de conhecimento, ele é um espaço de convívio social dos educandos,
educadores e comunidades em geral. Esses laços fortalecem a identidade
cultural e o pertencimento desses sujeitos. Além disso, evita-se o deslocamento
dos educandos que causam desgaste físico e emocional.
Agora trata-se da escolha de metodologias adequadas na busca de
emancipação desses sujeitos.
A escolha metodológica é considerada uma alternativa para o processo
de apropriação e de construção de conhecimentos, sejam eles gerais,
pedagógicos, relacionados a cada área de estudo. Essas escolhas refletem
diretamente no tipo de aprendizagem que se busca e baseia-se em nossos
referenciais teóricos, metodológicos e em pesquisas de campo.
Além de simples transmissão de conhecimento a metodologia abarca
todas as dimensões educativas, e isso se dá através da participação e da
interação dos sujeitos envolvidos. Nesse sentido a metodologia relaciona-se com
as diferentes realidades que convivemos, ou seja, o nosso universo cultural.

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Saiba Mais
Mas afinal, o que é universo cultural?
O termo “universo cultural” surgiu com um velho conhecido
de nós educadores, o Paulo Freire. Para ele, universo
cultural seria tudo aquilo que nos conecta com a realidade e
como nos relacionamos com o mundo a nossa volta. Seja em
nossa comunidade mais próxima, como no nosso bairro, ou
numa realidade mais longínqua, como o nosso país e o
mundo.

De acordo com Paulo Freire a metodologia é entendida como uma


importante ferramenta capaz de transformar a realidade dos educandos e dos
educadores, no sentido de vir a orientá-los para a vida em sociedade, ampliando
sua visão de mundo e como se relacionam com ele. Nesse sentido os processos
educativos e as práticas pedagógicas servem como um guia de leitura do mundo,
recuperando a capacidade do homem ser, sentir e viver com os outros e com o
mundo a sua volta.
Ainda de acordo com o autor, a educação pode vir a transformar a
comunidade e aos poucos afetar outros segmentos, valorizando a cidadania, a
igualdade e o respeito ao outro. Sendo assim, a escolha de uma metodologia de
trabalho pode influenciar não só no aprendizado dos alunos, mas também como
eles se relacionam com os demais.
A seguir citarei alguns tipos de metodologias que podem ser trabalhadas
com a Educação do Campo, levando sempre em consideração a faixa etária e
as características regionais dos educandos:
 As rodas de conversa, baseiam-se nos Círculos de Cultura
trabalhados por Paulo Freire na década de 1960, devendo ser
pautadas no diálogo e no respeito mútuo;
 A pesquisa-ação, importante ferramenta de ensino em se tratando
de jovens e adultos do campo;
 Pesquisa constante do universo do educando como eixo gerador
de conhecimento em sala de aula. A partir das próprias vivências
surgem questões que servem de base para as discussões em sala
de aula;

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 Aulas expositivas dialogadas baseadas em temas geradores de
conhecimento.
 Trabalhos em grupo, com vistas à construção do diálogo e da
participação coletiva;
As metodologias acima citadas devem ser realizadas mediante projetos
didáticos, esse destinam-se a gerar ações de intervenção na realidade a partir
de intenções educativas claras e diferenciadas ao longo do processo. Eles
favorecem aprendizagens que propiciam o desenvolvimento de capacidades,
compreensão da realidade e de transpor obstáculos. Para Nery (2007, p. 119):

Essa modalidade de organização do trabalho pedagógico prevê um


produto final cujo planejamento tem objetivos claros,
dimensionamento do tempo, divisão de tarefas e, por fim, a avaliação
final em função do que se pretendia. Tudo isso feito de forma
compartilhada e com cada estudante tendo autonomia pessoal e
responsabilidade coletiva para o bom desenvolvimento do projeto.

Dentre as metodologias que trabalhamos até aqui iremos nos


aprofundar na pesquisa-ação. Considerada uma importante ferramenta a ser
utilizada na Educação do Campo.

2.3 A pesquisa-ação como prática social

Na área da Educação brasileira, temos como grandes expoentes Carlos


Rodrigues Brandão e Paulo Freire, em que a pesquisa ação é destinada
principalmente para dar voz aos menos favorecidos e oprimidos.
A pesquisa-ação caracteriza-se como um tipo de pesquisa social
concebida e desenvolvida através da ação, tendo em vista a resolução de um
determinado problema coletivo. Onde pesquisadores e participantes atuam em
conjunto a fim de transformar a realidade da qual fazem parte, com vistas ao
bem comum.
Conforme Tripp (1993), pesquisa-ação “é toda tentativa continuada,
sistemática e empiricamente fundamentada de aprimorar a prática”. Partindo
dessa afirmativa pode-se perceber que esse tipo de pesquisa contribui para
prática do educador que visa inserir em seu trabalho docente situações que
levem a participação de seus alunos, buscando sua melhoria de vida.

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Para que isso ocorra, é necessário que exista uma estreita relação entre
educador/pesquisador e educando/participante, é só através da reciprocidade
entre ensinar e aprender que pode-se chegar a resolução de problemas. A
pesquisa-ação é considerada como um método que engloba distintas técnicas
de pesquisa social. Ela é sempre qualitativa, com foco nas especificidades dos
fenômenos sociais e não apenas em números e comparações como é de se
esperar de uma pesquisa quantitativa.
Principais passos a seguir:
 A primeira técnica utilizada deve estar relacionada à coleta de
dados, seguindo da interpretação dos mesmos. É nessa etapa que
o pesquisador procura familiarizar-se com a realidade do
educando, sujeito de sua pesquisa.
 Logo em seguida o pesquisador, junto com os sujeitos de sua
pesquisa parte para a organização das ações a serem realizadas
durante o processo.
 O passo seguinte é a busca e a solução do problema levantado no
início da pesquisa.
 Avaliação seguida da reflexão. É nela que os participantes avaliam
cada processo da mesma, a fim de aprender com os mesmos e
não repeti-los num próximo processo.
Conforme Freire (2005), para a educação ser libertadora, deve levar a
transformação radical da sociedade; para tanto, educando, educadores e
comunidade devem estar engajados com vistas a esse fim. Quando o educador
decide fazer parte do universo do educando e inseri-lo no processo educativo,
está dando um grande passo rumo à transformação social.
Por sua característica investigativa, a pesquisa-ação busca conhecer a
realidade com o intuito de transformá-la. A forma de pesquisar a realidade
envolve a população nesse processo, gerando conhecimentos indispensáveis
para que se resolvam os problemas propostos.

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Vocabulario
Participação: atividade em cujo processo estão envolvidos
os pesquisadores e os pesquisados, sujeitos da ação que
contribuem no conhecer e no transformar a realidade na qual
estão inseridos.
Pesquisa: caracteriza-se como um processo reflexivo,
sistemático e crítico, cuja finalidade é estudar determinados
aspectos da realidade tento como objetivo a ação prática
(investigação).

Amplie Seus Estudos


SUGESTÃO DE LEITURA

Para ampliar seus conhecimentos sugiro a


leitura da obra Pesquisa Participante: o saber
da partilha, de Carlos Rodrigues Brandão e
Danilo Romeu Streck. Nele, os autores
abordam de forma apaixonante a pesquisa-
ação como um instrumento de transformação
social.

Para Refletir
Como conclusão de nossa segunda aula gostaria que você
refletisse acerca da importância do homem do campo para
as nossas vidas. É através do seu esforço e trabalho que
colocamos comida na nossa mesa. Dito isso agora você
pense como um educador crítico e amoroso, como diria
nosso eterno mestre Paulo Freire. E agora? Sua didática e
metodologia de trabalho serão de inclusão ou excludente?
Você pode fazer a diferença para que o povo do campo deixe
de estar à margem das políticas educacionais.

Resumo da Aula 2

Nesta aula abordamos aspectos fundamentais para o educador: os


procedimentos didáticos e metodológicos que servem para nortear o trabalho do
professor em seu dia a dia em sala de aula, tendo como foco a emancipação do

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povo do campo. A pesquisa participante ou pesquisa-ação é um instrumento
bastante usado quando se quer promover a participação coletiva com vistas a
solução de problemas, portanto encaixa-se perfeitamente no trabalho com a
Educação do Campo.

Atividade de Aprendizagem
De acordo com o que você viu na nessa aula, explique em que
caracteriza-se a pesquisa-ação educacional.

Aula 3 – O processo de ensino/aprendizagem voltado para a emancipação


do homem do campo

Apresentação da aula

Nesta terceira aula da disciplina de Didática e Metodologia do Ensino na


Educação do Campo, iremos aprender a respeito dos diferentes processos de
ensino e de aprendizagem que podemos adotar em nossa prática.
Partindo de autores como Paulo Freire, buscaremos dar suporte as suas
escolhas a fim de que possam vir a contribuir para o crescimento de seu aluno.

3.1. Para aprender é preciso conhecer!

Figura 1- Freire e a educação Libertadora


Fonte: http://www.redetis.iipe.unesco.org/publicaciones/as-40-horas-de-angicos-
vitimas-da-guerra-fria/#.WL8M-NLys_4

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Partindo da frase acima “Para aprender é preciso conhecer”,
conheceremos um pouco mais da vida do povo do campo e dos caminhos
metodológicos que podemos utilizar para que a aprendizagem seja significativa.
Ao propormos em nossas aulas as aprendizagens significativas, estamos
colaborando para que o educando construa significados, além de estabelecer
relações entre o que aprende e aquilo que ele já conhece.
A educação do sujeito do campo voltada para aprendizagens que
resultem na sua emancipação pressupõe atitudes alicerçadas na melhoria das
políticas voltadas para o homem do campo, levando em conta ações educativas
que realmente incluam esses sujeitos no debate, para assim deixarem de ser
meros expectadores de sua realidade, passando a atuar de forma efetiva em prol
da melhoria da sua qualidade de vida.
“Mas para que o sujeito do campo sinta-se realmente inserido no processo
de ensino e aprendizagem, o que o educador precisa saber?”
De acordo com Freire, temos que ter em mente três dimensões
educativas:
 A dimensão política da educação,
 A cultura popular enquanto aspecto emancipatório
 Os vínculos afetivos como princípios que unem os trabalhadores
camponeses organizados em seus movimentos sociais.

Vocabulario
Emancipação: significa o ato de tornar alguém livre ou
independente, portanto uma educação emancipatória de
acordo com Paulo Freire é aquela ligada a autonomia do
sujeito através de uma educação pautada em princípios
significativos e conscientes, de uma educação que não exclui
e que liberta pelo conhecimento e pelo posiciona-mento crítico
e político.

Pois conforme o próprio Freire (1989, p. 15) temos:

O mito da neutralidade da educação, que leva à negação da natureza


política do processo educativo e a tomá-lo como um que/fazer puro,

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em que nos engajamos a serviço da humanidade entendida como uma
abstração, é o ponto de partida para compreendermos as diferenças
fundamentais entre uma prática ingênua, uma prática "astuta” e outra
crítica.

Para o autor (1989), não é possível negar a natureza política do processo


educativo, a educação não é neutra e deve estar acima de tudo a serviço da
humanidade. Nesse sentido Freire (2000), complementa:

A leitura crítica do mundo é um que-fazer pedagógico-político


indicotomizável do que-fazer político pedagógico, isto é, da ação
política que envolve a organização dos grupos e das classes
populares para intervir na reinvenção da sociedade. (FREIRE, 2000,
p. 21)

“Mas afinal de contas, que é essa tão falada leitura crítica do mundo?”
Resumidamente, é a capacidade de ler e interpretar a realidade a nossa volta e
conseguir posicionar-se criticamente a partir de nossos referenciais.
Para que se possa fazer essa leitura crítica do mundo, faz-se necessário
alguns questionamentos:
 Quais os conteúdos culturais dos povos do campo devem ser
abordados nas disciplinas para que instrumentalizem os educandos
a fim de que possam compreender o mundo a sua volta?
 Quais são os saberes dos povos do campo que precisam integrar os
currículos das disciplinas?
Para responder a esses questionamentos retorno a frase inicial de nossa
aula: ‘para aprender é preciso conhecer!’. Para que você selecione os saberes e
conteúdos a serem abordados, deve conhecer a realidade de seu educando.
Não de todo homem do campo, mas do “seu” homem do campo, pois conforme
abordamos na aula passada existem diferentes realidades em diferentes regiões
do campo espalhadas pelo nosso país.
Conforme Freire (1987, p. 101):

Não posso investigar o pensar dos outros, referindo ao mundo, se não


penso. Mas não penso autenticamente, se os outros também não
pensam. Simplesmente, não posso pensar pelos outros, nem para os
outros. A investigação do pensar do povo não pode ser feita sem o
povo, mas com ele, como sujeito de seu pensar. E se seu pensar é
mágico ou ingênuo, será pensando o seu pensar, na ação, que ele
mesmo se superará. E a superação não se faz no ato de consumir
idéias, mas de produzi-las e de transformá-las na ação e na
comunicação.

23
O que os gestores da educação precisam entender é que não se pode
considerar o sujeito do campo como uma tábula rasa, desprovido de cultura. Mas
sim, através de uma educação dialógica, buscar trazer para sala de aula a
imensa bagagem cultural que esse povo possui, para a partir daí construir junto
o conhecimento que se almeja.
Para Freire (1981, p.26):

Não queremos, contudo, com isto dizer que os camponeses devam


permanecer no estado em que se encontram com relação a seu
enfrentamento com o mundo natural e à sua posição em face da vida
política do país. Queremos afirmar que eles não devem ser
considerados como “vasilhas” vazias nas quais se vá depositando o
conhecimento dos especialistas, mas, pelo contrário, sujeitos,
também, do processo de sua capacitação. Capacitação indispensável
ao aumento da produção, cuja necessidade, demasiado óbvia, não
necessita ser discutida. O que, porém, não apenas se pode, mas se
deve discutir, é a forma de compreender e de buscar o aumento da
produção.

Amplie Seus Estudos


SUGESTÃO DE LEITURA
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a obra
de Paulo Freire e sua Pedagogia Libertadora é
sugerida a leitura do livro: Educação como prática
da Liberdade. Neste livro, Paulo Freire, em nome
de uma educação orientada para a autenticidade,
propõe condições e métodos para que ninguém
mais seja excluído ou posto à margem da vida
nacional.

3.2 Por uma aprendizagem significativa

Não há um modelo pré-estabelecido para a Educação do Campo, pois


cada um dos professores, mesmo utilizando a mesma forma de ensino, vai ao
longo das aulas, adicionando novos saberes de acordo com nossa prática e
nossos conhecimentos.
Pois bem, os saberes escolares podem ser divididos dois:
 Os saberes da experiência oriundos da bagagem cultural de nossos
educandos;

24
 Os saberes da experiência trazidos pelos educadores, somados aos
específicos de cada área do conhecimento e aos gerais.
Para que se possa incluir e valorizar a cultura do camponês na escola,
faz-se necessário repensar a organização dos saberes escolares; isto é, os
conteúdos específicos a serem trabalhados em cada etapa da escolarização.
De acordo com Freitas (2006), uma das formas de se efetivar a inclusão
dos saberes do homem do campo no currículo escolar, está na articulação de
conteúdos sistematizados com a realidade do campo nas disciplinas da Base
Nacional Comum, quais sejam: Língua Portuguesa, Artes, Educação Física,
Matemática, Ciências, História, Geografia, Ensino Religioso, Língua Estrangeira
Moderna, Biologia, Física, Química, Sociologia e Filosofia.
Ainda de acordo com Freitas (2006, p.45), também devemos estar
atentos com a Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental, a fim
de que se possa “inserir a especificidade da vida das crianças do campo nas
suas práticas pedagógicas, as brincadeiras criadas pelas crianças, à
sociabilidade entre elas, a participação nas atividades domésticas e da lavoura
etc.”.
Essa preocupação com as primeiras etapas da educação é importante
no sentido de que a criança do campo vive o campo junto com seus pais,
acompanhando as atividades desenvolvidas pelos pais e irmãos mais velhos.
Para Freitas (2006, p.46)

De fato, as crianças do campo acompanham o ciclo produtivo das


plantas, sabem o que comem e como foi produzido, começam desde
pequenas a distinguir os problemas existentes na agricultura, como os
baixos preços dos produtos agrícolas. A criança vive o seu cotidiano
de forma que percebe os limites dos lugares (plantação, limites entre
as propriedades, estradas que são de domínio público etc.).

Esses são apenas alguns dos pressupostos que visam à inserção do


homem do campo e de sua realidade no contexto escolar. O próximo item trata
das diferentes aprendizagens.

3.3 Expandindo horizontes

É importante mencionar que a Educação do Campo deve partir do


homem do campo e da realidade que está inserido, mas isso não quer dizer que

25
tenha que se ater só a isso. A educação transformadora deve abrir portas para
o conhecimento de novas realidades e novas possibilidades, ampliando assim
os horizontes de nossos educandos.

É preciso expandir os horizontes


https://www.ecodebate.com.br/2016/11/17/educacao-do-campo-e-sustentabilidade-
diversas-interpretacoes-e-perspectivas-por-debora-barros-andrade-e-giovanna-freire-
de-oliveira-lima

Conforme estudamos até aqui o processo de ensino aprendizagem deve,


acima de tudo, ser significativo. Dentre essas aprendizagens significativas pode-
se observar as seguintes:
 Aprendizagem cooperativa: nela há uma cooperação mútua entre
educando e educadores e existe um esforço por parte dos
educandos para assimilar os conteúdos propostos;
 Aprendizagem através do diálogo: o diálogo cria interações orais
entre os participantes com o intuito de trabalhar a troca de ideias.
 Aprendizagem a partir da resolução de problemas; os alunos
procuram solucionar questões do cotidiano.
A metodologia da aprendizagem cooperativa possibilita o aprendizado
através da interação, melhorando as competências de comunicação e
fortalecendo a autoestima. Além de enfatizar a importância da cooperação entre
os sujeitos do campo.
O diálogo funciona como uma ponte entre as pessoas criando um
espaço propício para o desenvolvimento de novas aprendizagens e diferentes
reflexões. O diálogo auxilia no desenvolvimento de competências de
comunicação, e interação promovendo a compreensão de questões e pontos de

26
vista distintos. De acordo com Freire, aprendizagem dialógica é um dos
princípios da educação.
As metodologias baseadas na resolução de problemas levam os
educandos a questionarem-se o tempo todo, seu modo de ser e estar no mundo.
De um problema simples ao mais complexo, educando e educadores buscam
dar respostas aos problemas, mesmo que essas sejam provisórias.

Para Refletir
A educação emancipatória, de acordo com Freire, visa a
emancipação dos sujeitos oprimidos pelo sistema. De que
forma o educador pode contribuir para esse processo de
emancipação?

A “luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela desalienação, pela


afirmação dos homens como pessoas, como seres para si”, não teria
significação. Esta somente é possível porque a desumanização,
mesmo que um fato concreto na historia, não é, porém, destino dado,
mas resultado de uma “ordem” injusta que gera a violência dos
opressores e esta, o ser menos (FREIRE, 2005, p. 32).

Resumo da Aula 3

Nesta aula vimos, a partir da concepção de educação libertadora de


Paulo Freire, subsídios para nossa prática de aula. Uma das principais
constatações é a de que precisamos levar em conta os saberes e fazeres do
homem do campo, a fim de auxiliá-los em seu processo de emancipação e que
não existe uma fórmula mágica que guiará a sua prática, mas sim, princípios
filosóficos e políticos que lhe auxiliarão nesse caminho.

Atividade de Aprendizagem
Em que consiste a leitura crítica do mundo e porque ela é tão
importante para o processo educativo?

27
Aula 4 - Planejamento de disciplinas destinadas a escolas do campo e
itinerantes

Apresentação da aula

As questões que serão aqui abordadas, são resultado do que já estudamos


nas três primeiras aulas. Partindo dos conhecimentos adquiridos sobre educação
participativa e emancipatória, do diálogo e das leituras de mundo, buscaremos refletir
a cerca do currículo e das disciplinas voltadas à Educação do Campo, dando ênfase
à interdisciplinaridade.

4.1 Uma educação com a cara do campo

Analisar a prática da educação escolar, a partir de uma educação do


campo emancipatória, permite-nos avaliar as relações pedagógicas que se
constroem e são construídas por uma forte tradição educacional, no sentido de
questionar “uma série de prioridades e hipóteses que foram herdadas e deveriam
estar no centro do nosso esforço para entender a escolarização na teoria e
operacionalizá-la na prática” (GOODSON, 2001, p. 28).
Na tradição “bancária” de educação, não há espaço para o diálogo e
participação coletiva e durante muito tempo esse foi o nosso principal modelo de
educação. Paulo Freire, a partir de sua concepção dialógica trouxe para o
cenário educativo uma série de debates e proposições educacionais que
atualmente tem permeado as pesquisas em escolas do campo.
A forte vertente política do Movimento dos Sem Terra (MST) posicionou-
se contra essa pedagogia verticalizada (educação bancária), que de acordo com
Freire (1979): “Educa-se para arquivar o que se deposita” e “arquivados, porque,
fora da busca, fora da práxis, os homens não podem ser”. Os movimentos sociais
envolvidos com povo do campo compreendem a educação como sendo parte
importante de um projeto de desenvolvimento do campesinato.

28
Para Refletir
Mas como organizar e planejar um currículo voltado para o
homem do campo?

Em uma perspectiva de troca de saberes entre educandos, educadores


e demais membros da comunidade o planejamento curricular visa propor novas
formas de pensar e agir, em que o ato de ensinar não é mecânico, mais vivido e
pensado por todos de forma coletiva e participativa.
Conforme Arroyo (2005) esse trabalho participativo aposta na
humanização do conhecimento a partir de uma concepção de educação mais
abrangente, capaz de incluir os aprendizados da vida das famílias campesinas,
seus hábitos, costumes e religiões.
Nesse sentido o planejamento escolar e a escolha das disciplinas devem
passar pela:
 Aproximação dos saberes escolares com os saberes trazidos pelos
campesinos;
 Valorização da vida no campo;
 Uso de espaços alternativos que vão além da escola, como
plantações locais, igrejas e centros comunitários;
 Aprofundamento dos conhecimentos empíricos trazidos para sala
relacionando-os com aqueles conhecimentos produzidos fora do
ambiente do campo;
 Abertura da escola do campo para a participação de toda a
comunidade com vistas ao crescimento regional.
 Utilizar os próprios agricultores como porta-vozes dos problemas do
campo, fortalecendo vínculos com a escola.

29
Fonte: https://gestaoescolar.org.br/conteudo/777/ensino-com-a-cara-do-campo

Vocabulario
Planejamento: significa o ato ou efeito de planejar, criar um
plano para otimizar o alcance de um determinado objetivo.

A reorganização do currículo das escolas do campo tem que,


necessariamente, considerar as especificidades do homem do campo, pois no
momento que as escolas do campo foram pensadas, o fizeram a partir da ótica
da educação nas cidades. Portanto uma readequação faz-se necessária,
partindo de um currículo imposto, fragmentado e descontextualizado para um
currículo vivo, participativo e voltado para o povo do campo.
Machado (2009), afirma que propostas de currículos distanciadas da
realidade sócio-cultural do homem do campo têm contribuído para que “muitas
pessoas passem a negar sua própria condição campesina, influenciadas pela
ideologia do campo como elemento de atraso sociocultural e econômico”.
Uma das respostas a esse problema está em uma gestão democrática
e na participação coletiva para a construção de um currículo mais adequado a
essa realidade. Pois de acordo com Veiga (1995, p. 82):

[...] o currículo é um instrumento de confronto de saberes: o saber


sistematizado, indispensável à compreensão crítica da realidade, e o
saber de classe, que o aluno representa e que é resultado das formas
de sobrevivência que as camadas populares criam. Valoriza o saber
de classe e coloca como ponto de partida para o trabalho educativo.

30
Recapitulando o que vimos nas aulas passadas, o currículo deve levar
em conta os saberes e conhecimentos trazidos pelo povo do campo,
redimensionando-os. Esse novo currículo deve visar o desenvolvimento de
competências e habilidades que sejam voltadas para o desenvolvimento
sociocultural desses sujeitos.
De acordo com Santos (2009, p. 14):

[...] os conteúdos curriculares devem permitir que os alunos


desenvolvam sua capacidade de argumentação, de questionamento,
de crítica e sua capacidade de formular propostas de solução para
problemas detectados. [...] é fundamental que o currículo trabalhe com
habilidades que vão além do desenvolvimento cognitivo e envolvam
diferentes campos da cultura, garantindo a presença de produções
culturais dos mais diferentes grupos sociais e culturais, de tal modo
que os estudantes sejam capazes de lidar com a diferença,
valorizando e respeitando a cultura do outro, condição necessária
para a vida em uma sociedade realmente democrática.

Pimentel (2007, p.20), salienta que o currículo deve ser “[...] uma
configuração dos modos de vida de habitar o mundo, por isso mesmo não pode
ser pensado fora dos limites e possibilidades de sentir, agir e pensar a
humanidade [...]”.
Integrando conhecimentos científicos com os saberes populares a
educação do campo, a construção de um novo currículo requer uma ampla
participação coletiva, não só no que diz respeito ao planejamento curricular, mas
também aos elementos didáticos e metodológicos envolvidos no processo.

4.2 Eixos temáticos, temas geradores e interdisciplinaridade

A pedagogia de Freire trouxe para os educadores uma gama de


possibilidades de trabalho, como a pesquisa participante, a dialogicidade e os
temas geradores. Na complexa prática de planejamento curricular, temos a
oportunidade de organizá-lo a partir dos temas geradores, sejam eles comuns a
todos ou a serem aplicados com turmas específicas. O que importa é darmos
sentido ao fazer pedagógico através da escolha de determinados temas
geradores (FREIRE, 1987).
Para trabalharmos a partir de temas geradores faz-se necessário
compreender as relações de como os seres humanos estão no mundo, em seus

31
diferentes níveis de compreensão, suas visões, seus valores, para que no ensino
ocorra a análise e reflexão da prática social a ser melhor compreendida e
transformada.
Conforme Freire (1987, p. 102), “[...] toda investigação temática, na
concepção problematizadora da educação, se torna momento de um mesmo
processo [...]”, nesse processo o educador precisa estar consciente do tipo de
educação que quer ofertar aos seus educandos.
Nesse sentido, a organização curricular a partir dos temas geradores,
propõe uma aprendizagem significativa e diferenciada, visando a transformação
social do educando, e tendo como foco principal as populações do campo, sejam
elas de quilombolas, indígenas ou campesinato.

Saiba Mais
Os temas geradores estão presentes em toda
pedagogia de Freire e consistem em assuntos retirados do
próprio universo dos educandos escolhidos a partir dos
círculos de cultura. Esses círculos de cultura eram o ponto de
partida para a conscientização dos sujeitos educativos e
eram compostos por educadores, educandos, re-
presentantes políticos e membros da comunidade em geral.
Esse grupo girava em torno de um objetivo comum: acabar
com a alienação e a falta de protagonismo que estava
oprimindo cada vez mais o trabalhador brasileiro. Nesses
círculos primeiramente eram apresentados os problemas,
sonhos e desafios a serem transpostos pelo grupo, a
chamada leitura de mundo. Era a partir dessa leitura crítica
de mundo que nasciam os temas geradores.
A leitura do mundo caracteriza-se por um estudo
sistemático do universo social e cultural da comunidade na
qual os sujeitos estão inseridos. Nessa leitura, detalhes como
a história de vida dos educandos, por exemplo, torna-se
fundamental. O diálogo e a escuta são o ponto de partida
para o educando que deseja utilizar o método com seus
educandos.

Além da forma de ensinar a partir dos temas geradores, e das disciplinas


obrigatórias, devemos pensar na diversificação da matriz curricular, adaptando
essas disciplinas ao homem do campo. Por exemplo, a criação de disciplinas
como:

32
 Desenvolvimento sustentável;
 Cooperativismo;
 Agronegócio;
 Plantações orgânicas.
Deve-se inserir esses temas nas matérias de Matemática, História,
Português, Geografia e assim por diante. Além dos temas recolhidos nas rodas
de conversa, alguns temas são fundamentais para aprofundar os conhecimentos
do povo do campo como:
 Meio Ambiente;
 Trabalho na terra;
 Alimentação;
 Saúde.
Esses e tantos outros temas podem ser abordados interdisciplinarmente, a
partir da articulação a ser feita entre as áreas do conhecimento. O envolvimento
de educadores, educandos, comunidade e equipe escolar na prática pedagógica
é um caminho para o desenvolvimento da participação social. O envolvimento
dos educadores das diferentes áreas do conhecimento garantirá a qualidade de
aproximação disciplinar, num primeiro momento, e depois a interdisciplinaridade.

4.3 Entraves no trabalho com educação do Campo

A valorização do campo a partir de propostas educacionais depende de


educadores, gestores e da criação de políticas públicas que os ampare. Além do
problema de falta de incentivos e de políticas adequadas vimos que os cursos
de formação de professores, na sua maioria, não dão conta da Educação do
campo. Muitos professores que estão há bastante tempo no sistema público de
ensino na cidade têm sido remanejados para atuarem em escolas do campo e
ou itinerantes. Mas muitos não possuem o preparo adequado para essa árdua
tarefa.
De acordo com Arroio (2006, p. 115):

Não é um corpo nem do campo, nem para o campo, nem construído


por profissionais do campo. É um corpo que está de passagem no
campo e quando pode se liberar sai das escolas do campo. Por aí não
haverá nunca um sistema de Educação do Campo! Isso significa dar
prioridade a políticas de formação de educadores. Elaborar políticas

33
de concursos diferenciados? Políticas de formação diferenciadas?
Políticas de contratação diferenciadas? Não podemos continuar com
essa configuração de educadores do campo desvinculados do
campo.

Sendo assim, não existe uma continuidade nos projetos criados por
esses educadores que muitas vezes estão apenas de passagem pelo campo.
“Como trabalhar com eixos geradores de conhecimento, com projetos
interdisciplinares, se os educadores do campo estão sempre mudando e não
conseguem estabelecer vínculos com a comunidade?”
De acordo com o exposto até aqui é possível observar que muito ainda
tem que ser feito para que tenhamos uma escola do campo de qualidade e isso
não depende apenas dos educadores.
Não se pode carregar essa culpa de ter tido uma formação voltada para
as escolas da área urbana, mas sim buscar alternativas de suprir a carência de
conhecimentos específicos nessa área. Uma escola não existe sem contexto,
não podemos falar como meros espectadores, é preciso conhecer para
aprender, é preciso conhecer para educar.

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SUGESTÃO DE LEITURA
Para aprofundar seus conhecimentos a
respeito da obra de Paulo Freire e, leia o seu
livro de maior destaque:
No livro a Pedagogia do Oprimido, o ser
humano é visto como um sujeito ativo no
processo de construção do seu aprendizado,
bem como no processo de transformação
social. Para Freire o ser humano é histórico-
cultural, incompleto, e em constante
transformação.

Buscamos entender um pouco a realidade das escolas do campo a fim de


podermos ofertar um ensino de qualidade voltado para a emancipação humana. Isso
não é uma tarefa fácil, pois é preciso comprometimento com uma educação
transformadora e falar do campo vivendo o campo, e não como meros espectadores.

34
Resumo da aula 4

Nesta aula, aprendemos a respeito da importância de um currículo escolar


voltado para a realidade campesina em suas diferentes esferas e que para isso é
necessário conhecer profundamente a realidade na qual estão inseridos. O
planejamento escolar também foi abordado a partir das mesmas perspectivas.

Atividade de Aprendizagem
O que são temas geradores e como devem ser trabalhados?

35
Resumo da disciplina

Nessas quatro aulas abordou-se questões relativas à Didática, desde


seus princípios históricos até os dias atuais, buscando traçar um paralelo entre
as diferentes didáticas e o homem do campo. Estudou-se que há diferentes
saberes que podem ser alcançados mediante diferentes propostas
metodológicas, desde que essas partam da realidade dos educandos inserindo
seus conhecimentos prévios e sua leitura de mundo no contexto educativo.
Trabalhamos com o currículo, importante ferramenta para a transformação
social, além da importância do vínculo entre o professor e a escola do campo.

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Referências

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paranaense: "Por uma Educação do Campo". A história da Articulação. Caderno
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