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Disciplina: Contextos Históricos e Filosóficos da Educação do Campo

Autores: M.e Soraya Romero Villarreal

Revisão de Conteúdos: Esp. Larissa Carla Costa

Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso

Ano: 2017

Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas


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Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em
cobrança de direitos autorais.

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Soraya Romero Villarreal

Contextos históricos e filosóficos da


Educação do Campo
1ª Edição

2017
Curitiba, PR
Editora São Braz

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FICHA CATALOGRÁFICA

VILLARREAL, Soraya Romero


Contextos históricos e filosóficos da Educação do Campo / Soraya
Romero Villarreal. – Curitiba, 2017.
46 p.
Revisão de Conteúdos: Larissa Carla Costa.

Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso.

Material didático da disciplina de Contextos históricos e filosóficos da


Educação do Campo – Faculdade São Braz (FSB), 2017.
ISBN: 978-85-94439-58-1

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PALAVRA DA INSTITUIÇÃO

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grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e
estudantes.

Bons estudos e conte sempre conosco!


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Apresentação da disciplina

Segundo o Banco Mundial da América Latina, a porcentagem de


população rural aproxima-se de 21% do total da população. No Brasil, o
Ministério de Desenvolvimento Agrário calculou para o ano de 2015 que 36% da
população é rural. Números esses, que não podem ser ignorados ou
subestimados.
Os problemas da Educação do Campo são de longa data e ainda que
existam algumas bases normativas e alguns movimentos sociais destacados
neste cenário, o fato é que este âmbito possui inúmeras dificuldades: fatores
geográficos e de distâncias, carências de diversos tipos de recursos – tanto
humanos quanto financeiros ou de infraestrutura - e possivelmente, dificuldades
maiores ainda, como a falta de organização e execução de uma ação pública
eficiente e a situação de submissão do setor rural frente às constantes mudanças
advindas da globalização.
Nesta disciplina, serão identificados os antecedentes históricos da
Educação no Campo, será desenvolvida uma análise ao redor da situação atual
das zonas rurais brasileiras, contextualizando esse exercício com as lutas que
os movimentos sociais têm desenvolvido para posicionar suas demandas por
uma qualidade educativa maior. Igualmente, será observado o papel da escola
nas sociedades rurais, sua função social e emancipatória, assim como a
evolução sociológica do tema.

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Aula 1 - Características sociais, políticas e econômicas do campo brasileiro

Apresentação da aula

Nesta aula serão abordados os primeiro elementos de diagnóstico


socioeconômicos, os eixos conceituais do campesinato, e as características
socioespaciais do campo brasileiro.

1. Identificações na Educação do Campo

No intuito de sentar uma base sólida para a compreensão e análise crítico-


reflexivo ao redor da matéria Educação no Campo, é de vital importância,
identificar o tipo de população (neste caso moradores das zonas rurais), assim
como fazer um olhar panorâmico ao redor das circunstancias e elementos
estruturais sobre os quais desenvolvem suas vidas ao interior do contexto
brasileiro.
Esse passo preliminar vai permitir encontrar os fatores de risco que
historicamente e na atualidade essas populações vivenciam, tendo como foco
de interesse prioritário, sentar as bases para posteriormente estudar o âmbito
educativo, e todas as iniciativas, acertos, mobilizações e jogos de poder que este
tema convoca.
Esta etapa pretende não só ampliar os conhecimentos preliminares que
possam existir sobre o tema, mas também, facilitar a leitura e estudo das aulas,
a identificação dos processos subjacentes à Educação no Campo, vistos desde
a sua cronologia e impactos, como seu caráter filosófico e sociológico.

Fonte: http://www.ufes.br/ %C3%A7%C3%A3o-do-campo

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1.1. Primeiros elementos de diagnóstico

América Latina caracteriza-se por ser uma região com enormes


diferenças socioeconômicas e nessa mesma orientação, o Brasil que é um país
continental de proporções populacionais e territoriais enormes, apresenta tais
diferenças com nuances ainda mais acentuadas.

Fonte: Arquivo Gráfico Fundação Nacional de Saúde,2010.


Disponível em: http://www.funasa.gov.br/site/engenharia-de-saude-publica-
2/saneamento-rural/panorama-do-saneamento-rural-no-brasil/

Como será visto no percurso da disciplina, a educação nas zonas rurais


encontra-se afetada por uma menor oferta e uma menor cobertura, o qual
contribui entre outros efeitos, com a deserção escolar, a migração do campo
para a cidade e a desestruturação das famílias, enquanto células
socioprodutivas em si mesmas.
Por outro lado, estão as dificuldades de aceso aos centros escolares -
devido ao isolamento de muitas comunidades, assim como a ausência de
pessoal devidamente qualificado e pago de forma equitativa e justa, que possa
desenvolver os projetos curriculares. Projetos esses, que constituem
dificuldades adicionais que podem ser constatadas igualmente aos fatores
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anteriores, nos pobres resultados dos estudos de qualidade educativa dessas
zonas.
Esses estudos geralmente refletem um círculo pernicioso; no qual a falta
de recursos econômicos, uma infraestrutura deficiente, e os escassos incentivos
que recebem os docentes, sem esquecer o desfase entre o cotidiano e muitos
dos conteúdos curriculares que em nada pertencem às realidades locais, só
pioram as condições de vida dos moradores das zonas rurais, gerando mais
pobreza e maior marginalização.
Falar em população rural no Brasil, implica pensar num enfoque
diferencial. Ou seja, implica tomar em consideração as diversas realidades que
podem se produzir, tanto entre estados, como ao interior deles mesmos. Assim,
por exemplo, num país tão rico e multicultural como este, não é igual falar de
população rural e população indígena ou população afrodescendente, quando
seus interesses nem sempre são coincidentes. (Reis, 2015)
Na sequência serão abordados dois aspectos fundamentais:
prioritariamente a delimitação conceptual do termo “campesinato”, sendo que
este é o ator principal (ao interior dele o camponês), sobre o qual gira a matéria,
é fundamental cimentar uma base teórica que dê conta dos alcances e limitações
do termo. Por outro lado, em consonância com a ementa da disciplina, será feita
uma contextualização geral das zonas rurais no Brasil e a sua dinâmica atual, no
intuito de revelar as condições socioeconômicas dessa parcela da população
brasileira.

1.2 O eixo conceptual: o Campesinato

Economistas, sociólogos, antropólogos, historiadores, geógrafos e


muitas outras profissões relacionadas com a pesquisa social, tentam desde
algumas décadas, se aproximarem da análise da realidade social do campo,
escopo comum do que tem se dado por nome “Estudos do Campo” (Peasant
Studies).

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Atividades Agrícolas no Brasil
Fonte:http://marilianoticia.com.br/wp-content/uploads/2015/07/14601968.jpg

Para o desenvolvimento pleno dos objetivos desta disciplina, a


abordagem dos conceitos e reflexões subjacentes, será feita desde o âmbito da
sociologia e da história fundamentalmente, para evitar ao máximo tocar aspectos
e temáticas que mesmo sendo relevantes na discussão, pertencem a outros
campos do saber que podem afastar a discussão para outras fronteiras.
O estudo pioneiro apareceu entre 1918 e 1920, escrito por
Florian Znanieccki e William I. Thomas, intitulado “The Polish Peasant in Europe
and America” (O Camponês Polonês na Europa e América). Os dois autores
estudaram o impacto, tanto no nível da estrutura social como da personalidade,
da migração da comunidade camponesa polonesa para América. Ao fazê-lo,
elaboraram uma construção teórica do camponês que em muitos aspectos ainda
não tem sido superada.
Eles definiram a família como unidade fundamental do estudo. Sua
importância radica em constituir a base da vida comunitária, com um suporte
econômico baseado na ideia de continuidade da terra, sua relação social e a
expressão da unidade do grupo na vida econômica.
Foi depois da década de vinte que os postulados de Thomas e Znaniecki
foram formulados com maior detalhe, a partir dos trabalhos de Alexander
Chayanov, considerado também um dos primeiros estudiosos no tema.
Chayanov tentou formular na Rússia desse momento, uma construção

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teórica que observasse e explicasse o comportamento econômico do
campesinato, o qual era já considerado por alguns como passivo. Chayanov
mostrou como o modelo de produção do camponês não responde, em essência,
ao funcionamento, organização e postulados nos quais se baseia a produção
capitalista. O modo de produção camponês, pode, segundo esse teórico,
caracterizar-se por seu caráter familiar e de subsistência.
Essas considerações foram e ainda são objeto de crítica por alguns
especialistas no tema, porém, suas formulações teóricas são uma valiosa
ferramenta para analisar a economia do campesinato.
Analisado historicamente, é um fato que a atividade econômica familiar no
campo não tem um salário, ou uma retribuição econômica fixa, pelo contrário,
tem estado sujeito ao produto total obtido tanto no cultivo quanto nas atividades
não agrícolas.
É interessante analisar nesse ponto, como a economia camponesa tem
conseguido sobreviver a formas de dominação tão dispares como o feudalismo,
o despotismo oriental, o absolutismo e o capitalismo, e ainda parece mostrar-se
resistente e adaptável a diferentes situações e condições tão adversas. Embora
o que se constata é uma fortíssima dependência do camponês em termos
econômicos, políticos e sociais da sociedade globalizada.
Após um olhar aproximativo a essas considerações, e reconhecendo
que existe um grande leque de definições ao redor do tema, a orientação
conceitual sugerida no presente texto, define o campesinato como um segmento
social integrado por unidades familiares de produção e consumo, cuja
organização socioeconômica está baseada na exploração agrária do solo, inde-
pendentemente de que possuam ou não a terra, e cuja caraterística de relações
sociais se desenvolve em comunidades rurais, as quais mantêm uma relação
assimétrica de dependência, e em alguns casos de exploração com o resto da
sociedade em termos de poder político, cultural e econômico.
O camponês faz parte não apenas de um setor econômico, mas de uma
classe social. É parte constitutiva de uma forma de organização da produção e
de um modo de vida. Ele está no centro de uma categoria de estudo sociológico,
ele é em si mesmo uma unidade de observação.
Enquanto as relações de distribuição da renda, os tipos de posse da terra
no Brasil, e o tipo de exercício do poder político se mantenham, o campesinato

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permanecerá como uma categoria chave para compreender os processos
políticos e sociais, assim como as profundas contradições que acontecem nas
zonas rurais do país.
Na sequência, serão observados de forma geral, o contexto e as
condições no Brasil, nas quais as comunidades camponesas têm feito seu
percurso, procurando desenvolver-se e sobreviver.

1.3 Caraterísticas socioespaciais do campo brasileiro

O Brasil, assim como os seus países vizinhos na América Latina, foi


herdeiro das estruturas latifundiárias como forma de organização da propriedade
rural. Por sua grande extensão e nem sempre grande aproveitamento, houveram
desigualdades profundas que persistem até o dia de hoje.
Sendo uma colônia portuguesa vista como fonte de recursos ilimitados
para o Império, o Brasil entrou desde muito cedo no mercado de matérias-
primas, os monocultivos (cana-de-açúcar, café, cacau etc.), assim como foi se
constituindo em uma espécie de filial e sede de alguns dos negócios mais
degradantes da história da humanidade: a exploração de mão de obra escrava
vinda do continente africano.

Fazenda de Cana – Brasil Colônia


Fonte: http://ensinarhistoriajoelza.com.br/wp-content/uploads/2016/01/Moagem-na-
fazenda-Cachoeira-Campinas-SPBenedito-Calixto-c.1920-1024x729.jpg

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Esse panorama persistiu por mais de três séculos, deixando marcas
profundas na configuração econômica e cultural do país e também na
configuração do campesinato que foi se conformando à beira desse cenário.
É importante destacar nesse contexto um outro fato histórico, como a
promulgação da Lei da Terra no ano 1850, a qual teve um caráter
fundamentalmente regressivo em termos de reconhecimento dos direitos
humanos e de promoção da equidade social. Essa Lei, impedia aos
afrodescendentes, os brancos pobres, e aos migrantes europeus que chegavam
fugindo das guerras e da miséria, adquirir terras, tendo que pagar por elas
grandes somas de dinheiro para que fossem liberados os títulos de propriedade
por parte dos grandes latifundiários e escravocratas. (MARÍLIA, 2015)

Saiba Mais
O LATIFUNDIO
Do latim Latifundium, é uma exploração agrária de grande
extensão que não emprega a totalidade dos seus recursos
de maneira eficiente. Na Europa um latifúndio pode ter
alguns centos de hectares, mas na América Latina pode
superar os 10.000 hectares de extensão. Dentre as
caraterísticas mais predominantes podem se mencionar: o
uso de mão de obra em condições trabalhistas precárias,
pouca ou nenhuma inversão em tecnologia, baixos
rendimentos unitários. Por todos estes fatores, o latifúndio é
considerado como uma das causas da instabilidade social
que ainda hoje, sofrem os países em vias de
desenvolvimento.
Alguns métodos têm se implementado para procurar uma
solução dos inconvenientes e inequidades que produzem o
latifúndio. Um deles é a implantação da reforma agrária
(modificação da estrutura da propriedade, incluindo expro-
priações), a instauração de uma agricultura de mercado e a
modernização dos processos agrícolas, os quais têm apre-
sentado diferentes graus de sucesso e fracasso, mas que no
geral, não têm conseguido superar as problemáticas que
esta figura representa.
Fonte: http://static.scielo.org/scielobooks/c26m8/pdf/forman-
9788579820021.pdf

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Um outro momento importante em que as necessidades da população
rural brasileira foram relegadas, foi no século XX com a implementação da
industrialização do país. A produção foi direcionada para suprir as exportações
e para o consumo básico num segundo plano, provocando uma concentração de
renda ainda maior, e a exclusão de uma boa parcela da população dos bens e
serviços básicos para sua qualidade de vida.
Além dos elementos cronologicamente expostos anteriormente, os
estudos do campo, identificam um acelerado processo de redução da população
considerada como rural no Brasil, sendo este fenômeno marcadamente notório
a partir da década de 1960. A velocidade desse processo de esvaziamento do
campo brasileiro parece estar atada, entre outros fatores, às seguintes
premissas:
 Uma queda significativa na taxa de natalidade no Brasil, devido ao
uso cada vez mais frequente de métodos anticoncepcionais, a
profissionalização da mulher, a dinâmica da vida urbana em espaços
pequenos, uma queda no número de casamentos precoces, entre outros
fatores, que modificaram substancialmente a quantidade de filhos por
família.
 A modernização dos fatores de produção no campo brasileiro. Os
avanços técnicos e tecnológicos, aliados com processos de abertura
econômica, neoliberalismo e globalização tão expressivos como os
vividos no Brasil desde a década de oitenta até a atualidade, têm trazido
como resultado a incorporação de novas formas de produção dos
produtos agropecuários, sendo que a mão de obra familiar, os saberes
ancestrais e as práticas culturais ligadas a estas atividades estão quase
extintas, dando uma margem ainda maior para a expansão do mercado
transgênico multinacional, a indústria automotriz e da indústria
agroquímica.
 Uma notória ausência de políticas públicas suficientes e
adequadas, destinadas para o setor rural. A pequena propriedade rural
e a agricultura familiar, têm ficado em não poucas vezes por fora das
agendas públicas, tanto nacionais quanto regionais. Como se o fim do
campo fosse algo previsível e natural; ou como se o campo fosse
considerado algo sem nenhuma consistência nem importância histórica,

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relegado a ser objeto de políticas recicladas pensadas para as cidades
inicialmente, mas que terminam sendo levadas como receituário ideal
para problemáticas muito específicas das zonas rurais, que ao final não
são eficientemente solucionadas.
 Nas últimas décadas Brasil, tem se presenciado a financeirização
da sua economia, fundada nas taxas de juros mais altas do mundo.
Mesmo tendo uma carga impositiva bastante alta, os governos têm visto
como os recursos arrecadados terminam sendo manejados pelo setor
financeiro, sendo que esse capital que poderia se converter em fator e
força produtiva para um setor populacional tão importante quanto o
campesinato, terminou sendo levado à esfera especulativa.
 Uma enorme mobilidade do campo para as cidades. Fato visível na
década de setenta. Se constituem assim as denominadas “manchas
urbanas”, centros de concentração das populações em função da oferta
de bens, serviços, oportunidades de emprego e aumento de renda –
todos estes considerados como elementos promissórios de uma melhor
qualidade de vida, dada pelas cidades.

Fonte: Cidadania e Cultura.


Disponível em: https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2011/11/18/censo-
demografico-2010/

O impacto desses eventos não tem sido positivo. Muitos dos centros
urbanos no Brasil, em decorrência de seguinte situação, não conseguem

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estruturar um planejamento coerente entre o crescimento vertiginoso da
população e as suas necessidades de infraestrutura e equipamentos. Além
disso, mostram sérias limitações no acesso ao exercício dos direitos dos
cidadãos, uma pobre apropriação dos espaços coletivos - ficando os migrantes
quase sempre morando e convivendo nas periferias, e uma renúncia antecipada
às supostas promessas de ganho, com a consequente, e não menos importante,
decepção frente aos seus projetos de vida.
Olhando de forma integrativa, o que também pode ser evidenciado a
partir desses fenômenos, é a insustentabilidade no médio e longo prazo da
pequena unidade agrícola familiar. Por um lado, cada vez são menos os
sucessores que possam encarar as atividades agrícolas, por outro, o
desequilíbrio nas rendas entre moradores das zonas rurais e os das áreas
urbanas, o que produz um perigoso desajuste que gera distorções em termos de
salários, empregabilidade, ofertas educativas e qualidade de vida.
O deslocamento massivo tende a redefinir também os perfis regionais.
Alguns estudos apontam uma taxa maior de migração por parte das mulheres e
dos mais jovens rumo às cidades. Isso implica o envelhecimento da população,
sua masculinização, e a perda da oportunidade por parte das famílias do campo,
para se reproduzirem e se manterem com as suas estruturas culturais
tradicionais.

Fonte: Arquivo Gráfico Fundação Nacional de Saúde. Disponível em


http://www.funasa.gov.br/site/engenharia-de-saude-publica-2/saneamento-
rural/panorama-do-saneamento-rural-no-brasil/

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Pese a todas as possíveis diferenças que esse tema possa apresentar,
o que se resgata é um consenso entre os especialistas e conhecedores da
matéria, ao redor da urgência por adiantar ações que tenham uma repercussão
imediata nos efeitos nocivos do esvaziamento do campo, e da globalização como
fenômeno que está decodificando culturalmente e cada vez mais esse segmento
social, assim como relegando e silenciando o seu papel na sociedade brasileira.
Falta ainda muito caminho por transitar. É vital para o fortalecimento do
campesinato, o desenvolvimento de ações que tenham um caráter endógeno e
sustentável para inserir, além das autoridades governamentais, a mesma
sociedade civil e os setores produtivos locais. O que isto quer dizer, é que além
de necessário, é possível desenhar e executar estratégias que unidas com a
educação, possam ter efeitos positivos sobre outros aspectos socioeconômicos
que envolvem ditas comunidades.

Resumo da aula

Ao interior a área de estudos relativa ao Campo, existem multiplicidades


de escopos com os quais abordar a temática; neste contexto, tem sido tomado
o enfoque sociológico e histórico para tratar de identificar as generalidades ao
redor dos termos, camponês e campesinato, sendo essas categorias analíticas
em si mesmas, que englobam uma biografia própria, baseada numa luta pelo
posicionamento e reconhecimento da sua existência, vigência e relevância no
mundo atual.

Atividade de Aprendizagem
Para alguns especialistas, a luta pela terra existente ainda hoje
no Brasil, é uma parte básica e fundante da história do
campesinato; o qual tem se visto atravessado pela lógica do
mercado de terras e as formas ancestrais de tenência da
propriedade nas zonas rurais do país. No seu conceito, poderia
se falar então de uma “territorialidade capitalista” em antago-
nismo com uma “territorialidade camponesa”? São realmente
incompatíveis? “Ou existem mecanismos ou espaços onde
podem se encontrar ou conciliar os seus interesses?”

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Aula 2 - Evolução Histórica da Educação no Campo

Apresentação da aula

Ao ter sido visto alguns dos elementos essenciais ao redor das


categorias sociológicas do camponês, do campesinato, e feitas algumas bases
preliminares sobre a sua situação atual, essa segunda etapa dos estudos, será
para conhecer o papel da escola campesina e a função social que cumpre, assim
como distinguir as lutas históricas pela educação no campo, as suas conquistas
e maiores dificuldades.

2.1 Função Social da Escola Campesina

A escola é um mundo diferente da família e diferente também dos


espaços de produção nas zonas rurais. Não é raro encontrar muitas regiões e
locais onde a escola encontra-se não sempre associada, mas em conflito com
as estruturas e tipos de relações que as comunidades (sejam estas camponesas,
obreiras, rurais ou urbanas) manejam e entendem.
Muitos dos valores, crenças e tendências que são aprendidas ou
reproduzidas, implicam uma mudança significativa para as crianças e jovens,
fazendo com que adquiram um capital cultural distinto, que em muitas ocasiões
cria uma distância e uma diferença com relação às suas comunidades e suas
famílias, ao não ser compartilhado ou compreendido por essas. Essa situação
cria fenômenos de grande importância nas análises dos conflitos entre as
escolas e as comunidades.
Mesmo apresentando esta fragmentação entre famílias e comunidades
por um lado, e os estudantes pelo outro, para alguns estudiosos do tema a escola
limita-se na maior parte das vezes à pura transmissão de códigos das estruturas
sociais e econômicas vigentes, sem aportar muito à construção de uma postura
crítica ou reflexiva dos mesmos.
Que a escola rural tem uma importância enorme no desenvolvimento das
comunidades campesinas e do setor rural como um todo, é um fato, porém,
também parece que a sua função estivesse quase sempre associada à carência
e às limitações.

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A escola campesina tem que promover, orientar e desenvolver as
capacidades intelectuais, morais e técnicas das crianças camponesas. Sua
missão é prepará-los para encarar, entender e resolver os problemas concretos
que tanto na sua comunidade de origem como nas cidades (caso decidam
emigrar) possam chegar a obstaculizar o melhoramento das suas condições de
vida.

Figura 1.1: Escola Campesina


Fonte: Arquivo Gráfico Universidade de Guadalajara
Disponível em: http://www.udg.mx/es/noticia/impulsan-por-cuarta-ocasion-la-escuela-
campesina

Em outras palavras, a importância da escola campesina radica no aporte


efetivo que deve fazer na formação de crianças e jovens camponeses, para que
esses tomem parte ativa, ética e responsável na vida social, econômica e política
da sua comunidade, sua região e seu pais.

2.2 Desafios da Escola Campesina

Para cumprir com a sua missão, a escola campesina, deve:


a) Respeitar e valorizar a língua, costumes, e particulares
formas de conhecer das crianças camponesas, incorporando-as nos
conteúdos e metodologias escolares. Ou seja, os elementos próprios do
mundo camponês, devem deixar de ser vistos como expressões de
“atraso” ou “subdesenvolvimento”. A experiência escolar deve fomentar
o respeito pela diversidade cultural.

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b) Respeitar, valorizar e incorporar as experiências domésticas
e produtivas das crianças camponesas, no desenvolvimento dos
programas escolares. Essas experiências devem ser aproveitadas como
ponto de partida para novos aprendizados.
c) Revalorizar o entorno natural e as práticas sociais,
econômicas e culturais da comunidade rural local. Deve conhecer e
utilizar seu potencial educativo, trazendo-o para os processos de
aprendizado.
d) Utilizar e ampliar as experiências e habilidades já adquiridas
pelas comunidades, pelas crianças e as suas famílias, para formar os
estudantes, na procura de soluções e alternativas frente a problemas
igualmente concretos.
e) Incorporar no desenvolvimento da função educadora a
importância das relações entre a sociedade e a natureza, recuperando
os saberes ancestrais e promovendo ações respeitosas entre os seres
humanos e o meio ambiente, como uma possibilidade de bem-estar,
desenvolvimento e continuidade das famílias camponesas no futuro.
f) Incentivar o trabalho coletivo e solidário, assim como a
satisfação individual, o projeto de vida pessoal e a responsabilidade
social.

Vídeo
Para complementar as reflexões anteriores sugere-se assistir a
fala dos consultores em educação Celso Antunes, Andreia
Dalcin e Priscila Fernandes, registrada no Canal Futura, ao
redor dos desafios da educação no campo, quais são os
diferenciais da educação no campo e o tipo de pedagogia que
deveria ser aplicada, entre outros aspectos. Acesse o link:
https://www.youtube.com/watch?v=EnXa52E2Hf4

A educação do campo então não pode significar uma ruptura com as


tradições, mas ao contrário, um eixo de encontro viável e requerido de superação
ou transição das mesmas. O entorno e as formas de vida das famílias
camponesas apresentam formas positivas que bem compreendidas e

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aproveitadas podem contribuir para o desenvolvimento de um conhecimento
crítico da sua própria realidade. Lembrando que toda aprendizagem, deve estar
orientada para realizações concretas que contribuam com o melhoramento das
suas condições de vida.

2.3 A escola rural e a escola urbana

A escola urbana é supervalorizada em comparação com a escola rural.


Por momentos o imaginário e a narrativa, partem da suposição que as limitações
da escola rural, provêm do fato de não conseguir se parecer com a escola
urbana. Esse paradigma não é exato. A escola rural tem uma importância própria
que não se deriva de se parecer ou de se diferenciar da escola urbana. (REIS,
2015)
Os aspectos que compartilham são:
a) A escola urbana e a escola rural formam parte de um mesmo sistema
educativo nacional. Por tanto, devem responder a uma mesma política
educativa, a princípios e objetivos comuns. As duas devem brindar
oportunidades de educação de qualidade para as crianças e jovens,
sejam esses da cidade ou do campo.

b) Uma e outra devem adequar objetivos, planos e programas comuns, às


realidades particulares. É necessário que ofereçam oportunidades
eficientes e eficazes às necessidades concretas dos estudantes, suas
famílias e comunidades, sendo que a estrutura curricular, mesmo partindo
da mesma discussão antropológica para a definição do enfoque
pedagógico, consiga se adaptar a cada entorno particular.

2.4 Particularidades da escola rural

Pelas caraterísticas naturais e sociais das zonas rurais, a escola tem


maiores possibilidades de estruturar seu programa educativo em estreita relação
com seu entorno natural e social. Podendo aproveitar o contato direto e diário
que as crianças e jovens têm com seu meio, os conhecimentos e experiências
que adquirem mediante a participação na vida produtiva e nas diversas formas
de socialização da sua cultura que compõem a sua identidade.

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A escola rural além disso, tem variadas possibilidades de criar espaços
e atividades pedagógicas ao ar livre; baseados na observação direta e na relação
próxima com atividades produtivas e socioculturais das suas comunidades.
Dessa forma a socialização escolar vê-se enriquecida e complementada, de
forma direta e prática, com os outros processos em tempo real da vida no campo.
Pelas caraterísticas organizativas de muitas comunidades campesinas,
pelos princípios que pese aos embates da globalização e da modernização,
ainda regem sua vida familiar e comunitária, a escola campesina é um espaço
potencialmente participativo e cooperativo, assim como cheio de caráter
emancipador.
A cultura rural é rica de valores sociais e humanos que não devem ser
padronizados por imposição de um único sistema. Por sua vez, as crianças e
jovens devem conhecer a evolução, nuances e significados do progresso, num
intercâmbio qualificado, argumentado, respeitoso, mas comprometido com as
mudanças que se visibilizem como necessárias para melhorar a qualidade de
vida deles e de suas regiões.
Não são poucas as comunidades campesinas no qual já existem
organizações formalmente estabelecidas que reúnem aos pais de família e a
comunidade no geral, para combinar e executar obras em favor deles mesmos
e em favor da educação dos seus filhos, dando passo à existência de formas
vivas de cooperação e reciprocidade que podem ser direcionadas também para
outras causas relacionadas ao seu desenvolvimento.

Amplie Seus Estudos


A série jornalística de três capítulos denominada “Brasil
Urbano x Brasil Rural”, contém dados e análises
consolidadas por Thiago Reis e Ana Carolina Moreno para o
Jornal G1, baseadas no censo escolar de 2014 e em dados
do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (Inep). Nela são consignadas informações
recentes sobre o estado da educação no campo brasileiro,
com estatísticas, mapas e reflexões críticas. A integra da
série pode ser encontrada no link a seguir:
http://especiais.g1.globo.com/educacao/2015/censo-
escolar-2014/brasil-urbano-x-brasil-rural.html

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2.5 O professor das escolas campesinas

Nas escolas campesinas, professores e professoras levam a cabo a


esforçada tarefa do dia a dia. Embora muitas vezes, apesar da sua boa vontade
e dedicação, nem sempre todos conseguem os resultados esperados.
Quem já teve a oportunidade de trabalhar nas áreas urbanas, sabe que
ainda, mesmo somando todas as dificuldades que possam existir nessas
regiões, existem professores cheios de imaginação, com iniciativa própria e
entusiasmo. A qualidade e eficiência das escolas rurais não estão só
circunscritas a um tema de falta de vontade política, carência de recursos ou
insuficiência logística; mas também, ao pouco ou errado aproveitamento que das
qualidades dos professores rurais levam em conta paradoxalmente às vezes, as
mesmas comunidades, e as políticas educativas e as ações do Estado nessa
área.
Para um melhor aproveitamento do desempenho docente, poderiam
melhorar-se ou revisar-se os seguintes aspectos:
a) As metodologias de ensino, para que tomassem como ponto de partida
novos aprendizados, ou seja, vendo a criança e ao jovem camponês
com a sua cultura, sua língua, assim como as experiências do
ambiente e das práticas sociais cotidianas das suas comunidades.
b) Apoio na elaboração de material didático com elementos do meio, que
além de ser de baixo custo, podem ser realizados com a participação
dos mesmos estudantes e as suas famílias, com a finalidade de
promover a imaginação, a criatividade, e capacidades intelectuais que
possam lhes ajudar a interpretar e refletir sobre a contemporaneidade.
c) Formulação de objetivos educacionais claros, com a possibilidade de
adequação dos conteúdos curriculares às caraterísticas e
necessidades do meio rural.
d) Promover e valorizar o esquema de aprendizado ao ar livre,
característica diferencial entre as escolas urbanas e as das zonas
rurais, mais próxima e viável nesse cenário.
e) Critérios e métodos de avaliação do aprendizado que reconheçam a
validez da diversidade cultural, e deem importância ao juízo crítico no
desenvolvimento dos conteúdos e das atitudes básicas que compõem

22
o projeto pessoal de vida e projeto coletivo da comunidade
camponesa.

2.6 As lutas históricas pela educação no campo

Não existe desenvolvimento viável, sem educação. A escola campesina


cobra maior relevância quando se relaciona com as necessidades de
desenvolvimento das comunidades em sua volta.
É inegável e insubstituível o aporte que pode significar a existência de
uma educação de qualidade no campo, quando se trata, não só de melhorar as
condições de vida das famílias e comunidades camponesas; mas também,
quando serve como fonte de soluções para os problemas locais.
Isto pode ser viabilizado, entre outras estratégias, por meio da oferta
para uma preparação intelectual e técnica adequada, assim como, com a
promoção do pensamento crítico e da conservação do patrimônio local, seja este
tangível ou intangível, por meio do uso racional e sustentável dos recursos locais.
Mas como a realidade não é nem plana, nem linear, alcançar esses
objetivos e conquistar esses espaços, tem implicado o desenvolvimento de uma
forte mobilização social; que conta já com várias décadas na sua trajetória, e que
tem conseguido posicionar algumas das suas demandas e direcionar à ação
pública para ações afirmativas ao favor, ao mesmo tempo que segue e vive um
longo caminho pela frente, quando constata as dívidas históricas que o Estado
e a sociedade tem com o campo e o camponês.
Neste sentido, a educação é uma das dimensões constituintes dos
movimentos populares. Se analisado cuidadosamente, a ruralidade alberga
inovadoras propostas no âmbito da educação, já que ela em si mesma, é uma
experiência de vida alternativa, que pode se interpretar como um espaço de
autonomia e questionamento com relação à estrutura de pensamento moderno-
colonial, tão profundamente urbana.

23
Figura 1.2: Assembleia Campesina – Valle del Cauca
Fonte: Arquivo Gráfico Corpenca
Disponível em: http://corpenca.org/2016/4a-asamblea-campesina/

O que deve ficar bem esclarecido é o que chamamos de campo. Não é


somente um espaço onde o modo de vida gira ao redor do cultivo de frutas e
legumes, ou onde a produção de gado é a máxima aspiração dos seus
moradores. Cada vez mais o campo precisa de uma qualificação do trabalho, e
também da vida das pessoas campesinas. Esse é um dos objetivos das lutas
que os movimentos sociais têm procurado atingir; pois veem na educação uma
forma de que o campesinato se autoafirme como sujeito ativo e participante da
sociedade. Porém, para que essa educação seja pertinente a essa finalidade,
deve servir para construir referentes políticos alternativos, baseados em um novo
repensar da cultura imperante. A participação derivada deste escopo deve parar
de reproduzir o que já está cimentado, e questione como podemos ser mais
afetivos, plenos e equitativos conosco e com o planeta.
Existe consenso de que uma política de desenvolvimento do campo,
deve integrar entre outros aspectos, reforma agrária, fortalecimento da
agricultura familiar e da capacidade produtiva da pequena propriedade, e o
aumento nas ofertas de emprego nas zonas rurais. Porém não há muitas opções
de sucesso na gestão pública ou privada destas vias de solução, sem o
acompanhamento da escola campesina, a qual é a encarregada de formar o
tecido social que possibilita dita gestão e contribui com sua manutenção e
direcionamento no tempo.
Por último, tratando-se de movimentos sociais, é importante delimitar
algumas das suas caraterísticas sociológicas mais relevantes antes de finalizar

24
esta seção, no intuito de sentar as bases no cenário que nos convoca, para
analisar o movimento social mais representativo desta luta pela educação,
surgido na década de oitenta e conhecido como “Movimento dos Trabalhadores
Sem Terra”, ao qual dedicaremos uma atenção especial e relevante no capítulo
a seguir, por ser este um movimento de dimensões emblemáticas no cenário
sociocultural brasileiro.
Seguindo esta lógica expositiva e procurando enlaçar com os conteúdos
a serem vistos posteriormente, podemos destacar algumas das suas
caraterísticas, a saber:
a) Os movimentos sociais fazem uma apropriação física ou simbólica
do território, a partir da qual desenvolvem suas atividades e dão vida e forma ao
mesmo.
b) Possuem um rol mais ativo das mulheres e em ocasiões das
crianças, precisamente na procura de um exercício do poder mais equitativo e
menos masculinizado.
c) Revalorizam a cultura, os saberes tradicionais e a identidade dos
povos, posto que pretendem recolocar as identidades ocultas ou ignoradas.
d) Geram seus próprios espaços de participação e representação
coletiva à margem dos espaços tradicionais instituídos pelo Estado, os sindicatos
ou os partidos políticos.
e) O desenvolvimento de ações autoafirmativas tais como a
recuperação de espaços públicos, ou a posse de terras, tentando se afastar das
ações meramente defensivas.
f) A capacidade para formar seus próprios intelectuais, entendida
como a formação dos seus dirigentes, a criação de espaços de formação
baixo sua tutela, assim como uma concepção própria do movimento como
espaço formativo.

Resumo da aula

As pessoas que moram nas zonas rurais não só precisam, mas também
merecem como cidadãos que são do Estado brasileiro, de uma educação de
qualidade que seja condizente com suas realidades e particularidades. Pensar
em educação no campo, ultrapassa as estratégias tradicionais que na forma de

25
políticas públicas são pensadas para populações homogêneas com estruturas
formativas padronizadas conforme a globalização impõe. A diversidade étnica,
cultural e socioprodutiva que nutre as relações do camponês com a terra e
consequentemente o resto do país, apresentam sérios desafios para a escola
como ponto de encontro entre esses dois mundos, e de igual forma para a
educação como o processo que traduz as expectativas, coincidências e
diferenças das diferentes gerações e dos diferentes segmentos sociais do
contexto brasileiro.

Atividade de Aprendizagem
As políticas públicas educativas em muitas oportunidades,
tendem a negar o objeto social e educativo da escola
campesina. Assim terminam tomando-se decisões em
conformidade com outros critérios políticos ou econômicos que
dissimuladamente, mas com persistência, vão diminuindo a
capacidade de ação e o fortalecimento deste cenário. Se nas
suas mãos estivesse a possibilidade de formular uma política
pública educativa, para a qual houvesse recursos tanto
humanos, como técnicos e financeiros suficientes, qual seria a
prioridade a ser atendida e com que estratégia se adiantaria
dita ação do Estado?

Aula 3 – Origem e evolução do Movimento dos Sem Terra (MST)

Fonte: http://www.mst.org.br/

Nesta aula dedicaremos especial atenção à gênesis e evolução do


Movimento Social dos Sem Terra (MST), por ser considerado um dos maiores e

26
mais importantes movimentos populares da América Latina e do Brasil e um líder
sem descanso pela reivindicação do direito à educação no campo.
Dentre seus objetivos estão a luta por terras, pela aplicação eficaz de
uma reforma agraria e por uma transformação social do Brasil que seja
verdadeira. Precisamente ao interior deste objetivo, encontra-se a luta pela
educação, ferramenta que o MST em repetidas oportunidades tem posicionado
como fundamental para ser livre e que neste espaço é foco de interesse e eixo
para o desenvolvimento integral do seu processo formativo nessa matéria.
Amado por muitos, criticado por outros. Com um histórico cheio de
momentos de criminalização, repressão e cooptação, mas também de apoio e
solidariedade, chamando a atenção na sua sólida imagem perante o âmbito
internacional.
Seja como for, com suas mais de três décadas de trajetória e organizado
em quase todos os estados do Brasil, seu papel é significativo e valioso, tanto
para o mundo acadêmico desde a perspectiva da sociologia, a antropologia, a
pedagogia e as ciências políticas - entre outros campos do saber -, como para a
compreensão da cronologia do sonho que eles dizem manter e que se nega a
desaparecer: aquele de fazer do mundo um local mais justo e melhor para todos.
Convém compreender o que há por trás de um movimento social que
mantém um rol relevante como grupo de pressão e de expressão, apesar das
mudanças substanciais que tem atravessado tanto a sua organização interna,
quanto a sociedade na qual se manifesta.

3.1 As raízes do Movimento Social dos sem terra

Poderia se dizer veementemente que este movimento conserva as suas


raízes na desigual distribuição de terra no Brasil. Já no período da colonização
portuguesa, a Coroa havia dividido entre várias famílias da elite o território, sobre
o qual tinham direitos de propriedade de caráter hereditário e a possibilidade de
se beneficiar da produção agrícola que ali pudesse se desenvolver.
A inconformidade com essa situação é de longa data. Nos primórdios do
século XVII, escravos recém-libertados ou fugitivos, instalavam-se em terras de
forma ilegal, reproduzindo no Brasil uma cópia das suas aldeias originárias no
continente africano, que foram denominadas como Quilombos. Em parte, por

27
essa situação, o MST identifica-se com a superação da escravidão e a formação
de uma cidadania com direitos sobre a terra.

Figura 1.1: Quilombo dos Palmares


Fonte: http://qualitativo/arch2010-10-17_2010-10-23.html

As reivindicações mais modernas por uma divisão equitativa da terra,


formam-se com a ditadura, derivada do golpe militar de 1964. Uns dias antes do
golpe, o presidente João Goulart, tentava colocar em marcha a primeira reforma
agrária do país, em resposta às mobilizações no nordeste brasileiro, as quais
aumentavam no início da década de 60. A chegada dos militares ao poder, supõe
um giro na implementação desta reforma, já que esses projetavam levar o país
para outra direção.
Os militares tinham o projeto de modernizar o setor primário para exportar
produtos agrícolas, especialmente soja, e entrar assim com força no mercado
internacional. Mas o golpe esteve apoiado em grande medida pelas elites rurais
e os militares toparam-se com um mundo de ideologia, poder e interesses
próprios, pelo que dita modernização esteve acompanhada de grandes jogos de
interesse e de corrupção.
As políticas agrárias da ditadura que aumentaram a produção, foram
desenvolvendo tendências clientelistas que favoreceram os grandes
proprietários, sendo que nem sempre foi preconizado o livre mercado ou à
produtividade. De igual forma, supus para um grande número de camponeses
(pequenos agricultores e sem-terra), abruptos deslocamentos para as cidades
ou inclusive para os países vizinhos.
Junto com as medidas encaminhadas a renovar o setor primário, os
militares desenvolveram um plano energético para a crescente indústria, para o

28
qual era necessário a construção de gigantescas usinas hidroelétricas que de
novo produziram enormes processos migratórios das populações locais, sendo
que ao interior desse processo, a expropriação de terras a pequenos
camponeses no sul do país, teve um alcance significativamente negativo.
O desenvolvimento de uma consciência e ativismo rurais num momento
tão repressivo deve-se em parte, à busca de uma alternativa ao sindicato de
camponeses, apoiado e controlado pelos militares; ou seja, uma tentativa de
atingir uma organização fora da esfera do regime, que pudesse denunciar os
inúmeros deslocamentos e que foi apoiada pela Comissão Pastoral da Terra.

Saiba Mais
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é um organismo de
Igreja, ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB). Foi criada em Goiânia, em julho de 1975, por um
grupo de bispos, padres e leigos, com o objetivo central de
"interligar, assessorar e dinamizar os que trabalham em
função dos homens sem-terra e dos trabalhadores rurais".
Sua proposta é promover as práticas alternativas dos
trabalhadores contra a dominação econômica dos grandes
projetos agrícolas e energéticos, e da massificação cultural,
as várias formas de organização dos trabalhadores para
conquistar a terra, melhorar a produção ou salário e participar
ativamente nas decisões políticas, a informação e a formação
de trabalhadores e agentes de pastoral, recuperando a
memória histórica de suas lutas, o apoio aos trabalhadores
rurais nas lutas pela terra e por uma reforma agrária ampla,
a solidariedade com os povos da América Latina e do
Caribe.

Até o golpe militar, a Igreja tinha jogado um papel muito próximo ao


Estado e as elites, mas com o golpe militar essa aliança foi desfeita. Não pode
ser esquecido que a Igreja apoiou num primeiro momento o golpe, mas a
fraqueza da Igreja católica nesse momento, juntou-se com o crescimento dos
poderes seculares e a sua falta de influência, o que levou ela a desenvolver
mudanças internas, que a levaram a mudar sua relação com a sociedade.

29
Saiba Mais
No caso particular do Brasil a Igreja católica contribuiu para
legitimar o ativismo rural e incluso, cumpriu uma tarefa
pedagógica crucial na toma de consciência dos campesinos.
Numerosos membros do clero procuraram gerar uma
identidade religiosa e política combativa, baseada em muitos
casos na Teologia da Libertação. De fato, perante as
profundas transformações que tiveram lugar no campo pelas
políticas de modernização dos militares, alguns bispos como
os da Amazônia, expressaram uma opinião abertamente
contraria ao sistema capitalista no seu conjunto, ao qual
chamavam de “venenoso”. A base ideológica misturava o
marxismo com o catolicismo, ainda que com um conceito de
classe que procurava ser o mais amplo possível e motivando
as pessoas sempre a pensar em alternativas para mudar a
sua situação.

Além da função ideológica, a Igreja foi útil para organizar o movimento e


lhe dar prestígio fora do Brasil. Por um lado, oferecia um serviço local, que
mobilizava à população. Era fonte de liderança e de líderes e criava vínculos
comunitários, e pelo outro como instituição internacional, conseguia apoios e
recursos de simpatizantes pelo país e pelo mundo inteiro.
Curiosamente, essa aliança entre a Igreja e o Movimento não conseguiu
sobreviver chegada a transição democrática ao Brasil; como também não
sobreviveu a sua proximidade com o Partido dos Trabalhadores (PT) nem com
a Central Única de Trabalhadores (CUT). Anotando além desses fatos que, ao
interior da própria Igreja, começaram se ter divisões que a afastavam a teologia
da Libertação na sua postura mais conservadora.
Porém toda essa trajetória resultou inestimável valor, em quanto
contribuiu para deixar assentadas não só as bases ideológicas do Movimento,
mas também pela própria estrutura organizativa que se conformou em dito
período, reforçando a identidade comunitária e a importância do papel da
educação como motor de câmbio e substrato de um ativismo político real e
eficiente, postulados que ainda se conservam em grande medida.
Além da forte organização interna, um dos sinais de identidade dos sem-
terra, é a estratégia de ocupação de territórios improdutivos para o assentamento

30
das famílias. Tudo começou quando em 1979, inspirados por um economista do
sindicato dos camponeses, João Pedro Stédile, que se ocupou de um enorme
terreno pertencente a uma fazenda chamada Macali.
Após conseguir a expropriação, este modus operandi foi replicado nos
anos oitenta e foi evoluindo desde essa primeira ocupação. Realizavam-se
acampamentos nos terrenos e o governo era convocado para negociar o
assentamento das famílias em terrenos improdutivos, mesmo que não fosse
precisamente nesse terreno que eles haviam ocupado num primeiro momento.
Esta estratégia mostrou-se tão polêmica quanto efetiva. A reforma agrária
e o reparto equitativo da terra eram normalmente vistos como algo marginal e
secundário na agenda do governo, respondendo sempre de forma parcial,
mitigando o problema, mas sempre tentando proteger os interesses da elite local
e dos grandes conglomerados da indústria agro alimentícia.
As ocupações realizavam-se após um planejamento cuidadoso,
procurando primeiro terrenos improdutivos, organizando acampamentos,
assignando diferentes funções a cada um dentro dos mesmos e elaborando
planos logísticos, ao mesmo tempo que se planejava uma proposta para
negociar com o governo, a qual havia sido previamente estudada pelos
advogados do MST. (STRONZAKE, 2012)

Vídeo
Assista o vídeo do YouTube sobre a história do Movimentos dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra, disponível no link:
https://www.youtube.com/watch?v=QixID6N6ImM

A geografia econômica do Brasil, como pode ser evidenciado no seguinte


mapa elaborado pela Universidade de Texas, explica também as causas do
surgimento do MST. As atividades de maior valor produtivo para a economia do
pais, encontram-se na região central e sul, sendo que o norte carece de
infraestrutura e de fatores produtivos nessa mesma escala.

31
Figura 1.2: Brazil - Economic Activity
Fonte: Arquivo Gráfico Universidade de Texas.
Disponível em: http://www.lib.utexas.edu/maps/americas/brazil_econ_1977.jpg

3.2 O papel do MST na transição democrática

Oficialmente, o nascimento do Movimento foi em Cascavel-PR em 1984,


onde se reuniram líderes de diferentes movimentos rurais de deslocados. Neste
encontro afiançou-se o nome do movimento, como Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e se fixaram uma série de pontos
ideológicos que buscavam unir movimentos diversos em sua origem e
caraterísticas. Entre esses pontos esteve o acordo de manter uma presença a
nível estadual e de conservar sua independência frente aos partidos políticos.
Esse encontro coincide com o último ano da ditadura militar, no qual o MST
assenta-se como força social a nível estadual, baixo a consigna “sem reforma
agrária não há democracia”. Após ter promulgado sua independência frente aos
partidos políticos, com a transição democrática, surgiram com força, atores
políticos como o sindicato CUT e o PT, que acolheram as petições do MST.
Nos anos da ditadura militar, houve uma fortíssima transformação do campo
brasileiro. O setor agrícola tinha feito crescer sua produção com base em

32
relações clientelistas com o governo. Os anos 80 trouxeram a crise da dívida,
que foi a escusa perfeita para impulsionar medidas neoliberais no Brasil,
apoiadas por entidades financeiras internacionais.
Ditas medidas favoreceram às elites rurais brasileiras, devido à decisão do
governo de impulsionar as exportações de produtos primários para pagar a
dívida aos credores. Essas elites conseguiram apesar da suposta bandeira de
livre mercado tão em moda naquela época, direcionar uma enorme quantidade
de recursos estatais para o seu setor produtivo, assim como proteção
institucional diferenciada para os seus interesses. O Estado também aceitou, em
opinião de alguns, de forma descarada, a apropriação de importantes parcelas
de terras na Amazônia, por parte de pessoas com capacidade de compra, ou
pelo menos não pertencentes a setores marginalizados da economia.
As medidas neoliberais unidas ao impulso dado ao setor agrícola, trouxeram
investimentos estrangeiros ao Brasil, dando a oportunidade a grandes
conglomerados empresariais para se assentarem no país, o qual lhes permitiu
exercer certo nível de controle sobre o mercado agroindustrial, modificando os
preços dos produtos, o monopólio do mercado de sementes e o de pesticidas.
O MST julgou um papel importante na transição democrática do Brasil e
se converteu num aliado do partido dos trabalhadores. Ainda com tantas
modificações e rupturas sofridas, conseguiu posicionar a questão agraria e rural
na nova Constituição Federal de 1988, na qual se instituiu como princípio geral,
a função social da propriedade e impuseram uma série de requisitos para a
escolha das propriedades em zonas rurais.

Converse Com Seus Colegas


O MST tem se posicionado como uma voz legítima capaz de
negociar com os atores públicos, defender os direitos da
população camponesa, apoiar campanhas, impulsionar
reformas legislativas e até ganhar batalhas legais para
implementar de forma efetiva o disposto na Constituição.
Qual consideram ter sido o papel desenvolvido pelos meios
de comunicação neste cenário? Sua postura e poderio tem
estado a favor ou contra as ações e ideários este movimento
e por quê?

33
Com a vitória do presidente Lula da Silva do PT nas eleições de 2003, o
MST acreditava que uma nova era se iniciava para eles, na qual o reparto da
terra e a reforma agrária seriam uma realidade. Porém, os compromissos com a
indústria agrícola e com o setor energético brecaram muitas das promessas do
PT e terminaram por decepcionar aos sem-terra.
Ainda que pontos programáticos importantes do PT foram totalmente
reformulados nesse contexto, no período presidencial o Movimento deixou de
ser criminalizado e estigmatizado e este voltou a conseguir apoios após a escura
época de marginalização e ostracismo mediático sofridos no governo de
Fernando Henrique Cardoso.
Já no período da presidenta Dilma Rousseff, o número de assentamentos
das famílias camponesas apresentou uma estagnação significativa, sendo que
uma grande parte dos processos de legalização da propriedade de terras no seu
governo, deveram-se a processo previamente iniciados no governo anterior. As
disparidades se mantêm e os oficiais do governo argumentam perante os meios
de comunicação e a sociedade brasileira, a inexistência de latifúndios no país.
O MST encontra-se agora numa relação distante com a institucionalidade
e num processo de estagnação tanto na distribuição da terra, que continua sendo
profundamente desigual, como com novos problemas internos que afronta o
movimento; no desenvolvimento dos assentamentos de cara a um novo modelo
competitivo do setor agrícola, que exige acesso ao capital de investimento e a
aquisição de capacidades técnicas e tecnológicas para concorrer com os
grandes conglomerados da agroindústria.
Até agora o MST é um movimento social que tem sobrevivido a contextos
pouco amigáveis, tanto na sua gestação no meio da ditadura militar, como pelas
inúmeras dificuldades surgidas pela sua separação do PT, da Igreja Católica e
sua incompatibilidade com a mídia brasileira. Uma dura concorrência
internacional, um protecionismo seletivo que parece não querer aplicar nenhuma
medida direcionada aos campesinos mais pobres do país, e um atraso notório
em termos de preparação e conhecimentos suficientes para tecnificar os
terrenos cedidos, formam parte dos difíceis desafios que está enfrentando este
movimento. Seu futuro e viabilidade por enquanto são uma incógnita.

34
Resumo da aula

O MST não é uma sigla abstrata na historiografia mundial nem muito


menos na brasileira. Também não é um partido político ou um pequeno grupo de
seguidores de alguma causa isolada; é um movimento social que tem lutado pela
sua liberdade, entendida como a capacidade de viver num território próprio,
usufruir dele, e construir a partir disso, seus projetos de vida coletivos e
individuais. Sua história está atrelada à conquista dos mais diversos direitos
humanos, que não são alheios as reclamações e reivindicações que muitos
outros movimentos no mundo tem desenvolvido por décadas, na procura de uma
melhor forma de organizar e de pensar a sociedade e o futuro.

Atividade de Aprendizagem
Discorra sobre o Movimento Sem Terra, sua origem, evolução
e como está hoje

Aula 4 – Sociedade, educação no campo, emancipação e desenvolvimento

Apresentação da aula

O objetivo desta aula é tecer considerações complementares, qualificá-


las de e fundamenta-lás em bases sociológicas e filosóficas, sobre alguns dos
aspectos da relação entre a escola camponesa (sendo que a escola urbana se
intercepta com esta em vários aspectos), a sociedade, o desenvolvimento e a
globalização.

4.1 Quando a escola pensa, a sociedade aprende

Toda sociedade é uma realidade histórica, estruturada e


compartimentalizada, e não um simples conjunto de famílias ou indivíduos que
compartilham por igual o poder, os direitos e os recursos. A sociedade também
não é uma agrupação de fatos, iniciativas e ações unidas pelo acaso, ou um

35
coletivo baseado num sistema rígido e definido com limites bem estabelecidos
para todos.
A sociedade de alguma forma, é prévia a nossa existência como
indivíduos, e ainda que posamos ser cada um de nós, sujeitos únicos, o certo é
que uma boa parte das nossas oportunidades e opções na vida estarão
fortemente delimitadas pelo fato de pertencer a uma ou outra classe social, pelo
fato de ser homem ou mulher ou pelo fato de nascer aqui ou ali. Em uma grande
proporção, nossas vidas estão já desde os primórdios da nossa existência,
marcadas pela estrutura social de onde se nasce.
A estrutura social compõe-se, como já foi insinuado previamente, de um
conjunto relativamente estável, mas dinâmico, de configurações entre sistemas,
instituições, coletivos e indivíduos, que organizam a vida econômica, política e
cultural; e que dizem procurar a satisfação – ou a delimitação - das necessidades
funcionais da vida em comum. Essas configurações podem ser, dentre outras as
seguintes:
a) A estrutura política ou o sistema de relações políticas e de poder, onde
se debatem ou tentam solucionar as lutas e conflitos de interesse;
b) A estrutura econômica ou o conjunto de relações sociais de produção
caraterísticas do modelo de desenvolvimento;
c) O sistema de relações de desigualdade que se deriva do modelo de
divisão do trabalho e de distribuição de recursos e que fixa um esquema
de estratificação socioeconômica;
d) A estrutura cultural e simbólica em que confluem sistemas de valores e
de identidades as vezes compartilhadas, às vezes não.
A educação é um componente vital de toda esta estrutura social. Cumpre
com uma função por momentos contraditória, já que por um lado, socializa todos
os padrões e valores, mas ao mesmo tempo diferencia os indivíduos em méritos
e conhecimentos, estratificando as pessoas em correspondência com a pirâmide
social, que em princípio os espera.
A escola, seja esta rural ou urbana, contribui tanto para a coesão social
e normativa como para a reprodução das desigualdades que estruturam dita
sociedade. Essa difícil tensão entre manter certa coesão cultural e diversificar os
destinos sociais, caracteriza historicamente aos sistemas educativos e tem
resultado ser a sua maior fonte de contradições e paradoxos.

36
Figura 1.1: Educação e Sociedade
Fonte: Arquivo Gráfico Família e Educação
Disponível em:http://wwwmdtbfamiliaescola.blogspot.com.br/2011_09_01_archive.html

O sistema educativo como um todo, e em particular a escola como


núcleo do mesmo, é um elemento decisivo para a construção de identidades.
Além de proporcionar conhecimentos, a escola permite a ocorrência de
coisas importantes para a integração das pessoas na sociedade e para seu
desenvolvimento pessoal. Contudo, a escola apresenta também outras funções
que não têm sido descritas previamente e que vale a pena deixar delimitadas,
sendo cientes que ditas funções aplicam tanto para o contexto rural como para
as cidades.
Uma dessas funções é a função de custodia. Ou seja, as crianças ficam
na escola porque os seus pais ou cuidadores devem trabalhar. A escola é
encarregada ficar com eles durante um tempo ao longo do dia. Essa escola que
acolhe a todos, nasceu com a Revolução Industrial e terminou estendendo-se à
zona rural, onde a padronização de horários e a produção por processos
estruturados e organizados tem permeado a lavoura cotidiana.
E uma outra função é a formação de identidades. Hoje em dia estão
mudando os conceitos de infância, do sagrado, da família, do amor, do que
define o comportamento de uma menina ou de um menino, entre outros temas.

37
O papel da escola na formação da identidade pode ser ainda mais forte
do que o papel da genética ou da família, sendo que não é precisamente pelo
ganho futuro em termos de retorno financeiro ou posicionamento social, a razão
primordial pela qual as famílias colocam os seus filhos na escola, mas pela
experiência de vida em si mesma, onde a responsabilidade formativa é
compartilhada ao longo da infância e da adolescência fundamentalmente.
(WARDE, 1984)
Uma terceira função depende da localização da escola, inserida como
está numa certa ordem social, que a obriga cumprir com o papel de reprodutora
e vigia do capital cultural. Atualmente, os parâmetros culturais que mais se
promovem estão em sintonia com motivações de ordem econômica, ditadas pelo
mercado de trabalho e de consumo.
A educação tem passado a ser instrumentalizada e os estudantes que
percebem rapidamente as caraterísticas do seu entorno, entram a jogar com dita
dinâmica; sendo que a sua motivação principal é extrínseca, pois pensam mais
em atingir certo poder aquisitivo ou certo nível profissional, do que contar com
uma utilidade intrínseca de aprender e curtir o processo de aprender.

4.2 O enfoque pedagógico

A escolha do enfoque pedagógico é fundamental para qualquer exercício


educativo. Pode ser definido como uma base ou suporte desde onde são
determinados os processos e as estratégias de aprendizado, assim como os
conteúdos curriculares e o tipo de formação docente que deve se dar nas
universidades. Nasce da discussão antropológica sobre qual é o tipo de homem
que essa sociedade quer formar.
No caso brasileiro, dita discussão está em falta historicamente, sendo que
não tem se dado no momento nem na forma mais pertinente, para atingir o
objetivo do Art. 205 da Constituição Federal de 1988.

38
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Título VIII
Da Ordem Social
Capítulo III
Da Educação, da Cultura e do Desporto

Seção I
Da Educação
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e
incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A inserção da palavra pessoa neste artigo constitucional que determina


o norte da educação no Brasil, não é casualidade. Uma vez terminada a ditadura
militar, os constituintes recolhendo o sentir do povo, esperavam consolidar um
instrumento jurídico que assegurasse e garantisse a todo o povo brasileiro, todo
o leque de direitos humanos que haviam sido objeto de tantas vulnerações e
ameaças nesse período de poderio militar.
Por outro lado, desejavam desenhar um instrumento jurídico à altura dos
melhores parâmetros internacionais em democracia e justiça social, sendo que
precisamente para aquela época estava sendo colocada no cenário mundial a
Convenção sobre os Direitos das Crianças.
O que poucos sabem é que a base antropológica e o construto teórico,
tanto dessa convenção, como da Convenção dos Direitos Humanos de 1948,
assim como do articulado constitucional brasileiro, denomina-se Personalismo;
uma corrente de pensamento surgida na Europa da pós-guerra como
contestação ao marxismo, ao nazismo e à perda de valores morais tão sentida
naquele momento, e que possui uma vertente teórica e prática diretamente
relacionada com a do papel formativo e educador das escolas.
As sociedades e as escolas não deveriam nunca deixar de procurar a
qualidade na educação. Um processo de ensino com escopo tecnicista que
sobre valoriza as competências cognitivas por cima das competências das
dimensões humanas, está destinado, não ao fracasso, mas a erigir-se como o
verdugo de milhões de seres humanos que se viram incapazes para reconhecer

39
e explicar sua identidade cultural e mais além para questioná-la e encontrar
saídas às suas patologias.

Amplie Seus Estudos


Para uma maior e melhor compreensão dos aportes da
corrente filosófica do Personalismo, sugere-se ler o artigo
de Carlos Roberto da Silveira, escrito para o “Primeiro
Encontro Sobre o Personalismo de Emmanuel Mounier”,
acontecido na USP no ano 2010.
O artigo na integra pode ser encontrado no seguinte link:
https://www.yumpu.com/pt/document/view/12846458/a-
novidade-do-personalismo-de-emmanuel-mounier-theoria

4.3 A escola rural no mundo atual

O século XXI tem nos obrigado a pensar no futuro de muitas das


instituições que têm feito presença ao longo das nossas vidas, ou das vidas dos
nossos antepassados conhecidos. Mesmo morando nas cidades, é bastante fácil
encontrar ainda, famílias cujos pais ou avôs são oriundos de regiões
marcadamente rurais, e que foram seguramente educados graças ao trabalho
de alguma escola campesina da sua localidade.
Entende-se por escola campesina aquela que tem como suporte o meio
ou a cultura rural. É dotada com uma estrutura pedagógico-didática baseada na
heterogeneidade e na multiplicidade de grupos, idades, capacidades,
competências curriculares e de escolarização, assim como com uma estrutura
organizativa e administrativa singular, adaptada às caraterísticas e necessidades
inerentes ao contexto e a comunidade em que está localizada.
É importante esclarecer que o termo “rural”, apresenta muitas
contradições. Sendo um termo relativo ao campo e os labores que ali se
realizam, na sociedade pós-industrial atual com sua submissão às tecnologias
da informação e aos meios de comunicação no geral, o campo da forma como é
visto tradicionalmente, perde visibilidade de forma rápida e progressiva. Parece
que “as coisas que pensamos” e “as coisas com que pensamos” nesta nova era

40
digital, obriga ao campo e ao rural, a se redefinir pela força dos acontecimentos
e não pela sua evolução natural.
Hoje em dia já não pode se discernir sobre a educação camponesa ou
para o mundo rural, sem pensar no projeto global em curso. Sem
desenvolvimento global e local, por exemplo, não existirá futuro para o mundo
rural e inevitavelmente para a escola campesina também não. Neste contexto a
educação constitui um eixo fundamental para a transformação social do entorno,
ou seja, para abrir novas perspectivas à vocação dos moradores do campo, seja
qual for, mas que lhes permita sair da cultura assistencial ou de menosprezo na
que em muitas ocasiões estão imersos.
Aos poucos, falar de sociedades rurais, é cada vez mais equivalente a
falar de segurança alimentar, turismo rural, meio ambiente, mediana empresa,
qualidade de vida, uso residencial. O serviço educativo terá mais opções se,
entre outras ações e fatos, a economia das suas regiões se diversifica, e a partir
disso se elaboram projetos de participação comunitária – em que a escola seja
um ator vinculante - que fomentem o desenvolvimento sustentável e a
conservação do meio ambiente, com ênfases no aproveitamento dos recursos
endógenos da zona.
Assim mesmo deve-se destacar o papel emancipador que pode
desempenhar a escola campesina. A intencionalidade dessa é pôr ao alcance
das crianças e jovens, ferramentas cognitivas e comportamentais, chaves
culturais e elementos de análises que após ser submetidos a um processo de
investigação e reflexão, impulsionem a capacidade crítica dos estudantes, e
permitam a reconstrução de experiências e conhecimentos prévios que tem se
assumido de um modo acrítico.
A escola rural (e urbana inclusive), é responsável pelo desenvolvimento
da capacidade crítica e emancipadora, ou seja, responsável pela transformação
de esquemas, formas de pensar e de sentir sobre ideias, acontecimentos, fatos
e sobre o próprio entorno.
Para que isso aconteça requerem-se professores comprometidos com
muito mais do que a simples socialização, protagonistas do desenho de entornos
mais enriquecedores que gerem boas práticas de ensino e aprendizado; tais
como enfrentar aos estudantes a dilemas e incertezas de modo paulatino, ajudar-
lhes a realizar leituras dos contextos sociais e culturais nos quais vivem, e

41
promover ativamente a pesquisa como forma de identificar diversas
problemáticas, e de achar seu nível de comprometimento e o tipo de ações
adequadas para sua idade e capacidades.
A escola rural utiliza como canal, o currículo escolar para que a população
acesse as chaves culturais, com atitudes e valores, e tentem levar a cabo o seu
projeto de vida. Centrando a análise nessa ferramenta, destaca-se como na
escola rural tem se tendido a deslocar os esquemas de pensamento das zonas
urbanas para esses territórios, o qual anula qualquer iniciativa de transformação
ou de emancipação.
Quando de oportunidades de melhoramento se trata, o Currículo é uma
poderosa ferramenta. O currículo nas suas duas modalidades, o oculto e o
explicito, deve propiciar, por um lado, o diálogo entre a identidade social e a
cultura atual – uma cultura globalizante procedente de diferentes meios, e por
outro uma ferramenta para fortalecer a autonomia das pessoas e capacitar-lhe
para a construção e reconstrução de seus esquemas de pensamento e de
atuação. Por isso deve ser colocado ao alcance do estudante, uma seleção
sociocultural heterogênea, que não seja reflexo exclusivamente um modelo de
cidadão (quase sempre cidadão das zonas urbanas), pois a homogeneidade
curricular em modo algum assegura a igualdade social.

Amplie Seus Estudos


SUGESTÃO DE LEITURA
Livro: Educação do campo - Desafios para a
formação de professores, de Aracy Alves
Martins, Maria Isabel Antunes-Rocha
A proposta desse livro, é chamar a atenção
do leitor para essa necessidade, revelando
o que tem sido feito nesse sentido e o que
ainda precisa ser realizado e sinalizando as
dificuldades e os desafios desse processo,
que visa a elevar as condições de vida e de
cidadania de milhares de brasileiros e
brasileiras que vivem no e do campo.

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Resumo da aula

Nesta aula teceu-se considerações e fundamentações sobre alguns dos


aspectos da relação entre a escola camponesa e a sociedade, desenvolvimento
e globalização. Abordou enfoques pedagógicos para o exercício educativo,
assim como o significado da escola campesina.

Atividade de Aprendizagem
A conectividade rural e o acesso às comunicações e informação
mundiais, encontram-se em um dilema, que apresenta por um
lado, uma provocação constante dirigida para um mundo de
consumo e lazer localizado geralmente nas zonas urbanas, e
ao mesmo tempo, permite ter de forma rápida e eficiente, todo
tipo de informação e dados sobre qualquer tema. Como podem
ser conciliados esses dois aspectos, sem que o estudante
perca a sua identidade e sentido de pertença e ao mesmo
tempo possa curtir o fluxo de conhecimentos diversos que os
meios digitais podem lhe oferecer?

43
Resumo da disciplina

A disciplina oferece algumas reflexões em torno da realidade social e


cultural da escola campesina na sociedade globalizada do século XXI, com a
finalidade de convidar à análise crítica sobre aspectos como a identidade da
escola rural, denunciando algumas das condições socioculturais que vive
atualmente e seu poder transformador da realidade social. Foram apresentados
nesta disciplina, os problemas da Educação do Campo, os Movimentos Sociais
destacados nesse cenário e as dificuldades geográficas de recursos que a
população campesina vive atual e historicamente.

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Bibliografia

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