Você está na página 1de 9

Paulo Vianna Sant Anna

FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE


DEPARTAMENTO DE LETRAS E ARTES
TEORIA DA LITERATURA I

ANÁLISE

O ANO EM QUE ZUMBI TOMOU O RIO

Paulo V. Sant’Anna 36431

Rio Grande, Novembro de 2005


Paulo Vianna Sant Anna
INTRODUÇÃO:

O livro “O Ano Em Que Zumbi Tomou O Rio”, de autoria do escritor de


origem angolana José Eduardo Agualusa, aborda várias questões que, hoje, são
pertinentes na sociedade carioca e brasileira como um todo.

O autor buscou tratar de assuntos como o preconceito racial, a


homossexualidade, as desigualdades sociais, econômicas, culturais, políticas, etc,
traçando ao mesmo tempo uma inter-relação entre as personagens.

Utilizou-se também da sua experiência de vida, visto que passa boa parte
dela transitando entre Brasil, Portugal e Angola, para fazer uma analogia,
principalmente, entre Angola e Brasil.

Ele faz de forma sutil certa alusão à independência angolana, relatando as


diferenças entre classes e cores dos brasileiros, demonstrando assim, de certa
forma, que o Brasil, apesar de ser um país “independente”e livre da escravidão,
ainda é fortemente colonizado e escravocrata, fato esse que não ocorre mais em
Angola.

Como diz Gilberto Freire:

“Com a abolição, os problemas do negro estariam apenas


começando. Mas quem se interessou por isso? Ninguém se
interessou. O negro livre deixou as fazendas e os engenhos e
foi inchar as periferias das cidades. Abandonado, constitui-se
num sub-brasileiro.” (FREIRE, 2000)1

A questão evidente do livro parece ser, na minha opinião, está tentativa de


mostrar que o negro não é sub-brasileiro e sim apenas mais uma etnia tentando
conquistar seu espaço na sociedade brasileira. No entanto, o autor mostra

1
FREIRE, Gilberto. Casa-Grande e Sensala: Formação da Famíla Brasileira. São Paulo. Ed. Record, 2000.
569p.
Paulo Vianna Sant Anna
claramente as várias faces da indignação do povo negro brasileiro em relação a
sua libertação. Existem personagens pacíficos, agressivos, moderados, cada qual
revelando, à sua maneira, como se deve fazer para libertarem-se.

O livro é ambientado no Rio de Janeiro no ano de 2002, em sua maior


parte, subdividindo-se entre o Morro da Barriga, Apartamento de Anastácia
Hadock Lobo, entre outros, colocando sempre questões relacionadas entre o
domínio do negro, ou seja, a favela e o domínio do branco: a política e a economia
nacionais.

A narrativa do livro se faz de forma mista, ou seja, às vezes o narrador está


em primeira pessoa e é onisciente e onipresente, tornando-se muitas vezes
intruso e conhecedor dos sentimentos dos outros, em outras ele está em terceira
pessoa, narrando apenas o aspecto do ambiente, o espaço, e descrevendo as
fisionomias das personagens.

A narrativa inicial se dá em terceira pessoa com o Coronel Francisco


Palmares analisando a invasão de helicópteros ao Morro da Barriga, no Rio de
Janeiro. Logo Palmares escuta a voz de Jorge Velho e reconhece-o, travando um
pequeno diálogo com este.

A forma narrativa geral da história é constituída e construída por Analepses


e Prolepses, ou seja, o texto não é contínuo. Os capítulos se alternam ao longo da
narrativa. No entanto o tempo não deixa de ser cronológico, no sentido de horário,
visto que também há um tempo psicológico. Como exemplo podemos citar a
passagem de Francisco Palmares quando do enterro do amigo Euclides Matoso
da Câmara:

“Vira-o muitos anos antes, deitado de costas num caixão de


criança, as pequenas mãos cruzadas sobre o peito. Pareceu-lhe
um morto feliz. Agora vê-o de novo, com o mesmo ar de festa com
que foi a enterrar, o mesmo laço de seda cor de açafrão, o mesmo
fato leve e elegante em linho puro. A diferença? Está vivo. Não
pode ser e no entanto está vivo. O coronel Francisco Palmares
Paulo Vianna Sant Anna
apóia-se a uma mesa. Treme. Ele próprio fizera questão de o velar.
Chorara lágrimas autênticas sobre o seu caixão. Acompanhara-o a
pé, segurando uma das alças da urna, até ao Cemitério do Alto das
Cruzes.” (AGUALUSA, 2002: 07).2

Neste trecho vemos a passagem da morte de Euclides. No entanto ao longo


do texto, percebe-se a presença constante de Euclides Matoso, seu papel como
jornalista e os preconceitos aos quais termina sofrendo por ser negro, anão e
homossexual. Isso de certa forma nos transmite a idéia de Analepse e Prolepse do
texto em geral.

PERSONAGENS ANALISADOS:

Os personagens a serem analisados aqui serão: Francisco Palmares e


Jorge Velho, relacionando-os com a História de Zumbi dos Palmares e Jararaca e
Euclides Matoso da Câmara, analisando a indignação do primeiro para com o
preconceito com os negros e a aceitação do segundo destes mesmos
preconceitos.

O autor, bastante cuidadoso e meticuloso na escolha dos nomes dos


personagens, consegue trabalhar uma relação bastante sutil entre o Coronel
Francisco Palmares e o delegado Jorge Velho, visto que ambos foram peças
importantes em relação ao Quilombo dos Palmares, criado no século XVII em
Palmares, Pernambuco, pelo então Zumbi , tido como líder do quilombo, mais
tarde conhecido como Zumbi dos Palmares, segundo trecho abaixo:

“No início da década de 1690, o bandeirante, Domingos Jorge


Velho foi chamado e recebeu a missão de liderar uma expedição
para caçar e exterminar de vez os focos de resistência em
Palmares. Depois de um cerco que durou semanas, no entanto,
Jorge Velho conseguiu se aproximar com seus canhões. Zumbi
liderou pessoalmente um ataque desesperado para evitar a
2
AGUALUSA, José Eduardo. O Dia Em Que Zumbi Tomou O Rio. Rio de Janeiro. Ed.Gryphus, 2002. 295p.
Paulo Vianna Sant Anna
destruição das barreiras, mas falhou. Os bandeirantes mataram
centenas de guerreiros e invadiram a capital palmarina. Zumbi
fugiu.” (Revista História Viva, 2005:35).3

A relação ainda torna-se mais real, pois além do autor ser angolano, a
maioria dos indivíduos do Quilombo de Palmares provieram de Angola, segundo
trecho de reportagem extraído da Revista Aventuras na História, editada pela
Editora Abril em novembro de 2005, página 30:

“Tudo indica que africanos do complexo angolano (região que


englobava, além de Angola, também parte do atual Congo) teriam
tido um papel determinante em Palmares”. 4

A análise que posso observar entre estes dois personagens, caracteriza-se


principalmente na questão da liberdade, ou melhor, do libertar-se dos grilhões da
sociedade em geral, percebido está que no final do livro ambos estão a conversar
e de repente Francisco diz a Jorge Velho: “Vamos! (...) – A morte é uma bela
aventura.”, deixando a dúvida se ele foge, como na história real, ou se é morto,
também como na história real. Digo isso porque, ainda segundo a Revista
Aventuras na História:

“Foi por meio de um membro desse grupo, Antônio Soares, que os


homens de Jorge Velho chegaram a Zumbi. Capturado e torturado,
Soares aceitou levar os bandeirantes em sigilo até o esconderijo
rebelde. Lá chegando, ele mesmo teria matado Zumbi com uma
traiçoeira punhalada.” (20005:35).5

A relação é bastante interessante porque, se formos observar bem, ambos


os personagens estão conversando, enquanto helicópteros e tiros são vistos e

3
ZUMBI, O GRITO FORTE DE PALMARES. In: Revista Aventuras na História. Ed. Abril. Ed. 27, Nov.
2005.

4
Idem.
5
Ibdem.
Paulo Vianna Sant Anna
escutados respectivamente, estes helicópteros, por exemplo, sugerem ser da
polícia.

Nota-se que Jorge Velho é delegado e não mata Palmares, talvez sua
morte esteja a cargo dos homens do delegado, o mesmo ocorreu em vida real.
Antônio Soares foi quem matou Zumbi dos Palmares, e não o próprio Jorge Velho.

A abordagem que procurei trabalhar destina-se a questão da relação


homem Branco e homem Negro no Brasil, a partir da então abolição da escravidão
no país no ano de 1888 através da Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel.

A busca pela libertação dos negros, a partir do Morro da Barriga, no Rio de


Janeiro, tendo como comandante a personagem Jararaca, um traficante bem
sucedido, que busca, através das armas, libertar o seu povo do jugo dos brancos
e da sociedade burguesa, “do asfalto”, segundo ele mesmo, tem suas raízes ainda
na Monarquia brasileira.

Segundo Sérgio Buarque de Holanda:

“Na Monarquia eram ainda os fazendeiros escravocratas e eram


filhos de fazendeiros, educados nas profissões liberais, quem
monopolizavam a política, elegendo-se ou fazendo eleger seus
candidatos, dominando os parlamentos, os ministérios, em geral
todas as posições de mando, e fundando a estabilidade das
instituições nesse incontestado domínio.(...) (...) A eles, de certo
modo, também se deve o bom êxito de progressos materiais que
tenderiam a arruinar a situação tradicional, minando aos poucos o
prestígio de sua classe e o principal esteio em que descansava
esse prestígio, ou seja, o trabalho escravo.” (2004:73). 6

No livro nota-se perfeitamente a luta frenética de Jararaca pela libertação e


ascensão do negro dentro da sociedade potencialmente produtiva brasileira. É
nisso que o personagem está envolvido, no entanto, outros personagens tentam

6
HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo. Ed Companhia Das Letras, 2004. 220p.
Paulo Vianna Sant Anna
persuadi-lo de não obter tal liberdade através das armas, sendo um deles Euclides
Matoso da Câmara e o coronel Francisco Palmares.

Jararaca é um homem que não aceita as diferenças raciais, econômicas e


políticas entre brancos e negros. Exige que os brancos dêem espaço para os
negros, nem que para isso ele tenha que pegar em armas. Busca ascensão e
reconhecimento nacional, onde priorizará os anseios da comunidade negra do
Morro e posteriormente do país.

Contrapondo-se a esta imagem encontra-se Euclides Matoso da Câmara,


que é jornalista, negro, anão e homossexual. Ele busca através do diálogo e
negociação a libertação do negro brasileiro.

Euclides é um personagem que transita, por ser jornalista, entre brancos e


negros, e assim, consegue observar com mais precisão e cautela as
reivindicações de ambas as partes, tanto dos brancos como dos negros. Euclides
seria aquilo que disse Gilberto Freire em seu livro Casa-Grande & Senzala:

“Num processo de equilíbrio de antagonismos, o branco e o negro


se misturavam no interior da casa-grande e alternavam as relações
sociais e culturais, criando um novo modo de vida. Na sociedade
escravocrata e latifundiária que se formava, os valores culturais e
sociais se misturavam à revelia de brancos e negros.” (Freire,
2000).7

Assim parece ser Euclides, um personagem que, na medida do possível,


tentar alterar ou alternar as relações existentes entre o “asfalto” e o “morro”,
utilizando-me das palavras do autor, a fim de evitar um conflito bélico entre estas
partes.

7
FREIRE, Gilberto. Casa-Grande e Sensala: Formação da Famíla Brasileira. São Paulo. Ed. Record, 2000.
569p.
Paulo Vianna Sant Anna
Nota-se porém que, a sua voz muitas vezes não é ouvida, daí o autor
mostrar a indiferença, o preconceito, que muitas pessoas tem de homossexuais.
No entanto, Euclides, ao retornar para o Morro, demonstra a sua crença em que é
possível fazer alguma coisa para mudar a situação. Ele é o símbolo da luta negra
pela liberdade.

CONCLUSÃO:

O livro é bastante crítico ao analisar a situação do negro no Brasil. Porém,


não vejo o país como colonizado, mas sim dependente de medidas que venham
fazer com que o negro seja mais aceito entre os brancos e a sociedade em geral.

Busquei trabalhar estes quatro personagens porque concluí ser


interessante fazer um paralelo com a vida de Zumbi dos Palmares, visto que a
relação existente entre Francisco e Zumbi é muito forte bem como a vida de Jorge
Velho, tanto o do livro como o que enfrentou Zumbi.

Quanto ao personagem Jararaca, ele é o símbolo do que os negros hoje


buscam para os seus “semelhantes”, e demonstra também a realidade que hoje os
morros do Rio de Janeiro e de outras cidades brasileiras vêm passando.

Euclides Matoso da Câmara já me parece ser o oposto de Jararaca. É um


intelectual negro que conseguiu “seu lugar ao sol” entre os brancos e, a partir daí,
busca um meio negociável para o fim do conflito racial existente. Além de que
mostra o preconceito para com os homossexuais e anões, em certa medida.

O texto em geral é bom, no entanto, é preciso estar atento para a forma


como a narrativa é trabalhada. O livro está estruturado na forma de Analepse e
Prolepse, o que dificulta a leitura para um leitor menos atento.
Paulo Vianna Sant Anna
Outro quesito que considerei importante é a questão de o leitor ter certo
conhecimento de outros assuntos, senão apenas os conflitos que existem nas
favelas, para assim poder até mesmo, perceber o quanto literária é a obra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

AGUALUSA, José Eduardo. O Dia Em Que Zumbi Tomou O Rio. Rio de Janeiro.
Ed.Gryphus, 2002. 295p.

CHAVES, Flávio Loureiro. História e Literatura. Porto Alegre. Ed. Da


Universidade, 1999.110p.

FREIRE, Gilberto. Casa-Grande e Sensala: Formação da Famíla Brasileira.


São Paulo. Ed. Record, 2000. 569p.

HOLANDA, Sérgio Buarque. Raízes do Brasil. São Paulo. Ed Companhia Das


Letras, 2004. 220p.

ZUMBI, O GRITO FORTE DE PALMARES. In: Revista Aventuras na História.


Ed. Abril. Ed. 27, Nov. 2005.

Você também pode gostar