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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA- UNEB,

COMPONENTE CURRICULAR: LITERATURA E BAIANIDADE.


DOCENTE: Dr(a) Prof(a) ELIZABETH GONZADA DE LIMA
DISCENTES: BRUNA SILVA

A construção da ideia de Bahia/nordeste por Jorge Amado

De acordo com Durval, a obra de Jorge Amado está ligada à questão da identidade nacional e
cultural do país, a questão da raça, da formação do povo, da relação entre a nação e o capital
estrangeiro e da necessidade de fazer uma reconstrução total do país, rompendo radicalmente
com seu passado. A proposta de Amado é captar a identidade do país e de sua cultura e
compreender sua singularidade a partir de uma busca das raízes populares, da realidade do
povo, da recuperação da fala, das figuras e cenas populares. Sua obra procura caracterizar o
povo brasileiro descobrindo sua verdade interna, sua essência, e retratando a verdade a partir
de sua própria visão e fala. Seus personagens se tornam emblemáticos das condições sociais,
dos valores e das aspirações de toda uma classe e seu intuito é conciliar o lado belo da terra,
do povo, com o social, o feio, o miserável, unindo a visão muitas vezes lírica da natureza e da
sociedade com a visão romântica de negação da realidade e a busca da construção de um
novo mundo.
A linguagem utilizada por Amado é a linguagem popular, direta, capaz de permitir a
comunicação imediata da mensagem que o intelectual quer transmitir ao povo. Ela também
seria a fonte de uma visão popular da sociedade. O nordeste representado por ele vai sendo
composto por textos de pessoas do povo, um nordeste da fala popular, do palavrão, um
nordeste carente até na linguagem. A fala livre e displicente do povo seria uma visão de
baixo, uma fala não censurada, não apreendida pelas regras e normas dos códigos burgueses,
assim, o Brasil e o nordeste se tornariam mais visíveis em sua verdade, por serem falados
pelo próprio povo.
Para responder as teorias racistas, sua obra reconhece o cotidiano do povo baiano, as misérias
e as maravilhas de um povo perseguido e castigado, mas que está decidido a tudo superar,
conservando a alegria e preservando os bens herdados das senzalas e dos quilombos. Para ele,
a luta contra o racismo está aliada à luta contra a miséria. O discurso racista visava, segundo
ele, justificar o domínio burguês, tendo a questão das classes em prioridade sobre a questão
das raças, e resolvido um problema o outro era consequência. Por isso, diferentemente da
grande maioria das produções que trás uma visão negativa e estereotipada, representa os
negros e mestiços como seres afetivos, emocionais, espiritualizados, voltados para valores
humanos, capazes de felicidade na pobreza, que vivem à margem da lógica do pensamento
burguês, mas que são seres representativos do caráter nacional.
Nas representações da cultura brasileira como um todo, sempre se acreditou na supremacia de
um grupo étnico em detrimento a outro. O branco era o superior e o negro, ou qualquer outro
não branco. Dessa forma, foi construído um ambiente de segregação racial e de criação e
permanência de estereótipos que, como consequência, fortaleceu os preconceitos de cor, etnia
e religião.
Jorge Amado, em suas produções, criou personagens adjetivados como negros, mulatos e,
para referir-se ao europeu, usou termos como, por exemplo, “gringo”. No conto “De como o
mulato porciúncula descarregou o defunto”, por exemplo, o próprio título já revela a
construção da figura do protagonista inserido em um grupo étnico, uma vez que seu nome
vem acompanhado de adjetivo que o define.
A expressão “descarregou o defunto” também posta no título, sugere ao leitor, num primeiro
momento, que a personagem é um criminoso, pois o que se entende é que possivelmente
Porciúncula assassinou e enterrou alguém, ou pelo menos foi cúmplice de uma situação
parecida. Porém, com o decorrer da narrativa, o termo é explicado em um outro contexto e o
leitor entende que esse “descarregar” se refere ao alívio da dor que Porciúncula sentiu ao
contar sobre a morte de alguém, nesse caso, a morte da personagem Maria do Véu.
Outra personagem que chama atenção é o gringo, e as descrições referentes às suas
características surpreendem o leitor. Conforme os traços descritos pelo narrador: um homem
loiro, de olhos azuis, é possível considera-lo uma pessoa branca. Outras características
atribuídas a ele como “sujeito calado”, “consumidor de cachaças” e o fato de boatos sobre a
sua índole serem espalhados na região, são fatores que levam o leitor a duvidar do seu
caráter. Ele é um sujeito misterioso, e o que se sabe dele é que cometera dois homicídios por
esfaqueamento, mas as suposições nunca são confirmadas, ou a menos negadas por ele, o que
faz com que o leitor duvide ainda mais da sua índole.
A imagem que se constrói do gringo não é comum, já que outras narrativas ao seu respeito
sempre o colocam como um sujeito bom, de energia contagiante e expressão sorridente, que
veste uma camisa termoprotetora, uma bermuda de tactel florida, um chapéu de caçador e que
fala um português embolado.
O gringo representado por Jorge Amado é um gringo supostamente agressivo, cruel e
violento, que não gosta de “jogar conversa fora”, mas que gosta de beber cachaça, sendo
igualado às demais personagens que frequentavam o mesmo bar, e não sendo superior a eles.
Não há a intenção de criar estereótipos para sobrepor a imagem do mulato, o que houve foi
uma inversão de papeis, já que o esperado, ou, pelo menos, o comum de ser utilizado, era a
imagem de um mulato como criminoso.
A trama acontece em uma chuvosa noite de Natal enquanto as pessoas bebiam cachaças na
venda do Alonso. Narra-se a explicação de Porciúncula sobre os acontecimentos da morte de
Maria do Véu. Ele é um sujeito bem-falante, excelente contador de histórias, mas que não
tem nenhum grau de escolaridade. Então presume-se que ele está inserido em uma classe
social subalterna.
Ao decorrer da narrativa ele conta a história de Maria Batista, uma jovem adolescente que,
após perde a virgindade, foi expulsa de casa pelo velho Batista, seu pai e que, quando veio
para a capital baiana foi praticamente adotada pelas prostitutas mais velhas em uma casa de
prostituição em que se alocou. Maria era fixada na ideia de casamento que tinha desde
menina, por isso o apelido Maria do Véu, e alimentava esse desejo acompanhando todos os
casamentos que aconteciam na região, assistindo-os e se perdendo na imaginação de quando
seria a sua vez. Porciúncula era seu confidente, mas ainda assim, apesar das investidas, era o
único com quem ela não aceitava ter relações sexuais.
Apaixonado por ela, ele respeitava sua decisão apesar de não aceitar o fato de ser resignado
apenas como parceiro de confidências. Em contrapartida, o filho do coronel que a molestou,
não sofreu nenhuma consequência pelo ato criminoso, já que na sociedade brasileira dos
últimos anos do século XIX, e o primeiro do século XX , não concebiam nem taxavam esse
comportamento como um ato criminoso, pelo fato da ação ter partido de um homem de
prestígio social e racial. Mas esse ato poderia ser facilmente esperado de Porciúncula por ele
ser mestiço, porque a imagem que se passa de sujeitos como ele é a de seres degenerados,
aproveitadores, que tendem ao crime. Novamente cria-se uma inversão de papeis que
deslegitima o preconceituoso discurso de superioridade étnica e de classe sobre a conduta dos
negros ou afrodescendentes.
Por fim, Porciúncula conta que a causa da morte Maria do Véu foi uma gripe seguida de febre
que assolou a região. Ao dar esse desfecho à narrativa, o autor retira toda e qualquer suspeita
quanto à degeneração do mestiço. Nota-se que Jorge Amado não se refere ao mestiço como
sujeito inferior, e quebra, dessa forma, o reforço socialmente disseminado do estereótipo
negativo, do ato de dar aos negros e mestiços o lugar do diferente, do “Outro” sinistro e
perigoso.
Jorge Amado surge como um dos escritores que busca desfazer o discurso hegemônico,
pautado na unidade, que é responsável pela criação dos estereótipos e preconceitos
enraizados na sociedade.

Referências:

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Durval Muniz de. A invenção do Nordeste e outras artes. Recife:
Massangana; São Paulo: Cortez, 1999.

Antologia panorâmica do conto baiano: século XX. Organização e introdução de Gerana Damulakis.
Ilhéus, Ba: Editus,2004.

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