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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

SEMESTRE: 2021-1
DEPARTAMENTO CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I
CURSO: LETRAS VERNÁCULAS
COMPONENTE CURRICULAR: LITERATURA E BIOGRAFIA
CARGA HORÁRIA: 60 h
PROFESSORES: Sayonara Amaral e Kleber Martiniano Costa
ALUNAS: Bruna Silva e Janine Nunes

ATIVIDADE (1.0)

TEXTO DE REFERÊNCIA: “A ILUSÃO AUTOBIOGRÁFICA” (WANDER MELO


MIRANDA)

QUESTÕES:

1. Ao ler qualquer texto narrado em primeira pessoa, podemos suspeitar que a


identidade do (a) autor (a) seja a mesma identidade do (a) protagonista do texto.
Porém, essa suspeita não é suficiente para dizer que estamos diante de uma
autobiografia. Segundo as perspectivas de Philippe Lejeune e de Elizabeth
Bruss, que características e/ou regras definem um texto como autobiográfico,
na nossa cultura?

De acordo com Miranda, a autobiografia só existe enquanto parte das


instituições sociais e literárias a criam e sustentam. Ela apropriou-se, ao longo
de seu desenvolvimento, de diversos procedimentos formais de outro tipo de
discurso. Quando o romance realista passou a usar o narrador-personagem em
primeira pessoa, tal recurso não foi mais suficiente para distinguir a
autobiografia e a ficção. Sendo assim, outros fatores foram utilizados para
distingui-los sendo necessária a determinação de regras para que o ato
autobiográfico se efetive, ainda que possam ser transgredidas. Essas regras, de
acordo com Elizabeth Bruss são: a) o autor, narrador e personagem devem ser
idênticos; b) a informação e os eventos relativos à autobiografia são tidos por
serem, terem sido ou deverem ser verdadeiros, sendo passíveis de verificação
pública; c) espera-se que o autobiógrafo tenha certeza a respeito das suas
informações, podendo ser ou não reformuladas.
A autobiografia pode representar uma tentativa de esclarecimento entre a vida
privada e pública. O texto autobiográfico é uma narração, uma auto
interpretação e depende da vida concreta do autor ou da própria estrutura do
texto. Ele possui uma estrutura interna constituída com elementos indispensáveis
para a fluidez da leitura, sendo eles o decurso temporal representado no texto, ou
o tom que o autobiógrafo tenciona dar á si próprio (irônico, melancólico, alegre,
etc.).

2. O diário íntimo é um texto de caráter autobiográfico. No entanto, ele se


diferencia da autobiografia strictu sensu (ou instituída). Como se caracteriza
essa diferença?

O diário possui uma escrita essencialmente privada e data com precisão os


momentos narrados por estar ligado ao tempo através de uma precisão e fidelidade
utilizadas para narrar a experiência real do sujeito narrador. Possui um discurso
fechado que elimina o pacto entre autor e leitor, e por isso é considerado um texto
narcisista e sem destinatário. O autor/narrador apresenta o discurso através do olhar
reflexivo sobre si mesmo em fatos organizados com precisão cronológica. Ou seja,
os fatos contados no diário são datados em ordem temporal, estabelecendo uma
separação entre o vivido e o registrado.
Já na autobiografia, não há exatidão e separação temporal entre um evento ocorrido
e o seu registro, já que há uma seleção de eventos na memória para compor o texto
através de um reconhecimento recapitulativo, apesar das mudanças que o sujeito
sofre no tempo. O sujeito é suporte da reflexão e suas mudanças de identidade são
expressas no discurso através de traços da história, em um transito entre a
reevocação do passado e o “eu” atual. O diário e a autobiografia, enfim, diferem-se
em relação à perspectiva de retrospecção.

3. Segundo o texto, a fronteira entre a autobiografia e gêneros ficcionais, como o


romance, é bastante tênue. Que argumentos são trazidos pelo autor para
sustentar essa afirmação? Você conhece algum texto que possa servir de
exemplo para ilustrar essa reflexão? Cite-o em sua resposta.

A distinção fundamental entre romance e autobiografia, segundo o autor, depende


do pacto de leitura efetuado entre o autor e leitor, principalmente nos casos em que
possam existir dúvidas a respeito da identidade ou não, entre sujeito e objeto de
narração . Essa linha é tênue, pois em muitos textos o grau de fingimento pode ser tão
variável que torna difícil a diferenciação entre uma autobiografia autêntica e uma
composição já romanceada, afinal muitos romances em primeira pessoa podem fingir o
relato verídico de uma experiência pessoal, sem que o leitor consiga distinguir a história
concreta de um eu real,que o caso seria o próprio autor,e a sua recriação em termos de
invenção ficcional. Miranda também cita Gide,falando do pacto fantasmático ou
indireto, aonde o leitor é convidado a ler romances não apenas como ficções que
remetem a verdade de natureza humana,mas também como fanastamas reveladores de
um indivíduo, o autor. Portanto esse pacto fantasmático permite entrever, já em
processo a noção do autor como um ser de papel e da autobiografia, não como a
representação verídica e fiel de uma individualidade,mas como uma forma de encenação
ilusória de um eu exclusivo.

4. Na parte final do texto, Wander Melo Miranda traz um trecho de Memórias da Emília
para exemplificar o que há de “ilusório” na compreensão costumeira que temos da
autobiografia. Explique: por que se trata de uma ilusão? Na sua explanação, tome
como ponto de apoio a seguinte colocação de Philippe Lejeune, citada por Miranda:

A forma autobiográfica indubitavelmente não é o instrumento de


expressão de um sujeito que lhe pre-existe, nem mesmo um
“papel”, mas antes o que determina a própria existência de
“sujeitos”. (p. 41)

A ilusão referente a autobiografia, é estabelecida a partir do momento em que o leitor


acredita que ela é uma expressão verídica de um sujeito,no que concerne um papel
vivido pelo autor,mas segundo Lejeune,a forma autobiográfica é o que determina a
própria existência de "sujeitos".O que memórias de Emília nos permite ver é o cerne da
questão autobiográfica, que é a de que o estatuto do autor desse tipo de texto,não é
determinado nem pelo modelo e nem pelo redator,mesmo quando ambos perfazem uma
mesma figura,já que o referido estatuto, antes de mais nada é uma forma retórica
existente para representação ou dramatização do sujeito,para da lo como uma unidade.
Miranda traz como exemplo também a obra Memórias de um cárcere,aonde Graciliano
ao falar de si, misturando intencionalmente sua voz a outras vozes silenciadas, não só
reverte a expectativa de uma escrita centrada na ideia de um sujeito autônomo
predeterminado por uma forma já dada,mas também instaura um alargamento do campo
de indagação concernente às relação entre a vida e obra,sujeito e discurso,realidadee
representação literária.

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