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Revisando Memórias
Revisando Memórias
A autobiografia (do grego: autos = eu; bios = vida; graphein = escrita) é um gênero
literário que trata, basicamente, da narração da própria vida.
“Na biografia, a seleção dos eventos a serem apresentados é definida pelos outros, por isso,
a objetividade é mais evidente que na autobiografia, em que a pessoa escolhe o que vai
escrever sobre ela mesma” (NERY, 2005, p. 1).
“Narrador e personagem remetem, respectivamente, ao sujeito da enunciação e ao sujeito
do enunciado: o narrador narra a história e o personagem é o sujeito sobre o qual se fala.
Ambos, porém, remetem ao autor” (ALBERTI, 1991, p. 11).
Distanciamento e enganos
Até onde a intervenção do revisor em certos pontos é correção, e quando passa a ser uma
talvez desnecessária alteração da memória do autor?
Como deve o revisor lidar com erros que não os simplesmente ortográficos ou gramaticais,
mas sequenciais, cronológicos, ou até mesmo históricos ou geográficos?
O que é mais importante: a veracidade racional de registros precisos, ou a liberdade
emotiva de lembranças incertas?
Deve a subjetividade das lembranças ser maculada com uma forçosa intervenção da
objetividade de um revisor inflexível? Ou deve-se dar maior abrangência à licença poética
em tais obras?
A responsabilidade do revisor
Por ser a autobiografia um gênero repleto de particularidades, a revisão da mesma deve ser
tratada respeitando-se tais particularidades. E a principal delas é ser este gênero o relato de
lembranças do autor.
Contendo uma carga emocional tão grande, um texto autobiográfico acaba tornando-se
terreno incerto para um revisor, que tem uma profissão regida pela racionalidade.
“O revisor é, na prática, um corretor, e por isso sua maior preocupação está no erro”
(ARAÚJO, 2008, p. 364), logo, saber até onde deve ir seu trabalho permite que tal
preocupação se acalme, pela certeza de que certas supostas falhas não corrigidas na
verdade não estão erradas.
A incerteza das memórias
Quem sabe melhor sobre a vida de uma pessoa pode nem sempre ser ela mesma, mas quem
melhor sabe da vida de um autobiografado é o próprio autobiógrafo. Isso porque a
personagem que surge quando o autor descreve sobre si mesmo é formada pela imagem
que surge a partir de suas próprias lembranças.
Assim sendo, o revisor deve manter com o autor certo contato, para que possa diferenciar
erros de “distorções”. Caberá, no fim das contas, ao autobiógrafo dizer se as
informações/situações que geraram estranheza ao revisor são realmente enganos, ou apenas
sua “visão pessoal” da verdade.
A relação autor–revisor
É o autobiógrafo que decide o foco de sua narrativa. No resumo de sua vida, é ele que
decide o que omitir, seleciona o que expor, e dá a importância que bem entender aos
relatos – não importando muito se condiz com a realidade “externa”.
Ao revisor caberia, então, orientar tal narrativa, para que seja compreensível ao futuro
leitor.
Em casos em que o revisor não possa entrar em contato com o autor – numa publicação
póstuma, por exemplo, resta apelar para quem tenha ficado responsável pela integridade da
obra, seja o editor ou outra pessoa.
Detalhes
Em muitos textos, há diversos detalhes que só poderão ser adequadamente corrigidos (ou
deixados de corrigir) a partir de confirmação com o autor. Nos de caráter autobiográfico,
merecem mais atenção os nomes próprios (tanto de localidades como de pessoas) e as
datas.
Pessoas são conhecidas e reconhecidas por seu nome. Se o nome é descaracterizado – ao
ser escrito incorretamente –, a pessoa também será descaracterizada.
Datas erradas são mais difíceis de se perceber. Mas, com o cuidado e atenção já inerentes
ao trabalho de revisão, há boas chances de notar se algo estiver “fora de lugar” na
cronologia do texto, e chamar a atenção disso para que o autor verifique.
Conclusão
A autobiografia é feita de lembranças; ela nasce das memórias do autor, e a elas deve
manter-se fiel. Para isso, ao fazer seu trabalho, o revisor deve dar grande importância a sua
relação com o autobiógrafo.
O autobiógrafo que decide o foco de sua narrativa, e que define a importância dos
acontecimentos que dela tomarão parte. Tudo numa autobiografia está, de alguma forma,
vinculado a uma imagem que o escritor quer passar de si, e tem grande significado para
este. É um texto carregado de peso emocional. Nisso, mostra-se ser a relação autor–revisor
ainda mais importante neste tipo de obra do que em qualquer outra. Harmonizando o
trabalho de ambos, é possível chegar a um equilíbrio entre razão e emoção, dando ao texto
o tom certo de subjetividade e objetividade, de forma a se ter uma obra dentro dos padrões
da boa redação, mas sem que se perca seu colorido emocional.