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A E S C R I TA I N T I M I S TA E A U T O B I O G R Á F I C A É

A Q U E L A E M C U J O A C T O D E E S C R I TA O S U J E I T O S E
REFLECTE E REFLECTE SOBRE SI MESMO.

O A U T O - R E T R AT O , A A U T O B I O G R A F I A , O S P O E M A S
A U T O B I O G R Á F I C O S , O D I Á R I O , A S C A R TA S , A S
MEMÓRIAS, SÃO EXEMPLOS DE TEXTOS DE
CARÁCTER AUTOBIOGRÁFICO.
A escrita intimista e autobiográfica pode concretizar-se, entre outros, através de
memórias, diários, autobiografias, cartas e até mesmo textos poéticos. De referir
que a delimitação entre os três primeiros géneros citados nem sempre é nítida, o
que muitas vezes gera dúvidas relativamente à classificação literária de
determinados textos do género.

Na realidade, os géneros literários intimistas pressupõem um discurso virado para o


eu (presente ou subentendido), predominando, por isso, formas verbais, pronomes
e determinantes na primeira pessoa, bem como uma linguagem conotativa,
subjectiva e emotiva.

Neste tipo de textos, o eu evoca experiências marcantes momentos, etapas,


iniciativas da sua vida pessoal/profissional, a sua relação com quem/o que o
rodeia, transmitindo simultaneamente as sensações, sentimentos, emoções que
essas vivências lhe despertaram.
Temáticas presentes nos textos autobiográficos:

Percursos/etapas/momentos de vida particular.


Relação consigo próprio/com os outros.
Recordação de vivências marcantes.
Atitudes e comportamentos.
Iniciativas/escolhas pessoais.
Experiências e suas consequências.
Individualidade/identidade.
Sentimentos/emoções.
Reflexão/meditação.
Conflitos/busca de paz interior.
Introspecção.
Percepções/sensações/captação através dos sentidos.
Ao nível da expressão, o discurso autobiográfico caracteriza-se por:
discurso na 1.ª pessoa;
predomínio do eu (presente ou subentendido);
formas verbais na 1.ª pessoa;
presença de pronomes pessoais (forma de sujeito e de complemento):
presença de determinantes e de pronomes possessivos (meu/minha …);
privilégio de linguagem conotativa e emotiva;
uso de nomes abstractos, adjectivação expressiva; verbos do domínio do
“ser” (definição/permanência) e do “estar” (caracterização do momento);
pontuação sugestiva;
frases do tipo exclamativo e interrogativo;
utilização de recursos estilísticos.
Relativamente ao texto autobiográfico, distinguem-se várias tipologias textuais:

Carta pessoal ou particular


Diário
Memórias
Confissões

Biografia
Autobiografia
Tábua cronológica
Retrato
Auto-retrato
Caricatura
Fotobiografia
A biografia é um género narrativo em prosa que consiste
na descrição da vida de uma determinada personalidade,
onde devem constar datas, lugares, pessoas e
acontecimentos marcantes.
É redigida na 3ª pessoa e a linguagem predominantemente
objectiva e informativa; pode apresentar-se, quer como
um relato meramente informativo, quer como um texto
onde se evidenciam e valorizam aspectos relevantes do
percurso do biografado.
A biografia pode ser uma simples nota biográfica ou mesmo constituir-se como um
livro, segundo a finalidade a que se propõe.

Ao contrário da autobiografia, na biografia deve-se respeitar a ordem cronológica.


Diferenças entre a autobiografia e a biografia:

Autobiografia
- Texto predominantemente expressivo e subjectivo.
- Texto que acentua o percurso existencial do autor.
- Texto onde a ordem cronológica dos factos narrados pode não ser respeitada.
-Texto predominantemente narrado na 1ª pessoa.

Biografia
- Texto predominantemente informativo e objectivo.
- Texto que acentua o percurso de vida do autor.
- Texto onde a ordem cronológica dos factos narrados é respeitada.
- Texto onde consta a data dos factos narrados.
A Autobiografia visa retratar a vida de uma pessoa, mas,
neste caso, autor, narrador e personagem identificam-se,
na medida que é o próprio quem narra a sua experiência
vivencial.
Trata-se de um discurso de primeira pessoa, pelo que
assume um carácter subjectivo. O relato autobiográfico
tem, em geral, um carácter mais expressivo do que
informativo.
A partir da memória, o autor recria vivências passadas,
directa ou indirectamente relacionadas com a sua própria
vida, podendo modificar a narração cronológica dos
acontecimentos.
As marcas linguísticas da autobiografia

formas verbais na 1.ª pessoa;


marcas de 1.ª pessoa nos pronomes pessoais e nos determinantes possessivos;
explicitação das coordenadas de enunciação (determinação das características do
momento em que se escreve);
verbos epistémicos (achar, acreditar, calcular, considerar, pensar, supor,
reconhecer...),
verbos avaliativos (detestar, gostar, lamentar, suportar, tolerar...), verbos
perceptivos (ouvir, sentir, ver...),
verbos volitivos (desejar, esperar, querer, tencionar...),
verbos de rememoração (recordar-se, lembrar-se...);
projecção das acções num intervalo temporal lato;
conectores de ordenação temporal.

Outros recursos expressivos que contribuem para a subjectividade dos textos


autobiográficos: a adjectivação, as repetições, as figuras de estilo, as interjeições e os
sinais de pontuação como, por exemplo, os pontos de exclamação e as reticências.
A fotobiografia, tal como o próprio nome indica, é
uma biografia baseada e apresentada numa série de
fotografias.
Contudo, a selecção das fotografias exige muita
pesquisa, pois estas devem ter qualidade suficiente,
ser expressivas e ilustrar momentos diferentes da
vida da personalidade escolhida.
Além disso, estas, devidamente legendadas, devem
estar dispostas segundo a ordem cronológica da
história de vida que se está a relatar.
É no início da Idade Média que surge o
primeiro grande modelo de obra
autobiográfica, as Confessiones (Confissões) de
santo Agostinho (século IV), que, pela sua
introspecção psicológica e antevisão
existencialista, permanecem vivas até hoje,
tendo exercido profunda influência sobre
filósofos como Pascal e Kierkegaard ou
escritores como Rousseau.
Romance no qual se misturam ficção e realidade,
com uma relação de identidade entre autor,
narrador e personagem, já que relatam eventos e
descrevem espaços indissociáveis do testemunho e
vivências pessoais dos autores.

O romance autobiográfico difere da autobiografia: "a


biografia e a autobiografia são textos referenciais:
exactamente como o discurso científico e histórico,
elas pretendem trazer uma informação sobre uma
'realidade' exterior ao texto, e portanto se submeter
a uma prova de verificação".

(P. Lejeune, 1975.p.36.)


As memórias estão no meio-termo entre a
autobiografia e a crónica, variando, de caso para
caso, o peso relativo do eu no conjunto do
narrado.
São sem dúvida, uma forma de escrita sobre si
mesmo, mas dão-nos também o testemunho dum
tempo e dum meio, somando ao relato de casos
pessoais e familiares o de conhecimentos
históricos e políticos.
A narrativa memorialista tem um fundo histórico-
cultural, sujeito embora à filtragem subjectiva de
quem a produz.
A memória é a capacidade que cada um tem de
reter informações sobre alguém ou alguma coisa.
Pode-se falar em memória individual ou memória
colectiva. A primeira cinge-se aos acontecimentos,
realidades, experiências e emoções de cada
indivíduo; a segunda engloba o conjunto de
recordações pertencentes a um país, a uma
comunidade, a um povo.

As memórias pertencem a um género literário narrativo,


cujo autor relembra acontecimentos passados e experiências
vividas, transmite as suas emoções/sentimentos e apresenta
simultaneamente realidades sociais, humanas e políticas. Daí
que, não raro, surjam citações a pessoas ilustres e momentos
históricos marcantes.
Uma vez que é a memória o principal suporte dessas evocações, torna-se, por
vezes, necessário recorrer a outras fontes como documentos de vária espécie, cartas,
diários, jornais, etc., que conferem uma tónica mais convincente e autêntica ao que se
escreve.
No fundo, as memórias possuem um valor documental, ao associar experiências
de vida do próprio com o contexto sociocultural que o envolve, muito embora de
carácter subjectivo, dado serem perspectivados pelo eu.
Papel da memória (os acontecimentos são passados
pelo crivo da lembrança. Esta, por vezes, necessita
de ajudas: os memorialistas socorrem-se de
documentação diversa, como o diário íntimo, as
cartas, os jornais,...);
Escrita sobre si mesmo (“ retrato de uma voz “);
Relevância do acontecimento narrado;
Fundo histórico-cultural (testemunho dum tempo e
dum meio, somando ao relato de casos pessoais e
familiares o de acontecimentos históricos e
políticos);
Valor documental do texto (o memorialista presta
um serviço aos vindouros, legando-lhes um
testemunho).
O diário é um dos géneros da literatura autobiográfica.
Registo das vivências e sentimentos de um “eu” face ao
mundo que o rodeia, possui, por esse motivo, um
carácter intimista e confidente. O diário é o testemunho
quotidiano, por vezes com algumas descontinuidades, do
quotidiano de alguém que fixa, através da escrita, factos,
desejos, emoções.
Por vezes, o diário adquire interesse nacional ou
internacional enquanto testemunho histórico-político,
social e cultural.

Exemplos:
Diário de Miguel Torga,
Diário de Sebastião da Gama,
Diário de Anne Frank.
O diário inscreve-se, geralmente, no género narrativo e constitui-se como o registo de
vivências, pensamentos, eventos e emoções quotidianos de um narrador que se
exprime na 1ª pessoa (daí o predomínio da função emotiva) e que assume o seu
diário como seu confidente, uma espécie de “amigo secreto”.

A datação surge como forma de organizar a narração intercalada e fragmentária dos


factos imposta pelo ritmo quotidiano, apesar de ser possível uma leitura descontínua
e desordenada do diário, sem prejudicar a sua compreensão.

De facto, o diário é íntimo, privado e secreto, no entanto, com a sua publicação,


afigura-se igualmente como partilha a partir do momento em que se comunica com
os outros, perdendo, assim, o seu estatuto de privado. Aliás, para os mais radicais a
sua publicação é mesmo uma contradição.
Temáticas
•Vivências do Eu
•Relações do Eu com os outros
•Testemunhos de situações
•Contexto histórico, político e social em que o Eu se insere
•Reflexão sobre as problemáticas:
- que o afectam (individuais)
- que afectam o seu país (nacionais)
- que afectam o mundo (internacionais)
•Confissões / Confidências
Expressão
•Marcas autobiográficas
•Realidade filtrada por grande subjectividade
•Acções situadas no tempo (temporização mais ou menos
pormenorizada)
•Linguagem informativa, emotiva e poética
•Discurso acessível com linguagem de registo familiar
•Em prosa ou em verso
O retrato consiste na representação oral, escrita ou por
meio de uma imagem (fotografia, pintura, desenho…)
de pessoas (caracterização física e/ou psicológica),
animais ou objectos.
O retrato é, muitas vezes, uma criação ficcional com função crítica, estética e
poética.
Pode partir dum referente real, mais ou menos fiel, dando, muitas vezes, lugar à
denúncia das limitações de uma visão redutora – a caricatura.

Na elaboração de um retrato, enquanto produção literária, dever-


se-ão salientar:
•traços importantes do aspecto físico (aparência, estatura,
tamanho, modo de andar, cabelos, tom de pele, rosto, olhos,
nariz, boca, vestuário…);
•qualidades psicológicas (personalidade, comportamento…);
•características sociais (meio ambiente, profissão, hábitos…).
No auto-retrato encontramos um eu que se olha, que se
descobre no espelho de Narciso e que se apresenta a si
próprio. O auto-retrato é, pois, o retrato de uma pessoa
feito por ela própria.
Fazendo uma análise de vários auto-retratos, podemos verificar que são assumidas
diferentes perspectivas. Assim sendo, podemos observar:

um tipo de registo objectivo/subjectivo

uma perspectiva geral/pormenorizada

uma perspectiva fixa/móvel

a selecção de características físicas, psicológicas,


intelectuais ou emocionais

os diferentes aspectos ou partes seleccionados e


evidenciados
A caricatura consiste igualmente na representação de
algo ou alguém, quer por meio da escrita quer da
imagem, mas deformando ou exagerando certos traços
salientes, com intenção crítica, satírica ou humorística, e
a partir da qual se enfatizam determinadas características
pessoais ou sociais.
Historicamente a palavra caricatura vem do italiano caricare (carregar, no
sentido de exagerar, aumentar algo em proporção).

A caricatura é a mãe do expressionismo, onde o artista desvenda as impressões


que a índole e a alma deixaram na face da pessoa.

A distorção e o uso de poucos traços são comuns na caricatura. Diz-se que uma
boa caricatura pode ainda captar aspectos da personalidade de uma pessoa
através do jogo com as formas. É comum sua utilização nas sátiras políticas; às
vezes, esse termo pode ainda ser usado como sinónimo de grotesco (a
imaginação do artista é priorizada em relação aos aspectos naturais) ou
burlesco.
O relato de vivências e experiências do próprio ou de
outrem possui um carácter intimista, por vezes,
confessional, que aponta para o memorialismo, género
que remonta, ainda que de forma incipiente, às
primeiras manifestações literárias em prosa da época
medieval, nomeadamente às crónicas de viagem.
Também na Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, no
século XVI, se vislumbram traços do memorialismo, pelo
seu cariz predominantemente narrativo e autobiográfico.
É, no entanto, nos séculos XVIII e XIX, com a adesão
preferencial dos leitores às narrativas autobiográfica,
epistolar e diarística, que o memorialismo ganha
especificidade, sendo que se trata de um género cujo
autor recorda o que, num determinado momento, viveu
ou presenciou, e que possui interesse pessoal ou
colectivo.
Carta pessoal ou particular – numa carta informal, a
linguagem utilizada depende do grau de intimidade entre o
remetente e o destinatário.
Contudo, o mais frequente é situar-se entre a língua
corrente e familiar, sendo o discurso predominantemente
de primeira pessoa, com marcas de subjectividade e
emotividade do emissor.
A carta possui uma vertente literária, sempre que trata temas profundos e
complexos e se registam preocupações ao nível estético e da linguagem.

Neste caso, trata-se do género epistolar, onde se inserem as Cartas de António


Ferreira; a Carta de Achamento do Brasil, de Pêro Vaz de Caminha, as Cartas a
Ramalho de Eça de Queirós, as Cartas a Sandra de Vergílio Ferreira, entre outras.
A cronologia também pretende ser a escrita da vida de
uma determinada personalidade, através da sucessão
temporal de eventos ou factos.

Distingue-se, no entanto, da biografia, pela sua estrutura


e pelo discurso utilizado.
- quanto à estrutura, a data (ano) é a primeira referência
e aparece em tabela ou lista.
- quanto ao discurso, é essencialmente informativo e
constituído por frases curtas e sintéticas; o tempo verbal
utilizado é o presente.
CRONOLOGIA DE VERGÍLIO FERREIRA

1916 - Vergílio Ferreira nasce em Melo, concelho de Gouveia.


1926 - Entra no seminário do Fundão, que frequentará durante seis anos.
1932 - Deixa o seminário e acaba o Curso Liceal no Liceu da Guarda.
1936 - Entra para a Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
1940 - Conclui a sua Licenciatura em Filologia Clássica.
1942 - Começa a leccionar em Faro.
1944 - Passa a leccionar no Liceu de Bragança.
1945 - Ingressa no Liceu de Évora.
1946 - Casa-se com Regina Kasprzykowsky.
1980 – Lauro António realiza a longa metragem “Manhã Submersa”, onde Virgílio
Ferreira interpreta o papel de reitor.
1992 - É eleito para a Academia das Ciências de Lisboa.
1996 - Morre em Lisboa, a 1 de Março.
Disciplina de Português
Profª: Helena Maria Coutinho

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