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Universidade Estadual do Norte do Paraná- UENP

Campus Jacarezinho

Centro de Ciências Humanas e da Educação

Curso de História

Disciplina: Fundamentos do Ensino de História I

Docente: Flávio Massami Martins Ruckstadter

Discente: Luciana dos Santos Claudio

Como o filme “Germinal” se relaciona com o nascimento da sociologia.

Jacarezinho/ PR

2022
O filme “Germinal” de 1993, dirigido por Claude Berri, tem como cenário a
França do século 19, e retrata o nascimento e evolução dos movimentos operários
no período da revolução industrial, onde operários trabalhavam em condições
insalubres e de alta periculosidade para receberem medíocres remunerações.

“A marca da Europa moderna foi, sem dúvida, a instabilidade, expressa na


forma de crises nos diversos âmbitos da vida material, cultural e moral.”
(QUINTANEIRO, 2002, p. 8). A citação acima descreve facilmente o contexto
empregado no filme, onde é possível notar o caos que era vivido por toda a
sociedade, que lutava diariamente para sobreviver com migalhas. Com poucos
minutos de filme já podemos compreender como eram tratados os operários: apenas
como meras engrenagens de uma grande máquina, que caso falhassem ou
morressem, rapidamente eram substituídos por outra pessoa, não havia tempo para
se lamentar a morte de um colega, a burguesia não poderia deixar de lucrar.

Os operários muitas vezes não sabiam o que produziam ou para quem


trabalhavam, mas continuavam trabalhando, dia após dia, o que crescia era a
desigualdade social e não os salários. O avanço do capitalismo como modo de
produção desestruturou os fundamentos da vida material, assim como as crenças e
os princípios morais, religiosos, jurídicos e filosóficos que se sustentava o antigo
sistema.

Paralelamente nascia a sociologia, que tinha como papel principal explicar


esse grande caos vivido pela humanidade e trazer a visão de educação como um
fator social. Preciosa é contribuição feita por Moraes Filho (1985, p. 5) acerca da
educação e a instrução no positivismo, nos trazendo que "[...] faz-se mister a
existência de um sistema de instrução pública. Este sistema deve proporcionar a
todos os jovens a mesma cultura, de modo que ninguém fique à margem dessa
fundamental instrução, própria e característica da nossa civilização." Em relação a
educação no filme, em momento algum é mencionado a existência de escolas
naquela localidade, mas vemos o trabalho infantil e o analfabetismo. O positivismo
via a mãe e a instituição familiar como orientadores fundamentais na educação da
criança desde a primeira infância, mas isso não era possível no contexto da
revolução industrial, pois pais e crianças viviam rotinas exaustivas de trabalho. O
personagem Bonnemort (apelido dado a Vincent Maheu) relata que trabalhava na
mina em diferentes funções mesmo antes de completar oito anos, o que significa
que ele nunca teve oportunidade de receber devida instrução e educação, até
mesmo o direito de ser criança lhe foi arrancado pela necessidade de trabalhar e
auxiliar na renda familiar. Esses aspectos deixavam aqueles trabalhadores ainda
mais a mercê de seus patrões, pois não conheciam seus direitos e assim poderiam
ser manipulados e ludibriados com maior facilidade. “[...] o operário reflete segundo
ao ensino [...]” (GERMINAL, 1993).

Um personagem importante para todo o desenrolar da trama é Étienne


Lantier. Lantier é como se fosse a sociologia puramente em prática, ele ao chegar
naquela cidade, naquela mina, traz uma visão diferente do habitual, se choca com
todas as condições enfrentadas pelos seus companheiros operários, condições
essas que para eles já eram normalizadas. Lantier possuía uma maior instrução,
sabia ler, tinha saberes políticos e científicos a respeito da sociedade e das suas
formulações então propõe um movimento operário, pois só assim unidos seriam
capazes de alcançar justiça e mudanças de maneira democrática, debatendo ideias
e articulando estratégias com todos de maneira igualitária. Seus ideais são julgados
por outro personagem, cujo pensamento prega a ideia de mudança por via do
conflito, do derramamento de sangue.

“[...] o seu Karl Marx continua a acreditar na evolução das forças


naturais, querendo negociar com os patrões cara a cara para obter
aumento de salário. É preciso tacar fogo em todas as cidades, arrasar
tudo. Aumentar os salários numa economia capitalista é um sonho, os
operários só têm direito a comer pão duro e a ter filhos, é uma lei férrea que
se baseia no equilíbrio dos ventres vazios [...]” (GERMINAL, 1993, grifo
nosso)

Os atos de Lantier se assemelham aos conceitos do positivismo e ao termo


sociologia cunhado por Auguste Comte, Comte fomentava o pensamento de
reorganização da sociedade, sendo preciso conhecer as leis para prever
racionalmente os fenômenos e agir com eficácia. “[...] a velha sociedade já não
existirá, nascerá um mundo novo, mas não desaparecerão as desigualdades.
Continuará a ver pessoas mais espertas que outras que viverão às custas dos fracos
[...].” (GERMINAL, 1993). No positivismo, era defendido um pensamento altruísta, de
sociedade acima do indivíduo, a ideia de que a sociedade funciona como um corpo,
onde cada parte deve desempenhar plenamente a sua função a fim de gerar uma
sociedade sadia.

No filme vemos um embate de ideias quando a outra mina se opõe a greve


dos operários e continuam trabalhando, pensando apenas no benefício próprio, e
não do coletivo, o que os fazem tomar medidas drásticas e violentas. Talvez essa
falta de altruísmo, altruísmo este admirado por Comte e devendo ser desenvolvido
desde a infância, tenha se dado pelo medo que aqueles operários sentiam da fome,
do desalento e da morte em si.

Apesar da imensa pobreza e injustiça sofrida, aqueles operários nunca


deixaram de lado o seu patriotismo e não admitiam que seus trabalhos fossem
executados por povos de outras nações, que no caso do filme seriam os belgas.
Mesmo que fosse um trabalho deplorável, aquele era o papel desempenhado por
eles no organismo social francês.

Ao decorrer da greve dos operários vemos que os fundamentos iniciais do


movimento se perdem, aquilo que o personagem Lantier tanto disseminou se vira
contra ele, e o que era para ser uma luta de interesses pacífica acaba gerando
inúmeras mortes, os operários já estavam cansados de tanto sofrimento e injustiça,
consequentemente se deixam levar pela violência.

No filme há um personagem dono do armazém, não era um homem rico dono


de grandes propriedades nem nada do tipo, mas tinha um poder aquisitivo maior que
o de grande parte dos cidadãos daquela comunidade, sendo assim se sentia
superior aos demais e no direito de cometer certos atos. Este homem
frequentemente tratava as mulheres como um objeto qualquer, uma moeda de troca,
chantageando-as por serviços sexuais em troca de pedaços de pão, utilizava da
fragilidade social daquelas mulheres em prol de seu benefício carnal, era um
abusador. Quando este homem morre, as mulheres violentadas e humilhadas por
ele profanam seu cadáver e o mutilam como uma forma de gerar justiça por todos os
atos cometidos por ele.

Outra morte de certa forma emblemática é a de Cécile, filha de burgueses


donos das minas, burgueses estes que nutriam muitos preconceitos aos
trabalhadores e ao seu modo de vida simples. Cécile é morta por Bonnemort em um
colapso mental, sua saúde e estado mental naquela altura já se encontravam
altamente prejudicadas pelas décadas de trabalho exaustivo, a presença de Cécile
foi apenas um estopim para desencadear toda aquela raiva que ele nutria pela
burguesia. Cécile mesmo sendo uma pessoa boa e caridosa, estruturalmente
aproveitava de seus privilégios advindos do trabalho árduo dos operários.

E por fim vários acontecimentos levam a morte dos integrantes da família


Maheu, pessoas justas, honestas e trabalhadoras que só buscavam melhores
condições de vida e batalharam muito para isso, principalmente Toussaint Maheu,
que muitas vezes fora desencorajado por seu patrão a lutar pelos seus direitos, mas
nunca o deu ouvidos, queria um mundo melhor para seus filhos e esteve lado a lado
aos ideais de Étienne Lantier, era uma pessoa pacífica que por fim morreu
injustamente pelos tiros dos soldados que defendiam as minas.

“[...] a sua razão amadurecida e deixará de lado o rancor. Sim,


já o dizia Maheude com seu extraordinário bom senso, seria
um bom golpe, agrupar-se tranquilamente, conhecer-se, criar
sindicatos quando as leis o permitiram e no dia em que todos
estivessem unidos, o dia em que milhões de trabalhadores
enfrentarão com milhares de revolucionários, tomarão o poder
e acabarão com os patrões [...] os homens cresciam, um
exército negro vingador brotava lentamente nos sulcos e
frutificava para ser recolhido nos séculos vindouros, e aquela
germinação depressa iria rebentar na terra.” (GERMINAL,
1993)

Mesmo que o movimento não tenha gerado grandes frutos imediatos aos
operários, serviu como uma afirmação, que eles eram sim capazes de lutar e
organizar revoluções num futuro próximo, com maior instrução juntamente com os
conhecimentos já adquiridos. Assim como Comte, que não menospreza ou ignora os
conhecimentos já adquiridos no passado, mas os vê como algo a ser melhorado e
superado. “[...] é indispensável ter, de início, uma visão geral sobre a marcha
progressiva do espírito humano, considerado em seu conjunto, pois uma concepção
qualquer só pode ser bem conhecida por sua história.” (COMTE, 2000, p. 22).

No próprio nome do filme já podemos notar isso, germinal, primeiro mês da


primavera no calendário da Revolução Francesa, em referência às ideias que estão
brotando e irão germinar resultando em revoluções e avanços sociais, novas
possibilidades a serem conquistadas.
Referências

COMTE, Auguste. Curso de Filosofia Positiva; Discurso Preliminar sobre o conjunto


do positivismo; Catecismo positivista. São Paulo: Nova Cultural, 2000. (Os
pensadores).

GERMINAL. Direção de Claude Berri. França: Pathé, 1993. (160 min.), son., color.
Legendado.

MORAES FILHO, Alfredo. A Educação e a Instrução no Positivismo. Rio de Janeiro:


s/ed. 1985

QUINTANEIRO, Tania. Um toque de clássicos: Marx, Durkheim e Weber / Tania


Quintaneiro, Maria Ligia de Oliveira Barbosa, Marcia Gardênia de Oliveira. – 2. Ed.
Ver. Amp. – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2002.

TISKI, Sergio. As sete acepções de “positivo” e suas relações com a educação em


Comte. Temas & Matizes, [S. l.], v. 5, n. 9, p. p. 07–14, 2000.

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