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Valise de Cronópio
(Maleta de Seres verdes e úmidos)
Para Cortázar falar a respeito de sua opinião sobre alguns aspectos do conto,
é algo muito honroso, visto que são poucos autores que podem e que se expressão
verdadeiramente sobre o assunto. O sentido do conto para ele não é feito por um
simples prazer em informar algo, tendo em vista que nenhum resumo de seus
contos poderia substituir a obra verdadeira, já que a intenção transcende a simples
informação. Visto que o autor muitas vezes se sente como um fantasma e que só
faz juz a sua forma física quando faz uso da escrita de seus contos, mesmo muitas
vezes indo muito além das palavras
Os contos de Cortázar foram quase todos classificados como gêneros
fantásticos, pois segundo ele, não tinha outro nome melhor para registrar. Sua
forma de escrever é como uma oposição ao falso realismo, de estudiosos que
acreditam em uma literatura linear minimamente explicativa, favorecendo o
positivismo científico e filosófico do século XVIII, baseados em um mundo de regras
e sistemas a serem cumpridos.
Os estudos de Cortázar foram baseados em Alfred Jarry, que diferentemente
dos realistas que buscavam categorizar tudo, Jerry buscava a margem de tudo que
era banalizado por eles, a margem considerada ingênua.
Quando ele fala de um estudo baseado na margem ingênua, ele está
categorizando a forma irônica dos autores que se acham superiores, em acreditar
que devemos seguir regras, e que banalizam pessoas como ele, como Machado de
Assis, Mário de Andrade e outros, que só querem liberdade para criar.
Apesar de acreditar que o conto vai muito além de regras, Cortázar acredita
que realmente existem alguns valores e constantes invariáveis que se aplicam aos
contos, dando-lhe características e qualidade. O problema está na questão dos
críticos de brigas referentes ao romance e que acaba deixando de lado a
problemática do conto.
Cortázar acredita que uma das dificuldades de sua vida no estudo do conto, é
a escassez de obras referentes ao assunto em seu país, obrigando-lhe a buscar
outros lugares para tomar base em seu estudo. Com o passar do tempo e com
estudo de diferentes vertentes, e diferentes períodos da história, o autor começou a
ter a sua opinião com embasamento no caso. E chega o dia que o autor tenta fazer
um balanço de seu entendimento:
“(...) gênero de tão difícil definição, tão esquivo nos seus
múltiplos e antagônicos aspectos, tão secreto e voltado para si
mesmo, caracol da linguagem, irmão misterioso da poesia em
outra dimensão do tempo literário”. (1993 p.149)
Não significa dizer que os temas populares são ruins, por isso não devem ser
escritos, mas sim entender que a causa de sua aceitação não estará na sua
simplicidade ou complexidade de entendimento, mas sim nas causas e efeitos que
ele provocará dentro do leitor. Tem que existir interesse, entusiasmo, emoção e
todos os outros sentimentos que uma pessoa possa ter, para que o conto se efetive
fisicamente e emocionalmente.
A emoção tem que brotar de dentro de quem está ouvindo ou lendo, não
importa a simplicidade do conto ou da pessoa que o lê, o que importará sempre é a
coagulação de sentimentos durante e após ler ou escutar um conto.
Segundo Cortázar, o que as pessoas precisam é de uma educação a
princípio pedagógica, para então, estudar literatura e entender seu verdadeiro
sentido. A revolução literária de Cuba surgiu como um impulso para os autores de
se manifestarem verdadeiramente em sua literatura, brigando por sua liberdade de
expressão, e não aceitando a tirania de uma sociedade ignorante que não entendia
o verdadeiro sentido da arte literária.
Alguns aspectos do conto é um capítulo do livro: Valise de Cronópio (maleta
de seres verdes e úmidos), que retrata uma revolução literária ocorrida
especificamente em Cuba, mas que se espalhou (e que ainda é motivo de muitas
críticas) pelo mundo. O autor Julio Cortázar, depois de estudar muitos contos
passou a escrever também alguns tantos, porém nunca deixando sua “função de
contista”. A maioria de seus contos foram classificados como maravilhosos,
provavelmente porque de fato foram!. Após uma vida contínua em estudos de
contos escritos como também falados, e por existirem tantos críticos dos gêneros
literários, Cortázar resolveu dar sua opinião, a respeito do que para ele é necessário
para existência de um conto verdadeiro, ou de um conto que atinja o verdadeiro
sentido do conto.
Existem muitos contos ou muitas histórias que são classificadas como conto,
ao longo do capítulo o autor vai mostrando umas tantas e vai diferenciando cada
uma delas. A princípio, Cortázar trata de como se forma o conto, mostrando que
primeiro nasce um embrião chamado “tema” e que só depois que ele se cria por
inteiro na mente do leitor passa a ser conto.
O conto então nasce, porém nem sempre o que é bom para um é bom para
todos, e isso é o que ocorre com o conto. O autor criou, mas nem sempre ele atinge
a perspectiva de todos, e por isso, às vezes ele tem que ser resgatado, como um
filho malcriado, ser reeducado para então mais tarde ser recolocado na sociedade.
Para que um conto se efetive como conto, não precisa ser simples demais
para atingir a todos, nem complexo de mais, o que precisa existir é uma seleção de
ideias necessárias a serem ditas, e que essas pequenas ideias devam ter valores
sentimentais tão grandes que consigam mexer com a mente e com o sentimento de
quem o ler ou escute, a um ponto de ficarem guardadas na memória por anos.
Os contos de Cortázar são uma oposição ao que ele chama de “falso
realismo”, visto que, para ele as coisas nem sempre têm sentidos que possam ser
descritos em palavras e postos em papéis, já que a magia do conto acontece
quando vem de dentro do autor e quando ele consegue despertar esse mesmo
sentimento nos leitores através das entrelinhas de seus contos. Seu estudo de
realismo diferenciado foi baseado em: “(...) Alfred Jarry, para quem o verdadeiro
estudo da realidade não residia nas leis, mas nas exceções a essas leis, foram
alguns dos princípios orientadores da minha busca pessoal de uma literatura à
margem de todo realismo demasiado ingênuo”. (CORTÁZAR 1993, p.148)
Seu objetivo não é meramente informativo, não é seguir regras, padrões ou
linha de pensamentos de uma política arbitrária e demagógica, seu objetivo não é
atingir a todos, porque isso é impossível até mesmo em seu país de origem, na
verdade o seu intuito é levar sua arte de maneira livre, deixando de presente para o
leitor ou ouvinte de seus contos um sentimento coagulante que mexa com seus
sentidos e sua alma.
Então, por mais que ele queira explicar e ele quer, é muito difícil chegar a
uma conclusão seletiva de informações para a criação do conto, porque não tem
como explicar algo que transcende o ser humano, por isso ele diz: “É preciso
chegarmos a ter uma ideia viva do que é o conto, e isso é sempre difícil na medida
em que as ideias tendem para o abstrato” (p.150) O autor acredita que só uma
imagem pode explicar esse sentimento que um conto verdadeiro desperta nas
pessoas.
Aí vem a questão rótulo que as narrativas ganham, que um conto para não
parecer com um romance deva ser pequeno, e isso não tem nada a ver, já que o
conto é um recorte importante da vida, enquanto o romance é uma história
detalhada com intensidades expostas na obra. Para melhor atender o conto, o autor
compara-o com uma fotografia, uma captura de um momento da vida que tem foco,
mas que tem muita história além do foco, como cenário, pessoas e momento.
Em suma, muitos contos são criados, outros só são batizados de contos (mas
não passam de textos escritos), alguns se confundem com romances e outras
narrativas, mas o verdadeiro sentido do conto são encontrados: no contista de
ofício, na sua liberdade de expressão, na sua profunda vivência, na sua motivação
entranhável e consequentemente na recepção emocional e psicológica do leitor ou
ouvinte. E por fim, um escritor não pode e nem deve seguir leis para expressar sua
arte, visto que elas não existem e o autor está para criar, então ele deve fazer o seu
papel e deixar que os críticos façam o papel deles.
Portanto conforme Cortázar o conto configura-se como um gênero diferente
dos demais que não se explica com palavras, e por mais que se queira explicar
“essa alquimia secreta”, ele transcende em sentimento, CORTÁZAR (1993) diz: (...)
um conto em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a
expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o
termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo
tempo uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um
cristal, uma fugacidade numa permanência. (p.150-151). O autor ainda nos alerta
para alguns lembretes estruturais: “Tenho certeza de que existem certas constantes,
certos valores que se aplicam a todos os contos, fantásticos ou realistas, dramáticos
ou humorísticos”. E ainda completa: “(...) elementos invariáveis que dão a um bom
conto a atmosfera peculiar e a qualidade de uma obra de arte”. (p.149).
Deste modo fica claro que o autor não quer tirar do conto as constantes ou a
estrutura que compõe sua parte física, mas quer mostrar que essas constantes por
si só, não tornam o conto verdadeiramente efetivo, visto que há muitos contos
escritos e publicados com estruturas e constantes seguidas, porém o principal, o
tempero que faz a magia do conto acontecer, não pode ser explicado, mas pode ser
sentido e isso é que o torna efetivo, diplomado e guardado na memória.
Não podemos esquecer que o pensamento de Bosi (2015), não
assemelha-se ao pensamento de Cortázar, visto que Bosi não acredita na inocência
nem nas formas aleatórias de se criar um conto, por isso ele afirma: “A invenção de
um contista se faz pelo achamento (invenire - achar - inventar) de situação qua
atraia, mediante um ou mais pontos de vista, espaço e tempo, personagens e trama.
Daí não ser tão aleatório ou inocente, como às vezes se supõe, a escolha que o
contista faz do seu universo”. (Bosi 2015, p.8)
Para Bosi (2015) é preciso estar vivo e apaixonado pelo que faz para se
compor um bom conto. Em função disso ele diz: “E na verdade só quando é vital e
apaixonado esse momento criativo é que se constrói uma narrativa esteticamente
válida” (p.9)