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Fichamento III - Julio Cortázar

Valise de Cronópio
(Maleta de Seres verdes e úmidos)

6. Alguns aspectos do conto

Para Cortázar falar a respeito de sua opinião sobre alguns aspectos do conto,
é algo muito honroso, visto que são poucos autores que podem e que se expressão
verdadeiramente sobre o assunto. O sentido do conto para ele não é feito por um
simples prazer em informar algo, tendo em vista que nenhum resumo de seus
contos poderia substituir a obra verdadeira, já que a intenção transcende a simples
informação. Visto que o autor muitas vezes se sente como um fantasma e que só
faz juz a sua forma física quando faz uso da escrita de seus contos, mesmo muitas
vezes indo muito além das palavras
Os contos de Cortázar foram quase todos classificados como gêneros
fantásticos, pois segundo ele, não tinha outro nome melhor para registrar. Sua
forma de escrever é como uma oposição ao falso realismo, de estudiosos que
acreditam em uma literatura linear minimamente explicativa, favorecendo o
positivismo científico e filosófico do século XVIII, baseados em um mundo de regras
e sistemas a serem cumpridos.
Os estudos de Cortázar foram baseados em Alfred Jarry, que diferentemente
dos realistas que buscavam categorizar tudo, Jerry buscava a margem de tudo que
era banalizado por eles, a margem considerada ingênua.
Quando ele fala de um estudo baseado na margem ingênua, ele está
categorizando a forma irônica dos autores que se acham superiores, em acreditar
que devemos seguir regras, e que banalizam pessoas como ele, como Machado de
Assis, Mário de Andrade e outros, que só querem liberdade para criar.
Apesar de acreditar que o conto vai muito além de regras, Cortázar acredita
que realmente existem alguns valores e constantes invariáveis que se aplicam aos
contos, dando-lhe características e qualidade. O problema está na questão dos
críticos de brigas referentes ao romance e que acaba deixando de lado a
problemática do conto.
Cortázar acredita que uma das dificuldades de sua vida no estudo do conto, é
a escassez de obras referentes ao assunto em seu país, obrigando-lhe a buscar
outros lugares para tomar base em seu estudo. Com o passar do tempo e com
estudo de diferentes vertentes, e diferentes períodos da história, o autor começou a
ter a sua opinião com embasamento no caso. E chega o dia que o autor tenta fazer
um balanço de seu entendimento:
“(...) gênero de tão difícil definição, tão esquivo nos seus
múltiplos e antagônicos aspectos, tão secreto e voltado para si
mesmo, caracol da linguagem, irmão misterioso da poesia em
outra dimensão do tempo literário”. (1993 p.149)

Para o autor, todos os autores e críticos, até mesmo estudiosos do caso,


devem parar um momento de sua vida e fazer esse balanço de conhecimento. O
que parece é que a criação natural nos jovens já é uma análise crítica e isso é algo
positivo, já que os autores não podem e nem devem se prender a regras para fazer
sua criação, por dois motivos: o primeiro seria porque não existe essas leis,
somente perspectivas diferentes em relação ao assunto. Em segundo lugar, porque
os críticos e os teóricos não precisam necessariamente ser contistas.
Essas leis são regras que autores querem impor, mas que ainda não
conseguiram, como por exemplo a representação geográfica do conto e
posteriormente o gráfico do conto, encontrados no livro de Massaud Moisés, que
não possuem um registro, mas que se baseiam em uma estrutura abstrata.)
Os contistas devem fazer sua parte, se expressarem com ou sem regras,
mas sempre buscando a essência do conto, os teóricos por sua vez, tem que
estudar as narrativas e tomarem suas conclusões, mas nunca uma implicando a
outra.
O que ocorre é uma demasiada confusão no assunto do conto, visto que os
críticos conhecem a obra, mas não os motivos dela, e isso gera um mal entendido.
Os autores devem expressar seus motivos e chegar a uma ideia convincente para
entendimento dessa confusão literária. MOISÉS DIZ: “É preciso chegarmos a ter
uma ideia viva do que é um conto, e isso é sempre difícil na medida em que as
ideias tendem para o abstrato (...)”
O querer explicar o conto é de um sentimento grande e verdadeiro, mas o
não conseguir explicar com palavras é maior, já que só uma imagem poderia
explicar o mistério que existe em um conto.
Para entender o conto, alguns autores comparam-o com o romance, um
gênero mais famoso, que se desenvolve no papel, no momento da leitura, sem
limites a serem trilhados; já o conto, em sua teoria, parte desses limites, inicialmente
pelo físico, por ser taxado como uma pequena história, tendo em vista que quando
ultrapassa vinte páginas, já toma proporções de novela ou romance.
Ainda há uma comparação do romance com o cinema, em função de sua
dimensão mais extensa, e do conto com a fotografia, visto que é uma captura de um
momento da realidade que merece ser registrado, não somente com o foco, mas
com todas as partes delimitadas em seu registro. Enquanto o cinema e o romance
não se prende a um só momento, o conto faz esse recorte pequeno mas tão
significativo, que não se expressa por si, como o cinema, mas que transcende o
emocional do autor, como também do leitor.
Por mais que queiram comparar o romance com o conto, isso nunca vai ser
possível, visto que o primeiro se explica em palavras no decorrer da narrativa,
enquanto que o conto traz uma explicação que existe no emocional de quem o
escreve e de quem o ler, e isso é peculiar de cada um, não tem como ser explicado
em linhas algo que vai além do emocional do ser humano.
Enquanto o romance vai provocando o leitor ao longo do texto, o conto não
pode perder tempo nem nas primeiras linhas, o conto é incisivo, na maioria das
vezes curto (mas isso não é regra) e profundo. O contista tem em mente que não
pode fazer arrodeios, pois não existe tempo, o que existe é profundidade de
sentidos e sentimentos a serem alcançados.
A eficácia de um conto acontece quando se unem tempo e espaço, e
conseguem atingir uma pressão espiritual. Quando isso não acontece conseguimos
identificar se o conto é bom ou ruim, e consequentemente tiramos a culpa do tema
ou dos personagens serem ou não de interesse do público leitor. Segundo
CORTÁZAR: “Um conto é ruim quando é escrito sem essa tensão que se deve
manifestar desde as primeiras palavras ou desde as primeiras cenas”.
Há quem acredite que um mal conto seja ruim em relação a escolha de seu
tema, porém não existem temas bons ou ruins, o que existe é um mal
desenvolvimento do tema, algo que não mexa com o sentimento de quem está
lendo. Ainda há quem acredite que um tema referente ao cotidiano é menos
relevante que um de mistério, e isto também não é verdade, pois existem vários
temas referentes ao cotidiano que são considerados bons temas, por apresentar o
material significativo necessário, como exemplo Cortázar cita dois: Katherine
Mansfield e Sherwood Anderson, que são contos a primeira vista simples, mas que
dão um estalar na mente enquanto são lidos.
Outro exemplo é o conto “Questão de Família” de Dalton Trevisan, o conto
referente ao cotidiano, que não é enigmático, mas que mexe com o psicológico e
com os sentimentos do leitor, fazendo uso do material significativo e necessário para
concretização do conto.
Apesar dos contos ruins serem semelhantes aos bons, o que diferencia um
do outro é a intensidade e a tensão, atreladas a ideia de significação do conto, e
não simplesmente a ideia de tema ou personagens bons ou ruins.
Quando se categoriza contos bons e ruins, ao mesmo tempo também
categoriza-se autores bons e ruins, e a diferença segundo o autor, vai estar contida
na memória do leitor, visto que os contos ruins são iniciados e na maioria das vezes
não são finalizados, pois não conseguiu prender o leitor nas primeiras linhas, e
quando são concluídos, consequentemente são esquecidos, em função de não ter
atingido o emocional do leitor; já os contos considerados realmente bons, prendem
o leitor, emociona-o e ficam na memória pelo resto da vida e ainda são passados de
gerações em gerações.
Contista é uma pessoa que percebe a confusa linguagem do mundo e
transforma essa linguagem em conto, mostrando o real da vida ou o surreal da
mente humana. Para que isso ocorra, o contista tem que dar um tema para o fato
em questão e isso nem sempre é algo fácil, já que às vezes o conto se apresenta
para o autor e outras vezes é ele que tem que encontrá-lo.
No caso de Cortázar, a maioria de seus temas foram apresentados a ele por
uma “manifestação de uma força alheia” (p.154).
Mas se a escolha é do autor ou de forças sobrenaturais, isso pouco importa,
o que importa é a existência do tema e que ele se transformará em um conto. O
tema não precisa ter nome difícil, nem excepcionalmente fora do comum, ele pode
ser simples e também excepcional, o que vai dizer se é ou não é o emocional do
leitor e nas ideias que se passam em sua mente, já coaguladas da mente do autor.
Portanto, de acordo com CORTÁZAR: “um bom tema é como o sol, um astro em
torno do qual gira um sistema planetário de que muitas vezes não se tinha
consciência até que o contista, astrônomo de palavras, nos revela sua existência”
(p.154)
Em relação a um estudo considerado mais moderno, Cortázar ainda compara
o conto a um núcleo com elétrons ao seu redor, e meio que ironicamente ele indaga:
“(...) e tudo isso, afinal não é já como uma proposição de vida, uma dinâmica que
nos insta a sairmos de nós mesmos e a entrarmos num sistema de relações mais
complexo e mais belo?”
Há muitos contos na literatura, porém são poucos que ganham o título de
inesquecíveis (e muitas vezes são taxados de insignificantes), já que os anos se
passam e muitos caem no esquecimento e outros nunca morrem na memória dos
leitores. Para responder a esse fenômeno de seletividade que ocorre na memória, é
preciso puxar da mente todos os contos que podemos lembrar, e assim veremos
que todos têm as mesmas características emocionais, vindas de uma realidade
surreal. Portanto, se um contista resolver escolher um tema e criar um conto, será
um bom contista se souber transformar algo pequeno em dimensões grandes, algo
individual em essência que alimenta a alma.
Não existem temas totalmente significantes e insignificantes, um tema pode
ser bom para alguns e considerado ruim para outros, a mesma história pode fazer
sentido para alguns e não ter para outros. Tudo é uma questão de ponto de vista.
Mas a significação aqui estudada não está no valor que cada pessoa dá para
seu tema, mas sim nos significantes que o tema traz, o que vem antes dele, um
autor com conhecimentos literários, e o que vem depois dele, o tratamento literário
que dê vida ao tema a ponte de transformá-lo em conto.
Depois de escolhido o tema começa o tratamento literário, que está atrelado
ao psicológico, as causas e também aos efeitos que são transmitidos para o leitor
no decorrer da leitura, e isto pode ter haver com a estrutura física do conto, mas tem
muito mais haver com o estalar da mente humana em função que a causa e efeito
faz no emocional de quem ler. Após feito o tratamento e identificado pelo leitor, é
que se vai ter certeza da eficácia que o tema teve em relação ao seu conto.
Então a criação do tema vem de algo que o autor sentiu ou ouviu e que ficou
impregnado em sua mente, de maneira que o sentido vai muito além da simples
história de um cotidiano, ou de um conteúdo considerado banal. É com esse
sentimento de pensamentos que não saem da mente que o autor distingue entre um
tema bom ou ruim.
Após observar a transformação do tema em um embrião, o autor tem que
buscar a concepção dele através do conto. O julgamento é realizado pelo leitor, que
dirá se o cumprimento teve êxito ou não. Este julgamento ocorre quando há ou não
uma ponte que faz ligação entre o tema, o conto e o leitor, e que remete à
significação inicial de entendimento do tema.
As boas intenções não são válidas na literatura, por isso, achar que um tema
é bom para si, e que por isso, será bom para todos, sem que ele tenha significação,
é muitas vezes um engano. Mas isso faz parte da ingenuidade do autor, com o
tempo isso serve de aprendizagem, que o faz perceber que para chegar a ser um
bom contista, o autor tem que ter a dedicação de um profissional da área,
estudando muito, observando e analisando tudo que o rodeia para então encontrar a
essência significativa de um bom conto. Depois de um isolamento em busca do
entendimento de seu conto, o autor recria-o de maneira nova e enriquecida mais
bela e profunda.
Um exemplo para esse sequestro do leitor é a obra: “Questão de Família”, do
autor Dalton Trevisan, que foi escrita de um jeito e modificada em reduções de
palavras e consequentemente um enriquecimento da “significação necessária” para
conclusão do conto.
A intensidade de um conto está na seleção de acontecimentos e falas
necessárias, diferentemente do romance que é mais detalhista e extenso, o conto
não tem tempo a perder.
Um conto pode ser curto ou longo, pode ter intensidade na ação ou tensão
interna da narrativa, o que vai dizer se tem validade de conto ou não é a validação
do ofício do escritor, se ele usou os elementos necessários no momento oportuno.
Para Cortázar, os bons contos são aqueles escritos por quem domina o ofício
de um contista, e isso ocorre em todos os lugares, Em função de um não
conhecimento sobre o assunto, alguns autores após ouvirem um conto em uma roda
de pessoas, transforma a história em um conto escrito e na maioria dos casos, não
atingi o êxito que gostaria, isto ocorre pelo simples fato do autor não ter o ofício de
autor, e por ingenuidade acreditar que o que é bom para ele, consequentemente
será bom para os outros.
Como base de seus estudos, Cortázar cita: Quiroga, Guiraldes e Lynch,
escritores universais, que segundo ele, não tinham preconceitos étnicos e por isso
conseguiam atingir a forma verdadeira do conto, projetadas com profundidades e
que conseguia a ponte direta entre tema, conto e leitor.
A todo momento o autor atrela o estudo do conto a revolução Cubana,
mostrando que a arbitrariedade política do país também afeta a literatura, de
maneira que o governo impõe a formulação de contos de cunho simples, como se
tirasse a intelectualidade dos demais estudiosos da área.
Portanto, por mais experiente que um contista seja, por mais habilidade que
tenha em sua escrita, se não houver motivação, se não veio de dentro de sua alma,
de uma vida emocional, seus contos não passaram de mero exercícios de estética
literária e não de profundidade literária. É aí que ele tem que se tornar um
revolucionário, como diz Cortázar: “Quanto a mim, creio que o escritor
revolucionário é aquele em que se fundem indissoluvelmente a consciência do seu
livre compromisso individual e coletivo, e essa outra soberana liberdade cultural que
confere o pleno domínio do ofício”. (p.160)
O que o autor quis dizer, é que independente do tipo de literatura que ele
queira seguir, ou que qualquer outra pessoa queira seguir, o que deve existir é
liberdade de escolha, que também pode ser chamada de revolução.

O autor tem que ter liberdade de expressão, em querer atingir um público


mais exigente se for da vontade dele, e isso não deve ser tachado como algo ruim,
sua revolução vem do querer atingir o que para outros parece inatingível. O Escritor
revolucionário quer mostrar-se para leitores exigentes com mentes abertas à
matéria espiritual, e deixar um pouco de lado os demais demagogos que acreditam
em um mundo fechado em um único problema de referência a si e que acha que é
remetido a todos.
Um escritor não pode ser julgado pelo tema de seus contos, mas sim, pela
causa e efeito que fazem na mente e nos sentimentos das pessoas que o lê. Por
essa razão é complicado querer exigir uma literatura que seja igual para todos, visto
que as pessoas não são iguais e o que serve para um, nem sempre serve para os
outros. Esse querer igualdade de entendimento, só comprova a ignorância de quem
não entende algo tão sobrenatural, algo que para ele será sempre inatingível.
Não adianta querer que os contistas criem apenas temas populares, pois a
população simples também tem sentimento, também tem discernimento, e por isso,
saberá distinguir um conto bom de um conto ruim, e mesmo que ela não perceba à
primeira vista, o bom será sempre lembrado pelo sentimento causado e o ruim cairá
no esquecimento, pois não atingiu o verdadeiro sentido do conto. Segundo Cortázar:

“Não se faz favor algum ao povo se se lhe propõe lhe


propõe uma literatura que ele possa assimilar sem esforço,
passivamente como quem vai ao cinema ver fitas de
cowboys”.

Não significa dizer que os temas populares são ruins, por isso não devem ser
escritos, mas sim entender que a causa de sua aceitação não estará na sua
simplicidade ou complexidade de entendimento, mas sim nas causas e efeitos que
ele provocará dentro do leitor. Tem que existir interesse, entusiasmo, emoção e
todos os outros sentimentos que uma pessoa possa ter, para que o conto se efetive
fisicamente e emocionalmente.
A emoção tem que brotar de dentro de quem está ouvindo ou lendo, não
importa a simplicidade do conto ou da pessoa que o lê, o que importará sempre é a
coagulação de sentimentos durante e após ler ou escutar um conto.
Segundo Cortázar, o que as pessoas precisam é de uma educação a
princípio pedagógica, para então, estudar literatura e entender seu verdadeiro
sentido. A revolução literária de Cuba surgiu como um impulso para os autores de
se manifestarem verdadeiramente em sua literatura, brigando por sua liberdade de
expressão, e não aceitando a tirania de uma sociedade ignorante que não entendia
o verdadeiro sentido da arte literária.
Alguns aspectos do conto é um capítulo do livro: Valise de Cronópio (maleta
de seres verdes e úmidos), que retrata uma revolução literária ocorrida
especificamente em Cuba, mas que se espalhou (e que ainda é motivo de muitas
críticas) pelo mundo. O autor Julio Cortázar, depois de estudar muitos contos
passou a escrever também alguns tantos, porém nunca deixando sua “função de
contista”. A maioria de seus contos foram classificados como maravilhosos,
provavelmente porque de fato foram!. Após uma vida contínua em estudos de
contos escritos como também falados, e por existirem tantos críticos dos gêneros
literários, Cortázar resolveu dar sua opinião, a respeito do que para ele é necessário
para existência de um conto verdadeiro, ou de um conto que atinja o verdadeiro
sentido do conto.
Existem muitos contos ou muitas histórias que são classificadas como conto,
ao longo do capítulo o autor vai mostrando umas tantas e vai diferenciando cada
uma delas. A princípio, Cortázar trata de como se forma o conto, mostrando que
primeiro nasce um embrião chamado “tema” e que só depois que ele se cria por
inteiro na mente do leitor passa a ser conto.
O conto então nasce, porém nem sempre o que é bom para um é bom para
todos, e isso é o que ocorre com o conto. O autor criou, mas nem sempre ele atinge
a perspectiva de todos, e por isso, às vezes ele tem que ser resgatado, como um
filho malcriado, ser reeducado para então mais tarde ser recolocado na sociedade.
Para que um conto se efetive como conto, não precisa ser simples demais
para atingir a todos, nem complexo de mais, o que precisa existir é uma seleção de
ideias necessárias a serem ditas, e que essas pequenas ideias devam ter valores
sentimentais tão grandes que consigam mexer com a mente e com o sentimento de
quem o ler ou escute, a um ponto de ficarem guardadas na memória por anos.
Os contos de Cortázar são uma oposição ao que ele chama de “falso
realismo”, visto que, para ele as coisas nem sempre têm sentidos que possam ser
descritos em palavras e postos em papéis, já que a magia do conto acontece
quando vem de dentro do autor e quando ele consegue despertar esse mesmo
sentimento nos leitores através das entrelinhas de seus contos. Seu estudo de
realismo diferenciado foi baseado em: “(...) Alfred Jarry, para quem o verdadeiro
estudo da realidade não residia nas leis, mas nas exceções a essas leis, foram
alguns dos princípios orientadores da minha busca pessoal de uma literatura à
margem de todo realismo demasiado ingênuo”. (CORTÁZAR 1993, p.148)
Seu objetivo não é meramente informativo, não é seguir regras, padrões ou
linha de pensamentos de uma política arbitrária e demagógica, seu objetivo não é
atingir a todos, porque isso é impossível até mesmo em seu país de origem, na
verdade o seu intuito é levar sua arte de maneira livre, deixando de presente para o
leitor ou ouvinte de seus contos um sentimento coagulante que mexa com seus
sentidos e sua alma.
Então, por mais que ele queira explicar e ele quer, é muito difícil chegar a
uma conclusão seletiva de informações para a criação do conto, porque não tem
como explicar algo que transcende o ser humano, por isso ele diz: “É preciso
chegarmos a ter uma ideia viva do que é o conto, e isso é sempre difícil na medida
em que as ideias tendem para o abstrato” (p.150) O autor acredita que só uma
imagem pode explicar esse sentimento que um conto verdadeiro desperta nas
pessoas.
Aí vem a questão rótulo que as narrativas ganham, que um conto para não
parecer com um romance deva ser pequeno, e isso não tem nada a ver, já que o
conto é um recorte importante da vida, enquanto o romance é uma história
detalhada com intensidades expostas na obra. Para melhor atender o conto, o autor
compara-o com uma fotografia, uma captura de um momento da vida que tem foco,
mas que tem muita história além do foco, como cenário, pessoas e momento.
Em suma, muitos contos são criados, outros só são batizados de contos (mas
não passam de textos escritos), alguns se confundem com romances e outras
narrativas, mas o verdadeiro sentido do conto são encontrados: no contista de
ofício, na sua liberdade de expressão, na sua profunda vivência, na sua motivação
entranhável e consequentemente na recepção emocional e psicológica do leitor ou
ouvinte. E por fim, um escritor não pode e nem deve seguir leis para expressar sua
arte, visto que elas não existem e o autor está para criar, então ele deve fazer o seu
papel e deixar que os críticos façam o papel deles.
Portanto conforme Cortázar o conto configura-se como um gênero diferente
dos demais que não se explica com palavras, e por mais que se queira explicar
“essa alquimia secreta”, ele transcende em sentimento, CORTÁZAR (1993) diz: (...)
um conto em última análise, se move nesse plano do homem onde a vida e a
expressão escrita dessa vida travam uma batalha fraternal, se me for permitido o
termo; e o resultado dessa batalha é o próprio conto, uma síntese viva ao mesmo
tempo uma vida sintetizada, algo assim como um tremor de água dentro de um
cristal, uma fugacidade numa permanência. (p.150-151). O autor ainda nos alerta
para alguns lembretes estruturais: “Tenho certeza de que existem certas constantes,
certos valores que se aplicam a todos os contos, fantásticos ou realistas, dramáticos
ou humorísticos”. E ainda completa: “(...) elementos invariáveis que dão a um bom
conto a atmosfera peculiar e a qualidade de uma obra de arte”. (p.149).
Deste modo fica claro que o autor não quer tirar do conto as constantes ou a
estrutura que compõe sua parte física, mas quer mostrar que essas constantes por
si só, não tornam o conto verdadeiramente efetivo, visto que há muitos contos
escritos e publicados com estruturas e constantes seguidas, porém o principal, o
tempero que faz a magia do conto acontecer, não pode ser explicado, mas pode ser
sentido e isso é que o torna efetivo, diplomado e guardado na memória.
Não podemos esquecer que o pensamento de Bosi (2015), não
assemelha-se ao pensamento de Cortázar, visto que Bosi não acredita na inocência
nem nas formas aleatórias de se criar um conto, por isso ele afirma: “A invenção de
um contista se faz pelo achamento (invenire - achar - inventar) de situação qua
atraia, mediante um ou mais pontos de vista, espaço e tempo, personagens e trama.
Daí não ser tão aleatório ou inocente, como às vezes se supõe, a escolha que o
contista faz do seu universo”. (Bosi 2015, p.8)
Para Bosi (2015) é preciso estar vivo e apaixonado pelo que faz para se
compor um bom conto. Em função disso ele diz: “E na verdade só quando é vital e
apaixonado esse momento criativo é que se constrói uma narrativa esteticamente
válida” (p.9)

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