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A experiência humana no mundo é temporal.

O indivíduo
observa a si, aos outros e a tudo o que o rodeia considerando um
agora, um antes do agora e um depois do agora. Para todas as coisas
há, ou tem de haver, uma causa, uma consequência, um sentido,
pelo que a ideia que fazemos de nós é baseada no nosso passado,
coisas que fizemos ou sofremos, e no resultado dessas coisas. Por
essa razão, todo o processo narrativo interessa à psicologia, à
antropologia, e é tão útil à educação, uma vez que a «estrutura que
organiza a experiência humana da temporalidade numa “história”» é
a narrativa, vocábulo que deriva do verbo latino “narro” que significa
“dar a conhecer” que, por sua vez, está relacionado com o verbo
gnosco, de raiz sânscrita gnâ, “conhecer”1.

A narrativa é uma sequência de eventos, reais ou fictícios


encadeados no tempo, numa história. Está nos livros que lemos, na
telenovela que assistimos, nos outdoors publicitários, acompanhando-
nos há milénios, como são exemplo as figuras rupestres. Dá-nos a
conhecer uma história, a diegese, que se trata do próprio conteúdo, a
mensagem, que está na ordem cronológica normal, fazendo uso de
um discurso que é a maneira como a história é representada e,
portanto, podendo não obedecer à uma ordem cronológica. O tempo
diegético, que abrange a história, é diferente do tempo concreto que
diz respeito ao discurso. O primeiro é o tempo em que se passa uma
narrativa, no caso do conto “Singularidades de uma rapariga loura” o
século XIX, e o tempo que decorre na narrativa, por volta de um ano.

O conto é um texto narrativo curto, para ser lido sem


interrupções, até o final, pois ao contrário do romance e da novela, o
narrador apresenta um grande acontecimento, que irá levar ao
momento da revelação, ou epifania2, geralmente de modo abrupto.
Para que a história seja breve, mantendo a sua intensidade, é
importante um reduzido número de personagens e o tempo tem de
1
Texto disponível em: Narrativa.pdf (uab.pt)
2
Texto disponível em: Romance, Novela e Conto.pdf (uab.pt)

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ser mais condensado. Já o romance que, segundo Kundera, é “a
grande forma da prosa em que o autor, através dos egos
experimentais (personagens), examina até ao fim alguns grandes
temas da existência” (2002:167), necessita que seja mais extenso de
modo que apresente um mundo verossímil e que organize “o caos
segundo modelos humanos, logo, compreensíveis e, portanto,
pacificadores”3. A novela, entretanto, apesar de também ser mais
extensa, como o romance, é mais uma sequência de ações.

Mais sobre o conto de Eça de Queirós “Singularidades de uma


rapariga loura”, é interessante observar como se apresenta como um
mini-romance, em que o tempo do discurso retrocede e volta ao
presente inúmeras vezes. Há analepses recorrentes, como no caso a
seguir: “Oito dias depois, Macário era recebido em casa da Vilaça,
num domingo. A mãe convidara-o dizendo-lhe; espero que o vizinho
honre aquela choupana. – E até o desembargador apopléctico, que
estava ao lado, exclamou: choupana! diga alcáçar! formosa dama!”
para logo depois, em meio a narrativa da visita à casa da Vilaça, uma
das “manas Hilárias” narrar outro evento passado, a morte do conde
dos Arcos. O narrador, homodiegético, é uma personagem secundária
(Aguiar & Silva, 762) dentre um número até generoso de
personagens, ainda que planos, uma vez que se trata de um conto.
Além dos espaços do armazém, da casa de Luísa, da joalharia, fala-se
de Cabo Verde de maneira menos detalhada e sempre distante, ainda
que sugira cenários e mencione questões sociais que não são
aprofundadas, antes da viagem, através do mistério e atitude
suspeita do “amigo de chapéu de palha”, os seus jeitos e a sua
proposta, na viagem, descrevendo o lugar e denunciando a
“brutalidade tirânica dos fazendeiros ricos”, sempre com adjetivos e
substantivos que dão a entender violência e dolo: “humilhantes”,
“inimigos”, “morte”.

3
Texto disponível em: Narrativa.pdf (uab.pt)

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Referências:

AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de “Teoria da Literatura",

Coimbra, Almedina, 8ª ed, 2002.

KUNDERA, Milan, "A Arte do Romance", Lisboa, Dom Quixote,

2002.

Textos disponibilizados pela professora na plataforma da UAb.

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