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Robertson Frizero (org.

Microcontos
Maternos

Robertson Frizero (org.)

Microcontos
Maternos

Entre o infinito do céu e o


infinito da terra, existe o teu
infinito, igualmente desmedido
e ilimitado. Mãe, o tempo não é
capaz de conter-te.

José Luís Peixoto


Apresentação
Não há como a definir de forma
simples e definitiva. Mas nossos
autores aceitaram o desafio:
retratar a maternidade em poucas
palavras. O resultado é esta
antologia que orgulhosamente
apresentamos aos leitores. Ela vai
além de uma mera homenagem:
mostra o bem e o mal em torno
dessa experiência para a qual
nenhuma mulher jamais está
preparada.
Oxalá estes textos possam
emocionar e fazer refletir, rir e
chorar — como a própria vida.
Robertson Frizero
Índice
A descoberta, de Renata Lima 01
A joia, de Maria Neta 02
Almoço de domingo, de Ana Aygadoux 05
Amor de Mãe, de Cida Nunes 08
Amor maior, de Taís Oya 10
Ausência, de Robertson Frizero 11
Autobiografia genetriz, de Ana Baggioto 12
A vida, de Creusa Alves 15
Bendita Maria, de Renata Lima 16
Candura, de Robertson Frizero 18
Carinho de mãe, de Cida Nunes 19
Cicatrizes, de Robertson Frizero 20
Ciclo, de Cláudia Moura 21
Ciclos, de Ana Aygadoux 22
Colo, de Robertson Frizero 24
Corte, de Doralino Souza 25
Cura, de Ana Baggioto 26
De bolo em bolo, de Silvio Marconi 27
Despedida, de Viviane Alves 30
Destino, de Brígida De Poli 31
Destinos, de Robertson Frizero 33
Duas, de Doralino Souza 35
Emoção, de Elis Cavalheiro 36
Erro médico, de Silvio Marconi 37
Habibi, de Brígida De Poli 39
Lamento, de Ana Paula Figueiredo 41
Lavadeira, de Cida Nunes 43
Libertação, de Doralino Souza 45
Mãe, de Renata Lima 46
Maria Parteira, de Cláudia Moura 47
Maternidade, de Robertson Frizero 49
Minha mãe, de Brígida De Poli 51
Nenhum a menos, de Jurema Rangel 52
No céu, de Janice Nodari 53
O colar de macarrão, de Ana Aygadoux 54
O começo, de Doralino Souza 57
O farol, de Guilherme Balarin 59
O pai, de Brígida de Poli 61
Outrora, de Robertson Frizero 63
Para sempre, de Osana Santos 65
Presente, de Dedé Ribeiro 66
Primeiro dia, de Cida Nunes 67
Profecia, de Ana Aygadoux 68
Quem cala, consente, de Robertson Frizero 70
Realizando desejos, de Osana Santos 71

Retratos, de Creusa Alves 73


Revelação, de Dora Lampert 75
Ritual, de Ana Aygadoux 77
Segundos, de Robertson Frizero 78
Separação, de Viviane Alves 79
Sete, de Brígida De Poli 80
Sina, de Robertson Frizero 81
Sintonia, de Maurício Silva 82
Transparente, de Janice Nodari 83
Uma conversa, de Renata Lima 84
Verdade indesejada, de Ana Paula Figueiredo 85
Vínculo, de Ana Paula Figueiredo 87
Vivência, de Ana Mello 89
Voa, minha pequena, de Daniel Waismann 90
Vó Joaquina, de Cláudia Moura 91
Zelos, de Lucimar Vieira 93
Zênite, de Robertson Frizero 95
Ana Aygadoux | Ana Baggioto | Ana Mello | Ana Paula
Figueiredo | Brígida De Poli | Cida Nunes | Claudia Moura |
Creusa Alves | Daniel Waismann | Dedé Ribeiro | Dora
Lampert | Doralino Souza | Elis Cavalheiro | Guilherme
Balarin | Janice Nodari | Jurema Rangel | Lucimar Vieira |
Maria Neta | Maurício Silva | Osana Santos | Renata Lima |
Robertson Frizero | Silvio Marconi | Taís Oya | Viviane Alves
A descoberta
Renata Lima

A m enina de tran ç a s
b r i n cava quand o
a c o n teceu a prim e i r a v e z :
s e u peito subia e d e s c i a
b r u s camente, p u x a v a c o m
fo r ç a o ar pela b o c a . A
m ã e colocou-a d e b r u ç o s
e , p or horas, ma s s a g e o u
s u a s costas com b á l s a m o .
C a n tava baixinho . F o i a l i
q u e a menina d e s c o b r i u
s e u melhor rem é d i o : c o l o
d a m amãe.

01
A joia Maria Neta

A j o ia mais inte r e s s a n t e
d o c oncurso atra í a o o l h a r
d e t odos. Ouvia- s e o e c o d a s
v o z e s do público , e m
a d m iração únic a . A c o n c h a
p e n d urada ao c o l a r
s i m u lava um gr a n d e c o r a ç ã o
p u l s ante. Centen a s d e r u b i s
m i n úsculos inc r u s t a d o s a
e l a refletiam as l u z e s e m
v o l t a. Efeito sing u l a r !
O j ú ri foi unâni m e a o
p r e m iar o jovem d e s i g n e r e
q u i s saber sobre a
in s p iração para o b e l o
tr a b alho.
02
— E u t inha um an o d e
id a d e e sofri um a c i d e n t e d e
a u t o móvel com m e u s p a i s —
e l e contornou a j o i a e x p o s t a
e a p ontou a conc h a
le v e mente entr e a b e r t a
ir r a diando uma f i n a l i n h a
d e b rilho. — A p é r o l a
e n v o lvida aí sou e u . N ã o m e
ju l g uem presun ç o s o !
A p e nas sou mui t o a m a d o .
N a q uele aciden t e q u e s o f r i ,
o r e sgate veio r á p i d o , m a s
n o q uadro que s e
a p r e sentava julg o u - s e
im p ossível sobre v i v e n t e . D e
r e p e nte os param é d i c o s
s u r p reenderem- s e c o m u m
c h o r o de criança . E
p e r c eberam com o o c o r p o
d e m inha mãe,
e s t r anhamente s e d o b r a r a
fe i t o uma concha . A l i
d e n t ro, estava e u . F u i
r e s g atado sem ne m m e s m o
u m a rranhão. C o m e s t a j o i a ,
e s t o u contando a o m u n d o a
h i s t ória do amor d a m i n h a
m ã e . Ela me de u a v i d a
e n q u anto a sua e r a t o m a d a .
Almoço de domingo
Ana Aygadoux

O a r oma do mol h o d e
to m ate invadia t o d a a s a l a .
A m esa coberta d e f a r i n h a
a b r i gava os inúm e r o s
n h o ques enrola d o s n o
g a r f o, mas algo f a l t a v a
n a q u ela lembra n ç a .
M a n u procurou s u a a v ó ,
c o m as mãos gr a n d e s
d e f o rmadas pel a d o e n ç a .
N ã o a encontro u .
N o l ugar da avó, a m ã e d a
M a n u tentava m a n t e r v i v a a
tr a d ição da famí l i a n o s
a l m o ços de dom i n g o .
N h o ques de bat a t a s , 05
c o z i dos na água f e r v e n t e ,
c o m um filete de a z e i t e e
d u a s colheres ra s a s d e s o p a
d e s al. Depois, m e r g u l h a d o s
n o m olho de to m a t e
c a s e iro, era o s a b o r q u e
M a n u conhecia d a i n f â n c i a ,
e a lembrança qu e t i n h a d e
s u a avó.
E n l a çou a cintur a d a m ã e ,
e n c o stando seu r o s t o n o
dela.
A m ãe, s u p r esa, largou a
c o l h er de pau co m q u e
m e x ia o molho e r e t r i b u i u o
a f e t o.
— O q ue você faz é o
p a v ê , mãe, ele t e m s a b o r d e
mãe.
— M a s e o almoço d e
d o m ingo com sa b o r d e v ó ?
— V a i encontrar n o v o s
c a m inhos.
Amor de Mãe
Cida Nunes

P a r a os médico s ,
S i m one não pod e r i a
e n g r avidar, ma s s u a s
o r a ç ões foram ma i s
fo r t es. E Deus a b e n ç o o u - a
c o m uma gravid e z
in e s perada.
D e p ois de quin z e a n o s ,
a t ã o sonhada
m a te rnidade ac o n t e c e u !
C o m muita tern u r a ,
S i m one deposit o u o b e i j o
n a c abecinha de s u a b e b ê .
— V ocê é a joia m a i s
p r e c iosa que te n h o, nem
08
o o u ro nem a pra t a v a l e m
e s s e amor, min h a q u e r i d a
filh a . — murmu r o u
S i m one, agrade c i d a , a o
m o r rer pelo esfo r ç o d o
p a r t o.
Amor Maior
Taís Oya

A menina esperava
ansiosa a chegada da mãe,
todos os dias ela lhe trazia
um presente. Esse, vinha
embrulhado num papel
toalha. A garota abria com
cuidado, seus olhinhos
brilhavam ao ver a
surpresa deliciosa.
Soube depois, não era
qualquer presente — a mãe
deixava de comer seu
lanche no trabalho para
agradá-la.
10
Ausência
Robertson Frizero

O marido aceitou-a
sem questionar. Os filhos
acolheram-na como se
retornasse de uma longa
viagem na qual estivera
incomunicável. Mas ela
sabia: foram meses de
paixão doentia pelo
amante, de ilusão de
liberdade... De volta à
família, sem punições por
sua ausência, só faltava,
para a felicidade
completa, perdoar-se
incondicionalmente.
11
Autobiografia genetriz
Ana Baggioto
A b r i mos o baú d e
e s c r itos de noss a m ã e . C a d a
u m a das três se r e v e z o u n a
le i t ura de poema s ,
e x c e rtos, risos e l á g r i m a s .
T o d as sofriam su a
a u s ê ncia, mas An a e s t a v a
d e s o lada. Talvez p o r q u e ,
q u a n do fora folh a
d e s c artada, noss a m ã e a
in s e rira nas pág i n a s d a s u a
h i s t ória de mate r n i d a d e . A s
m e s mas letras, a c o r d a
tint a , a força e a l e v e z a
im p ressas nas pá g i n a s
ir m ã s, em nada d i f e r i a d e
12
to d o amor impr e s s o n e l a ,
c a p í tulo enxerta d o e
to r n ado essenc i a l à t r a m a
fa m iliar.
H o j e quem nos r a s g a é o
d e s c arte periódi c o d a
e x i s tência que n o s i m p e d e
d e o uvir as cobr a n ç a s
a n t e cipadas do s p o t e s q u e
n ã o voltarão apó s o a l m o ç o
d e d omingo. Se t i v é s s e m o s
o p o der de ediçã o d o
d e s t ino, encaixa r í a m o s
q u i l ômetros de l i n h a s e m
s u a vida como
in s u bordinação à f i n i t u d e
d e a lguém, cujo a m o r
d e s m edido deu- n o s u m
títu l o na concep ç ã o . À A n a ,
d e u - lhe enquan t o a i n d a e r a
u m r abisco invol u n t á r i o .
A vida
Creusa Alves

A estrada, longa. Os
passos apressados da
mulher franzina,
seguidos por outros
miúdos, nas mais
variadas direções e
atenções. Vez ou outra,
o cão veloz, amigo das
crianças, na sua
diversão, antecipava o
obstáculo, o perigo à
espreita, o tempo, de
passos vagarosos. Um
dia, finitos.

15
Bendita Maria
Renata Lima

Em agosto ela nasceu,


no calor da cidade de
Crato. Ainda mocinha,
largou a escola para se
casar com o primo. O
segundo marido era índio,
morreu cedo. Rumou para
São Paulo, terra
prometida daqueles
tempos. O terceiro marido
abandonou-a por uma
dona. Quando voltou,
Maria disse não. Seus sete
filhos acostumaram-se
com desafortunados
dividindo a mesa de
16
jantar. Com cabelos
branquinhos, assumiu a
bebê, fruto de adultério do
filho. A família exigira:
largue a bastarda, tem
orfanato na Lapa. As
noites sem dormir nunca
foram esquecidas pela
menina, hoje mulher, que
sonha com Maria todas as
noites.
Candura
Robertson Frizero

— Sou eu, Janete.


— Janete?
A mãe sorria, mas já
não estava mais ali. As
memórias apagaram-se
lentamente. Foi-se embora
também a mulher amarga,
sempre cruel com Janete.
O esquecimento adocicou-
a; chorava se recordavam
sua antiga mesquinhez.
— A senhora está linda.
A mãe ria, feliz. Janete
perdoou quem já não
existia.
18
Carinho de Mãe Cida Nunes

T o d as as noites, e l a
v i s i tava o quart o d o s f i l h o s ,
a j e i tando aquele q u e s e
d e s c obriu dura n t e o s o n o ,
o u a penas ajeita n d o o
tr a v esseiro. Com t o d o
c u i d ado, para nã o a c o r d á -
lo s .
U m b eijo na test a d e c a d a
u m , d epois saía
d e v a garinho, apa g a n d o a
la m p arina.
A s s i m que mamã e s a i a , e u
d a v a um sorriso e v o l t a v a a
d o r m ir. Ela não p e r c e b i a
q u e eu ainda est a v a
a c o r dada, espera n d o s e u
b e i j o... 19
Cicatrizes
Robertson Frizero

Contrariado, o menino
gritou:
— Vaca inútil!
A mãe ergueu a mão; o
gesto ficou no ar. O braço
erguido recordou-lhe as
bofetadas do ex-marido que
acompanhavam aquela
mesma frase.
Abraçou o filho
assustado; ele chorou.
— Desculpe, mãezinha.
A palavra mágica, nunca
dita pelo pai da criança,
cicatrizou-lhe feridas da
alma.
20
Ciclo Cláudia Moura

Sempre às cinco da
manhã, eu despertava com
o cheirinho do café com
leite e cuscuz.
Cantalorando, minha mãe
entrava no quarto e soltava
essa: “Detesto quem
amanhece dormindo!”. Às
gargalhadas, eu revidava:
“Mas quem amanhece
acordado?”. Hoje em dia,
desperto às cinco para
fazer o café com cuscuz
para meus filhos e, se
demoram, repito: “Detesto
quem amanhece
dormindo”.
21
Ciclos Ana Aygadoux

Lembro quando sentei e


chorei, exausta, entre
fraldas sujas, monte de
roupas para lavar, choro de
criança, noites insones e o
cheiro de leite azedo no ar.
Não tinha mais tempo
para mim, não tinha ajuda
e me culpava por querer
outra vida.
Outra vida chegou.
Hoje, choro, também
sentada, olhando fraldas
sujas, montes de roupa
para lavar, choro de
criança, noites insones e
aquele cheiro de leite azedo
no ar. 22
Minha filha, cansada,
abraça-me em silêncio,
compreendendo minha
alegria ao escutar o sopro
de vida nova a preencher
nosso lar.
Colo
Robertson Frizero

Com três aninhos, o


menino não entendeu — a
mãe chegou acamada da
maternidade, sem o
irmãozinho prometido. A
madrinha orientou-o:
— Mamãe está
doentinha, não pode dar
colo.
Os movimentos voltaram
aos poucos, mas ela nunca
mais foi a mesma.
O menino aprendeu:
amor de mãe também se
declama em silêncio.
24
Corte
Doralino Souza

Ela escovou os cabelos


por horas a fio. Pretos.
Desciam escorregadios
até a cintura. Admirou-se
um tempo. Aquele vento
soprou forte nas frestas
largas, gelando tudo.
Encarou o bercinho.
Vaidade tola essa minha,
pensou, esse dinheiro
será de maior valia. Daí
largou a escova na
prateleira e pegou a
tesoura.

25
Cura
Ana Baggioto

Enquanto aguardava o
transplante, Luísa
lembrou-se que nascera
de um desejo de verão
moleque. O abandono
apequenou-lhe o rim. As
pessoas são mais
imprevisíveis para o
bem, ensinou a vida. O
perdão dado à sua mãe
biológica, deitada ao seu
lado, redimiu-lhes o
corpo e a alma.

26
De bolo em bolo
Silvio Marconi

C e r t o dia, abri u m
a r m ário na casa d e m i n h a
ir m ã Ana e lá es t a v a a
b a t e deira de bol o s q u e e r a
d e n ossa mãe. Em b a r c a m o s
n u m a deliciosa v i a g e m n o
te m po:
— V ocê lembra d o
C h a min? — Ela s o r r i u ,
a b r i ndo o baú de m e m ó r i a s
d a i nfância.
— A quele gato fi c a v a
liga d ão quando o u v i a e s s a
b a t e deira. Mais d i v e r t i d o
a i n d a do que cor r e r a t r á s
d e l e , era lamber a s t i g e l a s
27
d a s guloseimas q u e
e s t a vam sendo p r e p a r a d a s .
Q u a se não prec i s a v a l a v a r
d e p o is. — Cont i n u e i ,
a n i m ado.
N ó s éramos só q u a t r o
ir m ã os, crescemo s a o r e d o r
d e s s a batedeira. P o r é m ,
h a v i a dezenas de f e s t a s , e
v i v í amos de bolo e m b o l o .
N o s sa casa tinha c h e i r i n h o
d e a niversário.
Q u a ndo já adul t o s , n o s s a
m ã e confidenci o u o q u a n t o
e r a difícil festej a r n o s s o s
a n i v ersários. Ca d a b o l o q u e
e l a fazia para a v i z i n h a n ç a ,
g u a r dava uns tro c a d o s p a r a
fa z e r nossas fes t a s . E e n t ã o
c o m preendemo s a l g u m a s
b r i g as que ecoav a m p e l a s
p a r e des da peq u e n a c a s a .
D e s c obrimos qu e m e u p a i
tinh a aversão a f e s t a s .
Despedida
Viviane Alves

O toque delicado da
mão de Aurora acariciava
o rosto da amada mãe;
pássaros cantavam lá fora
como se fosse uma última
homenagem. O espírito
parecia já ter abandonado
aquele corpo, até que um
sobressalto a despertou.
Era como se a mãe
estivesse lutando para
adiar ao máximo aquele
definitivo ponto final.

30
Destino
Brígida De Poli

D i v i díamos com M a r i o n a
o m e smo banhei r o n a
p e n s ão, onde fom o s m o r a r
d e p o is da viuvez d e m i n h a
m ã e . Nossa vizin h a d e
p o r t a era muito a l t a , o q u e
e x p l icava o apel i d o . E u ,
a d o l escente, tin h a
c u r i osidade de c o n h e c e r
a q u e la mulher q u e e r a
p i p o queira de di a e
p r o s tituta à noi t e .
U m d ia, convid a d a p a r a o
a n i v ersário da f i l h a d e l a ,
c o n h eci o cômo d o a o l a d o .
31
A m enina mimad a f o i h o s t i l
c o m igo por não t e r l e v a d o
p r e s ente. Ela mo r a v a c o m
p a r e ntes. A mã e p a g a v a a s
m e l h ores escolas . Q u e r i a
u m a vida melho r p a r a a
filh a . Eu achava a q u i l o
a d m irável.
A n o s depois, con t a r a m : a
m o ç a acabara n a s d r o g a s .
M a r iona morreu a t r o p e l a d a
e m f rente à esco l a o n d e
v e n d ia pipocas.
Destinos
Robertson Frizero

Na primeira prenhez, ele


deliberou:
— Se vier fêmea, é tua,
mulher. A segunda criatura
é minha.
Nasceram duas meninas —
um ano quase entre partos.
A primeira ganhou mimos,
educação. A segunda, mal se
defendia, já dominava a
lida: galinhas, chiqueiro,
horta.
As duas cresceram quase
separadas: uma não saía de
casa para não sujar o
vestido; a outra não entrava,
33
para não enlamear o
assoalho. De noite,
conspiravam: a mais velha
ensinava cartilha; a mais
nova trazia pedrinhas ou
rãs.
Enterraram os pais — um
ano quase entre enfartos.
Castigadas pelo tempo,
tornaram-se as melhores
avós postiças que se
poderia ter.
Duas
Doralino Souza

Na apresentação da
escola o estranhamento.
Burburinho dos adultos.
Olhares à espreita pelo
pátio. Nunca antes teve
isso ali. Necessidade de
reunião, talvez. O pequeno
ia feliz, entre as duas,
agarrado pelas mãos. Elas
sorriam, mas, de
prontidão para lutar, caso
preciso fosse. Mães não
titubeiam em defesa da
cria.
35
Emoção
Elis Cavalheiro

A s d ores piorara m . O
tá x i ia o mais r á p i d o q u e
p o d i a. O trânsit o e s t a v a
c a ó t ico. O marid o a f a g o u
s u a mão e ela se n t i u - s e
s e g u ra; outra co n t r a ç ã o e
o g r ito foi maio r . O t á x i
c h e g ou ao hosp i t a l . J á e r a
ta r d e: o filho n a s c e u n o s
b r a ç os do pai.

36
Erro Médico
Silvio Marconi

O m enino, inteli g e n t e ,
s a u d ável e serel e p e , e
a i n d a ágil nos e s p o r t e s ,
a g o r a já é quase u m
a d o l escente.
A c o ncepção fo i e m m e i o
à s a lucinações d a m ã e . . .
E r a m dias torm e n t o s o s .
A s p rimeiras m u d a n ç a s
n o c orpo levaram - n a a o
m é d ico, que a tr a n q u i l i z o u :
é u m a hérnia d e d i s c o , e s s e
a n a l gésico vai m e l h o r a r a
d o r . Talvez foss e a v e r d a d e
q u e ela queria o u v i r
n a q u ela hora. 37
P o r fim, el e , quando qu i s
s e m ostrar ao mu n d o , n u m
e x a m e de image m , j á t i n h a
d o z e semanas - e l e s o u b e
s e e sconder mu i t o b e m .
V e i o pra esse mu n d o
m o s trando que é e s p e r t o ,
d e s d e os tempo s d a
b a r r iga da mãe .
Habibi
Brígida De Poli

E u s abia que só v o c ê
s e r i a aceito no p a í s
e s t r angeiro. Mes m o a s s i m ,
q u i s acompanhá - l o a t é s e u
d e s t ino para ter c e r t e z a d e
q u e chegaria bem .
A o m e colocare m d e
v o l t a no barco, s ó p e n s a v a
s e v ocê entender i a — n ã o o
a b a n donei por v o n t a d e
p r ó p ria. Queria o m e l h o r
p a r a a sua vida, m e s m o
is s o me custando a d o r
in f i nita da sua a u s ê n c i a .
Q u a ndo a sauda d e
a p e r ta, fecho os o l h o s p a r a
39
s e n t ir a água do m a r n a s
m i n has pernas e s u a v o z
d i z e ndo — "ami a l e a z i z a " .
S i m , serei sempr e s u a
m a m ãe querida. É q u a n d o
a s l ágrimas vêm, s a l g a n d o
o o c eano que nos s e p a r a ,
m e u "habibi".
Lamento Ana Paula Figueiredo

M i n ha mãe nunc a
p e r m itiu que eu m e
a p r o ximasse, com o é d e
s e e sperar de um a
r e l a ção entre mã e e f i l h a .
N o s aniversários e d a t a s
c o m emorativas o s
a b r a ços eram sem p r e
tímid os e rápido s . O
a m o r não existia e m
p a l a vras, ficava i m p l í c i t o
n o s gestos, na e s p e r a
c o m a comida p r o n t a , n o
c h á preparado pa r a
tr a t ar o resfriado .

41
Q u a ndo criança , e u n ã o
c o m preendia e i n v e j a v a o
a f e t o escancarad o d e
m i n has amigas e s u a s
m ã e s. Demorei, m a s
e n t e ndi o que se p a s s a v a
n a r elação com m i n h a m ã e .
E l a não consegui a o f e r e c e r
a q u i lo que não r e c e b e r a .
S a b i a sentir, ma s n ã o
e x p r essar.
N o l eito do hosp i t a l ,
q u a n do se prep a r a v a p a r a
d e s p edir-se da v i d a , e m u m
s u s s urro pediu-m e p e r d ã o ,
e u m a única vez e m m e u s
tr i n ta e cinco a n o s , o u v i - a
d i z e r que me ama v a .
Lavadeira Cida Nunes

E m u m cesto
im p rovisado, lá e s t a v a a
p e q u ena Lindam a r .
F i c a va ali enqua n t o
M a r ia, sua mãe , l a v a v a
r o u p as na marg e m d o r i o
U b e rabinha, se m p r e
a t e n ta, cantarol a n d o
m ú s icas de Elis R e g i n a .
D e r epente, a mu l h e r
o l h o u, não viu a m e n i n a ,
s e u coração disp a r o u .
U m a dor aguda d e
p r e o cupação no c o r a ç ã o .
M e r gulhou no r i o ,
a f l i ta; quando e m e r g i u ,
43
u m a surpresa! Li n d a m a r
e s t a va engatinha n d o n a
m a r gem, rumo à s u a
c a s a . Maria susp i r o u
a l i v iada, saiu c o r r e n d o
a t r á s da pequena .
B e i j ou-a e abraç o u - a
v á r i as vezes, ac a l m a n d o
o s e u coração.
- Ma mãe te ama ! ! ! -
m u r murou, agra d e c i d a .
Libertação
Doralino Souza

Bem no alto da coxilha,


onde nem o quero-quero
se aninhou, ouviu-se grito
vindo à luz. Esparramada
no potreiro, com o recém-
nascido sobre o ventre,
pediu coragem ao Deus
branco pois, da divindade
nativa, lhe fugira nome.
Filho meu não há de ser
acorrentado. Feito um só
corpo, rolaram ribanceira.

45
Mãe
Renata Lima

O ranger dos portões


enferrujados fizeram a
mulher estremecer;
nunca chegara tão longe.
Fizeram-na esperar
numa cadeira, como as
da escola em que a filha
estudou. Um homem
sentou-se à sua frente. O
perdão, exaustivamente
ensaiado, ainda
aguardava nos lábios
dela. Levantando os
olhos, encarou o
assassino de sua filha.
46
Maria Parteira
Cláudia Moura

Q u a se todas as c r i a n ç a s
d a q u ela cidade z i n h a
n a s c eram pelas m ã o s d a D .
M a r ia. Experient e , j á
c o n t ava quanta s l u a s i a m
d a r para a mulhe r b u c h u d a
p a r i r. Quase sem p r e d a v a
c e r t o. Mas, um d i a , e l a
e r r o u, e Né sent i u a s d o r e s
d o p arto antes d o t e m p o .
M a n dou o maior z i n h o i r
a t r á s da parteir a . P e g o u
M a r ia despreve n i d a . A t é
q u e se ajeitou e c r u z o u a
c i d a de, era tard e .
47
A m enina já tinh a
n a s c ido sozinha e , p a r a
d e s e spero da m ã e , c o m o
u m b igo enrolad o n o
p e s c oço. A parte i r a
e n t r ou no quar t o e d e u o
p r o g nóstico:
— E ssa menina v a i s e r
a d v i nha — gest i c u l o u ,
e x p l icando a raz ã o d o
u m b igo apertad o à
g a r g anta da recé m -
n a s c ida.
Maternidade
Robertson Frizero

D a l i la ouviu em s i l ê n c i o a
c o n f issão. Naque l e t e m p o ,
e r a possível um h o m e m
c h e g ar virgem ao
c a s a mento.
— T eu segredo e s t á
g u a r dado. — El a
tr a n quilizou-o. — S e j a
d i s c reto.
S e g u iram moran d o
ju n t os; dormiam n a m e s m a
c a m a. Quando a s i r m ã s
p e r g untavam-lh e d a v i d a d e
c a s a da, ela sorr i a .

49
S e i s anos de cas a m e n t o
te c e ram laços. S e m
tr o c arem carícia s , c r i a r a m
g o s t os, compar t i l h a r a m
h á b i tos. Até sua i r m ã
s o f r er um erro m é d i c o e
p e r d er os movime n t o s .
D a l i la imaginou o c u n h a d o
a p á t ico, o sobri n h o
p e q u eno sem co l o . . .
S e i s dias depois ,
p a r t iria sem cul p a . O
m a r ido nada en t e n d e u .
— J á podes viver t u a
v i d a . — Ela entr e g o u - l h e
o s p apéis do div ó r c i o . —
E u p reciso ser m ã e .
Minha Mãe
Brígida De Poli

Ela não costumava


beijar ou abraçar os
filhos. Nem usava
palavras carinhosas.
Custei a entender que seu
amor ela traduzia no
duro trabalho noturno no
hospital. Assim conseguia
criar as três crianças,
órfãs de pai. A doçura,
ela colocava em forma de
quadradinhos amarelos
na compoteira de vidro,
único luxo herdado do
casamento.
51
Nenhum a menos
Jurema Rangel

H á a nos, os cinc o i r m ã o s
p r e p aravam a m e s a e u m
c a r d ápio especia l p a r a
a l m o çarem com a m ã e .
S e m pre fora um e n c o n t r o
fr a t erno, ainda m a i s a g o r a
q u e todos eram a d u l t o s e
c a s a dos. Já esta v a m
r e u n idos quand o a m ã e
to c o u a c a mpainha e
e n t r ou de mãos d a d a s c o m
o m e nino apare n t a n d o d e z
a n o s . Surpresos, o u v i r a m a
m ã e anunciar q u e a d o t a r a
o g a roto.
52
No Céu
Janice Nodari

No céu dos avós devem


existir muitas guloseimas e
brincadeiras esperando
para serem
compartilhadas, Joana
pensava.
Mas enquanto se
balançava no brinquedo
favorito da neta se
perguntava se no céu dos
netinhos, onde sua querida
Luiza estava, também era
assim.
Não parecia certo os
netos irem primeiro...
53
O colar de macarrão
Ana Aygadoux

M a r ia de Fátim a
a g a r rava-se a um c o l a r ,
fe i t o de macarrã o p i n t a d o
c o m tinta guache . T e n t a v a
le m b rar-se do mo m e n t o
e m q ue a filha h a v i a
p a r t ido, mas a m e m ó r i a
n ã o cooperava.
— D o n a Maria, hoj e a
s e n h ora tem visi t a , v a m o s
g u a r dar esse col a r ? — A
e n f e rmeira esten d e u a m ã o
e m v ão.
M a r ia agarrou- s e à s
c o n t as coloridas e n r o l a n d o
o b a rbante no pu l s o . 54
S u r p reendeu-se c o m a
jo v e m que entr a v a n o
q u a r to. P a r e cia com su a
mãe.
A m oça abaixou p e r t o d e
s u a cadeira, apo i a n d o a
m ã o sobre aque l a q u e
s e g u rava o colar :
— V o c ê ainda guar d a
e s s e colar, mãe?
M a r ia a olhou co n f u s a , o
to q u e era conhec i d o , m a s
n ã o combinavam c o m a
im a g em que via . A m o ç a ,
in s i stente, deu- l h e u m
b e i j o no rosto. M a r i a d e
F á t i ma fechou os o l h o s e
a c e i tou o carinh o
e s t r anho.
N o c alor do afet o , e l a
r e e n controu a fi l h a ,
c r i a nça em seu c o r a ç ã o e
e m s uas lembra n ç a s ,
a d u l ta a enlaçar - l h e a
p r e s ença.
M ã o s unidas no c o l a r d e
m a c arrão tingira m - n a d a s
le m b ranças de s e r m ã e .
O Começo
Doralino Souza

U m a velha part e i r a
s o c o rreu minha m ã e , d i s s e
q u e meu choro f o i c o n t i d o ,
to d a via, carrega d o d e d o r ,
d e p o is falou que e u s e r i a
fe l i z. Aí ela me d e i t o u n o
b r a ç o esquerdo d e m i n h a
m ã e , já que é ao l a d o d o
c o r a ção, e eu gr u d e i n a
te t a . Então foi- s e e m b o r a ,
a m ã e me conto u . S ó q u e
e u a cho que nu n c a h o u v e
p a r t eira nenhuma . A c h o
q u e sempre foi s ó n ó s
d u a s . Minha mã e
57
p e r m aneceu dei t a d a n a
c a m a improvisa d a e n t r e
d o i s cochos, fei t o a n i m a l
q u e pariu e fico u a l a m b e r
a c r ia. Quatro d i a s d e p o i s
r e s o lveu levanta r p r a
b u s c ar rumo, p r a e l a e p r a
mim.
O Farol
Guilherme Balarin

A e s curidão apod e r a v a -
s e d o mundo in t e i r o , c o m o
v a s t o oceano de b r e u . A l u z
d o s dois irmãos d i m i n u í a
d e v a gar. Ondas d e
e s c u ridão batiam n a p o r t a .
A f o me uivava pe l a s
ja n e las, ressaca ; q u e r i a e r a
q u e b rar no ven t r e . O
m u n do apagara, m a s a q u e l a
c a s a teimava em m a n t e r o
b r i l ho. Os irmão s
d i s p utavam um p e d a ç o d e
p ã o solado. A mã e ,
p a c i ente, pegou o p ã o e o
59
r e p a rtiu. Metade p a r a c a d a .
O p ã o atiçou um p o u c o a
lu z dos irmãos. A m ã e s a b i a
q u e , com o tem p o , s e u s
filh o s também se
a p a g ariam. A luz d a m ã e
n ã o falhava; ela n ã o p o d i a
d e i x ar-se apagar . B r i l h a v a
in t e nsa.
O Pai
Brígida De Poli

C o n heceram-se m u i t o
jo v e ns na colôni a . C a s a r a m ,
tive ram oito fil h o s , f o r a o s
n a t i mortos. O ma r i d o
r e c l amava — Po r q u e e s s a
m u lh er não par a d e
e n g r avidar? — co m o s e e l e
n ã o exigisse sex o s e m o l h a r
a f o lhinha.
U m d ia, ele arru m o u u m
fa r n el e sumiu. E l a e n x u g o u
a s l ágrimas e pa s s o u a l a v a r
r o u p a para fora. P r e c i s a v a
a l i m entar as cri a n ç a s
m e n ores. As ma i s v e l h a s
61
fo r a m parar em c a s a s d e
fa m ília. Subiam n o
b a n q uinho para a l c a n ç a r a
p i a e lavar a louç a d a
p a t r oa.
D é c a das depois , o p a i
r e a p areceu, velh o e d o e n t e .
A s f ilhas o acol h e r a m .
C u i d aram dele a t é m o r r e r .
A m ãe não diss e u m a i .
Outrora
Robertson Frizero

" N a q uele tempo " — a


s e n h orinha dizia — " t u d o
e r a melhor": seu p a i s a í a
p a r a trabalhar e a m ã e
b o n d osa cuidav a d e t u d o ;
e l e chegava em c a s a e s u a
m ã e , ciosa de se u s d e v e r e s ,
tinh a jantar pro n t o , m e s a
p o s t a; se ele de m o r a v a a
c h e g ar, ela embr u l h a v a a s
p a n e las em pan o s d e p r a t o
e p u nha no forno , p a r a
m a n ter o calor; s e a e s p e r a
fo s s e noite aden t r o , e l a
63
p u n ha as criança s p a r a
d o r m ir — ficava a
r e m endar suas r o u p a s , à
e s p e ra do marido ; s e e l e
c h e g asse violent o , b ê b e d o ,
tr a n cava as cria n ç a s n o
q u a r to e imolava - s e à s
p a n c adas dele, p e l o b e m d a
fa m ília.
E r a m outros temp o s .
Para Sempre
Osana Santos

D e z anos havia m s e
p a s s ado quando n o s
e n c o ntramos no v a m e n t e .
U m a braço frou x o
c e l e brou o encon t r o , a l i
m e s mo, na rua.
— C omo você es t á l i n d a
e c r escida!
E u n ão consegu i a d i z e r
m ã e; so m ente,
“ F r a ncisca.” Mai s s e t e
a n o s distantes, j á a d u l t a ,
e u a busava do “m a m ã e ” .
F o r a m quatro a n o s a s s i m ,
a t é perde-la par a s e m p r e .
65
Presente
Dedé Ribeiro

R e c e bendo, pel a
p r i m eira vez, aq u e l e s e r
m i n úsculo em s e u s
b r a ç os, a mãe pe r c e b e u
q u e havia perdid o o
d i r e ito de morre r .

66
Primeiro Dia
Cida Nunes

Q u a ndo ela olh o u


p a r a trás, o cho r o f o i
in e v itável.
O s p ortões
fe c h aram-se. U m
b a r u lho terrível e c o o u
n o s seus ouvidos ,
fa z e ndo-a chorar
a i n d a mais. Sua m ã e j á
n ã o estava ao se u l a d o
c o m o antes....

67
Profecia
Ana Aygadoux

S e l m a sempre d i z i a à
s u a filha que em c a s a q u e
te m criança, uma l u z e s t á
s e m pre acesa. Sa m a n t h a
n u n ca prestou mu i t a
a t e n ção ao velho d i t a d o ,
p o i s decidira qu e n u n c a
te r i a um filho. E s s a
r e s o lução foi to m a d a
q u a n do, aos vint e e c i n c o
a n o s , perdeu seu ú n i c o
ir m ã o, dez anos m a i s n o v o ,
e n g o lido pelo ma r r e v o l t o .
A m ãe ainda er a n o v a ,
a p e n as sessenta e n o v e
68
a n o s , mas o sofr i m e n t o a
le v o u a viver nu m m u n d o
s ó s eu. Hoje Sam a n t h a
c o n f irma a sabed o r i a d e
s u a mãe. Mesmo s e m
filh o s, deixa se m p r e u m a
lu z acesa. A vid a a f e z m ã e
d e s ua própria m ã e .
Quem Cala, Consente
Robertson Frizero

P a r a a professor a : " É o
je i t inho dela".
P a r a a psicóloga : " É s ó
d e s e nho de crian ç a " .
P a r a a escola: " N ã o h á
n a d a errado".
P a r a a vizinha: " N ã o s e
m e ta ".
P a r a a avó: "Ele é b o m ,
s u s t enta as cria n ç a s " .
P a r a a filha: "M e n t i r o s a !
N u n ca repita iss o " .
P a r a a delegada: " N u n c a
im a g inei, doutor a ! " .
70
Realizando desejos
Osana Santos

F o r a m duas hor a s d e
m u ita dedicaçã o .
— E s t e parto foi
c o m plicado! — S u s p i r o u o
o b s t etra, alivia d o .
D e s d e o início, L a u r i t a
s a b i a que seria d i f í c i l . N ã o
e r a só a gravide z d e p o i s d o s
q u a r enta e cinco ; c o n v i v e r
c o m a filha e ou v i - l a
c h a m ar outra d e m ã e , s e r i a
m u ito pior.
M a s , aceitara a p r o p o s t a .
Pa r a viver o seu s o n h o , n ã o
71
s e i mportou em r e a l i z a r o
d e o utrem.
— O b r igada pela
o p o r tunidade q u e m e d e r a m
d e s er mãe — sus s u r r a v a
L a u r ita para os p a t r õ e s ,
q u e a acompanh a r a m e m
to d o s os momen t o s .
E l e , sim, terá o p r a z e r d e
s e r pai de verda d e ; m a s a
p a t r oa será mãe s e m j a m a i s
s a b e r o que é a d o r d o
p a r t o.
Retratos
Creusa Alves

M i n has bisavós , h á
m u ito tempo, e s c o l h e r a m
r e t a lhos colorid o s , c o m
e l e m entos da n a t u r e z a , e
fize r am uma lind í s s i m a
c o l c ha, sediment a r a m o
c h ã o batido da c a s a . A s
a v ó s usaram re t a l h o s
ilus t rados de fa t o s e
p e s s oas e tapara m a s
p a r e des. As mã e s c r i a r a m
lo n a s, ilustrand o
c o n q uistas e sau d a d e s , e

73
e n t e lharam a cas a . F o i l á
q u e me surpree n d i c o m
u m m enininho m e
c h a m ando: “Mãe ! ” .
Revelação
Dora Lampert

A v ó mexia uma p a n e l a
s o b r e o fogão à l e n h a ; o
m o m ento precis o — e l a d e
c o s t as para mim.
D e i um suspiro c o m p r i d o ;
a s p alavras, vom i t a d a s :
— E s t ou grávida.
E l a virou-se len t a .
P r o c urou meu o l h o s
e n f i ados nos bor d a d o s d a
v e l h a toalha de m e s a .
F o i com o canto d o o l h a r
q u e vi o dedo e m r iste
a p o n tando para o c h ã o — a s
tá b u as largas de s d e a 75
e x i s tência da ca s a . O p o n t o
te m ido das crian ç a s
c r e s cidas alí — o m e t r o
q u a d rado defro n t e o f o g ã o .
A p r imeira frase a p r e n d i d a
p o r todas era se m p r e e p a r a
s e m pre: H e i s s, isso quei m a.
S u a voz, entre p e d i d o e
o r d e m, soou mo r n a , t e r n a .
— A q u i vou criar m a i s
e s s a criança.
E u t inha apena s q u i n z e
anos.
Ritual
Ana Aygadoux

T o d os os dias, M a r i a n a
fing ia dormir, s ó p a r a
s e n t ir a mãe ent r a r n o
q u a r to, cobrí-la c o m o
e d r e don, beijar s u a t e s t a e
a f a s tar-se, cami n h a n d o
e m p lumas, a p a g ando a
lu z do quarto an t e s d e
sair.
S ó e ntão, perm i t i a - s e
d o r m ir, com o so n o
a b e n çoado por e l a .

77
Segundos
Robertson Frizero

Q u e stão de segun d o s :
o p e queno disp a r o u ; a
m u ltid ão imped i u - a d e
a c o m panhar em q u e
d i r e ção. Gritou o
n o m ezinho mil v e z e s .
U m a boa alma a p i e d o u - s e
d e l a ; depois, os
a u t o falantes, o g e r e n t e , a
p o l í cia, o marid o . T o d o s
o s o lhos condena v a m - l h e
e m s ilêncio. "Co n t e - n o s
c o m o aconteceu " ,
in d a gavam-lhe t o d o s . E
e l a morreu a cad a
in t e rrogatório.
78
Separação
Viviane Alves

Q u a ndo ela olh o u p a r a


tr á s , procurando - a , M a r i n a
fe z menção de co r r e r a t é
s u a filha. A pol í c i a d e t e v e
M a r ina. A mãe b i o l ó g i c a
a r r e pendera-se , q u e r i a a
m e n ina de volta. M a r i n a
n a d a pôde fazer.

79
Sete
Brígida De Poli

M ã e só tem uma ? E u
tive sete. Quand o f u i
s o r t eada pela na t u r e z a
p a r a nascer filh a d e
A l i c e, ganhei co m o b ô n u s
C l a r a, Virgínia, N e l l y ,
J o a n a, Nica e Mi m i , s u a s
ir m ã s. Sempre c h e i a s d e
c a r i nho e cuidad o s
c o m igo, ouvi de t o d a s a o
lo n g o da vida as p a l a v r a s
" m i n ha filha". Q u e s o r t e
e u t ive!

80
Sina
Robertson Frizero

G e m ma determ i n a r a :
— N ão nascendo m u l h e r ,
C a n dinho cuida d e m i m .
D a r i a filho às a r m a s ,
o u t r o aos padres . O m e n o r
e r a dela.
E n v iuvou, meni n a n ã o
v e i o . C a n dinho apren d e u
tu d o . Irmãos par t i r a m ;
fico u ele pela m ã e , d a r o ç a
a o s banhos.
A m o r, Candinho n u n c a
te v e . Gemma pr o i b i a .
M o r reu de forc a , s e m a n a s
d e p o is da mãe.
81
Sintonia
Maurício Silva

A m a mentou. Em
a g r a decimento, r e c e b e u
u m o lhar terno ,
p e n e trante.
— T ambém te am o
— R etribuiu a mã e .

82
Transparente
Janice Nodari

— M eu bebê...
A v o z, um misto d e
o r g u lho e cansaç o , f o i
a b a f ada pelos
c u m primentos s e n d o
tr o c ados entre o p a i , o s
a v ó s e o médico.
N i n g uém a olho u n o s
o l h o s ou lhe dir i g i u
p a l a vras. Alguém v e i o e
tiro u o bebê de s e u l a d o .
E r a mãe. E ficar a
tr a n sparente.

83
Uma Conversa
Renata Lima

A m ulher coloc o u a
m e n ina no colo .
— J á é mocinha , t e m
c i n c o anos. Deve t e r
p e r c ebido que so u v e l h a
p a r a ser sua mãe . . . E l a
p r e c isou viajar. P e d i u
q u e cuidasse de v o c ê .
— Q uando ela v a i
v o l t ar?
— L ogo.
— A té lá, posso t e
c h a m ar de mãe?
A m ulher sorriu.
84
Verdade Indesejada
Ana Paula Figueiredo

A c a rta foi enco n t r a d a n o


fu n d o de uma c a i x a
e s c o ndida entre o s
p e r t ences da tia . E l e n ã o
e n t e ndeu o signi f i c a d o ,
n ã o tinha matu r i d a d e p a r a
a q u e la compree n s ã o . N a
im p ossibilidade d e
p e r g untar aos pa i s ,
q u e s tionou a tia .
F o i com espant o q u e e l a
o v i u com aque l e v e l h o
e n v e lope nas m ã o s .
85
T r e m eu, ficou se m
p a l a vras. O meni n o s e
a p r o ximou, qui s s a b e r o
q u e era adoção . E l a o f e z
s e n t ar na poltro n a , e
c a l m amente ini c i o u a
e x p l icação. As l á g r i m a s
r o l a vam pela fac e m a c i a
d e l e , enquanto t e n t a v a
in t e rromper os s o l u ç o s .
C h o raram. Ela o a c o l h e u
n u m abraço:
— O s egredo não e r a m e u
p a r a ser contado .
Vínculo
Ana Paula Figueiredo

A g a c hado, o rapa z
d e p o sitava crisâ n t e m o s n o
tú m ulo. Antes, p o r é m ,
limp ara o entorn o , t i r a r a a s
v e l a s queimada s , t r o c a r a a s
flor e s e a água n o s v a s o s .
U m a vez ao ano e l e t i n h a
e s s e compromis s o c o n s i g o .
V i c e nte nunca ac e i t o u a
a u s ê ncia da mã e . S e n t i a
fa l t a daquilo qu e n u n c a
v i v e ra. Não bast a s s e a
c u l p a que carreg a v a , o s
ir m ã os eram in d i f e r e n t e s a

87
e l e , como se não e x i s t i s s e ,
o u n ão mereces s e u m a
e x i s tência. Agia s e m p r e d a
m e s ma forma: q u a s e a o
fina l do dia lev a v a a s f l o r e s
p a r a a mãe; long e d o s
o l h a res conden á v e i s , e l e
o r a v a e resignav a - s e a o
p e n s ar que sem p r e t e r i a m
a q u e la data para
c o m partilhar.
Vivência
Ana Mello

S o b r eviviam co m o
q u e ela catava n a s
lixe i ras do cent r o d a
c i d a de. Mas Elis a
s o n h ava com um a v i d a
m e l h or para eles .
C o m er o que so b r a v a d o s
p r a t os dos filho s n ã o
s a c i ava sua fome , m a s
e n c h ia seu coraç ã o c o m o
r a s t ro de suas b o c a s q u e
s o r r iam como s e f o s s e
u m b anquete.

89
Voa, Minha Pequena
Daniel Waismann

Q u a ndo ela olh o u


p a r a trás, não e n t e n d e u
o c h oro de sua m ã e .
A p e nas na form a t u r a d a
fa c u ldade, recor d a n d o a
c e n a em que fo i d e i x a d a
n a e scola, compr e e n d e u
o s e ntido daquel a s
lá g r imas. Desde e n t ã o ,
u m u niverso in t e i r o s e
a b r i u.

90
Vó Joaquina
Cláudia Moura

M i ú da, compene t r a d a ,
e r a de poucas pa l a v r a s . S e u
o l h a r impunha r e s p e i t o e
a u t o ridade. Cria n ç a s
d e v i am entrar mu d a s e s a i r
c a l a das. Falar, s ó q u a n d o
fo s s e lhe dada a v e z . R e s t o
d e c omida no p r a t o ,
in t o lerável.
D e s p erdícios, nu n c a
e r a m permitido s . T u d o s e
r e a p roveitava, d e s d e a
b a n a na passada d o p o n t o
q u e se transform a v a e m
p i c o lés, até ves t i d o s
91
a n t i gos, em colc h a s d e
r e t a lhos. Todos o s s e u s
m o v imentos era m c h e i o s
d e s ignificados e , s u a s
p a l a vras, verdad e i r o s
e n s i namentos. A s f é r i a s
n a c asa dela inc l u í a m
a c o r dar às cinco d a
m a n hã para pis a r o m i l h o
p a r a o cuscuz no v e l h o
p i l ã o e lavar lo u ç a s n o
jira u . Obrigatór i o n ã o
e r a , mas fazia n ã o p r a
ver!
Zelos
Lucimar Vieira

L a v a deira profis s i o n a l
e m ã e solteira. C o n h e c i a
to d o mundo na c i d a d e .
P a s s ava o dia na
la v a nderia públi c a , m a s
q u a n do chegava e m c a s a ,
q u e r ia ver a tar e f a d e c a s a
d o s quatro filho s , q u e c o m
s a c r ifício os ma n t i n h a n a
e s c o la. Não se c o n t e n t a v a
c o m respostas cu r t a s n o s
c a d e rnos. Quer i a v e r
p á g i na cheia. Co m a n d a v a
a q u e la família c o m m ã o s
d e f erro.
93
— S e é pobre tem q u e
e s t u dar, pra ser g e n t e n a
v i d a . — Repetia i s s o t o d o
d i a enquanto olh a v a
n o s s os caderno s .
A p e nas aos doz e a n o s ,
e u d escobri que m i n h a
m ã e era analfabe t a .
Zênite Robertson Frizero

— M ais forte!
A m ãe fazia-lhe a s
v o n t ades sempr e q u e p o d i a .
E m p urrar o bal a n ç o , a o
m e n os, não cus t a v a o
d i n h eiro suado d a s
c o s t uras. Por so r t e , o f i l h o
n ã o era de mim o s — q u e r i a
a p e n as voar alto .
O s o nho de ser p i l o t o f o i
im p ossível — fez - s e u m
c o m issário de bo r d o .
Q u a ndo pôde, r e s g a t o u a
m ã e da pobreza e c o m p r o u -
lh e um apartam e n t o —
a n d a r alto, pert o d o c é u .
95
Este ebook foi produzido pelo projeto Literatura Mínima,
cujo objetivo é a divulgação da Literatura Minimalista. O
livro tem distribuição gratuita e agradecemos sua
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Brasil, maio de 2023.

Todos os direitos reservados aos autores.


Organização, diagramação e revisão:
Robertson Frizero
Contatos: Robertson Frizero [frizero@live.com]

Fonte usada: Joshico / Georgia Pro


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