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GENI G UIM RÃES
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199
91

FT
Co pyright ©Ge ni Guima rães, 1989

Todos os direitos de edição reservados à

EDITORA FTD S.A.


MA TR IZ; Rua Rui Barbosa 156 Bela Vista) S ÃO P AU LO
CEP 01326-010 Tel. 253 5011 Fax 011) 288 01 32

Editora
Ione Meloni Nassar
Editora assistente
Maria Esther Nejm
Editor de arte
Cláudio Cuellar
Revisão coordenação
dolfo José Facchini
Arte montagem
Guilherme C Uccio
Reginae Crema
Assistente d e p r o d u ção
Wilson Teodoro

Dados Inter
Internacionais
nacionais de Ca talogação na P ublicação CIP )
Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Guimarães, Geni
A cor da ternura / Geni Guimarães ; ilustrações Sarítati
Barboza. — 9. ed. — S ão Paulo : FTD, 1994. — Coleção
canto jovem)

ISBN 85-322-0125-3
85-322-0125-3
1. Literatura infanío-juveníl I. Barboza, Sarítah. II. Título.
III. Série: Canto jovem.

94-1599 CDD-028.5
índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infanto-juvenil 028.5
2. L ite
iteratura
ratura juvenil 028.5
Para os amigos
oímnnes e Moe^na Parente Augel
que no afeto singular do acolhime
a colhimento
nto
bem agasalharam a timidez da
tão bem
minJixi nação interna
ÍNDI E

Primeiras lembranças 9
Solidão de vo
vozes
zes 23
Afinidades: olhos de dentro 29
Viagens 4
Tempos esco
escolares
lares 48
Metamorfose 58
Alicerce 7
Mulher 76
Mom
oment
ento
o ai
aist
stal
alin
ino
o 82
Força flutuante 87
imeir s lem
embr
br nç s
Minha m ã e sentav
sentava-se
a-se num
numa a cadeira tira
tira
v a o avental e eu iiaa . Colocava-me entre suas per
nas enfiava as mãos no no decote do seu vestido
arrancava dele os seios e mamava em pé.
E l a aproveitava o temp
tempoo cata
catando
ndo pio
piolhos
lhos da
minha cabeça ou trançando-me os cabelos. Con
versávamos às vezes:
Mãe a senhora
senhora go gosta
sta de mim
mim??
Ué claro qu que e gosto filha.
Que tamanho? perguntava eu.
E l a então sol
soltava
tava minh
minha a cabeça estendia os
braços e respo
respondia
ndia sorrindo:
Assim.
E u voltava ao pepeito
ito fechava os o
olhos
lhos e ma
mava feliz.
E r a o tanto certo do amor que precisava por
que eeu
un nunca
unca po
podia
dia imagin ar um amor além da
imaginar
extensão dos seus braços.
Outras vezes no meiomeio da mamada eu para
v a e começava:
Cadê o toicinho daqui?
Gato comeu.
Cadê o gato?

9
— Foi caçar rato.
FCadê
— o rato?
— o i no mato.
— Cadê o m mato?
ato?
—Fogo queimou.
— Cadê o fo fogo
go?
?
— Água apagou.
E u interrompia as perguntas da brincadei
ra para saber coisas além dela. Um a vez foi
foi as
as
sim:
— Quem fez o ffog o e a água?
ogo
— Deus, é claro. Quem haveria de ser?
— E se pegar fo
fogo
go no mundo
mundo? ?

do mundo. az a águ a virar chuva e apaga o fogo
E l e ffaz
— Mãe, s see chover água d dee Deus, será que
sa
saii a minha tinta?
— Credo-em-cruz Tinta de gente não sai.
Se saísse, mas se saísse mesmo, sabe o que que iia a
acontecer? — Pegou -me e, fazendo cócegas na
Pegou-me
barriga, foi dizendo: — V Você
ocê ficava
ficava branca e eu
preta, você ficava branca e eu preta, você bran
ca e eu preta...
Repentinamente paramos orisoe a brinca
deira. Pairou entre n ó s um silêncio esquisitoesquisito..
Achei que ela estava trist e, então falei:
triste,
— Mentira, boba. Vou ficar co com
m esta tinta
mesmo. Acha que que eu ia
i a deixar vo ê sozinlia? E u
não. Nunca, nunqu nunquinha
inha mesmesmomo,, tá?
D aí ela fingiu umas palmadas na minha bun
da, saiu correndo pelo quintal afora.
— Quem chegar por líl líltimo
timo v ira sapo da la
la--
goa.

10
Corrii também dando largas passadas,
Corr passadas, ten
tando pisar no rastro dela.
Mass as coisas começaram a mudar. E r a só
Ma
eu querer mama mamar,r, ela se esquivava.
esquivava.
— Cecília — dizia el ela
a — traga a garapa da
menina.
Outras vezes, er a só eu botar amão no de
era
cote do seu vest ido,, vinha asaída: uma bolacha
vestido bolacha
caseii a, uma goiaba, uma laranja ou qualquer ou
tra guloseima para me tapear.
U m dia emburrei. Joguei fora tudo o qu quee me
oferecera
ofere cera.. Recusei-rne a comer
comer qualquer coisa.
F o i quando ela resolveu explicar-me:
— É que o leite da mãe está podre.
— Quem que apodreceu
apodreceu ele? — perguntei
inocentemente.
— O gato da Maria Polaca fez caca n no
o meu
peito.
— Por que você deixou ele entrar aí mãe?
E l a não mmee respon
respondeu.
deu. Chamou a Cecília
e disse:
— Leva ela prapra ver os porquinhos. — E mais
baixo: — Não va vaii deixai* ela ver os bichinhos ma
mando que ela pode se agua aguarr .
Saímos. E u soluçava baixinho e limpava o
rosto com as costas da
dass mãos. Nisso passo
passou u um
gato rajado diante de nós e eu me lembrei de uma
coisa.
— Cecília de que lado fica a porta da teta
da mãe?
Minha imiã olhou dos lados, v iu uma
uma pedra
na margem da estr
estrada Sentou-se nela e carinho-
ada.. Sentou-se

12
sãmente foi me falando:
V em cá. Vou tte
e explicar direitinho. É que
a m ã e enencome
comendou
ndou um nenezinho
nenezinho pr
praa nós. Vo
Vo
c ê já é mocinha, tem dente, pode c com
omerer de tu
do, nã é ? Agora, nenê não. Daí a m ã e tem que
n ã o é?
guardar o leite pra ele. Entendeu?
A h é por isso que
que a m ãe ffoi
oi na cidade
cidade ou
o u
tro
tro dia... Cecília como é que va i ser
ser o... como vai
ser ele?
— Vai ser gordinh o, bonito e chorão —
gordinho,
respondeu-me ela rindo.
Baixei a cabeça e com o dedão do pé p é come
c ei a fazer buraquinhos
buraquinho chão.
s nopegou-me
A Cecília levantou-se, no colo e
se pôs a caminhar.
Comecei a sentir muito sono, mas ainda pe
di:
Se ele chegar de noite, você me chama...
Deitei-me no seu ombro e adormeci.

E l a era linda. Nunca me cansei de olhá-la.


Od ia todo arrastava os chinelos
dia chinelos pela casa.
I a e vinha.
E u ta m b é m ia eu t a m b é m vinha.
ndo me pegava no flagra, bebendo seus
Quando
Qua
gestos, esboçava um risoriso calm
calmo, o, curto
curto.. Meu co
co
ração saltava feliz dentro do peito.
E u baixava a cabeça e fechava os olhos. R e
vivia o riso dela
dela m il vezes e à noite deitava-m
deitava-mee
mais cedo para pensar no doce cheiro de terra
no
e mãe.

3
U m dia quando venerava seus pés v i que
estavam inchados.
F u i devagarinho subindo a vista: as pernas
estavam exageradamente grossas. A bairiga pa
recia a barrica onde ela
ela guardava a água de be
guardava
ber. Mãos braços rosto tudo inchado.
Comecei a tremer e ficar impaciente.
Que doença seria aquela? E se minha mãe
explodisse?
Desesperei-me.
Precisava achar alguém para saber se ela es
tava para mon-er.
Precisava saber se quando mã mãe e mo
morre
rre a
gente pel
pelos
os meno
menos s pode morrer também.
Saí co
correndo quintall afora. Então v i a C
rrendo quinta Ce-
e-
ma minha irmã mais velha. Corri para ela.
Sacudi-a fortem
fortemente.
ente. PPerguntei
erguntei chorei insisti
mas a Cema continuou comendo torrões e sol
tando a baba lamacen
lamacentata pelos can
canto
tos
sdda
a boca. No
desespero havia esqu
esquecid
ecidoo qu
quee ela era excep
excepcio
cio
nal meu poema bobo.
Com meu vestido de florezinhas azuis lim
pei sua boca e agarrada a suas mãos esperei im 

pacientemente
Não demorou alguém
muitochegan
v i a Arminda surgir lá
na curva do c caminho
aminho..
E l a tinha ido levar o almoço para meu pai
e os outros irmãos que trabalhavam na co colheita
lheita
do café.
Soltei as as mãozinhas da Cema e ffuiui en
enco
con
n
trá-la.
— Arminda — disse eu — acho que a mãe
v ai morrer. Po
Porr favor leva ela pra dona Chica E s -
pra

3
panhola benzer. E l a está deste tamanho. — E s 
tiquei osos braço s para os lados e depois fiz um tír-
culo querendo mostrar o tamanho da barriga barriga de
de
l a . — Arminda — continuei — me pega no colo
que eu estou com frio. Por favor leva ela...
Pegou-me carinhosament
carinhosamente e e começou a ac
aca-
a-
riciar-me.
Disse:
— A mãe não está doente bobinha. Le m 
bra que a Cetília te contou
contou que el ela
a tin
tinha
ha enc
enco
o
mendado nenê? E ntã ntão.
o. E l e está gua
guardad
rdado o na bar
riga ddela
ela por is
isso
so que a m ãe está gordona. Você
que
não está dorm
dormindo
indo comigoigo? ?P
Pois
ois é p ra n ã o ma
pra
chucar o nenê.
Resmunguei:
— Arminda eu gosto de de você mas eu que
ri a dormir com a mãe porque a orelha dela é mo
com
le e esquenta a té a minha mão. Vo Você
cê tam bém é
boazinha mas a sua orelha...
Chorei novam
novamente
ente baix
baixo o e calm
calmo.o.
Chegando
Chegand o em casa minha m ãe cerzi cerziaa uma
camisa xadrez em p é encostada no fogão apa
gado. A Arminda piscou dis disfarçada
farçada mente e fa fa
lou
lo u para ela:
— T em gente querendo colo. D á aqui a rou
pa que eu acabo dede remendar
Minhaa m ãe entregou a rou
Minh pa para a Armin
roupa
da e sentou-se numa cadeira feita de
de palhas tran
çadas. Estendeu os braços e eu fui como se c ca
a
minhasse para o céu. Fiquei toda torta escorre
gava e não conseguia pousar a cabeça no seio
tã o e sempre amigo.
No entanto n ã o disse nada. N ã o agradeci.

7
lher reclamei.
Não Apenas
o eterno cheiro derespirei fundo para reco
teiTa e mãe.

Um dia, aao
o aco
acordar,
rdar, nnão
ãoouvi nenhum ba
rulho nem senti o cheiroagradável decafé novo
vindo dda
a cozinha. Estava só na cama.
Já me preparava paipai a ir ver o que
que est
estavavaa
acontecendo, quando a Iraci entrouno quarto di-
zendo:
— Você tem que ficar aqui quietinha. Não
pode se levantar ainda.
Notei-a carinhosa, mmasas preocupad
preocupada.
a. F i z mil
perguntas, todas de uma só vez:
— Por qquuenão posso?Cadê a Arminda? On
de está a mãe?
Já gaguejava engolindo lágrimas d dee mede
e incertezas, quando a Iraci apressou-se expli-
cando:
— A Arminda foi foi trabalhar e eu fiquei n nc
c
lugar dela. Não precisase assustar. O p ai foi bus
pai
car a dona Chica Espanhola.A mãe está deitad
deitada,a,
— A dona Chica Espanhola??— pergunte:
apavorada.
— Não é nadaddee mau bobinha. E l a v a i aju-
dar o nosso nenê a nascer.
Saiu.
Nesse mesmo instant
instante,
e, comecei a ouvir mi-
nha mã
mãee gemer baixinho. |
Gemia gemia, gemia...
om o travesseiro e só dei
Tapei os ouvidos ccom
oss olho
xei o olhoss a d
descob
escoberto,
erto, que, marejados de lá

18
grimas acompanharam a c chegada
hegada de meu p i
e dona Chica que vinha dando ordens:
— Alguém p õ água pra esquentar. Faça ur/
põ ur/..
ch á bem quente de hortelã com pimenta-dc-
reino.
Minha mãmãee g
gemia
emia gemia...
O dia se arrastava e eu ali esquecida.
Ninguém lembrou que eu poderia sentir fc-fc-
me ou sede.
sede. Nem eu.
O sol entrava com seus raios já cansados n:-
fresta da janela quando sem poder fazer mai-
nada levantei-me ajoelhei-m e aos pé s da
ajoelhei-me da cama
e comecei a rezar:
— Minha Nossa Senhora do oratório da mi
nha mã e faça
faça que ela nã o chore que eu nu nunc
nc?
?
mais vo
vouu xingar o nenê de diabo e coco no me:
coração. Se ela parar de gemer daqui pra f rentr
vou só falar Jesus e doce-de-leite
doce-de-leite pra ele.
pra ele. Am ér.:
F iz o sinal-da-cruz e quando me encaminha
va para a cama nova
novame
mente
nte para dali continuar
a vigília os gem
gemido
idos
s para
pararam.
ram.
U m choro forte de bebé abriu espaços e ei:-
trou no quarto abruptamente.
Jesus nascia.

No dia seguinte minha mãe começo


começouu a re
ceber visitas. O pessoal da redondeza vinha of
nhecer a criança trazendo presentes. Aprovei
tavam a ocasião para agrade cer minha mã
agradecer m ã e pc:
ter com benzimentos e remédios casecaseiros
iros c -
rado seus filhos de
de lombriga buc
bucho-
ho-virado
virado C

I
mesmo quebranto. Traziam galinhas gordas,
amarelas,
amarela s, brancas e rajadas. N ã o dav
davam
am ggalinhas
alinhas
pretas, explicou dodona
na Jandi
Jandirara par a a Iraci, u
para um
m
dia, porque eram duras e só serviam mesmo para
despachos.
Todo dia, desde ce cedo
do,, a mulherada apare
cia. Traziam sabonete, talc
talcoo e metros de pano
para as roupinhas do nenê.
Eu nneem ligava para elas. Ficava sentada num
deg
de gi au da escada na porta da sala, indiferente.
M as elas tinham sempre alguma coisa para me
dizer. "Chi perdeu o colo , diziam umas. "Vou
levar ele pra mi m", dizidiziam
am out
outras
ras..
enfie no... , pensava eeuu . Logo me ar
Que enfie
rependia e fazia o sinal-da-cruz.
Minha m ã e às vezes ac acompan
ompanhava hava as visi-
ta
tass até a porta. Nessas ocasiões segurava minlia
m ã o e dizia:
— Vamos lá no quarto ve s eu irmãozinho.
verr o seu
A mãe n ão pode trazer ele aqui enquanto não
passarem sete dias. E l e pode pegar o mal-de-se-
te-dias. Isso nã o tem cura. Vamos lláá , filha, va va
mos...
E u não ia. Que ficasse lá , ocupando meu lu-
gar. Não ia.
S ó pude conhecê lo no oitavo dia, quando,
passado o perigo dado ença ença,, minha m ã e tirou-o
do quarto.
N ã o achei bo
bonito
nito nem feio
feio..
Apenas
Apena ss enti u m grande alívio quando m
senti me e
v i descompromissada de chamá lo de Menino
Jesus.
E r a negro.
oli ão e uozes

Com a chegada do
Com do Zezinho tudo mu
mudou
dou em
casa. A Cetília nãofoi mais para o trabalho na
lavoura. Ficou para ajudar
ajudar em casa. Cozinhava
para todos: nó nós que ficávamose os que davam
s qu
duro na roça. Desorganizaçãototal. Ordem da
casa refeições e lavagem de roupas. lémdo
mais erera a o banho d o Zezinho chás do Zezinho
do
fraldas do Zezinho choros do Zezinho. Zezinho
Zezinho todo minuto toda hora todo dia sem
pre.
A Cema parece qu que adivinhou. Começoua
fazer coisas do arco-da-velha
arco-da-velha.. Esparramava man
timentos no chão derruderrubava
bava cadeira
cadeiras
s subia na
mesa comia terra e parecia de descar
scarga:
ga: fazia co
co e x i x i a cada cinco minu
minutos.
tos.

Resolveram entãoordenar a trabalheira. A


Cecília lavaria toda a roupa
roupa e vigiaria a Cema.
Minha mãefaria as as refeiçõese cuidaria das fres
curas do Zezinho. Quem tivesse um tempo de de
sobra faria a limpeza da casa. Os restos do tem
po eram dados a mim que não dava trabalho.
Comida depois banho depois. Tudo depois de de
tudo.

3
— Você é mocinha, pode esperar pra tomar
banho.
— Você é grandinha, esp
espera
era um p
pou
ouco
co pra
almoçar
Por desaforo, deixei d
Por de
e ter dese
esejos
jos e fom
fome.
e.
Só tinha vontade de dormir. Comecei a sentir frio
a qualque
qualquerr hora do dia e d a noite. Frio se cho
da
vesse. Frio se fizesse calor E m qualquer circuns
tância, frio.
— Lombriga aguada —disse a dona Chica,
que pareci
pareciaa sanguessuga nos nossos aconte
aconteci
ci
mentos familiares.
aí então vieram os chás: hortelã, poejo,
alho etc. E u os tomav a. Na verdade, bebia a in-
tomava.
tenção de cada um.
Lombriga coisa nenhuma. E u tinha era sau
dade. Saudade dosdos meus de
detalh
talhes
es perd
perdidos.
idos. Do
meu colo, ddaa minha comida servida na b boca.
oca. Do
meu espaçopara p perguntar
erguntar besteiras, com
como o di-
ziam eles. Dos olhares carinhosos.
D a minha mãedizendo Descasca u ma la
um la--
ranja p ra menina. Deixa que e
pra euu penteio o cabe
lo dela. Mais cobe
coberta
rta pra me
menina
nina n
não
ão pa
passar
ssar
frio ...
Lombriga, o nariz da dona Chica. E r a sau
dade mesmo. E sausaudad
dadee nãose cura com chás.
U m dia, eu estava
estava de
deitada,
itada, acompanhand
anhandoo
com os olhos uma aranhi
aranhinha
nha qu
quee zigue
ziguezague
zaguea-
a-
v a no telhado, quando ouvi minha mãe mã erezando
do outro lado da parede
parede::
— Nossa Senhora Aparecida, vósque sois
mãe como eu, venha ao encontro das minhas ora
ções. Derrama suas bênçãospoderosas
poderosas sobre a

4
minha filha devolvendo-lhe a saúde pelo amor
de Deus. Alivia o nosso sofrimento, pr praa gente po
der voltar a ser uma fam ília feliz.
feliz. E m nome do
Pai do Filho e dodo E spírit
spíritoo Santo, amém.
Senti uma fisgada no coração. Nunca quis
nem pensei em fazer minha família sofrer
Propus-me
Propus-m e a reagir imediata
imediatamente.
mente. And
Andarar pa
ra agradá-los sorrir para o sorriso de todos, c
co
o
mer, comer todos os dias e até a toda hora, se
preciso fosse.
Quando já meesforçava para levantai; a por
ta se abriu.

Filha a dona Pedrina deu um pão com


torresmo. Está aqui umpedaço. Come pravocê
v er que delícia. Sevocê comer...
Arrumei um riso,
riso, peguei opão. Enquanto
peguei
comia, ela me olhava embevecida, quase masti
gando para mim comigo. Para usufruir omáxi
mo do encantamento, engol
engolii vagai Osame
Osamente
nte
aquele pedaço e pedi outro.
Quer mais? V ou buscar Abençoado seja
Vou
o nome de Jesus.
Saiu correndo
correndo e em segundos voltou. Com
ela vieram a Cecília com o Zezinho no col
colo,
o, a
Cema, aIraci a Arminda, o Dirceu e meu p pai,
ai,
ainda com o machado d e cortar lenha na mão.
de
Todos se acomodaram ao meu redor Uns
Todos
sentados na cama, outros ajoel
ajoelhado
hadoss em qua
qual
l
quer espaço livre. Ficaram m mee olhando comer
felizes, sema menor discrição de silêncio no exa
sem
gero d a vigília.
da

26
se: F o i aíqu paii cutucou minha mãee dis-
e meu pa
que
— manhã mesmo vocêva v a i na cidade com-
prar vela pra cumprir a promessa.
Colocou o mach
machado
ado no om ombro
bro e s sai
aiuu asso-
biando.
— Quer mais? —pe rguntou a Iraci.
perguntou
Antes que eu respondesse a Arminda brin-
cou:
— Também agora a gente nãova vaii querer en-
gordarr a men
gorda meninaina tudo de uma vez.
Todosriram alto porque o tempo era de ri -
so. R i tambéme aproveitando o momento de de
desprendimento pousei a cabeçano co colo
lo da mi
da mi--
nha mãe.
Sua blusa estava toda m molhada
olhada de leite. O
peito dela checheinho
inho vvazav
azava.
a.
Disfarçadamente passei o dedo indicador
no lí
líquido
quido . Levei ao nariz cheirei. Levei àboca
lambi.
Realmente aqueaquele
le lei
leite
te era d do
o Zezinho.
Zezinho.
Não era o meu leite da minha mãe.

27
0IÍ70S de dentro
— V i u só? At é ele gos gostou.
tou. — E r a a aranh i-
n h a a inda ziziguezaguea
guezaguea ndo no tel telli
liado.
ado.
— Q u e vo
v o c êêss p e n s a v a m e u j á s a b i a . M a s
que f al ava m ... E l e quemque m ?
— Seu irmãozinho.
— E l e gostou N ão repa rei.
— É. Você não repara no n o jeito dos outros gos-
t a r e m . Ou m el hor
ho r repa ra m a s quer que go star star
seja do seu m o do d o . C a da um ...
— E l e n un ca l igoigo u pra m im . Isto eu repa re pa
rei. N ão é m en tira.
— E vo cêcê a l gum dia dia l igo
igo u pra m im ?
-E u?
— É. Nunc a ligou ligou p rar a m i m e eu sempre mo
r e i aqui.

— EE nuten
n ãodeu sabia
ago.ra?
Descul
r a? V o cêpe.
é que
q ue n un ca pr
proo 
curou saber direito dos olhos dos outros. Não é
destes olhos que eu falo. É dos olhos de dentro.
— E n t e n d i . Mas eu sem pre pen sei que as
outra s pessoa s e bichos ne m soubessem desses
olhos de que você f al a. E u não é querendo ser
s abida como os a n i ma i s sabia . N ão f al ava po r- r-

9
que... A h não dá pra conta
contarr agora. É uma histó-
ririaa muito comprida. Bem agora vou ligar pr praa vo-
cê e pra ele. Mas ele n ã o sabe brinc ar. E você
brincar.
sabe? Brinca do quê?
— Todo mundo sabe brinca
brincan
n At
Atéé os gr
gran
an
des. E u brinco de tanta coisa D e ver, de falar com
as crianças de gargalhar com os olhos, você sa sa
be do que falo.
— Sei. Nunca na vida pensei qu
quee você fosse

tãoo sabid
sabida.
a. Me ensin
ensinou
ou num instantinho essas
coisas de ver.
A aranhinha remexeu-se.
— A conve rsa está boa, mas preciso ir.
conversa
— Você vaii emb
va embora
ora ago
agora
ra que a gente...
que
— Não não vou.
vou. Ou melhor, não vou de to
do. Só tenho umumas
as coisa
coisas
s pra faz
fazer.
er. N
Não
ão ddisse
isse
que moro aqui?
— Tinha at até
é me esq
esquec
uecido
ido..
O Zezinho chorou no quarto ao ao lad
lado.
o. Olhei
para minha amiga,
amiga, meio indecisa, mmasas ela, sa
bida, ajudou-me.
— V ai lá. Gostar..
S a í correndo.
E l e estava pelado, esperneando. Segurei
suas mãozinhas e agasalhei-as entre as minhas.

— E u ficou na que me eu
Snenciou, pensei mudez
vocêabsorvendo
não ligass
ligasse pr
praaafago.
mim.
Deus que me perdoe, m maas eu té achava que você
era
er a cego por dentro. Desculpe. Sempre fui meio
besta
be sta me
mesm
smo.o. Mas, daqui po
porr diante
diante,, nem vou
ficar triste se os grandes nã
nãoo tiverem tempo. Vou
sempre falar com você ou com minha aranhinha
aranhinha,,
se você es
estiver
tiver dor
dormin do. Se voc
mindo. vocêê també m pre-

30
cisar dela está às ordens.
O Zezinho abriu a boca eng oliu minha ofe
engoliu oferta
rta
os lábio s diante do gosto gostoso. Sor
e estalou os
riu. Seu hálito momo veio impregnado de per
fume de primeira vez.

B o m mesmo foi ter amigo


amigos.s. N ã o amigos de
passos paralelos com os quais eu só podia falar
coisa pensad
pensada a e repensada para n ã o assustar.
Gostoso
Go stoso foi ter plenitute de voz e atitudes.
Falar do
do qque
ue qquisesse
uisesse ter resposta para tudo e
acreditar que tudo era
era possível, o mundo sim
ples e aberto.
dia eu precisava saber que
U m dia quemm teria feito
o trinquinho da portinha da casinha da lua.
Psssiu chamei. Onde você se escon
deu?
Minha aranhinha n ã o respondeu nem bo bo
tou a cara nos vãos das telhas.
N ã o gosto dessa brincadeira. Você sabe.
Nada.
Vouu contar até três: um dois três.
Vo

Nem sinal.
Apavorei-me.
Olhos arr egaladoss revirei todos os cantos ddoo
arregalado
telhado. N ã o a encontrei.
Empurrei a porta e vivi,, achatada no ba
batente
tente
pequena sem cara sem pernas seca minha ai^a-
nhinha. Só o corpinho estraçalhado grudado na
madeira.
Estremeci. Quis pegá-la para tentar ao me-|

3
nos abrir-lhe os olhos de dentro, mas, aao
o tocá-la
desfez-se em pó e uma rajada
rajada de vento espalhou-a
por espaços desmedidos.
Comecei a chorar. Não bastava. A tristeza
não saía. Quis me morrer, não pude. Me mor
rerr eu ainda não sabia. G ritei:
re ritei:
— Zezinho Zezinho
Calei-me porque lembrei que ele não esta
v a . Tinha ido com minha mãe emprestar não sei
o que da dona Ernestina.
Saí d
do
o quarto e sen
sentei-me
tei-me na escada para
esperá lo e pedir socorro.
Mas, quando ele chegou, lembrei que não
poderia dar a notícia assim de qualquer jeito.
Criança é fraca, eu sabia.
Enquanto esperesperava
ava o mo
momento
mento opo
oportuno,
rtuno,
uma
um a dúvida terrível me as assalto
saltou.
u.
— Zezinho, você acha que no céu te tem
m comi
da de aranha?
E l e nã
nãoo respondeu, e eu silenciei perdoan
do.
— Você acha que céu d e gente é maior ou
de
menorr qu
meno que
e o cé
céuu do
dos
s bichos
bichos??
E l e de novo não me respondeu e de novo si si

lenciei perdoando.
— Será q ue Deus mesmo é que põe rubim
qu
socado nos machucados de gente morrida ou ele
manda São Pedro ou outro santo colocar?
— Chi... Nã
Nãoo sei
sei — resp
respon
ondeu
deu ele sem me
olhar
Pegou seu papagaio d de
e jornal e saiu na car
reira.
Senti que seus olhos internos
internos,, como os olhos
dos outros, olhavam agora para outradireção.
Vesgos, se desviaramdo
do meu rumoe me dei
xavam, desdeentão órfã de afinidadee crença.
O Zezinhose misturounas
na s besteirasdos ho
mens e estes, do tamanho natural,n ã o me da da
vam espaço paraalcançá-los nem faziam nada
para que eu, nomínimo pudesse ter passadas
mais longas.
Quando eu perguntavade que cor era océu
m e respondiam oóbvio: bonito, grande, azuletc.
N ã o entendiam que eu queria saber docéuc éu dde
e
dentro. E u queria a polpa, que a casca e ravisí
era

vel. Por
P or isso
as pessoas sófoiem
qucasos
e resolvi extremacontato
de manter com
necessida
de.
Ao contrário do
doss se
seres humanos,,os animais
res humanos
se mostraram amigos e coerentes.
Aprendi a falar com eles. Imitava todo e
qualquer pássaro daregi região.
ão. Tirav a de letra to
das as mensagens dos cães gatos, cavalos, for
migas, baratas etc.
Quando para rir eu imitava a as
s coleirinhas,
para negar alguma coisa, latia, ou p para
ara pedir,
miava, as pessoascomeçaram a me olhar torto torto..
F o i por isso q
que
ue me bo tai amum a correnti-
botai
nha com um crucifixono pescoço aconselhados
pelo padre da igrejinhalocal. Ensinaram-me o
pai-nosso-que-estais-no-céu com o seja-feita-a-vos-
sa-vontade.
F iz todas as vontades, dentro d do
o me
meu ulimi
te de compreensão.
Um dia a mandode minhamãe dei um pu
linho na horta para bus car couve parao jantar.
buscar

5
Acontece que
que lá ch
chega
egand
ndo
o encontrei uma fila
enorme de formigas que carregavam uma ba
rata morta.
Fiquei terrivelmente amargurada.
Doí a dor dos seus familiares e amigo
amigos.
s. Co-
mo estariam os filhos a mãe o esposo ou espo
sa?
Achei que seria o cúmulo não mostrar mi- mi -
nha dor e solidariedade. Aderi ao ato fúnebre.
Amarga e cabisbaixa
cabisbaixa aco
acomp
mpanh
anhei-a
ei-a até
até a
última morada.
N ã o sei quanto tempo
tempo perdi
cheguei em casa já escurecia e a fam íliaquandc
mas
ília estava
preocupadíssima com minha demora.
Diante do clima d de
e apreensão fui logo ex
plicando naturalmente:
N ã o aconteceu nada. É que eu fui acom
panhar o enterro da barata.
F o i um silêncio geral. Percebi pe
pelos
los olhares
olhares
que havia alguma coisa pior que o atraso. Ou nã nãoo
havia explicado direito?
Pensei então em me me fazer comp
compreender
reender
Pus-me a latir desesperadamente. Ao contrário
do q qu
ue eu previa minha mãe começou a chorar
F o i assi
assimm que nesse mesmo dia à n noit
oite
e
levaram-me à casa da dona Chica Espanhola. De-
pois de fazer várias gesticulações estranhas sen
tenciou:
T em que trazer
trazer a menina aqui nonove
ve dias
dias
seguidos. Está com acomp acompanham
anhamento.
ento. O espí-
rito de Zumbi está do lado direito dela. Vou fa-
zerr um trabalho especial. Afasto o coisa-mim e
ze
peço a guarda da Menina Izildinha.

36
Naquela noite, deitei-mecom o lado direito
espremido contra o colchão de palha. Cochila
v a e acordava
acordava sob ressaltada. E seo coisa-ruim,
sobressaltada.
n ã o podendo estar do meu lado direito, mo montas
ntas
se nas minhas costas?
Voltava a o sono intranqiiilo quando olhava
ao
para o oratório e via entre velas acesas,inúme
ros folhetos deorações e imagens demi mill santos,
al i foram postoscom a re
que ali respon
sponsabilidade
sabilidade de
me proteger
A partirdede então camuflei meus latidos.E n 
goli todosos miado
miados s par
paraanã o denun ciar ainsis
denunciar
tência da doença.
Nunca mais andei de sapo ,ma mass tinha cer
teza de que ainda estavamalm al acompanhada, por
que falar com o s animais eunã o fal
os falava
ava nã o po
dia mas vontade
vontade nã
nãoo me faltava.
F o i exatam ente nessa época que peguei
exatamente
bicho-de-pé. Fiquei imensamente fe feli
liz.
z. A única
coisa que
que atrapalhava é que ão podia contar
contar para
ninguém nem para minha mãe porque quan
do ela descobria que qualquerum um d enó s conse
de
guia um pegpegava
ava logo
logo uma agulha, queima
queimava va a

pon
pontinha
a té tinha na olabared
arrancar labaredaa da
querido lamparina
bich
bicho o do dedo ed cutu
cutucava
da cava
a gente.
M a s eu já nã
n ã o estavasó
s ó. CCom
om meu bicho-
de-pé mantive diálogos longos.
Para ele passava min
minhas ristezase alegrias.
has ttristezas
Ha via um fio interno quelevava
levava m eu pensamen
to até
a té sua
sua casinha, na curva d doo dedo d opé
do p é . Daí
vinha um umaa coceira gogostosa,
stosa, trazendo-m
trazendo-me e respos
tas, con
consolo s. Nossos pensamentosse cruzavam
solos.
rindo ou chorando. U m dia dian diantete de tanta feli-

37
ddade depois do namoro n ão resisti. Pegue
Pegueii uma
folhinha de calendário que mostrava a figur
figuraaddee
um ccão
ão enorme com língua de fora e pêlos ma
cios. A tra
través
vés dele enviei um recado aos outros
amigos:
Olha faz favor de dizer pra todo mundo
que eu estou muito mas muito feliz mesmo
mesmo.. Pe
guei um lindo bicho de pé. Fala que eu n ã o e es
s
tou de ma
mall de ninguém. E que o espírito de Zum-
bi fiz o sinal-da-cruz está me perseguindo
me
e pode até pegar neles
neles.. Juro
Juro que nunca nunca
me esqued de ninguém. Quando o espírito mau
for embora e a Santa Izildinha chegar eu aviso
aviso..
Porr enquanto tchau. Dorme com Deus.
Po

9
Vida sem atrati
atrativos
vos come
comecei
cei a planejar.
Mudar-m
Mudar-me
e sai
sairr de casa.
N ã o par a longe dos meus pais e irmãos. Mas
para
para uma árvore qua lquer ao lado de um joão-
qualquer
de-barro ou mesmmesmo o para o galinhe
galinheiro
iro e morar
com a nossa galinha garnisé. Pod Poder
er extravasar.
Desmedir.
Caí e emm mim porém. Nas conversas comi
go v i a impossibilidade de realizar tal sonho. C Co
o
mo explicar isso para minha mãe e obter a apro
vação da fam ília?
ília? O mínimo que ia acontecer era
novamente
novam ente aguen
aguentar tar a dona Chica tomar chás
e mais chás. Ve Verr outra vez minha m ã e chorando
pelos cantos e eu e u atada da cabeça ao
aoss pés doída
e sem solução.
Mandei à s favas meus planos. O negócio era era
mesmo
mes mo morr
morrerer ao lado d e todos os sere
de seress viven
tes. Alienei-me para inserir-me no contexto.
F i z amizades chegadas com a criançada da
colónia. Queria aprender a chorar por por causa de
boneca rir à toa andar grudada nas pernas dos
adultos
adulto mendigarr balas de hortelã.
s mendiga
Entrosei-me. Animais nem pensar. A té rria ia

4
quando uma criança mais imbecil metia chutes
na barriga de algum cachorro que dormia nos
lugares por onde ela devia passar.
Deixei dde ser e criar problemas. Tomei-me
e ser Tomei-me
maria-vai-com-as-o
maria -vai-com-as-outras
utras para
para qualqu er lugar,fa-
qualquer
zer
zer qu
qualqu
alquer
er coisa.U m d ia desco
dia descobri
bri um jeito de
me dar prazer enquanto obedecia
obedecia ao rit
ritual
ual de
de
aceitação.
Diante da casa da dona Er Ernestin
nestinaa havia uma
paineira enorme. Todos gostavam dela. E r a usa
da para os mais
mais variad
variados
os tipos de bri
brincad
ncadeir
eiras.
as.
Os menin
meninos,
os, à sombra fresca, faziam arapu
cas eA s construíam papagaios.
meninas montavam balanços e passavam
horas e horas indo e vindo no passeio pelos
pelos ares.
— Vamos ver quemv a i mais longe?
— Primeiro eu.
— Segundo — respondia alguém.
alançavam contando as idas, erguendo as
pernas, soltando as mãos das cordas, criando e
recriand
rec riando o para tomar mais emoc
emocionan
ionante
te a brin
cadeira.
E u esperava minha vez. Não tinha ta tannta
gressa, nem me magoava se ficasse por últi último
mo .
É que eu br brincav
incavaa de outra coisa. No b
balan
alançar,
çar,
eu ia para lugares que elas nem podiam imagi
nar quque exexis
isti
tiam
am e qqu
ue poderiam conconhecer
hecer
Quantas e quantas vezesfui para SãoPaulo,Rio
de Janeiro, Bahia Minas etc. Mas euia e volta-
v a logo, dentro do limite das balançadas propos
tas. Fazia tempo qu que
e eu anda va querendoir
andava i r pa- |
ra Santos, porque ouvi o enfermeiro da fazenda
contar para minha mãe q qu
ue havia ido e que tu-
do tinha sido maravilhoso. Descreveu prédios e
ruas. Falou do sem-fim do do mar, arrastando abar
riga azulada na beira da praia.
Contou qu e todos tomavam banho n
que a água
na
salgada e depois se deitavam na areia branqui
nha para se enxugar
enxugar cocomm o sol.
Porr tudo isso é que eu queria ir para San
Po
tos. Difícil, porém, esta viagem porque viajar
nas vinte balançadas não ia dar para quase na
da. Nã o queria ir, ver com os olhos e lamber com
a testa.
Queria descer pisar areias mol har o corpo
molhar

adoçar
algumaacoisa com o famoso
boca inesperada sal.ava
precis Pai ano
precisava isso e mais
mínimo,
das balançadas.
do dobro da
Pensei na hipótese de ir para a estação-
árvore sozinha mas o saci era terrível. E le v i 
Ele
nha nos redemoinhos roubava osfilhosdas mães
nos
e sumia com eles. Levava crianças para as mon
mon
tanhas onde elas eram alimentadas com b barro
arro
e, para a sede ó tinham as gotas de orvalho que
rolavam das folhas dos p é s d
dee sabugueiro. Dias
atrás, tinha dado sumiço em duas: na Cidinha
fiUia do João Pret
Preto
o Boiad
Boiadeiro
eiro da fazen
fazenda
da
Queb ra-Pote e na Creonice filha da dona Ma
Quebra-Pote Ma
ri
riaa Mulata qu
que
emmorav
oravaa n
noo s ítio Das Palmeiras.
Mas um dia quando eu menos esperava
veio a solução.
— Quem deixar eu balançar hoje as minhas
vinte e as vinte dele amanhã, depois e depois
balança todas as minhas. Fico três dias sem ba
lançar, e quem topar balança um mo ntão.
Várias crianças aceitaram o negócio. Nun-

43
ca haviam trocado nada co comm tanto lucr
lucro
o. Fechei
com
co m a Neide.
Sentei-me no balanço e iniciei a camincaminha
ha
da. Fechei os oUios para poder ve verr melhor o tra-
jeto.
Num instant
instante,
e, estava no cent
centro
ro da cidad
cidade.
e.
Vi o s prédios onde as pessoas riam riso de ric
os rico
o
nas janela
janelas
s escancaradas,, e flores encolhidas nos
escancaradas
jardins suspensos.
Senti fome e parei para dar uma belisbeliscada.
cada.
Comi pão de padeiro com mortadela, bebi ga
rapa de cana. Não quis igualzinha às que eu es
tava ac
acos tumada a beber: água morna com
ostumada com açú-
car. Descansei um pouco e rumei rumei para a praia.
á ia botar o pé na água, quando lembrei que não
se pode entrar no nos s rios co
comm a barriga che cheia.
ia.
Sentei-me então.
Respirei pr
pro
ofundament
amentee pa
parara cha mar o mar.
chamar
E l e olhou-me ressabiado.
Pensou, pensou, decidiu atender ao meu pe
dido. Andou de cobra, preguiçoso e pesa pesadodo.. Senti
certo medo.. Tanto mistério na sua enormidade,
certo medo
tanta
tant a magia nas s uas lendas Tanta perfeição e
suas
sapiência no seu devo evolver
lver à te rra o que dela le
terra le
v a Ma
Mas s ele se chego
chegou, u, humilde e fo fort
rted
edooce.
De afinidades fiquei plena e to tomei
mei libe
liberd
rda
a
des.
— Muito prazer. Estou te amando.
— O prazer é é...
...
Nisso um empurrão me jogou longe da
praia.
— Ladrona Você deu vinte, mais vinte, e
mais uma. Boneca de piche, cabelo de bom-bril

5
Pode ir embora — era a Neide cobrando mei:
desrespeito
desrespeito ao trato.
Todos começaram a me x xinga
ingarr imp
impied
iedosa
osa
mente,
men te, exigindo qu
que
e eu me retir asse. Pus-me a
retirasse.
chorar desesperadamen
desesperadamente.
te. Boneca de piche, c ca
a
belo de bom-bril eram ofen
ofensas
sas de rotina. Tu
Tudc
dc
bem.. Mas e o m
bem maar esperando de boca esca
escanc
nca
a
rada? E as palawas
palawas suspensas na g garganta
arganta d
dc
c
mestre?
De nada adiantaria eu argumentar Não me
deixariam mesmo voltar à praia, e, caso deixas
sem, e u nem saberia pedir desc
eu ulpas ao mar pek
desculpas
falta de educação das minhas amigas.
F u i par
para
a casa ch orosa, pensando q
chorosa, ue o saci
qu
até poderia não seserr tão ruim quanto diziam. Tal-
vez fosse alguém desentendido e, com algumaí
explicações poderia até me deixar ficar sozinha
na árvore e não me levar para lugar nenhum. ci
eu não faria a ele, nem ele a mim.
E u poderia assim, sesemm a maldade dele, via-
jar E u sempre acreditei, ou tudo fiz para acacre
re
acordos, quando se ga
ditar, na possibilidade de acordos,
nha um tempo para diálogos.
Nesses pensamentos, cheguei em casa e en

con trei minha mãe revirando uma caixa d


contrei de
e ca
misa, onde guardava docu
documen
mentos.
tos.
Para disfarçar meu desinteresse por co coisa=
isa=
que
quen não
ão me dizi
diziam
am nada, pergun
perguntei:
tei:
— A senhora está procuran
procurandodo o quê ^
— Seu regis
registro.
tro. Um
Uma a moça da escola ver;,
nomes das crianças com setr
aqui pra pegar os nomes
anos. Você vvai
ai completa
completar..
r.. On de você estava su
Onde
mida?

46 i
— Na pra... no balanço com todo mundo.
Quando eu vo vouu pra
pra e
esco
scola?
la?
— O nome a gente dá agora
agora,, mas só en
entra
tra
mesmo no ano que vem.
— Que
Quem m mais va i entrar?
— Toda criança que tem mais ou me menos
nos a
sua
su a idade. O Toninho, oFlávio a A n a . Muitas
crianças.
— E se no caminho, o Flávio me xingar de
negrinha?
— N ã o quero saber de encrenca, pelo amor
de Deus oc ocêê pega e faz de conta que nã o escu
de
tou nada.
Calei-me.
Quem
Que m era eu parparaa dizer-lhe qque
ue jjá
áeestava
stava
cansada de fazer de conta?
Minha mã mãee achou o dit ito-c
o-cujo
ujo registro,
ergueu-o, mostrando-me.
— Está aqui.
R i u um riso d e alívio e eu em res
de respost
posta
a fiz
de cont
conta:a: ri.
ri .

7
empos ese
seol
ol res
Minha m ãe ttrançava
rançava meu cabelo. E l a sen
tada num banquinho que meu pai havia feito co com
m
os restos de um pilão que quando no novo
vo tri
tritu
tura
ra
v a milho para as galinh as e eu de cócoras na
galinhas na
sua
su a frente ouvindo silenci
silenciosamente.
osamente.
Amanhã seu cabelo já estará pronto. H o-
je você dorme co com
m lenço na cabeça pra
pra não des
manchar. N Nãã o se esqueça d e colocar o lenço no
de no--
vo no bornal. Pelo amor de Deus n ã o va vaii esque
cer o nariz escorrendo. Lava o olho antes de sair.
S e a gente for de qualquer jeito a profes
sora faz o quê? — perguntei.
P õ e de castigo em cima de dois grãos de de
milho — respondeu-me ela.
Mas a Janete do seu Card oso vai
Cardoso v ai de ra
mela no olho e até muco no nariz e...
M as a Janete é bran
branca
ca respondeu mi-
nha mãe antes que
que eu complet
completasse
asse a frase.
Nisso ouvi meu pai dizer lá da cozinh
cozinha:
a:
En tra Nh ã Rosária. E ao mesmo tem
po mais a lto: — Bastiana a Nhá Rosária che
alto:
gou.

8
N M Rosária erera uma velha senhora negra
a uma
que morava noutra fazenda com uma família d de
e
fazendeiros. Nunca ninguém soube por que mo
com aquela fam ília
rava com ília nem qual sua idade cer
ta.
U n s diziam qu
que
e tinha
tinha 98 anos outros 112.
Quando a ela era perguntado respondia
meio
meio sem jeito:
— Só o m meu
eu filho que sabe.
— E onde estestáá seu filho? — insistiam alguns.
filho?
E ela
ela jjá
á meio embun-a
embun-ada da resmungava:
resmungava:
— U é sinhozinho Pedro João nã nãoo sa
sab
be?

— ÉO— dono da fazenda?
respondia ela. Daí então fechava a
cara e ninguém mais era louco de de mexer no as
as
sunto com medo de que ela fosse embora e não
nos contasse histórias da escravatura.
A verdade é que quando a Vó Rosária — as
si m a chamávamos — chegava já vinha acom
sim
panhada de toda a criançada lodos queriam
ouvi-la co
cont
ntar
ar tão linda
lindass e tristes histórias.
F oi assim que naquele dia quando a Vó R Ro
o
sária sentou
sentou-se
-se quase empurrada
empurrada pelapela garota
da minha m mãã e apressou m eu penteado para nos
meu nos
juntaraios aos outros para poder ouvi-la.
Chegamos quando ela ela dizia:
— e só co m umriscoque fez no papel l i -
com
bertou todo aquele povaréu d da
a escravidão. Uns
saíram dançando e cantan
cantando.
do. Outros aleijados
por algum sinhô qu que nã o foi
foi obedecido só can
tavam. Também beb bebida
ida teve a rodo
rodo pra
pra quem
gostasse e quisesse.
quisesse.
— Quem? — perguntei baixinho para o L i

49
lico, que pegara a história desde o começo.
que
— Uma tal d e Princesa Isabel. Cala a bo
de
ca
a Vó Rosária continuou. O ra enchia a fala
de ênfase, ora falavatão baixo e emocion
emocionada
ada que
precisávamos aguç ar os ouvidos pai-a entender.
Determinada hora, nãn ã o aguente
aguenteii e pergun
pergun
tei:
— Vó Rosári
Rosária,
a, ela era sant
santa?
a?
M as ela já dormia sentada, e a criançad a co
co
meçou a levantar-se para sair. N Noo entanto, não
fiquei sem resposta.
— S ó haveria de ser, filha — disse meu pai.
— Das mais puras e verdad eiras — confir
verdadeiras
mou minha mãe.
"S ó pod
podia
ia ser , pensei eu.
Como já havia acomodado aVó Rosária na
caminha improvisad
improvisada a no chão, minham ã e tomou
o rumo do quarto. F u i também para meu quar
to e acendi uma vela.
Rezei três pais-nossos e três av
ave-marias
e-marias.. Ofe
reci a Santa Princesa Isabel, ped
pedindo
indo-lhe
-lhe que no
dia
di a seguinte n ã o me deixasse perder a hora de
levantar, nem esquec er o nariz sujo
esquecer sujo.. Agradeci-
Ihe tamb ém por ter sid o tão boa para aquela gen
sido gen
te da escravi
escravidão.
dão. Deitei-me, formulando uns ver-
sinhos
sinho sn a cabeça. Quando soubesse le
na lerr e escre
escre
ve
verr — que ela ia me ajudar — escreveria no pa
pe
pell e recit
recitaria
aria na es
esco
cola.
la.
Quando nos meus olhos dançava a cha chama
ma
da vela e no meu coração o vers versinho
inho já sursurgia,
gia,
minha mãe chamou-me.
— Filha, acorda que está na hora.

5
N ã o era preciso chamar-me. E u nao havia
na
dormido.

Pulei da cama.
...Pai nosso que estais no céu...
Pegou o lenço?
...santificado seja o vo
...santificado vosso
sso nome
nome...
...
Seu cabelo não desmanchou?
...venha
...venha a nó
nóss o vo
vosso
sso reino
reino...
...
OUia o rosto
rosto.. Nã
Nãoo tem ramela?
...seja feita a vossa vontade...

depois N ã o briga
opai ccom
om opro
dele conta Flávio no caminho
Mariano. A cordaque
rre
e
benta do lalado
do mais frafraco
co e se
seuu pai não gostac r
ser chamado à atenção.
...assim na tterr
erraa comon
com noo céu. SantaMari?
m ã e de Deus...
A minham mãã e recomendava eeu ia de lá pa:'
cá. Saia azul blusinha branca. Alpargata no* :
nos p és. Pó-de-arr
Pó-de-arrozoz por todo o corpo.
Nariz limpo.
E u era neg
negra...
ra... a Janete branca...
...agora
...agora e na hora de nossa morte morte...
...
Nisso ouvi chegando na porta de casau::
barulho alegre. A s crianças
crianças d acolónia estava::
da
em festa. íamos para a esc escola.
ola.
Alguém me chamou.
Geniiiiii...
...amém.
A bênção
bênção mãe. Fica co com
m Deus.
Deus teabençoe. V ai com Deustam bé:::
Vai

52
N ã o perde o lenço. Não vai brigar com o lávio
que depois...
O resto dos nãos ficaram no ar, pois eu já
me havia juntado aos outros e me distanciava.

—V ou dar um beijo na pr
professor
ofessora
a na saída
— disse a Diva que já estava no segundo anoano..
— E u também vo u — disse a Arminda.
vou
— E u sempre beijo todas elas —cantou de
galo a Iraci que já era mais tarimbada porque
tinha p
passado
assado pa ra o quarto ano
para ano..
— Todo mundo tem que beijar? — pergun-
tei.
— Claro que tem — responde
respondeuu a Diva.
—T em nada —contradisse a Iraci. —Quem
Tem
querr be
que beijar,
ijar, beija. Que
Quemm nã
não
o qu
que
er, nã
nãoo beija.
— E u n ã o beijo porcari
porcaria
a de p
profe
rofessora
ssora ne
ne--
nhuma — gritou o Dirceu, um negrinho terrível
que
qu e com m muito
uito custo havia si
sido
do prom
promovido
ovido pa-
r a a terceira série.
E u n ão m
mee abalei com
com a resposta do Dirceu,
porque entrava numa dúvida terrível.
O q ue faria eu? Beijava ou não beijava? D e
qu

v i a oSerá
u n ã oque
devia?
teria coragem?
se não
n ão beijasse
beijasse,, o qu
que
e acon
acontec
tecer
eria?
ia?
Fiquei desesperada o tempo todo na classe.
Buscava razãopara beijar ou desculpa para não
fazê-lo.
B e m —disse a professora. —Agora v a 

mos parar de fazer pauzinhos. Acho que todos

53
vocês conhecem cobra, nã
senhar cobrinhas. nãoo é Então. Vamos de
contar para ela q
Senti vontade de contar quue minh?.
m ã e sabia benzer picad
picadas
as de cobra
cobras.
s. Qu
Que
euur.:
r.:
dia...
Deus me livre Nunca teria coragem de
interrompê-la. Além do mais, ela também d de
e
v ia saber. E r a professora.
Dona Odete começou a cobrir a lousa de cc-
bras sem cabeças e pauzinhos tortos.
Será que cobra-cega n ã o tem
tem cabeça? Ach:
que aquelas eram cobracobras-cegas...
s-cegas...
"Deve ser isto", pensava eu.
os paus, por que eram tortos? Será que 6.2
n ã o sabia desenhar um pauzinho direito? Seii
que
qu e nã
nãoo sab ia fazer cabeças nas cobras?
sabia
"Meu Deus, beijo ou não beij beijo?"
o?"
— Por que você não fez?
D e i um pulo na carteira. Meu coração o: -
meçou a bater na garganta.
— Explique, vamos — gritava ela. Olhr
aqui o dele. — Pegou o caderno de um menii:;
que estava sentado na carteira ao lado e colocc _
na minha cara, diante dos meus olhos. — Tuc;
certinho. Só você não fez, por quê?
— A cobrinha... — eu queria explicar.
A s lágrimas começaram a sair e o soluço : z
prendia a voz.
Nisso, um sino estridente badalou forte. A
criançada se pôs em alvoroço. Er
E r a o sinal da saí
da. E u não co
conseg
nseguia
uia parar de cho
chora
rar.
r.
M e u nariz escorria, escorria. Limpei a
jeira com a manga
manga da blus
blusa.
a. Me
Meuu lenço, me.

5
Deus,
do olho onde
temeusaloehavia co
colocad
do nariz o? Por que água
locado?
não?
Acho que a mãe da gente coloca sal no nos
so olho quando dormimos", pensei.
Não. N ã o podia ser. O olho da gente ia ar ar
der, com certeza.
arrumei minha malinha de cadernos, sem
pressa.
Senti um cutucão nas nas costas. E r a a Diva me
avisando:
E u já beijei. A Iraci e a Laurinha também
já beijaram
b eijaram as delas. Anda logo.
Novo disparo no peito e o coração d de
e volta
para a garganta. O beijo N ã o havia tempo para
dúvidas. Só faltava eu.
Levantei-me depressa, ergui os os pé s e encos
tei os lábio s no rosto da mestra. D Deiei dois passos
em direção à porta, esbarrei na mesa, enrosquei
o cadarço da a alpargata
lpargata no pé d a cadeira. Abai-
da
x e i para me livrar do enrosco
enrosco e olhei para trás.
Dona Odete, com as costas d a mão, limpa
da
v a a lambuzeira que eeu, u, inadvertidamente, ha
v ia deixado em se seuu ro
rosto
sto..
Pude ver então sua mão, bem bem na palma. E r a
branca,
branc a, branca.
Parecia a asa da pomba que sempre pousa
v a no telhado da casa da dona Neide do
do seu Jo ão
Preto.
Se rá que
que asa de pomba era mão, ou será qu
que
e
m ão d
de e gente é que
que era asa?
F i z o caminho d de
e volta para casa sozinha.
A s Crianças and
andavam
avam muito depr
depressa
essa e eu
havia me atrasado sem
me sem perceber.

55
E m dado momento vi minha mãe que me
esperava num ponto da estrada.
— To
Todo
do mundo jájá chegou
chegou filha. Não fica
mais pra
pra trás. Larguei o pão no forno
forno...
...
— Mãe tem cobra sem cabeça?
— Lá vem você com besteira de novo. Claro
que não. Po
Por quê?
— É que...
Comecei a chorar de novo. Soluçava. Doía-
me a cabeça. Doía-me o est ômago.. E la pegou-
estômago
me no colo e com a ponta d o avental limpou meu
do
rosto melado de lágri m as Deitei-me no seu om
lágrim

Estouexplicar
bro e—tentei chorandominha dorestou
porque sem ccom
nome:
om fome.

7
Í etamorfose
A n o seguinte já no primeiro dia de aula le-
vava nna
a bolsa um poe ma de quatro versos que
poema
dizia assim:
F o i boa para us escravos
parecia um mel
Acho que é irmã de Deus
Viva a Princesa Isabel.
D e imediato n ã o tive
tive coragem de m ostr
coragem ostráá
lo para a professora.
Cada vez que tentava ficava gelada e o co-
co-
ração já ia correndo bater na garganta.
M a s no segundo dia d
de
e aula uma hora em
que ela disse q que
ue a minha letr
letra
a era bonita ar
ranquei da bolsa o poe poema
ma e lhe entreguei.
E l a foi at é a mesa e sentou-se cocomm me
meuu pa
ho na mão. Le u e releu. Pegou a caneta
pelzinho
pelzin
riscou qualquer coisa por sobre meus versos e
mandou
man dou o Pe Pedro
dro cha
chamar
mar o dire
diretor.
tor.
Imediatamente
Imediata mente me d deu
eu vvontad
ontade e de urina
urinarr
e vomitar. Será qu que havia fei
feito
to a
alguma
lguma coisa er
rada? E se houvesse feito iria para os grãos de
milho nos joelhos?
Chegou o diretor segu seguido
ido do Pedro.

8
Dona Cacilda d deu- lhe o papel. O diretor leu.
eu-lhe
Ficaram algum tempo co conve
nversan
rsando
do baixi
baixinho
nho e
apontando alguma coisa qu que
e eu hhavi
aviaaeescrito.
scrito.
Depois ele saiu e a professora devolve
devolveu-u-me
me
o poema e continu
continuou
ou a aul
aula
a calmamente
calmamente,, sem
um gesto qu quee me explicasse o bom ou o ruim dos
versos. Mas a qualquer
qualquer barulhinh
barulhinhoo ficava eu to
da tremu
tremula, la, ávida por um sinal, uma explicação
por mais banal que fosse.
A s s i m fiquei até o final da aula, mas quan
do a minha fila saía e passava pela porta da di-
retoria, o diretor saiu, procurou -me com os olhos
procurou-me
e disse:
— Parabéns.
— NãoNão fo
foii nada. Obrigada.
F u i para casa feliz. Sabiás e
empole
mpoleirados
irados na
cabeça da alma.

Devia ser dia dez ou onze do mês de maio.


Dona Cacilda, logo após o recreio, disse-nos:
— N No
o dia treze agora, vamos fazer uma fes
tinha para a Princesa Isabel, que libertou os es

cravos. Quem
Várias quer recitar?
crianças gritaram:
— Eu Eu Eu
Pluft, pluft... meu coração lá foi de novo pul
sar na garganta. E r a a hora e a vez de expor meu
poema. Não podia perder a chance.
chance. Mas co como
mo
conseguir corag
coragem?
em? E se errasse?
— A s s i m não dá —gritou a professora. —
Levantem a mão.

6
Levantei a m
minha,
inha, que timidamente luzia ne-
que
gritude em meio a cinco ou seis m ãozinhas al
al--
vas assanhadas.

N ã oVocê... Você... Você...
fui escolhida. Tantos nã
n ã o era possível
era
explicou-nos ela. Mas eu não podia perder a
oportunidade. Corri atrás dela, sôfrega.
— Dona Cacilda, eu tenho aquela que fiz ou-
tro dia que eu mostrei pra senhora e a senhora
tro
chamou
chamo u od iretor e ele falou parabéns e eu dei
diretor
xo ela maior...
Falei tudo sem respirar. Sem piscarpiscar.. Med
Medo o
de nã
n ã o convencer, de apertar os olho
olhos s e as lágri-
mas escaparem do contro le da emoção.
controle
Saturei.
— Está bem. Am anhã voc vocêê traz a poesia e
a gente ensaia.
Acariciou meu rosto e riu chochamente.
Sua mão parecia pena de galinha e seus lá- lá -
bios, noriso, inham muito a ver com as casqui casqui
nhas de tomate caipira que minha m mãã e colocava
no tempero do arroz.
F u i para casa meio angustiada. J á quase me
an ependia de insistir. O aumentar e decorar o
poema nã o era nada. Difícil er a nã o trem
era tremer,
er, nã
nãoo
chorar, não esquecer na hora.
Pensei em não ir às aulas por uns dias, in
ventar uma dor de barriga... Mas nã n ã o podia fa
lhar ccom
om a Princesa Isabel. E l a merecia. Se não
fosse ela...
Que pecado seria maior: mentir que estava
doente ou ãohomenagear a Santa Princesa Isa-
bel?

61
optei por ir e não ficar em pecado. Antes
tremer,
trem er, chorar, do qu que
e ser ca
castigada
stigada por Deus.
Por Deus ou por Santa Isabel? Pelo Peloss dois, claro.
E l a teria qu
que pedir o conse
e pedir consentim
ntimento
ento dele pa
ra me punir, já que ele é o Pai, o Chefe, dono d dee
todas as as decisões.
Haveria na certa uma reuniãono céuentre
santos e santas, anjo s e anjas... Não. Anjos e an
anjos an--
jas não. rianças nãoopinam, nãodecidem na
da. Nem vot am. A h Mas se eles pude
votam. pudessem
ssem...
...
Se pudessem, seria fácil. E u mesma conhe
c ia vários anjinhos...
A Tilica 1, qu que
e morreu de lombriga agua
da, a Luzia 2, ququee mor reu de bucho-virado, o Jor
morreu
ge 3, que morreu de cair n no
o poço...
É . E tinha mais ainda e, por sorte, todos dda
a
minha cor. Seriam votos a meu favor, certamente.
Fora a A na , que era branca, o JoãoCláudio...
Acho quque
e até e
eles.
les...
..
Mas nãoadianta ficar pensando. riança só
ouve, quando pode.
O fato é que no céutodo mundo ficaria sa sa
bendo. Uma vergonha imensa invadiu-me toda,
como no dia em que fu fuii pega tentando descobrir
a passagem do ovovo
o do g galo
alo par
paraa a barriga da ga
linha. Credo-em-cruz

Nãologo
assumir haviade
mesmo outro
uma vez, O negócio
jeito.fazer
tentar tudo bera
o
nito e direito.
Comi depressa n o almoço. Engoli quase in
no in-
teiros os al
alimento
imentos.
s. Engasguei co comm as espinhas
de mandiúva. Pus-me a escrever afoitam afoitament
ente.
e.
Aumentei. Criei quatro novos versos.

63
Os homes e ra teimosos
era
os donos deles era bravo
Por isso a linda Isabel
Soltou tudo U escravo.
Reli os versos antigos e achei que deveriam
ficar por últi mo , para encerrar
último encerrar a decl m ção com
o V i v a a Princesa Isabel .
A o meu poema dei um título: Santa Isa-
bel . A s s i m ficou:
Santa Isabel
Os homes e ra teimosos
era
os donos deles era bravo
Por isso a linda Isabel
Soltou tudo U escravo.
F o i boa que nem um doce
parecia um mel
Acho que é irmã de Deus
V iva a Princesa Isabel.
E m meia hora havia decorado tudo tudo..
D a í comecei a declamar pausadamente. Às
vezes começ v do fim e voltava para o começo.
Tudo certinlio. Nem uin pulo nas frases, ne nem
m um
gaguejar, nada.
No dia seguinte, coloquei meus escritos so so
bre a mesa
mesa para a preci ção da professora. E l a
os pegou, leu, fez as correções ortográficas, cco o
mo, por exemplo, colocar s no final da palavra
homes, concord
concordar ar adjetivos
adjetivos etc. Devolveu-m
Devolveu-me. e.
— Decore que m nh vocêê recitará, certo?
nhãã voc
N ã o contei que tudo estava na ponta da lín-
gua.
A festa seria depois do recreio, no ddia ia seguin
te. M as, assim que entramos na classe, ela se pôs
as, assim

6
a falar sobre a data:
— Hoje comemo ramos a libertação dos es-
comemoramos
g-avos. Escravos eram negros que vinham da
África.
Áfric a. A qui eram forçados a trabalhar, e pe
pelos
los
serviços prestados nada recebiam. Eram amar
rados nos troncos e espancados às vezes até a
morte. Quando...
foi ela discursando por uns quinze minu
tos.
Vi q ue sua narrativa nãobatia ccom
qu om a que nos
fizera a óRosária. Aqueles eram bons, simples,
humanos, religiosos. Eram bobos, covardes, iim m
becis, estes me apresentados então. Não reagiam

aos castigos, nã não se defen


defendiam,
diam, ao menomenos. s.
Quan
Qu ando
do dei por mim, a classe inteir inteira a me
olhava co com
m pen
pena
a ou sarc
sarcasm
asmo. o. E u era a única
pessoa da classe representando um uma a raça digna
de compaixão, desprezo
Quis sumir, evaporar, n nãã o pude. Apenas pu
de levantar a m ã o suada e tr trému
ému la, pedir para
ir ao banheiro.
banheiro. Sentada no vaso es tiquei o dedo
estiquei
indicador e no ar escrevi: "Lazarento". E Err a pou
co. Acr
Acrescen tei morfético . Acentuei
escentei vol
tei para a classe.
No recreio a Sueli veio presentear-me com
uma
um a maçã e a Raquel, fiUia do administrador da
fazenda,
fazen da, ofe
oferec
receu
eu-se
-se par
paraa trocar meu lanche d dee
abobrinha abafada pelo dela, de presunto e mo-
zarela.
N ão o s comi, é claro. A compensação des
os
valia. Nã
Não o era co
como
mo o leleite,
ite, que
que,, derra
derramad
mado, o,
passa-se um pano sobre e pronto.
E r a sangue. Quem poderia devo devolvê-lo..
lvê-lo.... V i 
da?

65
Que se enxuga
Que enxugasse
sse o fi
fino
no rio a correr ma
man
n
samente. Mas co mo estancá-lo lá dentro onde
como
a ferida aberta era um silên iotodo meu dor sem
parceria?

N a hora da
da fe
festa
sta estava um trapo.
No entanto n ã o me preocupavam
preocupavam mais os
erros ou acertos suce ssos ou insucessos. E r a a
sucessos
vergonha que me abatia. Pensava que era a gran
de da classe só porque era a única a fazer vever
r
sos... Quantas vezes deviam terridode mim de
Quantas
pois das
das minhas tontice
tonticess em inventar cantigas
de roda... Vinha mes
mesmomo e ra de uma raça medro
era
sa sesemm histórias de heroísmo. Morriam feito
cães... Justo era mesmo homenagear Caxias T i -
radentes e todos os os Do
Domm Pedro da História. Ló
gico. Eles lutavam de defend
fendiam
iam-se
-se e a
ao
o se
seuu país.
O s idiotas d dos
os negros nada.
Por
Po r isso que meu papaii tinha medo do seseuu Go
Go
dói o administrador e minha m ã e nos ensinava
a n ã o brigar co
com
m o Flávi
Flávio.
o. Negro era tudo mole
mesm
me smo.o. At é meu pai minha m ãe...
Até
Po r isso é que
que eu tinha medo de de tudo. O f i
lho puxa o pai qu quee pu xa o avô que puxou o pai
puxa
dele
de le ququee puxou... E eu consequentemente ali
idiota fazendo parte da da linha.
C a í em mim comcom a professora falando:
— Esqueceu? N ã o fa faz mal. Na outra festa
você recita.
recita. Logo che
chega
ga o dia d de
e Anchieta do
soldado... Vamos sentar. N ã o tem importância.
Levou-me com cuidacuidadodo e me fez sentar nu
nu 
m a cadeira ao lado do doss outros professo
professores
res na

67
frente. E u sentia muito sono e sede. Estranhei

o fatoado
para meu coração estar quieto,
garganta. quieto, sem saltar
Apalpei o pescoço de todas as maneiramaneiras.
s. Já
ia constatar se estava n no
oppeito
eito,, mas desisti.
Será que ele morreu? Para o inferno Se qui
ser morrer, qu que
e morra", pensei, olholhando a sujei
ando
ra do nariz, que saiu preguiçosa e caiu sobre as
do
pregas estreitas da sainha azul novinha, novinha.
Naquele dia ninguém correu na volta para
casa.
Iam todos a minha volta, preocupados por
que
qu e eu nãnãoo consegu
conseguiaia andar depress
depressa.
a. S
Sentia-
entia-
me sem peso e quando mudava o passo achava
que o chão à frente estava em desnível longe,
mole.
Quando cheguei em casa, minha mãe falou:
— Seu alm almoço
oço es
está
tá em cima do fogão. De
pois você leva o prato llá á no tanque que eueu já es
tou indo lavar os trens.
Desvencilhei-me do material escolar e pe
guei o prato de comida.
Já ia
i a saind
saindoo para jogar tudo para as galinhas
do terreiro quando p pensei
ensei que, se eu levasse o
prato logo, minha mãe ia desconfiar, porque não
se almoça e m tão pouco tempo. Resolvi aguar
em
dar. Destampei a vasilha e comecei a remexer
a comid
comida.
a. Separ ei os grãos d
Separei e feijão preto com
de
o cabo da colher e atirei-os no meio das labare
das que mantinham aceso o fogão. Depois ati
reii a comida
re comida no quintal e fu i levar o prato, com
quintal como
o
minha m mãe
ãe havi
haviaa rec
recom
omend
endadado.
o.
Até então as mulheres da zona rural não co
nheciam "as m il e uma utilidades do bom-bril"

8
e, para fazer brilharem os alumínios, elas tritu
ravam tijolos e com o resultante faziam a limpe
za do s utensílios.
dos
A ideia m mee surgiu quando minha mã mãee pe
pe
gou o preparado e com ele se pôs a tirar
tir ar da p
pa
a
nela o c rvão grudado no fun fundo.
do.
Assi m que terminou a arrumação, ela vol-
tou para casa, e eu juntei o pó restante e com ele
esfreguei
esfreg uei a barr
barriga
iga da pern
perna.
a. Es
Esfreg
freguei,
uei, esf
esfre
re
guei e vvii que diante de tanta dor era impossível
qu
tirar todo o negro da pele.
Daí, então, passei o dedo sobre o san
sangue
gue ver
melho, grosso, quente e com ele comecei a es

crever pornografias
pornografias no m uro do tanque d'água.
muro
Quando cheg
cheguei
uei em casa, min ha mãe, ao me
minha
verr toda es
ve esfolada, deixou os afazeres, foi para o
folada,
fundo do quintal, apanhou um um punhado d de
e ru-
ru-
bim e, com a erva, preparou um unguento para
bim
minhas feridas.
Enquanto umedecia um paninho no prepa
rado e colocava na minha perna, dizia:
— Deus me livre E u canso de falar: não so
be nos muros, não brinca de correr, e q que
ue nad
nadaa
um ouvido e sa
Entra por um saii pelo outro. Parece mo
leque.
leq ue. Menti ra Nem moleque faz isto. Vê se o
Mentira
Zezinho...
E u ouvia sua vo
vozz distante, bravadoce. Bál-
samo.
Dentro
Den tro de uma seman
semana, a, na perna só uns ris-
cos denunciavam a violênci contra mim, de mim
para mim m mesma icaram as chagas da al
esma.. Só fficaram
ma esperando o remédio do do tempo e a justiç
dos homens.

69
ílieeree
paii chegou do trabalho na lavoura ti
Meu pa
rou
ro u do ombro o bornal com a garrafa de caféva -
z ia e sentou-se num degrau da escada da porta
da cozinha.
Pediu-me que fos
fosse
se busca
buscarr o rolo d de
e fumo
de corda que ia enquanto esperava o jantar pre
parar os cigarros para a noite e o dia seguinte.
Trouxe-lhe e ao desembrulhar o fumo fumo ele
deu com a cara do Pelésorrindo no jornal do em
brulho. Enquanto desam
desamass ava o papel para ver
assava
melhor disse-me:
— Este sim teve sorte. ê aíprapra mim filha.
Fala devagar senãoeu nãodecifro direito.
Peguei o jornal e comecei a lelerr o comentá-
rio que contava suas façanhasesportivas e da da
v a algumas informaçõessobre a vida fantástica
do jogador. Muitas palavras eu nãosabia o sig
nificado mas adivinhava quando olhava no ros
to do meu pa ele soltava ameaçosde risos sem
paii e ele
tirar o olho da mão trémulaqu que picava o fumo.
Quando terminei a leitura ele disse:
— Benza Deus. Vocêvi viuu só minha filha? E r a
assim como nós. O pai dele é que deve nãoca-

70
bere em
qu s i de orgulho.
a gente té se esquece
aaté umdurezas
Vendodas fil
filho
ho assim acho
ddaa vida.
D eu um suspiro
suspiro comprido e acrescentou:
acrescentou:
Se a gente p pelo
elo me
menos
nos pudesse
pudesse estudar
os filhos...
Senti uma pena tã o grande do meu velho
que nem pensei para perguntar:
Pai, o que mulher pode estudar?
Pode
Po de ser
ser costureira professora... Deu
um risinhoforçado e quis encerrar o ass assunto
unto..
Deixemos de sonho.
Vouu ser professora
Vo falei num sop sopro.
ro.
M e u pai olhou
olhou-me
-me como
como se tivesse
tivesse ouvido
blasfémias.
A h Se desse certo... Ne
Nemm qu
que
e fosse
fosse pra
eu morrer no cabo da enxada. Olhou-me co com
m
ar de consolo. B em q
quue inteligência não te fal-
ta.
É pai. E u vou ser professora.
Queria que ele se esquecesse das durezas
da vida.

Quando já cursando o ginásio eu chegava


com o material debaixo do hmço via-o esperando
início da estrada na chegada da co-
por mim no início
lónia.
N u m desses dias quand
quandoo atravessávamos
a fazendinha e falávamos sobre m eu estudo el
meu ele
e
disse:
lèm que ser assim fil ha. Se n ós mesmo
filha. mesmoss
n ã o nos ajudarmos
ajudarmos os outros
outros é qque
ue não vão.

7
i a passan
Nisso ia do por nóso administrador
passando
que ao parar para dar meia dúziade prosa cum
primentou meu pai e lhe falou:
— Não tenho nada cco om isso mas vocêsdede
cor sãofeitos de ferro. O lugar de vocês édar duro
na lavoura. lémde tudo estudar filho é bes
casam e a gente mesm
teira. Depois eles se casam mesmo...
o...
sem resposta mas
A primeira besteira ficou sem
a segunda mereceu uma afirmação categórica
e maravilhosa que quase me fez desfalecer em
ternura e amor.
— É meu
— disse u não—
que epai. estou estudando
É pra ela m ela pra mim
mesm
esmo.
o.
O homem deu de ombros e saiu tãolenta
mente que quase ouviu ainda meu pai me segre
dando:
— E l e pode atéser
ser branco. Ma
Mass mais orgu
que eu nãopode ser nunca. Uma filha
lhoso do que
professora ele nãov a i ter.
Sorriu tomou minha mãoe continuamos
continuamos a
caminhada.
— Pai de que cor seráque é Deus...
— Ué... Branco —afirmou.
— Mas
em carne e osso. Será
acho que
qu ninguém
e que v iupreto...
não é ele mesmo
— Filha d do
o céu pensa no qu e fala. Estáes
que
crito na Sagrada Escritura. A gente nãopode fi-
carr blasfem
ca blasfemanandodo assi
assim.
m.
— Mas a Sagrada Escritura...
E l e olhou-me reprovando o diálogo e por
que nãopodia ir mais lon longe
ge acrescentei apenas:
— É que se ele fosse pre to quando ele mor
preto
resse o senhor podia ficar no lugar dele. O se se--

7
nhor é tão bom
E m toda a minha vida, nunca vira meu pai
r i r tanto.
R i u um riso aberto, amplo,, barulhento. A s -
aberto, amplo
sim,rindo,foi té chegar em em casa e, quando m i-
nha
nh a mãe
mã e olhou-o de soslaio, disse para meu
meus s ir
ir--
mãos:
— Com certeza v iu passarinho verde.
Como
Com o ele não parava derir odos aderiram
e a sala ficou agitada e alegre.
F o i quando me escapou a em oção dei um
passo com prido e beijei a barriga da minha m ãe.
comprido
Diante do gesto incomum todos ficaram me
olhand
olhando,
o, meio jei
jeito
to de esp
espant
anto.
o.
Fiquei envergonhada e fingi que tirava, com
a unha, uma casqu inha de coisa nenhuma escon
casquinha
dida entre os dentes do fundo
os fundo..

7
íAult^er
Mãe nasceu um carocinho aqui. Será que
é cabeça-de-prego? Tod
Todo
o dia dá umas pontadi-
nhas...
E laa mesa
sobre imediatamen
imediatamente
lavou astemão
as deixou a massa
s e veio. do pão
Levantou mi
nha blusa e apalpou
apalpou o caroço.
Não é cabeça-de-pr
cabeça-de-prego.
ego.
Pensei que fosse. O que será q que
ue é en
tão?
Nada de mau. É assim mesmo.
Encerrou o assunto e eu procurei no rosto
dela o q
que
ue seria
seria o tal caroço. Nenhuma mudan
ça nas
nas feições nenhum sinal de preocupação. Se
fosse alguma coisa grave certamente ela ia cho
rar mandar
mandar chamar meu pai no trab trabalho
alho fazer
qualquer coisa.
Como tudo continuou
continuou normalmente
ei-mee amparada pela certeza da sabedo
acalmei-m
acalm
ria dela.
Mas os dias foram passando e a dita-cuja bo
linha em vez
vez de sumir crescia e doía cada vez
mais. Voltei às antigas preocupações.
Apelei então para a bondade e vivência da

76
minha irmã Maria, q ue estava passando uns dias
qu
em casa com os filhos.
— Maria, o que será que é então
— O quê
— Este carocinho aqui no m me eu peito.A mãe
falou que não é nada, mas não pára de doer e
cada dia está mais inflamado.
A Maria olhou-me sem muito interesse e
respondeu com paciência:
— A mãe faloua verdade. Não é nada mes
mo. — R i u encabulada. — E que está nascendo
mamica emvocê. Logo, logo está do tamanho
do meu. Olha aqui.
Apontou os seios enormes e e euu, envergonha
da, ciTizei o
oss braços sobre o peito, para escon
der os meus, que d despo
espontavam
ntavam incaut
incautelosamen-
elosamen-
te.
Certa, então de que n não
ão era portado
portadorara de
nenhuma doença grave, esqueci-me completa
mente dos caroços. Dias de dep
pois, em plena aula
de Matemática comeceia sentir um umas as dores ees
s
quisitas na barriga. Foram aumentando, e quan quand do
vi q ue não aguentava mais falei c
qu om a diretora
co diretora
e pedi
pedi par
paraa ir para casa. Minha mãe saberiafa- fa -
zerr al
ze algum
gum cchá
há ppara
ara acabar co
comm aqu
aquela
ela don
Saí pela estrada, zonza e angustiada. Quan
do a dor aumentava eu parava e esperava até que
diminuísse depois retomava a caminhada e ia
até que de novo desse a maldita cólica.
Já pertinho de casa, senti alguma coisa es-
coiTendo entre as minhas coxas. 'Acho que es
tou
tou co
comm a ur
urina
ina solta , pensei.
Parei e entrei no canavial para ver. Ergui a

8
saia e deparei com minha calcinha, minhas per
nass ensanguentadas.
na
Fiquei apavorada. Que seria aquilo, meu
Deus? Por que saía tanto sasangu
ngue ed e dentro d
de de
e
mim, sem mais nem menos?
ão tive dúvidas. Dessa vez era doençagi"a-
víssima, sem possibilidade nenhuma de cura.
Queria voar para chegar o mais
Saí correndo. Queria
rápido possível.
estava encostada e, num
A porta da cozinha estava
só empurrão, escancarei-a.
E l a mexia algu
alguma
ma coisa na panela. Olhou-
Olhou-
me assustada, esperando explicaçãopela postur posturaa
incomum.
— Mãe,Mã e, olha... que arrebentou tud
olha... Acho que tudoo
quanto é veia. Me ajuda ajuda
E l a abandonou o que fazia, sentou-se na tai
pa do fogão e meio sem jeito começoua expli-
car:
— Você virou mulher, besta. Pra todo mun
do é assim. E u , a AiTninda, a Iraci, a Maria, a
Cecília, atéa Cema passampassamos
os po
porr isso. É assim
mesmo q ue acontece.
qu
Parouna
se. Pegou falar e esperou
deminha que eu
mãoe tomou omme
e acalmas
acalmas
caminho do
tanque, onde lavava toda a roupa da família.
Arrancou-me todas as peçapeças e enfiou-me
nfiou-me
embaixo da torneira. Esfregou as mãos sobre
meu coi-po e brincou acanhada:
— Menina exagerada,CTedo Agora acabou
a brincadeira. Você nãopode mais ficar brincan
do com os moleques e sentar com a perna que
m leque. ãoé mais criança. Te
nem
ne Temm que tomar

79
modos de de gente. Quan do a gente vira...
Quando
E l a foi falando falando falando. E u fiquei
olhando meu sangue de menina escorrer lenta
mente misturar-se à águ da torneira e sumir
no ralo do tanque.
la-se minha criança deixando-me abobalha
da e son
sonsasa sem tempo de mais um brincar de
roda mais uma viagem no balanço. Fiquei al alii de
boca
boca abe
aberta.
rta. Mulher co
commo me contar
contaram.
am. Ape
nas.

Mulher terminando o ginásio.


Mulher cursando o normal a caminho do
professorad
professorado
o cumpri
cumprindo
ndo o prom
prometido.
etido.
fazendo sob imposições buscan
Mulher se fazendo
do forç s para ser forte.
Mulher rindopara escond
esconderer o med
medood da
a so
ciedade da vida dodos
s desliz
deslizes
es do
doss passos
passos..
Mulher cuidando da fala misturando pa
lavras pronúnci s suburbanas aoaossmmil
il modos de
sinónimos rolantes no tagarelar social requinta
do.

Mulher jogando cintura diante das co ções


e preconceitos.
Mulher contudo e apesar a um passo do te
souro: o cartucho de papel.

81
í om pto crist lino

Para dezembro foi marcada a data para rea


lização do evento.
Minha colação de grau.
E m casa conversamos e decidimos que toto
dos da fam ília
ília estariam presentes.
Discutimos o ter qu e calçar e vestir tod
que todo
o
mundo a adequadamen
dequadamente te como exigia a ocasião.
Fizemos o balanço e vend vendooae escassez
scassez do
dinheiro
dinhei ro conc
concordam os no seguinte: só compra
ordamos
ríamos tudo nov
novoo par
paraa mim. Os outros só com-
pi-ariam aquilo qu e nã o tivessem mesmo de jeito
que
nenhum. Portanto com compram
pramos
os roupa para um
sapato para outro e assim por por diante
diante..
A Cecília tinha dois vestidos de sair e a Ce
Ce--
m a dois pares de sapatos porque tinha ganho
um da sua m adrinha de crisma. Então minha
madrinha
m ãe um Ce cíli
cíliaa um
paresusaria do
dos
de sapatos sda
vestidos
Cema. da e dos
Para meu pai compramo
compramoss um temo lindo
azul. Compramos ainda uma gravata listrada e
um par
par de meias brancas. Emprestamos para ele
o sapato do cunhado Zé e cerzimos uma camisa
branca que só tinha uns rasgadinhos
rasgadinhos na g
gola.
ola.
No dia todos estavam nervoso
nervosos
s mas ar
arm-
m-

8
maram-se muito cedo para a cerimónia.
Meu
Me u pai cortou o cabelo do Zezinho do Dir-
ceu e dos outros homens da família. Depois o
oãozinho cortou o do meu pai.
Tanta gente e tanto esmero na arrumação
fizeram c om que chegássemos ao local do even
co
to em cima da hora.
Indiquei-lhes o lugar onde deveriam ficar e
fui
fu i ocupar o meu entre os formandos. De onde
estava via-os todos incomodados nos trajes de
missa.
Vez em quando
quando encorajava-os com um r i-
so. Meu pai ao lado da minha mãe estava ple
no altivo sereno. C Coom os olhos acompa
acompanhav
nhava a
todos os meus movimentos engolindo salivas de
prazer.
Minha mãe me bebia através dos ares do
meu pai que embevecido ajeitava a gola da ca
misa propositalmente me segredando que es
tava feliz.
F u i chamada para receber o certificado. Eles
meus pais não se puderam conter só com as pal
mas. Levantaram e me aplaudií^am em ppéé . Mãos
abeitas barulhentas livres.
Meus irniãos contag
contagiados
iados perderam a titi
midez e também se puseram em pé me aplau
dindo e apontando como se só eueu existisse ali
como
com os
se
enno
o momento e u estivesse m
eu mee apossan
do da chave do céu.
O diretor esperou pacientemente
pacientemente até
at é qu
que
e
eles percebessem o ultrapassar do limite e fos
sem um a um retomando seus lugares nos ban
cos.
Terminada a entrega ddos
os certificados fui

83
convidada para discursar, por ter sido escolhida
para oradora da turma.
D e novo, m eu pai fic
meu ficou
ou em pé desato
desatou uo n
nóó
postura de rei. Para me-
da gravata e assumiu postura
lhor me ouvir, esquec
esqueceu
eu a etiqueta, fez
fez conc
conchas
has
com as mãos e envolveu as orelhas.
A s formalidades todas terminaram. F u i até
eles para voltarmos juntos.
E u princesa, entreguei meu certificado ao
rei que o embrulhou no lenço de bolso e passou
a carregá-lo como se fosse um vaso de cristal.
E m casa, tomados de de euforia, começamos
a rele
relembrar
mbrar os acon
aconteci
tecimen
mentos
tos da fe
festa.
sta. Rimos

das palmas fora de hora, das mãos do meu pai


segurando as orelhas, da cara do diret or ao vê
diretor vê--
los donos do ambiente.
Determinada hora, minha mã e interrompeu
nossa sadia algazarra e disse:
Agora é que vocês vão dar risada
risada de ver-
dade. Cutucou meu pai. Mostra pra eles
eles..
Mariano.
Ele fingindo brincar de mágico retirou os
sapatos dos pés e nos mostrou: duas bexigas
enormes desfiguravam seus calcanhares e algu-
mas escoriações marcavam toda a região no noss pei-
tos
tos do
doss pé
pés.
s.
Fiquei extática. Tudo aq uilo por mim para
aquilo
mim. Toda aqu aquela
ela do
dorr pa ra me ver receber o cer-
para
tificado. Nã
Não o me conti
contive.
ve.
Perdão pai.
Perdão do quê? E u é qu quee peço perdão.
Imagine só... Esquecer de usar a meia. Já pen pen--
sou
so u se um dos seus amigos visse? Deus me livre
de te envergonh
envergonhar ar

8
Pensou um popouc
ucoo e arrematou a conversa:
— E quer saber de uma coisa? Se precisar
enfio de novo o desgraçadod o sapato do éno
do
p é sem meia
meia e tudo
tudo e vo lto lá pra bater todas
volto
aquelas palmas de n nov
ovo.
o.
Novamente leve onda der soencheu a sa-
la . O Dirceu pediu a bênçãoe se retirou para do dor-
r-
mir. Todos fizeram a mesma coisa e eu jáesta-
v a para imitá-los quando o v i procurando algu-
ma coisa.
— O sesenh
nhor
or queria alguma coisa pai?
— Estou vendo onde foi qu que
e guardei o da-
nado do diploma. dormir com ele debaixo
do travesseiro queVoVouu sonhar so
é pra sonh
nho
o bo
bonit
nito.
o.

86
llutua
utuapte
Com o certificado na bolsa, sa
s a í para procu
ra
rarr emprego.
Consegui numa escola substituição para o
ano todo. D ar aulas numa classe de primeira sé 
rie
ri e q
que
ue sobrou das prof
professoras que, sendo efe-
essoras
tivas no cargo, optaram por alunos maiores e em
processo de alfabetização mais avançado.
No pátio do estabelecimento, tentando e en
n
golir o coração para fazê-lo voltar ao peit
peito,
o, su
portei o olhar duvidoso da diretora e das mães,
que, iuCTédulas, cochichavam e me despiam em
intenções veladas.
S ó falt
faltaram
aram pedir-m
pedir-mee o certificado de con
clusão para simples conferência .
Soou o sinal d e entrada e meus
de meus pequerru
chos
cho s entraram barulhentos, agi agitados
tados..
Só uma menina clara, linda, tema, empacou
n a porta e se pô
p ô s a chorar baixinho. Corri para
ve
verr se conseguia colocá-la na sala de aula.
— E u tenho medo d de
e prof
professor
essora
a preta
disse-m
disse-me ela, si mples e puramente.
simples
Tanto medo e doce misturados desarm
desarmaram
aram--
me. Procurei argumentos.

8
— Vo
Vouu contar pra você históriasd
pra de
e fadas e...
— O que acontec eu? —E r a a diretora que
aconteceu?
devido ao p
devido policia
oliciamen
mento
to cheg
chegouou nna
a hora H .
Contei-lhe o ocorrido e ela prontamente
achou a solução.
— ão faz mal. E u a coloco na classe da ou
tra prof
profess
essora
ora de primeir
primeira.
a.
Reagi imediatamente. Acalmei-me e socorri-
me.
— Por favor. Deixe que possamo
possamos s nos conhe
cer.. Se atéa hora da saídael
cer elaa nãoentrar ama
nhã a senhora pode levá-la.
A dir etora aceitou minha proposta e saiu
diretora
apressada.
V i então que era muito pouco tempo para
provarr a tãonova gente minh
prova minha a igualdade com
com
petência. Mas algum jeito deveria existir.
E u precisava. Precisava por mim e por ela.
Os outros aluninhos se impacientaram e eu
comecei meu trabalho com a pessoinha ali em
pé na porta me analisando coagindo com os olhi
nhos lacrimosos vivos atentos. Pedia explica
ções punha preçoe tinha pressa.
A s s i m prensada fui atéa hora do intervalo
para o lanche fal
faland
andoo fala
falando
ndo.. Ol
Olhava
hava para a
classe mas falava para ela. Inventei o primeiro
dia de aula sonhado na minha infânciacontur
bada.
Alegria de aprender desenhar. Sabores gos
gos
tosos do
dos
s la
lanches
nches brincad eiras e cantos brinca
brincadeiras
dos cantados nas mentiras inoc
inocentes quando so
entes
nhar era pensar que acontecia.
Na hora do recreio enquanto os outros pro-

9
fessores tomava
tomavamm o cafezi
cafezinho
nho e comenta
comentavam
vam o
andamento das aulas, fiquei no pátio.
Talvez ali me viesse alguma ideia.
Vi-a enti-e as outras aianças. Aproximei-me
e pedi-lhe um pedaço do lanche. Deu-me, inde
cisa meio espantada.
Resolvi dar mais um passo.
Gostaria que você entrasse na classe de
que de
pois. Assim voc
vocêê senta na minha cadeira e tto
o
m a conta da minha bolsa enquanto eu trabalho.
S a í sem esperar respo
sem resposta.
sta. Med
Medo.
o.
Logo mais retomamos à sala de aula.
E l a sento
sentouu na minha cadeira, co colo
loco
couu seu
material
mater ial ao lad o do meu. Precisei de uma ca
lado
neta. Pedi-lhe. Abriu minha bolsa como se ar
rombasse cofre, pegou e entregou-me a caneta
solicitada. Meio riso na boca.
Durante
Duran te a aula ped
pedii qu
que
e leva
levantas
ntasse
se a mmão
ão
quem soubesse desenhar.
desenhar.
Todos levantaram as mãozinhas. Constatei.
E l a também sabia.
Desenhou um cachorro retangular e se m ra
sem
bo.
S eu cachorro uma
é graça disse-lhe rin
do. El e não tem ra
rabo
bo??
N ã o meu.
é E da minhaavó. Quando meu
avô
av ô bebe e fica bravo, ele corre e enfia o rabo no
meio
mei od das
as pernas.
Baixou a cabeça e pintou o cachorro de azul.
Ao término da aula, anumou o material sem
pressa. Percebi-a amarrando os passos e tentan
do ficar afastada das outras crianças.
Alguma coisa tin tinha
ha para dizer-m
dizer-me. e.

90
eram respostas àsSabia
Impacientei-me. que fosse o que fosse
minhas perguntas indiretas.
Decidiu a hora segurou na minha saia e pe
diu:
— Amanhã você deixa eu sentar perto da
minha prima Gisele? De lá me
mesmsmoo eu cuido da
bolsa da senhora. A
Amanh
manhãã eu vvou
ou trazer de lan
che pão com mante
manteiga
iga de avião a senhora
de senhora gosos
ta de lanche com manteiga de avião na lata?
lanche
— Adoro.
— Vou dar um pedaç
pedaçoo gr
grandão
andão pr
pra
a sen
senho
ho
ra tá?
— Obrigada.
Combinamos.
— Até amanhã.
— Até amanhã.

D i a seguinte lá estava ela. Primeira da fila


leve e do
doce.
ce.
A o me ve verr deu uns passos querendo v i r ao
meu
me u enc
enconontro
tro mas a inspetora de alunoalunoss
rou-a pelo braço e fez com
segurou-a
segu com quque retomasse
ao seu lugar porque já havia dado o segusegundo
ndo s i-
nal.
Olhei-a e sorri. E l a disfarçadamente com
medo da advertência
advertênc ia da inspetora apenas apon
tou com o dedo a lancheirinha vermelha me pro
vando que havia cumprido o trato. Estava ali al i meu
lanche dede pã
pãoo com manteiga de avião.
F oi quando com niti
nitidez
dez nu
nunca
nca sentida en
tendi tudo o q ue meu pai m
qu mee ensinara nas suas

91
palavras curtas nas suas parábolas decifradas
na cartilha da existência.

sentimentos placentários escapa


escaparam
ram do
útero meu útero das minhas raízes grafaram as
leis regentes de
de todos os meus dias.
Sou desde ontem da minha infância baga
gem esfolada curando feridas no arquitetar con
teúdo par
para
a o co
cofre
fre dos redutos.
dos
Messias
Messias dos meus jeitos sou pastora do meu
dos
povo
po vo cumprindo praze rosa o direito e o dever de
prazerosa
conduzi-lo
conduzi-lo para lugares de harmo nias. M eu po
harmonias. porte
rte
de arma tenho-o descoberto e limpo entre em
dma embaixo e no meio
meio ddoo cordel das pa
palavra
lavras.
s.

93
Quem é eni uimarães
M a s c i n u m a f a z e n d a c h a m a d a V i l a s B o a s , m u n i c í p i o d e S ã o M a n u e l , i n t e rrii o r d e S ã o P a u l o ,
em 8 de setembro de 194 7, Quan do contava com 5 anos de idade, meus pais se mu daram
dest a para outra fazen da, em Barra Bonita, onde resido até hoje, exerc end o a profissão de
professora.
B e m a n t e s d e f r e q u e n t a r a e s c o l a o f i c iia al, eu lia poe sias e histórias em tudo qua nto eram
livros, revistas e jornais qu e encont rava. Qu an do entrei para a esco la, o professo r me c o n 
tou que eu era poeta e, vendo que era bom, assumi por inteiro o privilégio do dom.
N a a d o l e s c ê n c i a , c o l a b o r e i c o m o s j o r n a i s Debate Regional e Jornal da Barra p u b l i c a n d o
contos, poemas e crónicas.
E m 1 9 7 9 ffo o i e d i t a d o m e u p r i m e i r o l i v r o , c h a m a d o Terceiro filho poem as da meninice e
a d o l e s c ê n c i a . Da flor o afeto í o i l a n ç a d o e m 1 9 8 1 , j á c o m p o e m a s m a i s d e c i s i v o s , s e g u r o s .
A o e n t r a r , p o u c o m a i s t a r d e , e m c o n t a t o c o m a p o e s i a n e g r a , m e u t r a b a l h o f iicc o u m a i s d e f i 
nido por mo tivos de id entid ade, e assim fui con vida da a participar de várias antolog ias e
e v e n t o s c u l t u r a i s , e n t r e o s q u a i s a a n t o l o g i a Schwarze Poesie E d i t i o n D i á , A l e m a n h a O c i 
d e n t a l , e IVIV B i e n a l N e s t i é d e L i t e r a t u r a , q u e i n f l u í r a m p a r a q u e e u fo
fo s s e c o n v i d a d a p e l a S e 
c r e t a r i a d a C u l t u r a d e C o l ó n i a p a r a m o s t r a r m e u s t r a b a l h o s n o p r o j e t o A s d i f e r e n t e s ffa aces
da América Latina - Encontro com autores e diretores de cinem a brasileiros , em novem 
b r o d e 1 9 8 8 . E s t e t r a b a l h o n o e x t e r i o r p r o p i c i o u - m e m a i o r v i s ã o c u l t u r a l e m t e r m o s d e l iitt e 
ratura brasileira.
A Fu ndaç ão Nestié de Cultura, reconh ecend o o valor do meu trabalho, dada a min ha atua-
ç á o n a B i e n a l , p u b l i c o u m e u \mo Leite do peito co nt os -, que se encontra hc;e na 2 ' edi
ção.
Acre dito qu e o ato de escrever é o veículo de exteriorizaç ão da situação de um povo dentro
da sociedad e e pode, com isso, motivar mudanç as. B asea da nessa crença, fui buscar mi
n h a m e n i n a d a s f a z e n d a s e e s c r e v i / I corda ternura. T e n h o a p r e t e n s ã o d e c o n s c i e n t i z a r e
alertar, seg un do a visão do poeta maio r Drum mo nd : E preciso viver com os hom ens , é
preciso não assassiná -los, é preciso te err m ã o s p á l i d a s e a n u n c i a r . , . .

Barr a Bon ita, 1989


Q uem é S arit
aritah
ah arb
arboza
oza
Há vinte e nove anos eu era só uma coisin ha miúda do tipo tipo que vinga por
por teimosia e
chor ona . Talve z por iisso
sso náo fosse
fosse muito querida por meu pai qu e além de tudo es pera 
va que nascesse um menino. Venho de uma família de músicos e meu pai além de ótimo
violo nista é artista
artista plástico; e náo sei se por ironia do des tino eu so u a únic a de se us três
filhos que o seguiu. Eu tinha que mostrar pra ele que o choro era fruto de muita sensibilida
de e de uma nece ssid ade muito muito grand e de ser amad a e que mesmo sem querer tínha
mos em comum mais que o sobrenome e minha mãe.
Des de que eles se sep arara m tenho lutado muito para não ser mais uma pes soa perdida
no mund o. Ass im só comecei a perceber que poderia ser eu mes ma há pouco mais de ci n 
co anos qua ndo fazia um curso de des enh o e ilustração e recebi um arco- iris dess es só l i 
dos de ses senta cores onde o duend e- gua rdiã o trazia a palavra mágic a que transporta a
gente para o mundo da criatividade. Foi assim que acabei chegando até A corda ternura
Um tanto
tanto insegura pois havia ainda muito o que apre nder tri trilhei
lhei esta
esta obra como se h o u 
vesse recém-saído de um deserto em busca da água que ela abundantemente oferecia.
S into- me embriag ada de la de ta tall forma que sei que não sou mais a mes ma. N em pod eria.
T end o participado de mais de dez exp osiç ões de art artee não me sinto tanto nos quad ros q ue
já fiz quanto em cada ilustração deste livro - embora meu marchand e am igo-inc ent ivador
possa dizer o contráno. Aqui deixei tanto de mim que me sinto como personagem dele
como se fôssemos uma coisa só. Ele me traduz com a simplicidade e negritude que só
pessoas como a Geni sabem viver plenamente.
- G eni qua ndo eu crescer quero ser algu ém ass im: grand e e maravilho same nte negra
como você. Q ue Ox alá continue a iluminar
iluminar o se u camin ho e que ele seja só AX É .
A mãe sentava-
sentava-se
se na cadeira, tirava o avental e
amame
amamentava
ntava a Alimento
peito materno. menina o
Aliment não
nãpara
o tão
tã oope
pequen
coquena
i po a
oupjeito
ou ai^a precisar
s imples do
simples de
ar o amor diário?
confessar
confess
— M ã e , a senhora gosta de mim mim? ?
gosto,, filha.
Ué,, claro que gosto

Que tamanho?
Assim.
Para a menina, o tamanho
tamanho certo do amor equivalia à
extensão dos braços da mãe.
dos
A menina perde o lugar de caçula. O leite
leite da mã
mãee passa
passa
para o innão pequeno. Por que não
nã o latir,
latir, miar e andar de
quatro como os pequenos animais? Dor de saudade se cura
com chás? Saudade dos
dos olhares
olhares carinhosos, do co colo,
lo, da
comida servida na boca...
Crescer é ampliar os relacionamentos: grupos de coleg
colegas,
as,
escola. E quando o nov
novoo gnjpo enxerga apenas o visível?
A menina pouco
pouco sabia de co
como
mo as pessoas
pessoas sã
sãoo
diferenciadas. Sabia, sim, pelas histórias da Vó Rosária que
descendia de seres bons, simples, humanos e religiosos.
Pela voz dos brancos conheceu outra história: seus
voz dos
ascendentes
ascend entes eram sem vontade, bobos,
bobos, imbecis, co
covarde
vardess
qu
quee só serviam para a escravidão.
Negritude se apapaga
aga?
? E se esfregas
esfregasse
se na perna tijolo
triturado, mistura certa para retirar carvão do fundo das
panelas?
panela s? O sangue
sangue jorro
jorrouu quente, vennelho da cor da vida,
liberdade e da consciência da desigualdade
da liberdade desigualdade dos home
homens.
ns.
Crescer negi-a num lugar onde o branco
branco substitui
substitui o
preconceito pelo paternalismo.
O tama
tamanho
nho certo da von
vontade
tade de lu tar pode ser med
lutar medido
ido
pela extensão dos braços da mãe?

Saruê, Zambi
G r e v e n escola

A
A hora
c or agemamor
do
de c r es c er
Da terra para omar, do m rpara terra
A grande decisão
O curumim dourado
Um jeito de viver
O mistério do livro semmistério
É preciso lutar
A meni na que fez Am ér i c a
or da ternura

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