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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE

UNIDADE ACADÊMICA DE LETRAS


TEL: TEMAS DE ESTILÍSTICA – 2023.2 – 60H – 4 CRÉDITOS
DOCENTE: ALOÍSIO DE MEDEIROS
DISCENTES: Josefa Arruda Silva Neta

ATIVIDADE 3 (1º ESTÁGIO)

1. Comentários sobre o trecho de A hora da Estrela de Clarice Lispector

O homem tem a liberdade de optar por uma vida autêntica e questionadora, mas isso
provavelmente o levará a enxergar um mundo absurdo em que nada faz sentido e,
consequentemente, a afundar-se num abismo de perplexidades. Por outro lado, pode
refugiar-se na banalidade do cotidiano e nos interesses imediatos, limitados e efêmeros, que,
certamente, nunca o deixarão plenamente satisfeito.
As narrativas de Clarice Lispector quase sempre focalizam um momento de revelação,
um momento especial em que a personagem defronta-se subitamente com a verdade. Dentro
da mesma orientação dos europeus Marcel Proust e James Joyce, ela faz os personagens
viverem o processo chamado de “epifania”, ou seja, revelação. Em outras palavras, de
repente, diante de ocorrências mínimas, o personagem se descobre e vê revelada uma
realidade mais profunda. Muitas vezes, ele mesmo não consegue perceber com clareza que
realidade é essa, todavia sua vida ou sua visão mudam.
Como já foi dito, o narrador criado para contar a história é um homem, mas ele se
confunde com Macabéa. É uma narrativa complexa, centrada em três eixos: a história de
Macabéa, as reflexões do narrador (que se coloca como um alter ego da escritora) e as
reflexões sobre a metalinguagem. Mas esses eixos não vêm separados, ao contrário são
mesclados uns nos outros, deixando ao leitor a tarefa de separá-los e construir a narrativa, que
nada mais é que a expressão de seus conflitos existenciais. O narrador é onisciente, porque
conhece os mais íntimos pensamentos de Macabéa, mas não consegue compreendê-la, porque
não compreende a si próprio, nem ao mundo nem aos outros.
A história, em si, não tem importância, porque é a história de todo mundo e de
ninguém, sem cenas marcantes. Fica no leitor uma sensação amarga de que também ele, leitor,
tem um pouco de Macabéa, de Olímpico, do narrador. A narrativa de “A Hora da Estrela” é
uma interminável pergunta sobre a condição humana. No enredo se fundem histórias ou eixos
distintos e complementares: primeiro, a vida (ou ausência de) de Macabéa, imigrante
nordestina que vive uma vida miserável no Rio de Janeiro “uma cidade toda feita contra ela”
(p. 20); segundo, a história do autor do livro, identificado como Rodrigo S. M. Ele não tem
um rosto definido, mas interfere sistematicamente no enredo; e terceiro, a reflexão
metalinguística sobre o ato de escrever. Essa postura da autora está evidentemente bem
coerente com a concepção de obra aberta da literatura (pós)-modernista.
Clarice Lispector utiliza um léxico peculiar, com termos que têm uma carga emocional
e simbólica forte, como "aperta-se o botão", "vida acende", "parafuso dispensável", "terra do
sertão", "cogumelo logo mofado". Esses termos carregam significados que vão além de seu
sentido literal, contribuindo para a atmosfera poética e reflexiva do texto.
A pontuação é utilizada de forma a criar ritmo e pausas que contribuem para a reflexão
sobre as ideias apresentadas. Frases curtas e pontuações como dois pontos e vírgulas são
empregadas para enfatizar as reflexões da narradora sobre a vida e sua própria existência.
O texto apresenta algumas figuras de linguagem, como a metáfora ("a vida é assim:
aperta-se o botão e a vida acende"), que contribuem para a expressividade e a profundidade do
texto. A comparação da protagonista com um "parafuso dispensável" em uma sociedade
técnica é uma metáfora que ilustra sua sensação de deslocamento e insignificância.
A voz narrativa é marcada por uma introspecção profunda e uma reflexão sobre a
própria existência. Há uma mescla entre a narrativa em terceira pessoa e a voz da própria
personagem, o que confere uma intimidade ao texto, aproximando o leitor das reflexões e
emoções da protagonista. Por exemplo, em “apesar da morte da tia, tinha certeza de que com
ela ia ser diferente, pois nunca ia morrer” a voz narrativa é marcada por uma assertividade e
uma confiança inabaláveis na afirmação feita. Essa voz forte e segura contribui para a
construção do caráter do personagem narrador e para a intensidade da afirmação feita no
fragmento. Apesar da aparente clareza na afirmação da personagem, há uma ambiguidade
subjacente no texto. A negação absoluta da morte pela personagem pode ser interpretada
como uma forma de negação da própria mortalidade, revelando uma possível fragilidade ou
negação da realidade por parte da personagem. Rodrigo está vendo Macabéa como uma
pessoa sem sentimentos.
Clarice Lispector utiliza uma linguagem que é ao mesmo tempo direta e evasiva,
criando uma sensação de ambiguidade e ambivalência. Por exemplo, a frase "E, se pensava
melhor, dir-se-ia que havia brotado da terra do sertão em cogumelo logo mofado" sugere uma
reflexão profunda sobre a identidade da protagonista, mas ao mesmo tempo mantém uma
certa obscuridade, convidando o leitor a interpretar suas próprias conclusões.
O trecho de A hora da Estrela é semelhante ao de todos os livros de Clarice Lispector.
É povoado de uma exacerbação do momento interior dos personagens, a ponto de a própria
subjetividade entrar em crise, o que fica bem claro na (des)caracterização de Rodrigo, o
narrador.. O espírito deles viaja nas asas da memória e da auto-análise. Não se trata, porém, de
sondagens psicológicas sentimentais egocêntricas. A inquietação íntima dos personagens se
concentra na busca da própria identificação em um cotidiano monótono e vazio.
As camadas mais profundas da consciência humana são removidas pela autora, em
busca do significado da existência e, por intermédio dessa busca, ocorre o encontro da
Psicologia com a metafísica: conhecer-se para ser.
Na maioria da narrativa, o pensamento fica solto. Pequenos fatos exteriores provocam
uma longa viagem abstrata das ideias, sem se basear em uma estrutura sequencial da narração
A maneira de escrever de Clarice Lispector é bastante coerente com o seu modo de ser e com
o estilo de época em que se enquadra.
A autora não se preocupa em contar uma história. Sua preocupação maior é com as
impressões, como ela própria observa: “[...] os meus livros não se preocupam com os fatos em
si, porque para mim o importante é a repercussão dos fatos no indivíduo”.
Rompe-se assim a narrativa referencial ligada a fatos e acontecimentos. Em lugar dela,
emerge uma narrativa interiorizada, centrada num momento de vivência interior da
personagem (ou narrador).Ocorre um casamento entre forma e conteúdo, que consiste na
dissociação das unidades narrativas para mostrar a falta de ligações mais profundas na
sociedade. Organiza a narrativa em ritmo lento, para contrastar com o movimento da vida nas
grandes cidades. Filtra todos os fatos por meio de uma consciência que se isola do conjunto e
fica bem caracterizada a solidão do homem moderno.

2. Comentários sobre o trecho de Um sopro de vida de Clarice Lispector

Há uma expectativa por parte do leitor de querer encontrar uma linearidade enquanto
faz suas leituras, mas muitas vezes isso não pode ser alcançado quando se lê Clarice, pois ela
rompe a linearidade “à escritora interessa a narrativa baseada na memória e na emoção, isto é,
no fluxo da consciência da personagem, e que esse fluxo não segue ordem cronológica. Essa
característica observa-se, sobretudo, nas narrativas longas, em que demonstra que não há
diferença entre espaço e tempo” (Cabral, 2015, p. 13). Esse rompimento com a linearidade
atrelado ao fluxo de consciência gera uma intimidade com o leitor.
Predominou-se na leitura do trecho do livro a conformação dos signos aos hábitos de
linguagem na caracterização do emprego da palavra no idioma materno. O estilo e as formas
de composição escrita da Clarice trabalham a construção do efeito estético da obra Um Sopro
de Vida. Há uma presença grande de símbolos que se costuram na tessitura do texto. A
escolha e repetições de algumas palavras ao longo do texto obedecem a um esquema de
estrutura da prosa e contribui para a criação da vida do livro. Como Ferraz (2004) explica que
a materialização de algumas palavras está relacionada com a construção do signo, indo mais
longe que o simbólico em direção ao icônico. Já que está se falando da palavra, matéria prima
da literatura, para efeito de constatação apresenta-se as palavras que mais aparecem e que se
compreende como essenciais na construção da obra, especificamente no trecho. No que se
revela ao campo interpretativo de partir: a) morte; b) Morta; c) Morrer. No que se refere ao
campo interpretativo de permanecer: a) Viver; b) Vida (eliminando a sua aparição no título da
obra); c) Viva. Relacionando a presença das palavras com a leitura, julga-se que o livro é
sobre estar e permanecer, sobre viver, e não sobre partir.
Em um dos fragmentos do trecho várias variantes estilísticas podem ser observadas,
contribuindo para a profundidade emocional e a reflexão filosófica presente na obra. A fala da
personagem Angela, por exemplo, reflete seus pensamentos internos e sentimentos profundos.
Através do diálogo, o leitor tem acesso direto às suas reflexões e anseios, criando uma
conexão emocional imediata. A frase "Respirar é coisa de magia" é uma expressão poética
que sugere uma visão transcendental da existência. Essa imagem simbólica adiciona uma
camada de mistério e significado ao texto, convidando o leitor a refletir sobre o sentido da
vida e da mortalidade. Angela expressa sua ânsia de viver intensamente, sem as limitações do
tempo, mas também seu medo da morte e da desconhecida experiência após a vida. Essa
dualidade entre o desejo de plenitude e a consciência da finitude humana é uma característica
marcante do estilo de Clarice Lispector.
A intenção de Clarice Lispector ao criar este fragmento parece ser a de provocar uma
reflexão sobre temas fundamentais da existência humana, como a passagem do tempo, a
mortalidade e a busca por significado. Através da voz de Angela, a autora nos convida a
contemplar as complexidades da vida e a enfrentar nossos medos mais profundos com
coragem e curiosidade.
REFERÊNCIAS

CABRAL, E. S. Memória e narração a partir da obra “Perto do coração selvagem”, de


Clarice Lispector. 2015. 118f. Dissertação (Mestrado em Artes da Cena). Instituto de Letras
e Linguística. Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2015.

FERRAZ JR., E. Semiótica e Análise Literária - uma Introdução. Revista do GELNE


(UFC), João Pessoa - PB, v. 6, n.01, p. 47-55, 2004.

LISPECTOR, Clarice. A Hora da Estrela. Rio de Janeiro: Editora Rocco, 1975.

LISPECTOR, Clarice. Um sopro de vida. São Paulo: Rocco, 1987.

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