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A relação entre personagem e Narrador

O Narrador
O narrador é a entidade que conta uma história. É a função do autor criar um mundo
alternativo, com personagens, cenários e eventos que formam a história. Inserido no
campo da leitura, o narrador centraliza sua atenção na atuaçaõ , instância narrativa
responsável por sua conduçaõ e assim, por nos aproximar ou distanciar, mostrar ou
esconder e nos envolver mais ou menos no mundo narrado.
O texto literário, pode nesse sentido, ser uma forma de conhecimento, pois permite ao
leitor, sem sair do aconchego de seu lar, seja no campo ou na cidade, no centro ou na
periferia, viajar, simplesmente viajar, para lugares próximos ou distantes, através da
construção do personagem, aliada a voz do narrador

O PERSONAGEM
O dicionário Aurélio define personagem como:
“Personagem [Do fr.personnage.] S.f e m. Pessoa Notável, eminente, importante:
personalidade, pessoa.” Personagem é qualquer ser atuante de uma história ou obra.
Normalmente é uma pessoa, mas pode ser um animal, um ser fictício, um objeto, desde
que tenha características humanas, ou seja, personificados. No entanto, é inevitável
associar o conceito de personagem, ao conceito de pessoa, visto que as modalidades da
própria ficção, estão inseridas na construção de figuras dramáticas, textualmente
tratando-se de identificar pessoas e personagens. Pessoa, portanto, é uma ideia
resultante das relações sociais e culturais da sociedade. É uma construção simbólica,
ideológica que os homens fazem a respeito do sentido de si próprios.

O Narrador e o Personagem
Podemos abordar os conceitos de Beth Brait, no livro A personagem, sob a perspectiva
do conceito de narrador de Jhonatan Culler, em A Teoria Literária. Para entender, ou
interpretar a construção de um personagem, é necessário encarar detalhadamente a
composição de um texto, refletindo sobre a maneira que o autor utilizou para dar vida
às criaturas dos seres ficcionais, através do narrador.
“Se quisermos saber alguma coisa a respeito de personagens,
teremos de encarar frente a frente a construçaõ do texto, a maneira
que o autor encontrou para dar forma às suas criaturas, e aí pinçar a
independência, a autonomia e a “vida” desses seres de ficçaõ . É
somente sob essa perspectiva, tentativa de deslindamento do espaço
habitado pelas personagens, que poderemos, se útil e se necessário,
vasculhar a existência da personagem enquanto representaçaõ de
uma realidade exterior ao texto.”( BRAIT, Beth. A
personagem. São Paulo: Ática, 1987, op. cit. p.11)

A partir do ponto de vista de Beth, na citação, podemos considerar que, cada


personagem deve ser analisado como componente estruturante da narrativa. Além de ser
integrante fundamental da narrativa e agente para o desenvolvimento da mesma, a
personagem é suporte para a exemplificaçaõ de qualidades valorizadas no contexto
sócio-cultural, em que a história na qual participa se encontra. Para Beth, muitos leitores
apreciam mais a ficção do que a própria vida real, fator ligado à realidade ficcional, ou
seja, a maneira que o escritor utiliza para comover o leitor, o aproxima de maneira
intensa.
De acordo com Beth, existe na narração, uma câmera, na qual o narrador “sonda” o
personagem e assim o descreve com minuciosa precisão. Esse fenômeno, traduz
verossimilhança ao texto e permite a associação pessoa e personagem. Ao criar um
ambiente para demonstrar determinada pessoa, o autor também inventa o ambiente,
manipulando a essência da pessoa através de maquiagem, roupas, expressões, criando
um enredo. Estes são processos artísticos através de recursos de linguagem de que
dispõe o autor, manipulam assim a realidade e preparam um ambiente para que a
personagem criada possa habitar.

A partir da concepção de Jhonatahan Culler, em relaçaõ à primeira direçaõ , é possiv́ el


destacar os seus esforços pela renovaçaõ de uma teoria literária estruturalista, com a
proposiçaõ da noçaõ de “competência literária”, que tem Chomsky como ponto de
partida, mas cuja ênfase recai no conhecimento que o leitor tem, sistematizado e
predeterminado pela convençaõ . Culler compreende a narrativa, como forma de
entendimento do mundo e de nós mesmos. Com a história propriamente dita o conjunto
de acontecimentos são captados a partir de um olhar sobre a mesma, esta capturada ao
discurso do narrador, somente.
“A poética da narrativa, como poderíamos
chamá-Ia, tanto tenta compreender os
componentes da narrativa quanto analisa
como narrativas específicas obtêm seus
efeitos.”
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma
introdução. São Paulo: Becca, 1999. p.85

Concordante à análise de Culler, podemos afirmar que existe uma ligação íntima entre
essas duas figuras da narrativa, na qual a possibilidade de criação de um personagem,
compõe caracteres que traduzem formas de introspecção, expansão, condução de
relações efetivas, etc. Do mesmo modo, as técnicas de construção dos personagens
através do narrador, são necessárias, tanto para o encaixe dos personagens, como
também a criação de nomenclaturas para classificar como os mesmos atuam e figuram
ao enredo.

A importância de ambas as figuras na narrativa

A principio, o pensamento estereotipado a respeito de uma leitura, a partir da capa, por


exemplo, podem comprometer a visão do leitor quanto o personagem, porém, as
estratégias delimitadas pelo autor, e transmitidas ao narrador, consagram grandes
histórias e reinauguram possibilidades de interpretação, dinamizando a capacidade
polissêmica de uma obra. Na obra literária O Primo Basílio, de Eça de Queiroz, A
epifania marca o encontro das personagens com o outro, denunciando a problemática
existencial das mesmas.
A escrita do romance, com ênfase nas relações físicas do personagem, expõe sensações
como adultério, saciedade de paixões proibidas e assim, convém chamar a atenção da
abordagem de Eça de Queiroz, a um narrador apresentado como heterodiegético, ou
seja, narra os acontecimentos em terceira pessoa, não exercendo atuação direta na obra.
Porém, essa abordagem ocorre, com um recurso propício para que o narrador se camufle
na teia da narrativa dos discursos e se disfarce, para poder inserir seu posicionamento
crítico sobre a história narrada.
No trecho presente no texto: “ Luísa espreguiçou-se. Que seca ter de ir se vestir!
Desejaria estar numa banheira de mármore cor-de-rosa, em água tépida, perfumada e
adormecer! Ou numa rede de seda, com as janelas cerradas, embalar-se ouvindo
música!” (QUEIROZ, 1994, p.20.) Observa-se que apesar da onisciência do narrador, o
mesmo atribui conhecimento absoluto dos fatos, conhece os personagens de maneira
profunda, e é capaz de reproduzir seus sentimentos e conflitos internos. A crítica moral
também, é válida, visto que o narrador descreve imperfeições acerca do comportamento
dos personagens, a respeito do sistema familiar, relacionados ao contexto social em que
estão inseridos. Nesse caso, o narrador é o responsável pelo discurso e classificação das
instâncias íntimas acerca das características do personagem.
A criação dessas personagens, expõem um panorama da sociedade portuguesa da época,
a partir de uma análise psicológica e comportamental. Trata-se do final do século XVIII,
final da última fase do romantismo português, com a evolução tecnológica e cultural, a
sociedade começa a viver uma fase problemática, econômica e cultural.
Dessa forma, faz-se mister o ideal de Beth, quanto ao conceito de Culler, a relação de
pessoa e personagem, de forma que ao assumir a postura de direcionar o livro a um
público especial, provendo reflexões críticas acerca de um problema social, o narrador
contribui para a base de um habitante real ficcional, matéria que habita a realidade dos
seres humanos.
Assim, esse testemunho do narrador, traduz de forma objetiva a reprodução da imagem
de um pessoa à semelhança que ele introduz ao personagem quanto ao mundo real.

Referências:
BRAIT, Beth. A personagem. Saõ Paulo: Ática, 1987. (Série Princiṕ ios).
CULLER, Jonathan. Teoria literária: uma introduçaõ . Saõ Paulo: Becca, 1999.
QUEIRÓS, Eça de. O Primo Basílio: texto integral. 5a ed. São Paulo: Ática, 1979.
(Série Bom Livro).

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