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A INFLUÊNCIA DO ESPAÇO NOS PERSONAGENS DE MORRO DOS

VENTOS UIVANTES, DE EMILY BRONTË

MARINHO, Roberta Bezerra CAP/UERN1


FERREIRA, Sebastiana Braga CAP/UERN2

Resumo: O presente trabalho tem como principal objetivo analisar a influência do espaço nos
personagens de Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë com base na Teoria e Crítica Pós-
colonialista. Com este intuito, esta pesquisa aborda as concepções acerca do espaço e suas respectivas
funções na narrativa baseando-se no eixo temático escolhido para se fazer um releitura e interpretação
desta categoria no referido romance. Para isso, utilizamos como aparato teórico Gancho (1995),
Franco JR (2009), Bonnici (2009), Lins (1999), e Moisés (2006), Assim, pudemos perceber a
importância do espaço relacionado às personagens, uma vez que verificarmos como o espaço exercia
grande influência nos personagens, fazendo com que seu comportamento fosse reflexo do meio em
que viviam, mas que ao mudar de lugar isso refletia também no seu modo de ser ao ponto de ocorrer
uma mudança perceptível, que foi o que percebemos em Catherine, além disso, por mais contraditório
que possa parecer relacionar o espaço com a primeira impressão do Sr Lockwood acerca de
Heathcliff, isso se deve em função do tempo transcorrido e do desconhecimento dos acontecimentos
anteriores por parte do então narrador, desse modo, destacamos como a diferença de caracterização
entre o espaço do “Morro dos Ventos Uivantes” e a “Granja dos Tordos”, pode simbolizar a ideia de
superioridade da cultura europeia, considerando a Teoria e Critica Pós-colonialista, mas
compreendemos que outras interpretações podem surgir a partir de outra temática.

Palavras-chave: A influência do espaço. A relação com as personagens. Pós-colonialismo.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O surgimento do romance simboliza em si o término de um período de trevas mais
especificamente o da Idade Média, que consigo refletia também uma dada sociedade
organizada politicamente com seus respectivos valores morais e religiosos, na qual prevalecia
o acesso da nobreza aos livros, a arte, ao entretenimento como um todo voltado unicamente
para esse grupo privilegiado junto ao poder do Clero, que decidia o que deveria ser lido ou
não para a plebe.

Com isso, vê-se surgir em meio às classes populares, uma nova manifestação artística
da escrita, voltada para um público mais amplo e com preocupações especificas, denunciando

1
Roberta Bezerra Marinho, graduanda em Letras Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas do
CAP/UERN, cursando o 3° período, roberttarangel@hotmail.com
2
Sebastiana Braga Ferreira, graduanda em Letras Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas do
CAP/UERN, cursando o 3° período, bastianaletras@gmail.com
inclusive as questões sociais que afligiam a sociedade como um todo, inicialmente com o
romance em versos e posteriormente apresentando-se como conhecemos hoje em prosa.

Levando em conta tais aspectos, pode-se perceber a relevância do romance no que se


refere a ser um instrumento não só de entretenimento, mas de coesão social, de indignação,
que desperta o desejo pela luta das desigualdades e as denuncia seja de forma explicita ou
implícita por meio dos mais diversos elementos constitutivos da narrativa, dentre os quais o
espaço não é levado em conta na maioria das vezes, passando despercebido e quando não
desconsiderado para a análise.

Com esse intuito, o presente artigo se propõe a analisar a categoria espaço no


Romance O Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë, associado ao eixo temático do Pós-
colonialismo, tendo em vista que o romance foi muito criticado em 1847, período este em que
foi lançado, devido apresentar uma visão mais realista e pelo fato das personagens principais
apresentarem um comportamento que ia de encontro aos valores morais e religiosos da Era
Vitoriana, além disso, o romance já teve inúmeras adaptações para a televisão e o cinema,
dentre as quais se destacam o filme “O Morro dos Ventos Uivantes” de 1988, por David
Skynner e o de 2009, dirigido por Coky Giedroyc.

Para tanto, esta pesquisa é organizada a partir do aparato teórico com a definição da
categoria espaço junto com o eixo temático do Pós-Colonialismo e mais adiante ambas as
definições são enfatizadas na análise por meio de trechos do romance, no qual se expõe a
interpretação que se propõe adequada aquele espaço, identificando a influência do espaço nas
personagens bem como a ideia de superioridade pressuposta nele e consequentemente o que
podemos inferir sobre o romance com relação ao contexto histórico da Era vitoriana. Para
isto, faremos uso do seguinte aparato teórico: Gancho (1995), Franco JR (2009), Bonnici
(2009), Lins (1999), e Moisés (2006).

Por fim, esse trabalho surgiu a partir de discussões em sala de aula, nas quais ficou
explícito a necessidade de uma pesquisa voltada para essa categoria, enfatizando o referido
romance devido às diversas críticas recebidas desde o seu lançamento até a sua consolidação
como um clássico da Literatura Inglesa, além disso, a leitura do romance nos proporcionou
uma sensação de espanto e interesse, uma vez que nunca havíamos nos deparado com um
estilo tão peculiar e incomum como o de Emily Brontë, que evidencia os defeitos das
personagens no romance, levando o leitor a reflexão e reconhecimento dos próprios.
A importância do espaço como elemento influenciador das ações e reflexo do modo de
ser das personagens
Em um primeiro momento, pode-se perceber a importância dada a algumas categorias
para a análise da narrativa, como o narrador, as personagens, o enredo, enquanto o espaço fica
vinculado geralmente à ideia de mundo “físico” das personagens ou o lugar ocupado por elas,
que serve de referência aos acontecimentos do enredo, dessa forma, não o relacionando com
as demais categorias, podendo explorar assim as suas significações bem como as possíveis
interpretações no que se refere ao romance, seu contexto histórico e a importância dessa
relação para se fazer uma releitura.

Desse modo, o espaço se caracteriza nessa perspectiva como o lugar geralmente físico
e geográfico em que se passa a história e compõe o cenário do enredo, no qual as personagens
encontram-se situadas, mas bem longe dessa visão simplista, como podemos perceber: “O
espaço tem como funções principais situar as ações dos personagens e estabelecer com eles
uma interação, quer influenciando suas atitudes, pensamentos ou emoções, quer sofrendo
eventuais transformações provocadas pelos personagens” (GANCHO, 1995, p.23).

Nesse sentido, o espaço não se limita a um simples local de identificação ou


representação do real, aproximando ficção de realidade, visto que essa categoria assim como
as personagens exerce um papel de relevância e possui suas funções, seja influenciando as
ações destas ou sendo influenciado por elas, refletindo também o seu ser e fazer bem como
estabelecendo uma relação de interação mútua.

Mediante isto, segundo Massaud Moisés (2006) durante muito tempo a crítica literária
de um modo generalizado deu mais ênfase ao tempo, até que recentemente o interesse dos
estudiosos se voltou para a análise de ambos de forma inseparável, ao passo que se criou o
termo composto tempo-espaço, uma vez que este passou a ser considerado a quarta parte de
dimensão do espaço, não prejudicando em nada as suas características específicas.

Ademais, é inevitável pensar no espaço sem relacioná-lo ao tempo, uma vez que no
plano da narrativa, quando uma ação se desenvolve, ocorre em um período de tempo e
consequentemente em um espaço, ou seja, ambos se relacionam de forma direta, não sendo
possível pensar em um sem considerar o outro, neste sentido, podemos perceber que: “[...]
mesmo porque, como tem ensinado a teoria da relatividade, de Einstein, uma categoria
pressupõe a outra: a noção de tempo implica a de espaço, e vice-versa, todo espaço se vincula
ao tempo que nele transcorre” (MOISÉS, 2006, p. 185).

Por esta razão, é muito comum atualmente observarmos uma preocupação em não se
desvincular o espaço do tempo totalmente, visto que embora se faça necessário isolar
artificialmente uma categoria para se analisar a sua função e propósito na narrativa, podemos
perceber que: “Não só espaço e tempo, quando nos debruçamos sobre a narrativa, são
indissociáveis. A narrativa é um objeto compacto e inextrincável, todos os seus fios se
enlaçam entre si e cada um reflete inúmeros outros (LINS, 1999, p.63)”.

Portanto, todas as categorias da narrativa se relacionam entre si, muito embora o


espaço seja geralmente vinculado ao tempo, contudo, isso não significa que o espaço não
possa ser relacionado aos demais elementos como a categoria personagem, que embora seja
frequentemente relacionado ao enredo, dependendo da história pode manter uma relação
muito forte com o espaço, de modo que o espaço pode influenciar nas ações do personagem e
quando não este pode modificá-lo e refletir o seu modo de ser, a sua psicologia e classe social.

Considerando ainda essa relação Cândida V. Gancho (1995) ressalta que o espaço
consiste também no lugar onde se passa ação e caso esta ocorra de forma concentrada, com
menos fatos na história ou até mesmo se o enredo for psicológico, a narrativa apresentará uma
quantidade reduzida de lugares espaciais, caso ocorra o contrário, aparecendo uma série de
acontecimentos, os lugares aparecerão de forma variada.

Relacionado a isto, Arnaldo Franco Jr (2009) acrescenta que o espaço pode ser
compreendido como um conjunto de referências de caráter geográfico ou arquitetônico, no
qual podemos identificar os lugares em que se passam a história, caracterizando-se por uma
tridimensionalidade que situa o leitor onde estão inseridas as personagens, o local dos
acontecimentos e desenvolvimento das ações.
Em razão disso, cumpre notar que no Romance Morro dos Ventos Uivantes, de Emily
Brontë, ocorre essa relação entre espaço e personagens, uma vez que o primeiro serve de
mediador para compreender o outro, desvendando a sua razão de ser e fazer naquele
determinado lugar assim como o ser e agir da personagem exerce grande influência sobre o
espaço, modificando-o de modo a refletir o comportamento da personagem, o seu ser
psicológico, sendo necessário delimitar a ligação entre ambos ou ausência desta, para que
possamos inferir sobre a significação dessa relação, como nos diz Osman Lins:
[...] O delineamento do espaço, processado com cálculo, cumpre a
finalidade de apoiar as figuras e mesmo de as definir socialmente de
maneira indireta,[...] Há, portanto, entre personagem e espaço, um
limite vacilante a exigir nosso discernimento. Os liames ou a ausência
de liames entre o mesmo objeto e a personagem constituem elemento
valioso para uma aferição justa (LINS, 1999, p.70).
Dessa forma, é necessário saber traçar a relação que pode existir entre espaço e
personagem para que se possa fazer uma avaliação comparativa justa, não sobrepondo um em
detrimento do outro, antes considerando a importância dessa relação como reveladora para
compreender a significação pretendida ou até mesmo a possível leitura necessária para
compreender essa interação de categorias narrativas.
Em virtude disso, se faz necessário ainda associar a análise da categoria espaço no
Romance Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë com a Teoria e Crítica Pós-
colonialista, de Thomas Bonnici, enfatizando o meio que o personagem está inserido, de
modo a se fazer uma releitura com base nos traços dos ideais europeus como típicos da
Metrópole, frente à inferioridade pressuposta das colônias, a qual a Literatura Inglesa refletia
esse poder de superioridade bem presente nos espaços, denunciando assim a distinção social e
intelectual, como podemos perceber a seguir:
Gerações de europeus se convenciam de sua superioridade cultural e
intelectual diante da ‘nudez’ dos ameríndios, gerações de homens
praticamente de qualquer origem, tomavam como fato indiscutível a
inferioridade das mulheres. Nesses casos estabeleceu-se uma relação de
poder entre o ‘sujeito’ e o ‘objeto’, a qual não reflete a verdade (BONNICI,
2009, p. 257).
Com isso, podemos identificar muitos dos ideais europeus frente ao processo de
colonização, uma vez que a metrópole era representada pelo colonizador, onde este herdou do
meio onde se desenvolveu e da raça da qual descende aspectos sociais, culturais e intelectuais
superiores aos colonizados, que descendem de uma raça “naturalmente” inferior e são
oriundos de um meio periférico, no qual desenvolveram um comportamento não “civilizado”,
ou seja, não eram considerados como os demais, antes eram considerados “objetos”, podendo
ser feitos de escravos e no caso da mulher, essa construção negativa e inferior era ainda pior.

Por isso, ao ter conhecimento do que foi o processo de colonização e os seus efeitos na
produção literária não é de se estranhar que o colonizado foi na maioria das vezes construído
de forma negativa e inferior em comparação ao branco europeu civilizado, deixando
transparecer o velho discurso de superioridade europeia, no qual os descendentes das velhas
colônias desenvolveram traços típicos de seres que nasceram para ser dominados sobre a
justificativa que seus hábitos, credos e atitudes iam de encontro a tudo que era socialmente
aceito, como podemos perceber claramente a seguir:
[...] Percebe-se, de fato, um discurso etnocêntrico repressivo que legitima o
controle europeu sobre o Oriente através do estabelecimento de um
constructo negativo. A esperteza, o ócio, a irracionalidade, a rudeza, a
sensualidade, a crueldade, entre outros, formam esse constructo, em
oposição a outro constructo, positivo e superior (racional, democrático,
progressivo, civilizado etc) defendido e difundido pela cultura ocidental
(BONNICI, 2009, p. 225).
Logo, é notório que existe uma distinção, de um lado está o Oriente com países
colonizados e povos subjulgados pela ideia de submissão e inferioridade com relação aos
colonizadores, nos quais se observam a perda da língua nativa em detrimento da língua do
colonizador, já do outro lado encontra-se o Ocidente representado pelos países que
colonizaram os demais países, explorando suas riquezas naturais, impondo a sua língua,
religião e escravizando os povos, prontos a tirar as riquezas naturais e exportar como
mercadorias, dessa forma, ocorreram diferentes tipos de colonização, mas de um modo geral,
a forma como o colonizado foi construído na Literatura Europeia é quase sempre a mesma.

Assim em função da construção cultural de superioridade europeia, pretendemos fazer


uma releitura do espaço no Romance O Morro dos ventos uivantes, de Emily Brontë
associada à Teoria e Crítica Pós-colonialista, demonstrando a relação sistemática do espaço
com as personagens e o possível discurso etnocêntrico presente neste espaço, uma vez que ao
verificar essa correspondência entre categorias narrativas e o eixo temático escolhido,
podemos chegar a uma interpretação pertinente à análise literária, portanto, concluímos nossa
exposição acerca do assunto e daremos então início à análise do espaço no respectivo romance.
Uma releitura do espaço com base na Teoria e Crítica Pós-colonialista paralelo a uma
relação conflituosa entre a sociedade da Era vitoriana e o Romance, de Emilly Brontë

O Romance Morro dos Ventos Uivantes, de Emily Brontë narra a história de um amor
impossível entre dois irmãos adotivos, Catherine e Heathcliff, que cresceram juntos e têm um
vínculo afetivo muito forte, mas os valores morais baseados no fato dele ser inferior a ela em
função da cor e da posição social impediram a união dos dois, fazendo com que ela optasse
por se casar com o filho da propriedade vizinha o Sr. Linton em vez dele, inconformado com
essa decisão ele decide ir embora, mas retorna decidido a vingar-se de todos que impediram a
união dos dois, em virtude disso, sua vingança alcança até a terceira geração.
Dessa forma, considerando as funções que o espaço pode desempenhar na narrativa,
enfatizando a influência que o meio exerce sobre as personagens, cumpre notar ainda os
lugares mencionados na história, dentre os quais podemos identificar “O Morro dos Ventos
Uivantes” como espaço principal, lugar este onde se passa grande parte da história e que leva
o nome do romance juntamente com a “Granja dos Tordos” que se encontram localizados na
cidade de Gimmerton, além da cidade de Liverpool em que Heathcliff é encontrado pelo Sr.
Earnshaw, dito isto o espaço ambienta-se em Yorshine na Inglaterra. Dessa maneira
destacamos o seguinte trecho para a análise:
[...] fizemos uma corrida do alto do Morro dos Ventos Uivantes até o parque
da Granja dos Tordos sem parar. A Catherine perdeu, porque estava
descalça. A propósito temos de procurar os sapatos dela no lodaçal.
Trepamos por uma abertura da sebe, subimos pelo caminho às apalpadelas e
sentamos num vaso de flores, por baixo da janela da sala. Era daí que vinha a
luz. Não tinham fechado as persianas, e os reposteiros estavam entreabertos,
como estávamos ao nível do chão, conseguimos ver lá dentro. Depois,
quando nos agarramos ao peitoril tivemos uma visão extraordinária: uma
sala lindíssima, com tapetes vermelhos no chão, cadeiras e mesas da mesma
cor e um teto branco como neve, com um friso dourado e um lustre ao meio,
de onde pendiam gotas da chuva, presas a correntes de prata, que brilhavam
como estrelas. (BRONTË, 2006, p.44-45).
A parti daí, podemos observar no comportamento de Catherine e Heathcliff uma
natureza mais livre considerando o espaço em que viviam, sobretudo, um contraste no
comportamento dela ao estar descalça e ter saído de um ambiente “inapropriado” para ela,
desse modo, tal atitude pode estar ligada a proximidade que possuíam, demonstrando com
isso uma mistura de culturas que frente à concepção de superioridade europeia daria a
entender uma perda dos ideais do branco civilizado em contato com a falta de civilidade do
povo colonizado, uma vez que ele era de origem desconhecida e frequentemente chamado de
cigano, portanto, a surpresa deles diante do espaço descrito se deve em função da
caracterização de um ambiente que refletia bem a cultura europeia de uma família nobre, com
destaque para o teto branco como neve, friso dourado, lustre e correntes de prata.
Além disso, podemos perceber que o espaço onde vivem os influenciou
significativamente, de modo, que adquiriram tais atitudes, já com relação à surpresa deles
diante do espaço descrito, pode estar ligada a ideia do espaço social, que como podemos
perceber: “tanto pode o espaço social ser uma época de opressão como um grau de civilização
de uma determinada área geográfica (LINS,1999,p. p.75)”, desse modo, a “Granja dos
Tordos” representa um maior grau de civilização em comparação ao “Morro Dos Ventos
Uivantes”, o que justifica tamanha admiração pelo espaço, mas já com relação a Heathcliff o
comportamento de Catherine pode ser interpretado como: “o estigma de inferioridade cultural
e racismo que impregnou os colonos brancos, que ficaram degenerados pelo hibridismo,
prescindindo da herança cultural de seus antepassados, desenvolveram as características do
nativo ou generalizaram aspectos da sua tipicidade nacional’’ (BONNICI, 2009, p.264).
Considerando isto, destacamos também este seguinte trecho, para servir de comparação e com
isso comprovar nossa análise:
Cathy ficou cinco semanas na Granja dos Tordos, mais ou menos até o
Natal. O seu tornozelo já estava completamente curado e o seu
temperamento melhorara muito. A patroa a visitava regularmente, dando
cumprimento a um plano de reforma em que tentava conquistar a amizade da
menina à custa de roupas caras e muitos mimos, que esta aceitava de bom
grado. De tal forma que, certo dia, em vez daquela criança selvagem e livre
em constante correria pela casa, sempre pronta a nos abraçar, surgiu
digníssima e elegante, montada num belo proto negro, com os seus lindos
caracóis castanhos pendendo soltos sob um chapéu de caça e um traje de
montar tão cumprido que tinha de erguê-lo com as mãos para não pisar nele
(BRONTË, 2009, p. 49).
Diante disso, nos pareceu claro o quanto o espaço influenciou o comportamento da
personagem Catherine que até o que se mostra no trecho anterior não possuía nenhuma
preocupação com a aparência, antes se demonstrava livre e em constante contato com os
elementos da natureza, não possuindo em si os bons modos pregados pela família Linton, que
ao contrário do “Morro dos Ventos Uivantes”, demonstrava a partir do espaço descrito um
conceito de nobreza e civilidade, onde Catherine a partir do contato com o novo ambiente não
só ficou vislumbrada, mas viu-se na necessidade de adaptação àquela nova realidade.

Em virtude disso, podemos perceber que a relação espaço e personagem caracterizam-


se como um esboço pensado rigorosamente para cumprir o fim de apoiar essas figuras junto
com a definição social de forma indireta conforme relata Lins (1999), isto porque mesmo as
propriedades sendo próximas uma da outra, a “Granja dos Tordos” denota desde o ambiente
minuciosamente descrito como pertencente a uma família de uma condição social superior e
que transparece o conceito de superioridade europeia, enquanto o “Morro dos Ventos
Uivantes” contrapõe-se com a adoção de Heathcliff, tornando-se este um membro da família
Earnshaw, dando a entender assim uma forma de hibridismo e perda da hegemonia prevista.
Conforme o que fora dito anteriormente, destacamos por fim o seguinte trecho:
[...] O telhado não tinha forro, exibindo-se em toda a sua nudez, aos olhares
curiosos, exceto nos locais onde ficava escondido atrás de uma prateleira
suspensa cheia de bolos de aveia, ou atrás de presuntos defumados, de vitela,
carneiro e porco, que pendiam das traves em fileiras. [...] O sr. Heathcliff
porém, contrasta singularmente com o ambiente que o rodeia e o modo como
vive. É um cigano de pele escura no aspecto e um cavalheiro nos modos e no
trajar, ou melhor, tão cavalheiro como tantos outros fidalgotes rurais – um
pouco desmazelado talvez, sem contudo deixar que essa negligência
amesquinhe o seu porte altivo e elegante, se bem que taciturno. (BRONTË,
2009, p.6-7)
Em razão disso, podemos perceber o aparente contraste entre o ambiente que
Heathcliff reside e a sua psicologia, observado em um primeiro momento pelo Sr. Lockwood,
que o descreve como possuindo um porte e trajar elegante, ao contrário, do ambiente que o
rodeia, visto que este não possuía nenhuma sofisticação, arquitetura ou mobília extraordinária
para o bem estar de um homem com a sua relevância, despertando no então narrador-
personagem questionamentos e reflexões acerca daquela situação, na qual podemos perceber
como: “[...] há desígnios precisos ligados ao problema espacial: intenta-se, por um lado,
concentrar o interesse nas personagens ou nas motivações que as enredam [...]
(LINS,1999,p.65)”. Por isso, o espaço no qual reside Heathcliff está diretamente ligado a ele,
tendo em vista a sua condição como cigano de pele escura, de origem desconhecida e adotado
pela família Earnshaw.

Nesse sentido, no tocante a teoria do espaço esse aparente contraste não passa de um
“disfarce” e decorre do fato da narrativa ser organizada in medias res, ou seja, a partir do
desenvolvimento da história e não do início propriamente dito, contudo, o narrador-
personagem desconhece os fatos anteriores da história, que só sabe mais adiante por meio das
memórias psicológicas de Nelly Dean, portanto, observa-se nesse trecho a consequência e não
a causa anterior, o que justifica o questionamento por parte do Sr. Lockwood sobre a
contradição entre Heathcliff e o espaço no qual ele reside, além do mais o Sr. Lockwood tem
apenas uma primeira impressão sobre o Sr. Heathcliff, que é modificada a partir de um
contato mais próximo com ele, no qual fica evidente o quanto o ser psicológico de Heathcliff
se relaciona com o ambiente ocupado por ele, tendo em vista que vivera naquele espaço
simples sem muito luxo, condicionado ao papel de inferior, devido à questão social e racial.

Em suma, vale considerar ainda a ideia de tempo que transcorre no espaço de ambos
os trechos, sendo os dois primeiros como característicos do tempo psicológico, muito embora
o segundo trecho expresse a ideia de identificação de um período através da expressão cinco
semanas, isso é insuficiente para considerá-lo como característico do tempo cronológico, visto
que o relato é fruto das memórias de Nelly Dean, enquanto o último pertence aos relatos do
Sr. Lockwood, o narrador-personagam, que identifica o período através de datas especificas
que compõem a ordem de desenvolvimento da narrativa, podendo ser considerado, portanto,
como tempo cronológico, muito embora se perceba uma prevalência do tempo psicológico em
relação à história.
Outrossim, podemos perceber ao longo da história um conflito entre o comportamento
dos personagens e os valores morais, políticos e religiosos pregados pela sociedade da Era
Vitoriana, a qual valorizava o matrimônio como uma forma de conservar a dignidade das
famílias, sobretudo as de classe média alta, que no caso de Catherine até tenta de início
desviar-se dessa regra, mas no final acaba se submetendo a ela por meio de sua união com
Edgar Linton, visto que enxergava no seu matrimônio uma forma de livrar Heathcliff da
submissão e constantes humilhações de Hendley, que por sua vez, não aceita Heathcliff como
irmão adotivo, de modo que tira dele o acesso a educação, que antes lhe ofertada por seu pai,
nesse caso, o tornando um simples empregado deixando claro que: ‘[...] entre o colonizador e
o colonizado estabeleceu-se um sistema de diferenças hierárquica fada a jamais admitir um
equilíbrio no relacionamento econômico, social e cultural (BONNICI, 2009,p.228)”.

Por essa razão, a união de Catherine com Heathcliff não seria bem vista e muito menos
aceita por aquela sociedade, tendo em vista que os casamentos daquela época eram em sua
maioria arranjados e como o irmão dela gostava da família Linton, por vê na união da irmã
com Edgar não apenas a continuidade da linhagem dos Earnshaw, mas a certeza de ascender
ainda mais socialmente, por essa razão, o maior impedimento à união dos dois consistia na
tradição seguida dos valores morais, tudo isso impregnado pelo discurso etnocêntrico, uma
vez que como podemos perceber: “Entre o colonizador e o colonizado havia o fator raça, que
construía um relacionamento injusto e desigual (BONNICI,2009,p.228).” Por isso, para
aquela sociedade Heathcliff não tinha como vencer Edgar. Além disso, ainda é evidente na
narrativa a falta de interesse de Catherine e Heathcliff em seguir os rituais religiosos e os
preceitos ensinados pela religião cristã, mostrando-os como quase descrentes em relação a fé.

Ainda Com relação a isso, quando Heathcliff volta decido a vingar-se de todos que
impediram de forma direta e indireta a união dos dois, ele aparenta em um primeiro momento
ter adquirido fortuna e consequentemente uma civilidade no modo de se vestir e portar na
presença dos outros, surpreendendo até Catherine, mas logo veio a notícia que tudo quanto
adquirirá até então era fruto de esperteza e desonestidade, que continuo a praticar com a
intenção de casar-se com a irmã de Edgar para herdar a “Granja dos Tordos”, pois o “Morro
dos Ventos Uivantes” já era praticamente dele, uma vez que Hindley havia empenhorado a
propriedade com tantas dívidas de jogo e bebida, condição esta ocasionada por incentivo de
Heathcliff, diante disso, casos como esses eram muito criticados naquela época, pois prezava-
se pela honestidade .
Enfim, não é difícil compreender porque o romance não foi bem aceita na época em
foi lançado, sofrendo grandes críticas visto que mostrava um olhar mais realista além de uma
forte violação à honestidade, no qual se evidência Heathcliff como uma pessoa que enriquece
de forma ilícita e se aproveita dos bens que tem para pôr em prática seu plano de vingança,
colocando em cheque a imperfeição humana e com isso mostrando um aspecto sombrio do ser
humano desestabilizando o equilíbrio entre a luz e as trevas, pois frisava mostrar os defeitos
em meio à ideia de perfeição que se vinculou a Era Vitoriana, durando esta cerca de seis
décadas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com todos os aspectos explorados ao longo desse trabalho, podemos


perceber a importância da categoria espaço quando considerada as suas possíveis funções
associada a uma temática específica ainda mais quando se percebe uma relação sistemática
dessa categoria com outra tão valorizada nas análises como é o caso dos personagens, sendo
essa relação considerada como um fator importante para uma análise mais justa e minuciosa,
ampliando o campo de possibilidades de interpretação não se detendo a afirmações vagas e
inquestionáveis.

A partir disso, podemos observar ao longo da análise o quanto o espaço apresentava


descrições acerca do lugar onde se desenvolviam as ações das personagens, reforçando com o
isso a influência exercida sobre elas, refletindo inclusive o seu modo de ser e
consequentemente uma possível intenção acerca desses usos, além disso, a escolha da
temática surgiu a partir da observação dessa relação que aparentemente de forma discreta
reforça o sistema de concepções oriundos da colonização, onde os valores morais prevaleciam
em torno do ideal de superioridade do homem branco europeu, a qual se pode perceber uma
denuncia a causa das mazelas sociais, que se repercutem individualmente.

Com isso, deixamos claro que essa análise representa uma das possíveis interpretações
acerca dessa categoria na obra, não se configurando em uma afirmativa única, considerando
que a utilização de outra temática pode vir a alterar essa interpretação, antes nos propomos a
evidenciar a relevância da respectiva categoria para o estudo da análise literária, que
percebemos ser frequentemente desconsiderada em detrimento das outras, sendo utilizada
apenas para fins de identificação de um lugar onde ocorre a história, não dando interesse as
funções desta, portanto, no tocante ao objetivo pretendido que originou esse trabalho,
acreditamos tê-lo alcançado bem como esperamos ter despertado o interesse pela análise da
categoria espaço tendo em vista as suas funções.

REFERÊNCIAS

AHLQUIST, Dale. [Lecture 24] The Victorian Age in Literature.


https://www.sociedadechestertonbrasil.org/a-era-vitoriana-na-literatura/. 2013. Acesso em 12
de maio de 2018.
BONNICI, Thomas. Teoria e Crítica Pós-colonialistas. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia
O. (Org). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3ª ed.
Maringá: Eduem, 2009.
BRONTË, Emily. O Morro dos ventos uivantes: o amor nunca morre. Trad. CHAVES, Ana
Maria. São Paulo: Lua de Papel, 2009.
FRANCO JR, Arnaldo. Operadores de Leitura da Narrativa. In BONNICI, Thomas; ZOLIN,
Lúcia O. (Org). Teoria literária: abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3ª ed.
rev. e ampl – Maringá: Eduem, 2009.
GANCHO, Cândida Vilares. Como analisar narrativas. São Paulo: Ática, 1995.

LINS, Osman. Lima Barreto e o espaço romanesco. São Paulo: Editora Ática, 1999.

MOISÉS, Massaud. A criação literária: prosa I. 20 ed. São Paulo: Cultrix, 2006.

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