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A (DES) CONSTRUÇÃO DA SUBJETIVIDADE FEMININA NO ANÚNCIO DA

NATURA "SOU MAIS QUE UM RÓTULO"

Roberta Bezerra Marinho1


Rosângela Félix de Oliveira2
Douglas de Oliveira Guedes3

RESUMO: O sujeito não está dado a priori, visto que se constitui no interior da
história, ou seja, é a cada instante fundado e refundado por meio dela. Com isso, esta
pesquisa tem como propósito analisar o anúncio publicitário da Natura sob o slogan
“Sou mais que um rótulo” com o intuito de identificar as construções discursivas acerca
do sujeito mulher no decorrer da história, bem como apontar as relações de saber/poder
que constituíram o sujeito feminino em decorrência dos efeitos de verdade cristalizados
pelo discurso médico, espartano, sociológico e religioso. Para tanto, busca-se perceber
como ocorre a produção de subjetividade feminina na atualidade em torno de uma
(des)construção dos modos de ser mulher. Metodologicamente, este estudo é de
natureza qualitativa e caráter descritivo-interpretativista, cuja investigação baseia-se nos
postulados teóricos da Análise do discurso de linha francesa, tendo como respaldo
teórico as contribuições de Foucault (1995; 2016), Fernandes (2008), Mcgushin (2008),
dentre outros. Assim, pôde-se perceber como a materialidade verbo-imagética, isto é, os
enunciados verbais e não verbais se configuram como um intradiscurso que retoma a
memória discursiva acerca de tais discursos. Em síntese, é possível depreender como
tais saberes resultaram em relações de poder que produziram uma singularidade coletiva
ao sujeito mulher, tornando-a um objeto de estudo a partir da exterioridade, com a
produção de verdades sobre o corpo, cabelo e comportamento em uma oposição
feminino/masculino em função de uma feminilidade intrínseca à mulher.

PALAVRAS-CHAVE: Subjetividade. Verdade. Sujeito mulher. Anúncio da Natura.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Na Era contemporânea, a discussão em torno do que constitui o sujeito feminino


ganhou espaço até mesmo na publicidade, uma vez que com o advento da internet e a
disseminação dos meios de comunicação em massa como a televisão e as mídias

1
Graduanda de licenciatura em Letras Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas, pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN, cursando o 8º período no Campus
Avançado de Patu-CAP, e-mail: roberttamarinho@hotmail.com
2
Graduanda de licenciatura em Letras Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas, pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN, cursando o 8º período no Campus
Avançado de Patu CAP, e-mail: felixrosangelaoliveira@gmail.com
3
Graduando de licenciatura em Letras Língua Portuguesa e suas respectivas literaturas, pela
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte-UERN, cursando o 8º período no Campus
Avançado de Patu-CAP, e-mail: douglas.f1@hotmail.com
digitais, tornou-se cada vez mais comum depararmo-nos com anúncios publicitários que
propõe uma diversidade quanto aos modos de ser mulher na atualidade, seja quanto ao
padrão de beleza, seja ao renunciar aos rótulos pré-concebidos ao gênero feminino no
decorrer da história.
A maior empresa de cosméticos brasileira tem como missão: o bem-estar-bem –
relações harmoniosas do indivíduo consigo mesmo, com os outros e com a natureza. Em
razão disso, o anúncio publicitário da Natura sob o slogan "Sou mais que um rótulo" se
configura como uma ação atuante do marketing da empresa, visto que demonstra a
partir daí o seu compromisso social com uma questão que ultrapassa gerações de
mulheres, consequentemente, daí surge à pergunta o que é ser mulher no século XXI?
Com o propósito de responder essa pergunta, esta pesquisa de natureza
qualitativa e caráter descritivo-interpretativista tem como objetivo analisar o anúncio
publicitário da Natura sob o slogan "Sou mais que um rótulo" a fim de identificar as
construções discursivas acerca do sujeito mulher ao longo da história, bem como
apontar as relações de saber/poder que constituíram esse sujeito, enquanto que
atualmente há uma (des)construção dos modos de ser mulher. Para tanto, adotou-se
como embasamento teórico as contribuições de Foucault (2008; 2016), Fernandes
(2008), Mcgushin (2008), dentre outros.
Este estudo é resultante de um seminário realizado durante o componente
curricular obrigatório Análise do discurso, ofertado pelo Campus Avançado de Patu
CAP/UERN. Naquela ocasião, este assunto se mostrou muito necessário à formação
universitária e crítica dos discentes, uma vez que se tornou possível relacioná-lo à
condição de gênero, de modo a repensar a subjetividade feminina, bem como perceber
as possibilidades de sua existência no contexto atual, ou seja, refletir sobre o que é ser
mulher na contemporaneidade em contraposição ao modo como esta foi constituída no
decorrer de outras temporalidades.
Assim, este artigo organiza-se do seguinte modo: apresentação do panorama de
constituição da Análise do discurso de linha francesa, por sua vez, abordar-se-á o jogo
saber/poder/subjetividade segundo a perspectiva do filósofo francês Michel Foucault,
seguido da análise do anúncio publicitário da Natura, cujo foco é a problemática em
torno do sujeito mulher. Por fim, haverá a exposição dos resultados obtidos com esta
pesquisa, seguido das considerações finais.

A CONSTITUIÇÃO DA ANÁLISE DO DISCURSO DE LINHA FRANCESA


O campo dos estudos da linguagem passou por inúmeras mudanças ao longo do
tempo, sobretudo, no final da década de 1960 com a passagem de uma “linguística da
frase” para uma “linguística do discurso”, que segundo Gregolin (2003) fez com que a
discussão língua e fala fosse retomada, uma vez que a “linguística do discurso”
propunha uma reflexão acerca da relação sujeito, história e discurso, que havia sido
ignorada por Saussure, quando ressaltou a importância da língua, deixando a fala em
segundo plano. Ou seja, houve uma crise epistemológica, cujo objeto abstrato (a língua)
passara a ser concreto (o discurso).
A respeito de tais mudanças, para Orlandi (1986, p. 16 apud Gregolin 2003 p. 2)
existem duas direções que vão se diferenciar quanto ao modo de pensar a teoria do
discurso, uma que entende a investigação dos elementos para análise do enunciado
como uma extensão da linguística, isto é, uma perspectiva americana e a outra que
considera que “não acumula conhecimentos meramente, pois discute seus pressupostos
continuamente. Ela articula o linguístico com o social e o histórico, ocupando-se da
determinação histórica dos processos de significação”. (ORLANDI, 1998, p. 23).
Havia na França uma dupla fundação da Análise do Discurso, de um lado
atribuída a Jean Dubois, lexicólogo famoso e linguista ligado à universidade, que
escreveu o texto considerado o “manifesto” da AD, enquanto que Michel Pêcheux,
filósofo ligado a Althusser, publicou Analyse Automatique du discours, que inaugurou
uma abordagem transdisciplinar, isto é, uma teoria que convoca tanto a linguística
quanto a história e o sujeito, contudo, ambos tinham em comum o fato de estarem
ligados ao marxismo e à política (GREGOLIN, 2003).
Michel Pêcheux é considerado um dos precursores da Análise do discurso de
linha francesa doravante AD francesa, visto que propôs uma disciplina/dispositivo
analítico de caráter transdisciplinar, devido à natureza complexa do discurso que exigia
uma articulação entre diferentes teorias, organizada em um quadro epistemológico, no
qual reunia o materialismo histórico, a linguística e a teoria do discurso. Assim, nos
estudos discursos não se separa forma e conteúdo, visto que a forma material é vista
como um acontecimento da língua em um sujeito que é afetado pela história.
(ORLANDI, 2001). Ou seja, as palavras não têm sentido unívoco, antes atestam
posições sociais, que mantém relação com a memória discursiva ou interdiscurso.
O jogo saber/poder/subjetividade

A princípio, o filósofo Michel Foucault se deteve em investigar de que forma os


saberes se confrontam entre si, ou seja, como certos discursos adquiriram o estatuto de
científico ao passo que outros ficaram soterrados, ou seja, empreendeu um estudo
arqueológico a fim de cavar as camadas sobrepostas, isto é, reconstruir e expor os
saberes que passaram despercebidos pela história global ou tradicional. Assim,
observou como tais saberes produzem, com efeito, a objetificação dos sujeitos, o que
resultou no estudo da história da loucura, da medicina e de certos campos do saber que
tratavam de temas sobre a vida, a linguagem e o trabalho.
Na fase genealógica, interessou-se em investigar as estratégias do poder, o qual
não pertence a um indivíduo ou está sob o domínio de uma classe dominante, mas antes
emerge das relações de forças, as quais fazem com que aquele se prolifere em
sociedade. Além disso, não concebia o poder como uma força negativa, antes o
concebia como um mecanismo produtor de saber. Tais relações de poder podem ser
percebidas pelas técnicas disciplinares utilizadas em instituições como a prisão, o
manicômio, a fábrica, etc. Há nessa fase um encontro do saber com o poder, por sua
vez, Michel Foucault compreende que:

[...] Há provavelmente em toda cultura, em toda civilização, em toda


sociedade, ou pelo menos em nossa cultura, em nossa civilização e em
nossa sociedade, certos discursos verdadeiros referentes ao sujeito
que, independentemente de seu valor universal de verdade, funcionam,
circulam, têm o peso da verdade e são aceitos como tais. [...]
(FOUCAULT, 2016, p.12).

Tais discursos constituem o indivíduo por meios de processos de subjetivação,


concebendo-o como um objeto do saber que precisa ser investigado. Ou seja, a
produção de um discurso verdadeiro sobre o sujeito era feito do exterior por outro,
como no caso do louco, visto que é na medida em que um sujeito é normal que pode
classificar outro como anormal. Igualmente, ocorreu o mesmo com o criminoso, visto
que quem fala sobre o crime não é pessoalmente um criminoso. Ou seja, é nessa medida
que pode ser feito um discurso verdadeiro sobre a loucura, a doença, o crime, etc.
(FOUCAULT, 2016). Em outras palavras, o sujeito é mais falado do que fala.
A subjetivação diz respeito aos processos de constituição do ser humano em
sujeito mediante a divisão deste no interior de si mesmo e por outros, posto que no que
diz respeito ao eixo ontológico saber-poder, a prática da subjetividade é uma atividade
relacional, na qual coexiste o sujeito ativo, isto é, o agente que se expressa na busca
pelo eu como objeto a ser descoberto (MCGUSHIN, 2008). Ou seja, o indivíduo ao ser
transformado em sujeito, torna-se um objeto e sujeito do saber, isto é, o eu hermenêutico
(o objeto) é descoberto por intermédio do eu confessional (o agente ativo) que é
expresso pela técnica da confissão.
Na fase arqueogenealógica, ele buscou investigar os processos de subjetivação a
partir das tecnologias do eu e da governamentalidade. Neste último caso, o sujeito
estabelece uma relação consigo próprio, de modo a produzir novos modos de existência,
o que no caso do código de conduta é um comportamento da moralidade, visto que
“Michel Foucault pensa a subjetividade como historicamente construída a partir de:
saberes sobre o sujeito; práticas de governo sobre os indivíduos, técnicas de si, que
possibilitam transformações nos/pelos sujeitos. [...]” (FERNANDES, 2008, p.80).
No caso do sujeito mulher esta foi constituída como destinada ao espaço
doméstico, privando-a desde o período da Antiguidade Clássica de ter espaço e voz nas
discussões da Pólis grega. Por sua vez, a maternidade foi constituída não como uma
escolha, mas como um sistema de obrigação, visto que se a mulher possui um útero é
para procriar, e acaso rejeite esta experiência que lhe foi destinada pela natureza será
concebida como pecadora, egoísta, uma vez que segundo o discurso corrente: “toda
mulher nasceu para ser mãe".

ANÚNCIO DA NATURA “SOU MAIS QUE UM RÓTULO”: OS DIVERSOS


MODOS DE SER MULHER NA ATUALIDADE

A Natura lançou no dia vinte e quatro de agosto de dois mil e dezenove a


campanha publicitária da linha Natura todo dia, produzida pela Agência Africa sob o
slogan “Sou mais que um rótulo”. A exibição do anúncio publicitário ocorreu no dia
vinte e seis na plataforma de vídeos Youtube e na televisão por meio da emissora de
televisão Globo. Tal anúncio publicitário chamou a atenção do público em geral,
especialmente o feminino, que pôde perceber personalidades como Cléo Pires, Iza, Kyra
Grace, Alexandra Gurgel, dentre outras.
Nos dias atuais, torna-se notório como a televisão e o entretenimento divertem as
pessoas, fazendo-as sentirem coisas, mas também as treinando para formar a sua
imaginação acerca de imagens concretas do que gostam, bem como do que gostariam de
ser e como deveriam agir, por sua vez, o marketing faz o mesmo só que de modo menos
eficaz. (MCGUSHIN, 2008). Ou seja, as pessoas passam por processos de subjetivação,
nos quais são constituídas enquanto sujeitos. Neste caso, ao mesmo tempo em que há
uma desconstrução do sujeito mulher, também há uma construção, com o incentivo aos
diversos modos de ser mulher na atualidade, como se pode perceber a seguir.

Figura 1: A (des) construção do sujeito mulher

Fonte: https://maisminas.org/

Para compreender o aparecimento desse enunciado e não outro em seu lugar


como sugere Foucault (1955) é importante compreendê-lo não só como uma
materialidade verbo-imagética, mas principalmente como um acontecimento que se
torna singular pela sua emergência, isto é, pelo contexto sócio-histórico atual no qual as
mulheres recusam os rótulos pré-concebidos a si próprios, inclusive os contestam. Este
acontecimento discursivo mantém uma descontinuidade em relação às práticas sociais
de outras temporalidades históricas, as quais constituíram uma subjetividade feminina,
ou seja, um modo de ser mulher.
A respeito do porte físico, a mulher com uma prótese na perna retoma o discurso
espartano, uma vez que na Antiguidade Clássica, as mulheres dispunham de uma vida
mais dinâmica, com participação em treinamentos militares e exercícios físicos, no
entanto, tais práticas tinham como finalidade a procriação de filhos saudáveis caso
contrário os bebês incapacitados para a guerra deveriam ser mortos. No corpus em
questão, há também mulheres consideradas culturalmente como “acima do peso",
"anorexas" e com o corpo “ideal”. Tais efeitos de verdade dizem respeito à ideia do
corpo saudável e perfeito, cujos sujeitos foram constituídos pela indústria da beleza.
A (des)construção discursiva pode ainda ser percebida pelos cortes e cores de
cabelo, posto que o cabelo curto configura-se sócio-historicamente como uma
característica do sujeito masculino, enquanto o cabelo longo está atrelado ao feminino,
tendo em vista que o discurso religioso propaga que: “ Mas ter a mulher cabelo crescido
lhe é honroso, porque o cabelo lhe foi dado em lugar de véu”. (1 coríntios 11: 15). Por
isso, ainda reverbera o discurso corrente: “mulher que usa cabelo curto não é feminina”.
Ao raspar o cabelo inteiro ou pintá-lo colorido, a mulher torna-se socialmente alvo da
sexualidade lésbica.
Ainda com relação ao corte de cabelo, há um discurso verdadeiro na Sociologia,
visto que em seu artigo Vergonha e glória: uma sociologia do cabelo, o sociólogo
britânico Anthony Synnott afirma que “O cabelo é um dos nossos símbolos mais poderosos
de identidade individual e de grupo – poderoso, primeiramente, porque é físico e, portanto,
extremamente pessoal e, segundo, porque apesar de pessoal também é público, e não privado
[...]” (SYNNOTT, 2002, p. 103 apud QUINTÃO, 2013, p.31). Ou seja, há uma
configuração do tipo corte de cabelo masculino/feminino. Pode-se perceber ainda a
presença do cabelo estilo Black Power como símbolo de luta e resistência aos processos
de alisamento, que constituíram o cabelo crespo como feio e ruim.
Grosso modo, o cabelo cacheado/crespo não é mais tido como "cabelo ruim"
como já foi visto outrora, tendo em vista que se tornou comum a valorização do cabelo
natural, graças ao processo de transição capilar que ganhou força e visibilidade.
Semelhantemente, o cabelo ruivo já não representa perigo ou desperta desconfiança
como já foi visto no Egito Antigo e na Grécia Antiga, visto que até Judas chegou a ser
representado como ruivo. Antigamente, durante a Santa Inquisição (1542-1965), a cor
fora associada ao mal, o que fez com que o Tribunal do Santo ofício perseguisse as
mulheres, condenando-as como bruxas.

Figura 2: A retirada dos rótulos pré-definidos ao sujeito mulher


Fonte:https://exame.com

Em primeiro lugar, o enunciado "histérica" retoma o discurso médico no que


concerne à sua origem atrelada à figura feminina, posto que na Grécia Antiga o
diagnóstico da neurose histérica ou histeria de conversão se configurava como uma
verdade, isto é, uma construção discursiva acerca do sujeito mulher, uma vez que
Hipócrates (460-377 a.C) supunha a histeria como uma doença orgânica de origem
uterina. Para tanto, nada surpreende que o termo seja derivado da palavra grega
“hystera” que significa útero. Ou seja, estaria ligada a falta de relações sexuais, cuja
ausência da umidade do sêmen masculino afetaria a matriz (útero).
Já na Idade Média (séc. V ao XV) a histeria passou a ser o foco da Teologia sob
as ideias de Santo Agostinho (354-430 d.C.) que concebia o homem como ser completo
em contraposição à mulher que necessitava do seu sêmen para gerar novas vidas (cf.
TOLDY, 2010, p. 176 apud RAGO, 2020, p. 219). Ou seja, a mulher seria apenas um
receptáculo da seiva geradora de vida. Ainda segundo tal construção, a mulher era uma
tentação demoníaca, posto que "O homem, dotado de uma alma imortal, seria sujeito a
tentação pelo não cumprimento de seus deveres religiosos ou por não conduzir a sua
vida dentro do espírito cristão" (RAMADAM, 1985, p. 55 apud BELINTANI, 2003 ,p.
57).
Neste sentido, tal efeito de verdade serviu como fundamento para à Inquisição
perseguir e matar diversas mulheres. No entanto, na atualidade a qualificação histérica
volta-se mais para a emotividade excessiva, isto é, a emoção como um aspecto
“inerente” ao feminino, por isso, não é à toa que ainda é comum o discurso corrente
“tudo nas mulheres é emoção, inclusive a cabeça”. Já quanto ao enunciado “sem sal”
corresponde à noção de sem graça, ou seja, alguém considerada normal sem nenhum
atrativo físico, posto que há uma exigência social para que a mulher cuide da própria
aparência, isto é, seja vaidosa.
De modo semelhante, o enunciado brava retoma o discurso médico da
instabilidade emocional da mulher, uma vez que supostamente ao ficar irritada já seria
um sintoma da Tensão pré-menstrual (TPM), posto que ao ser contrariada acaba
tornando-se uma pessoa briguenta, ou seja, fora de si, descontrolada. Desse modo, tais
saberes quer científicos ou não, produziram um modo de ser mulher ao longo da
história, que resultou em uma série de efeitos de verdades, por isso, a transformação
feminina ocorre pelas práticas sociais que se proliferam em sociedade, as quais
instituem uma singularidade ao sujeito mulher.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que já fora exposto anteriormente, pode-se perceber como o sujeito


mulher foi constituído ao longo da história, segundo as condições de temporalidades
como a Antiguidade clássica, com o discurso espartano acerca das condições físicas
adequadas para procriar filhos saudáveis, bem como na Idade Média (séc. V e XV) com
a construção discursiva que a mulher era um ser incompleto, isto é, apenas o receptáculo
da seiva geradora de vida, sobretudo, como um objeto a ser investigado pela
exterioridade, pelos saberes médico, religioso e sociológico. Ou seja, o sujeito não está
dado a priori, mas é fundado e refundado pela história.
Já atualmente há as construções acerca do corpo saudável e perfeito propagado
pela indústria da beleza, bem como a antiga verdade do corte de cabelo em
masculino/feminino, que estabelece como verdade uma feminilidade intrínseca ao
sujeito mulher, obrigando-a a ter o cabelo longo e ser vaidosa. Por outro lado, o anúncio
da Natura sob o slogan “Sou mais que rótulo” propõe novos modos de ser mulher,
incentivando-as a não seguir um modelo pré-estabelecido, mas a questionar se há a um
único modo de ser mulher no século XXI, o que resulta em novas verdades e novos
modos de existência.

REFERÊNCIAS

BARBOSA, Vanessa. Campanha da Natura condena rótulos e promove "bactérias


do bem". 2019. Disponível em:
https://exame.com/marketing/campanha-da-natura-condena-rotulos-e-promove-bacteria
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https://maisminas.org/natura-propoe-movimento-feminino-soumaisqueumrotulo/ acesso
em 21 de setembro de 2019.

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GREGOLIN, Maria do Rosário. Análise do discurso: lugar de enfrentamentos teóricos.


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Curso de Antropologia, Programa de Pós-Graduação em Antropologia, Universidade
Federal Fluminense, Niterói, 2013. Cap. 1. Disponível em:
http://ppgantropologia.sites.uff.br/wp-content/uploads/sites/16/2016/07/O-QUE-ELA-T
EM-NA-CABECA_-Um-estudo-sobre-o-cabelo-como-performance-identitaria.pdf.
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BRAGA, Amanda (org.); et al. Por uma microfísica das resistências: Michel Foucault
e as lutas antiautoritárias da contemporaneidade. Campinas-SP: Pontes, 2020. Cap. 8. p.
207-227. Organizadores: Amanda Braga e Israel de Sá.

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